1.0 Introdução.
A ideia contida no título em epígrafe, certamente, conduzirá a mente analítica do leitor à conclusão de que se esteja diante de um monumental paradoxo sem o menor sentido.
De fato, como poderia o sumo direito conduzir a sociedade ao sumo estado de injustiça, se ele é o maior instrumento de pacificação que o homem conseguiu idealizar, implantar e aperfeiçoar?
Toda sociedade que se diz moderna e civilizada é possuidora de riquezas, de tecnologias, de leis e de Tribunais que vão garantir justiça, paz, harmonia e prosperidade, com a aplicação do Direito.
Em parte, isso é verdade. E nosso objetivo não é negar o relevante papel que o Direito tem prestado para o crescimento físico, moral e intelectual do homem.
O que pretendemos sugerir é que a relação entre os homens e o Direito culmine em algo mais sutil, refinado, gratificante e engrandecedor.
2.0 A limitação do cognoscente.
Não podemos olvidar que nosso cognoscente é limitado e que nossa existência é relativa.
Esse fato não nos permite conhecer o absoluto diretamente.
Assim, não existem direitos absolutos, não entendemos verdades absolutas e, tampouco existimos de forma absoluta.
Entendemos pequenas verdades, verdades parciais, de natureza superficial e quantitativa que se coadunem com uma percepção de matriz utilitarista e meramente intelectual.
Ocorre que, enquanto a lógica intelectual se limita na dualidade e na fragmentação, ou seja, fica restrita ao campo das meias verdades, a sabedoria, ao contrário, nos conduz a um ponto superior.
Esse ponto transcende o reino das relatividades, é justamente onde podemos encontrar o uno que habita no centro da verdadeira verdade.
O homem intelectual regido exclusivamente pela lógica jurídica caminha pela existência aprisionado por um dos extremos da realidade onde existe a possibilidade de ser autor ou réu, de ganhar ou de perder, de lucrar ou de ter prejuízo.
Caminhando em um dos extremos, o homem se torna fragmentado e desequilibrado.
O desarmonizado, por estar incompleto, tende a buscar a completude no local e com as ferramentas que estiverem ao seu alcance.
Seus sentidos lhe sugerem que a plenitude esteja no extroverso, para fora de si, é para onde lhe guiam seus falsos sentidos.
As ferramentas de busca são seus sentidos, a luta e a ação .
Sua mente lhe sugere: aja! Fale! Verbalize! Lute pelos seus direitos. Lute para salvar o eu, o teu ego.
Assim age o homem intelectual.
Deste modo a guerra apenas sai dos campos de batalha e atinge os Tribunais.
Fluindo além dos extremos, do direito ou do torto, do justo ou do injusto, do agir e do não agir, está o sábio que vive de forma leve e suave.
O sábio não procura entender a Justiça de forma analítica e fragmentada.
Ele compreende e vive com sua alma a justiça de forma luminosa, paciente e tolerante.
O ponto de partida rumo às verdadeiras verdades é o paradoxo, pois as grandes verdades surgem sempre em forma paradoxal: perder pra ganhar, morrer para viver, renunciar para possuir, dar para receber e ceder para vender.
Esse é nosso desiderato com esse texto, uma busca pela profunda compreensão da Justiça, a fim de vivermos próximos da paz e da harmonia.
Mas vira e mexe, no nosso caminhar cotidiano está sempre cercado pelas relatividades, fragmentação e meias verdades com as quais nossa mente nos presenteia.
Nossa vocação: eternos desafios entre o ter e o ser, entre o ser e o existir, entre o entender e o compreender.
3.0. Conhece-te a ti mesmo.
Toda jornada que vale a pena ser trilhada está comprometida com a busca pela verdade, pois a verdade liberta o homem das trevas da incompreensão.
Quem é você de verdade?
A evolução do homem começou pelo seu físico, guiada pelos seus sentidos e instintos.
Seguiu pelos canais binários da mente, dos pensamentos, das emoções.
E no terreno mental do livre arbítrio, sua intelectualidade lhe permitiu julgar sem parar a utilidade prazerosa das coisas.
Foram alimentados desejos infindáveis por novas conquistas, por gozos, por prazeres imediatistas e por astutas estratégias de dominação, fruição e acumulação.
A necessidade foi substituída pelo desejo ilimitado.
A medida da dignidade foi substituída pela acumulação desmedida.
O inconsciente instintivo do seu lado animal, agora acrescido da intelectualidade serviu de alicerce para a civilização que conhecemos.
Já se perguntou em quais bases de sustentação surgiram os primeiros grandes impérios da humanidade?
Lentamente, ora por instinto, ora guiado pela semi-consciência foi crescendo pela força, cobiça, paixões, estratégias, rivalidades, intolerância, guerras, destruição, violência, dominação, tiranias, corrupção e acumulação.
Basta uma breve leitura pelos livros de história.
Veremos que desde o surgimento da Suméria até os dias atuais a palavra que simboliza a síntese histórica, onde o passado encontra o presente chama-se: guerra.
Seja no campo de batalha, seja na formalidade erudita dos Tribunais, o homem sobrevive cercado de guerra.
O homem da idade das trevas, que negava a ciência e que mergulhava no mais obscuro dogmatismo religioso era o guerreiro das santas cruzadas e o inquisidor combatente das potestades do mal.
O homem científico, agora redimido pelo iluminismo renascentista, decidiu romper com esse paradigma pretérito e que seu destino seria traçado pela lei e pela razão.
A lei e a ciência foram defendidas como instrumentos seguros de salvação.
Ela traduziria a vontade geral da nação e seria a expressão nacionalista da maior racionalidade democrática e liberal.
Ocorre que vivendo sob a égide do método científico, da lei e do Direito, os impérios econômicos e tecnológicos não cessaram de surgir e de guerrearem entre si por um lugar de destaque na humanidade.
E dentro dessa lógica do passado, que se repete no presente, o destino da Terra tem seguido por flagelos mundiais de natureza econômica, degradação ambiental, possibilidade de extinção nuclear e demais mortificações.
O homem pós-moderno racionalista, analítico e intelectual é praticamente o mesmo homem da idade das trevas.
O homem continua vivendo nos excessos, nos desgastes, na incerteza, na angústia, nas preocupações, no desespero, e na miséria.
A grande diferença é que o neandertal não tinha compreensão dessa realidade.
O que a pós modernidade nos tem legado, então?
Injustiça, desordem, desequilíbrio.
Por que?
Porque o homem saiu da fase do instinto sensitivo e mergulhou no poço do egoísmo racional e tem usado toda sua energia intelectual para justificar sua permanência nessa fase evolutiva.
O homem se transformou num egoísta intelectual.
Com base na tirania do ego intelectual foi criada uma noção distorcida da vida, da sociedade, do Direito e da autoridade.
Segundo essa percepção egóica, o homem seria vocacionado para viver no seio social e o Direito com suas fontes e seus operadores, seria o único instrumento capaz de lhe restituir a paz e a harmonia perdidas nos conflitos sociais.
E quando foi o tempo em sua história que o homem desfrutou de paz e harmonia?
Simplesmente em nenhum momento.
Por que?
Por que no passado fizemos a opção de construirmos nosso futuro com alicerce no ego físico-mental.
Decidimos pelo ter, pelo desejar, optamos pelo conflito.
Infelizmente, o Direito não tem conseguido por termo ao conflito.
Ele tem sido reduzido a um instrumento que tão somente legitima uma disputa institucionalizada pela acumulação de bens e honrarias.
Reduzido e empobrecido dessa maneira o Direito tem se transformado em um mecanismo a serviço do egoísmo, pois tutela bens, a cobiça e os conflitos.
Aplicado dessa forma, o Direito desconstruiu justamente aquilo que ele deveria tutelar, ou seja: a paz.
Nos tornamos intelectuais, acumulamos conhecimentos, bens e desejos.
Erigimos uma sociedade do ego.
Nela o sábio não tem onde reclinar sua cabeça.
O sábio ainda não tem uma pátria onde possa repousar em paz.
Ele ainda busca parceiros para construir um mundo de paz e harmonizado com o verdadeiro Direito.
4.0 A sociedade do ego.
É a sociedade que construímos ao longo do tempo, com a ajuda de individualismos nacionalistas, apelos territoriais, guerras, mente e tecnologias.
É uma sociedade coisificada. Baseada no ter. Na acumulação de tudo aquilo que promove satisfação aos sentidos e aos instintos.
Seu valor está nas coisas físicas. No prazer, nas torrentes emocionais, nos desejos, na erudição, na eloquência, no fluxo incessante de pensamentos.
A autonomia das partes atinge limites extremos em detrimento da noção do todo.
É uma sociedade extremada, ruidosa, quantitativa, consumista e poluente.
O sistema de Direito adotado termina por se perder na quase infindável miríade de leis, conflitos e de julgamentos.
A lei é a guardiã dos bens e dos benefícios.
O homem é ensinado a desejar mais e mais e sua felicidade é medida pelo grau de acumulação e fruição das coisas.
Aqui, o interesse e a perspectiva de vantagem determinam o agir que não precisa ser sincero.
A grande parte das pessoas somente percebe e conhece a presença formal e objetiva do Direito.
Os desejos, as satisfações e os lucros são as amarras que mantém os homens ligados entre si.
A Ética caminha relativizada, tíbia e forjada.
O Direito passa a ser sinônimo de egoísmo e ambição.
A superficialidade da ação determina. As pessoas seguem autômatos mandamentos externos e ritualismos dogmáticos.
O grande volume de prescrições legais, de julgamentos, de proibições e de interesses pessoais, multiplicam os conflitos e acabam produzindo mais desordem, criminosos, pobreza e revoluções.
As pessoas buscam exaltação, fama, riqueza e poder. Todos querem deixar registros de sua passagem pelo mundo e se envaidecem com suas ações.
O bem geralmente passa despercebido, mas o mal é de súbito identificado, noticiado e declarado.
O poder procura decretar a ordem com base na possibilidade do uso da força.
Pessoas inflexíveis procuram superar as diferenças por meio de lutas, discussões e demais formas institucionalizadas de violência.
O homem egóico confunde sucesso com grandeza e prazer com felicidade.
É um homem regido por circunstâncias externas, sobre as quais não possui nenhum domínio e, por tal motivo, vive sujeito às frustrações e infelicidades.
As teses decisórias são erigidas com o auxílio de mentes brilhantes que tais quais habilidosas aranhas, tecem a vitória dos grandes numa estratégica teia feita de tradicionais e ultramodernas teorias.
Por fim, os julgamentos não têm o condão de pacificar porque não eliminam dos corações dos vencedores o desejo por mais lutas e conquistas.
Tampouco, as sentenças retiram dos corações dos réus o desejo por vingança e revanche.
A lei pode conter por algum tempo a violência física ou verbal entre os homens, mas permanece incólume a silenciosa violência mental.
E, caso a guerra esteja latente na parte não perceptível da mente, mais cedo ou tarde eclodirá em forma de ações.
5.0. O Direito na sociedade dos sábios.
Segundo o mestre Lao Tsè, essa sociedade se baseia no ser.
Com poucas prescrições e mais virtudes espontâneas que brotam sem cessar do silencio e da quietude interior.
Os atos seriam genuínos e desinteressados.
Os princípios seriam vividos subjetivamente. Nos corações dos homens.
O sábio sabe que a exaltação gera rivalidade, cobiça e guerra entre os homens.
O sábio guia-se pela sabedoria interna e ela não possui preferências e o silêncio produz a força necessária para que o desinteressado consiga se realizar.
O sábio é adaptável, prestativo, serve, não exige nada e não se opõe a ninguém.
É sincero, sereno e incontaminável.
O sábio não se envaidece com sua obra e não deixa rastros de sua passagem.
Sempre auxilia a aperfeiçoar os homens e não vê o mal nos outros.
Compreende que o valor das coisas físicas reside na metafísica e evita viver nos excessos. E os homens passaram a viver por pouco por conta dos excessos.
São inúmeros os desgastes emocionais, o excesso de alimentação, de preocupações, de angústias e de ambições.
O sábio sabe que a preservação da energia vital é fundamental para se ter uma vida mais saudável e longeva.
Aquele que se entrega aos prazeres e excessos da vida, entrega-se prematuramente ao poder da morte.
Não se esgota quem refreia os sentidos, conserva suas forças e permanece maleável e flexível.
Contenta-se com o necessário e vive numa paz imperturbável, pois a guerra se alimenta de excesso de ganância e de mania de sucesso.
O sábio não se apega as coisas e nada perde. Seu desejo é não ter desejos. O que aos outros parece insignificante, para ele é importante.
São cautelosos, reservados, amoldáveis, autênticos, ponderados e gratos.
Esvaziam seus corações de desejos e os preenchem de silêncio, aceitação, gratidão e contemplação.
Falam pouco, ensinam com o silêncio, não se desesperam e se adaptam aos acontecimentos.
Carregam de boa vontade o peso de sua jornada terrestre de forma solidária, tranquila e digna.
São fortes, viris, porém, delicados e ingênuos como uma criança.
Sua humildade, simplicidade e poder interior ajudam a regenerar as relações entre as pessoas e o mundo.
O sábio não aspira ao poder, não conhece ambição ou glória. Segue em paz o ritmo da evolução.
Não faz uso da força, da dominação ou da violência e acaba vencendo todos.
Ele sabe que a violência é prova de fraqueza e que a guerra gera angústia e miséria.
O sábio sabe que decretar a ordem pela violência é incubar desordem e destruição para o futuro.
Somente um possuidor não violento ou beligerante possui realmente o possuído.
O sábio que almeja brilhar como pedra preciosa cai por terra tal qual poeira sem valor.
Sua felicidade não é uma chegada, mas uma jornada.
Sua satisfação repousa na renúncia.
O sábio não é um herói da ação e tampouco da acumulação. Ele é um herói da renúncia.
Procura viver como criança: flexível, puro e em harmonia.
Cala, volta-se para seu ser interno, suaviza, abranda, iguala, conscientiza e unifica-se com o todo.
Sua maior arma é a benevolência que vence pela suavidade e pela recipiência.
Percebe o grande no pequeno e a qualidade nas poucas quantidades.
Assume atitude de eterno aprendiz e nunca se considera mestre de ninguém.
Não discute, não sente raiva, não se irrita, não tiraniza, conserva a paz verdadeira e conduz suavemente.
Vive para fazer o bem aos outros.
Seu fundamento de fazer o bem está em ser bom.
Seu ser bom é viver em harmonia com a sabedoria e a alma universal.