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Competência legislativa e administrativa, áreas de preservação permanente e reserva legal

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13/05/2005 às 00:00
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4. Reserva Legal

            Abordadas as principais questões relativas à competência em matéria ambiental, direcionada ao âmbito florestal, e às áreas de preservação permanente, oportuno traçar alguns comentários sobre a Reserva Legal, que, assim como as APPs, são formas de proteção jurídica especial das florestas nacionais.

            A Constituição Federal, em seu artigo 225 impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. Nesse sentido, incumbe àquele - conforme previsão do inciso III, do §1º - a definição de espaços territoriais a serem protegidos.

            A Reserva Legal, que, dentro deste contesto de proteção, consiste na destinação de uma porção contínua de cada propriedade rural para preservação da vegetação e do solo, está prevista nos artigos 16 e 44 do Código Florestal. Referidos artigos, que, embora sejam extensos, mas devido a sua importância para a compreensão do tópico, abaixo seguem transcritos, referem que as florestas de domínio privado podem ser exploradas, mas com a conservação de um determinado percentual.

            "Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo:

            I – oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal;

            II – trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento na propriedade e quinze por cento na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do §7º deste artigo;

            III – vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e

            IV – vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País;

            §1º O percentual de reserva legal na propriedade situada em área de floresta e cerrado será definido considerando separadamente os índices contidos nos incisos I e II deste artigo.

            §2º A vegetação da reserva legal não pode ser suprimida, podendo apenas ser utilizada sob regime de manejo florestal sustentável, de acordo com princípios e critérios técnicos estabelecidos no regulamento, ressalvadas as hipóteses previstas no §3º deste artigo, sem prejuízo das demais legislações específicas.

            (...)

            §6º Será admitido, pelo órgão ambiental competente, o cômputo das áreas relativas à vegetação nativa existente em área de preservação permanente no cálculo do percentual de reserva legal, desde que não implique em conversão de novas áreas para o uso alternativo do solo, e quando a soma da vegetação nativa em área de preservação permanente e reserva legal esceder a:

            I – oitenta por cento da propriedade rural localizada na Amazônia Legal;

            II – cinqüenta por cento da propriedade rural localizada nas demais regiões do País; e

            III – vinte e cinco por cento da pequena propriedade definida pelas alíneas ‘b’ e ‘c’ do inciso I do §2º do art. 1º.

            §7º O regime de uso da área de preservação permanente não se altera na hipótese prevista no parágrafo anterior.

            §8º A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação de área, com as exceções previstas neste Código.

            §9º A averbação da reserva legal da pequena propriedade ou posse rural familiar é gratuita, devendo o Poder Público prestar apoio técnico e jurídico, quando necessário.

            §10. Na posse, a reserva legal é assegurada por Termo de Ajustamento de Conduta, firmado pelo possuidor com o órgão ambiental estadual ou federal competente, com força de título executivo e contendo, no mínimo, a localização da reserva legal, as suas características ecológicas básicas e a proibição de supressão de sua vegetação, aplicando-se, no que couber, as mesmas disposições previstas neste Código para a propriedade rural.

            §11. Poderá ser instituída reserva legal em regime de condomínio entre mais de uma propriedade, respeitado o percentual legal em relação a cada imóvel, mediante aprovação do órgão ambiental estadual competente e as devidas averbações referentes a todos os imóveis envolvidos."

(grifou-se)

            Art. 44. O proprietário ou possuidor de imóvel rural com área de floresta nativa, natural, primitiva ou regenerada ou outra forma de vegetação nativa em extensão inferior ao estabelecido nos incisos I, II, III e IV do art. 16, ressalvado o disposto nos seus §§5º e 6º, deve adotar as seguintes alternativas, isoladas ou conjuntamente:

            I – recompor a reserva legal de sua propriedade mediante o plantio, a cada três anos, de no mínimo 1/10 da área total necessária à sua complementação, com espécies nativas, de acordo com critérios estabelecidos pelo órgão ambiental competente;

            II- conduzir as regeneração natural da reserva legal; e

            III – compensar a reserva legal por outra área equivalente em importância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma microbacia, conforme critérios estabelecidos em regulamento.

            (...)

            §4º Na impossibilidade de compensação da reserva legal dentro da mesma mcro-bacia hidrográfica, deve o órgão ambiental estadual competente aplicar o critério de maior proximidade possível entre a propriedade desprovida de reserva legal e a área escolhida para compensação, desde que na mesma bacia hidrográfica e no mesmo Estado, atendido, quando houver, o respectivo Plano de Bacia Hidrográfica, e respeitadas as demais condicionantes estabelecidas no inciso III.

            §5º A compensação de que trata o inciso III deste artigo deverá ser submetida à aprovação pelo órgão ambiental estadual competente, e pode ser implementada mediante o arrendamento da área sob regime de servidão florestal ou reserva legal, ou aquisição de cotas de que trata o art. 44-B.

            (...)"

            Portanto, em floresta localizada na Amazônia Legal, 80% (oitenta por cento) será destinada à Reserva Legal. Já nas demais regiões do País, as florestas privadas podem ser exploradas, desde que haja a conservação de 20% (vinte por cento) da cobertura arbórea.

            Veja-se que as áreas de preservação permanente diferem das áreas de Reserva Legal no que concerne à dominialidade, pois enquanto aquelas incidem sobre o domínio público e privado, estas, apenas sobre o privado.

            Assim, no restante da propriedade particular é permitida a exploração e supressão da floresta, mediante prévia autorização do IBAMA ou órgão estadual competente – no RS, por exemplo, é o DEFAP (Departamento de Florestas e Áreas Protegidas) e em SP é o DEPRN (Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais) - desde que não estejam enquadradas como áreas de preservação permanente ou em outro regime de proteção legalmente estabelecido.

            Como as normas relativas à Reserva Legal florestal foram instituídas pela União Federal, apresentam caráter geral. Cabe, portanto, aos demais entes da federação (aos municípios também, se for assunto de interesse local), apenas torna-las mais severas, mas não abranda-las, sob pena de afastar-se do objeto principal: a preservação do meio ambiente.

            A área tida como de Reserva Legal não poderá ser suprimida, mas apenas ser utilizada sob o regime de manejo florestal sustentável, sempre, obviamente, com autorização da autoridade competente e sob sua fiscalização.

            Não há obrigatoriedade de a área a ser destacada como de Reserva Legal ser composta apenas de floresta de porte, podendo abranger área degradada. Esse entendimento é corroborado pelo magistrado Antônio Silveira Ribeiro dos Santos, que assim refere:

            "A Reserva Legal não deve ser obrigatoriamente apenas área de floresta de porte como pode parecer a princípio, mas também pode abranger área degradada. É o que se depreende do disposto na Lei federal nº 8.171/91, que dispõe sobre a política agrária, quando obriga a recomposição da reserva pelo proprietário rural (...)." (17)

            Uma das características peculiares deste instituto de preservação das florestas é a inalterabilidade da sua destinação, da sua finalidade. A exceção fica por conta da superveniência de lei federal. Ou seja, o Poder Executivo não poderá alterar o percentual disposto às reservas, bem como as demais exigências legais que a caracterizam.

            A área de domínio privado a ser estabelecida como de reserva legal será de escolha do órgão encarregado – Poder Público – que se utilizará do seu Poder Discricionário para tanto, o que não significa dizer que deverá faze-la abstraindo-se de certos limites, sob pena de ser arbitrário.

            Em virtude da interpretação dos artigos 16, §4º, e 44, §7º, do Código Florestal, na prática são computadas no cálculo do percentual da área a ser destinada como de Reserva Legal as áreas de preservação permanente. Isso representa um profundo retrocesso na preservação ambiental, pois não obstante estas áreas sejam distintas quanto à função ecológica - conforme estatuído nos incisos II e III do artigo 1º do Código Florestal – visam assegurar uma maior biodiversidade biológica, motivo pelo qual aconselha-se, inclusive, que sejam delimitadas em áreas distintas e contíguas para uma melhor interação dos elementos naturais que a compõe.

            A Reserva Legal, conforme previsto no §8º, do artigo 16, do Código Florestal, deve ser averbada à matrícula do imóvel, no cartório competente. Referida averbação pode ser provocada por qualquer pessoa, nos termos do artigo 217 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015, de 31.12.1973). Para tanto, basta o pagamento das respectivas despesas e do fornecimento de elementos fáticos e documentais. Isso porque as florestas são "bens de interesse comum a todos os habitantes do País" (artigo 1º do Código Florestal) e "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado" (caput do artigo 225 da Constituição Federal).

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            Conforme disposto no inciso III, do artigo 44, também do Código Florestal, acima transcrito, poderá adotar como medida alternativa a compensação da Reserva Legal por outra área equivalente em importância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizado na mesma micro-bacia. Por exceção a este inciso, o §4º, do mesmo artigo, admite a compensação da Reserva Legal por outras áreas localizadas além dos limites da propriedade, "desde que pertençam aos mesmos ecossistemas, estejam localizadas dentro do mesmo Estado e sejam de importância ecológica igual ou superior à da área compensada" (18).

            A compensação deverá, sempre, ser submetida à aprovação do órgão ambiental estadual competente (§5º, do artigo 44, do Código Florestal).


5. Conclusão

            No âmbito florestal, a competência para legislar é concorrente entre a União, os Estados, o Distrito Federal e, também, os Municípios, mesmo este não constando no caput do artigo 24 da Constituição Federal de 1988. Isso, embora suscite discussões, ocorre porque o artigo 30 da Carta Magna dispõe que estes podem legislar sobre assuntos de interesse local e também que lhes compete suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.

            Para fiscalizar as florestas, a competência não gera conflitos, pois o caput do artigo 23 não deixa margem a dúvidas ao mencionar todos os entes da federação.

            As Áreas de Preservação Permanente (APPs) e as destinadas à Reserva Legal (RL) são formas de proteção jurídica especial das florestas nacionais. Assim, não podem sofrer interferência, exploração, a não ser que o órgão estadual competente autorize e fiscalize, e desde que se tratem de casos de utilidade pública ou de interesse social.

            As áreas de Reserva Legal admitem, ainda, o manejo florestal sustentável, também, obviamente, mediante autorização da autoridade competente e sob sua fiscalização.

            Em síntese, as Áreas de Preservação Permanente e as de Reserva Legal – visam à proteção jurídica das florestas brasileiras - diferem entre si, basicamente, no que diz respeito à dominialidade, pois aquelas incidem sobre o domínio público e privado e estas apenas sobre o privado, já que a propriedade particular é a única que poderá, mediante autorização, ser objeto de exploração.


BIBLIOGRAFIA

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            ________. Direito Administrativo e Meio Ambiente. 1ª ed., 2ª tiragem. Curitiba: Juruá Editora, 1995.

            ________ e FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes Contra a Natureza. 3ª ed., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.

            GONÇALVES, Manoel. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 1990.

            MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 9ª ed., ver. Atual. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.

            _______. Estudos de Direito Ambiental. 1ª ed.. São Paulo: Malheiros Editores, 1994.

            MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

            ________. Tutela Jurisdicional do Ambiente. Revista dos Tribunais, São Paulo, nº 676, p. 48-59.

            MORAES, Luís Carlos Silva de. Código Florestal Comentado. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.

            MUKAI, Toshio. Direito Ambiental Sistematizado. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense Editora, 1992.

            MUSETTI, Rodrigo Andreotti. Do Critério da Autoridade Competente na Averbação da Reserva Legal. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, nº 17, p. 154-159.

            SANTOS, Antônio Silveira Ribeiro dos. Reserva Legal: Importância e Proteção Jurídica. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, nº 8, p. 136-138.

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            ________. Curso de Direito Constitucional Positivo. 12ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996.


Notas

            1

Direito Ambiental, São Paulo, Editora Malheiros, 2001, p. 699.

            2

Direito do Ambiente, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 148.

            3

Malheiros Editores, 1994, p. 141.

            4

Idem anterior.

            5

Código Florestal Comentado, São Paulo, Editora Atlas S.A., 2002, p. 20.

            6

Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Editora Saraiva, 1990, p. 50.

            7

Direito do Ambiente, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 243.

            8

Comentários à Constituição do Brasil. Volume 3, Tomo II, Editora Saraiva. 1993, p. 221.

            9

Direito Administrativo e Meio Ambiente. Juruá Editora: 1995, p. 35.

            10

AGRAG – 152115/RJ, 2ª Turma do STF, Rel. Min. Marco Aurélio, publicado o DJU em 20.08.93, Seção 1, p. 16.323.

            11

RESP 29299/RS, 1ª Turma do STJ, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, publicado no DJU em 17.10.94, Seção 1, p. 27.861.

            12

Obra antes citada, p. 148.

            13

Obra antes citada, p. 148/149.

            14

Obra antes citada, p. 701.

            15

Revista de Direito Ambiental nº 16, p. 138.

            16

Obra citada, p. 68.

            17

Reserva Legal: Importância e Proteção Jurídica. Revista de Direito Ambiental nº 08, p. 136.

            18

Obra anteriormente citada, p. 149.
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Sobre o autor
Giuliano Deboni

Advogado membro do Escritório arah e Terra Machado Advogados, pós-graduado em gestão ambiental pela PUCRS, mestre em Direito Ambiental pela Università degli Studi di Milano (Itália) e doutorando em Direito Comparado pela mesma Universidade

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DEBONI, Giuliano. Competência legislativa e administrativa, áreas de preservação permanente e reserva legal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 677, 13 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6718. Acesso em: 23 dez. 2024.

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