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Considerações sobre o direito de greve dos magistrados e demais servidores civis

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16/05/2005 às 00:00
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4. REFORMA DO JUDICIÁRIO E LIDES ENVOLVENDO SERVIDORES

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (...) (Redação dada pela EC 45 – Reforma do Judiciário).

Sempre que um movimento grevista do setor público eclode, via de regra, a argüição de sua (i)legalidade e conseqüências são levadas à apreciação do Poder Judiciário.

À Justiça Estadual sempre competiu analisar as causas envolvendo greves de servidores estatutários municipais e estaduais.

Embora a recente EC 45/04 ("Reforma do Judiciário") apresente texto hábil a suscitar dúvidas, o Ministro Nelson Jobim, na qualidade de Presidente do STF, proferiu decisão liminar na ADIn nº 3.395, proposta AJUFE, suspendendo "toda e qualquer interpretação dada ao inciso que inclua na competência da Justiça do Trabalho a apreciação de causas que sejam instauradas entre o poder público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo".

Assim é que ao foro laboral continua cabendo, tão-somente, a análise e julgamento das causas relacionadas aos funcionários celetistas.

Tratando-se de movimento deflagrado no serviço público federal, sendo estatutários os servidores grevistas, competente para as causas respectivas será a Justiça Federal.

Toda causa judicial envolvendo greve induzirá a intervenção do Ministério Público como custos legis, não só por seu caráter coletivo, mas também por sua relevância social (sempre presente em feitos desse jaez).


5. CONCLUSÃO

A multiplicidade de movimentos trabalhistas, conforme é claramente perceptível no cotidiano social, exige seja ampliado o conceito tradicional de greve. E, em nosso país, tal ampliação é perfeitamente possível, inclusive sob a ótica jurídica, na medida em que a Constituição/88, ao consagrar o direito de greve, não criou limites ou restrições conceituais.

Quaisquer condutas classistas, organizadas e coletivas, utilizadas como instrumento de negociação, de política ou de solidariedade, fundadas na pressão exercida contra alguém – não necessariamente o empregador imediato – através da suspensão ou alteração do ritmo e da forma do trabalho (em desempenho diverso do que aquele esperado pelo contrato ou estatuto respectivo), podem ser incluídas no conceito de greve.

Nesse contexto, é plenamente possível do ponto de vista real – e viável do ponto de vista legal – que agentes políticos, através de suas entidades de classe, titularizem e efetivamente exercitem o direito de greve.

Os magistrados, por exemplo, podem fazer greve. Não em razão (e em face) de sua função judicante (que revela parcela da soberania estatal), mas, sim, na qualidade de seres humanos trabalhadores que têm a quem reivindicar e com quem negociar melhorias em suas condições de trabalho. Seja junto ao tribunal a que estão vinculados, seja junto ao parlamento, há várias hipóteses que podem levar juízes e promotores a exercer pressão de negociação, suspendendo suas funções ou alterando o ritmo ou forma de seu desempenho (sem que isso interfira no mérito de suas decisões ou manifestações processuais).

A greve constitui um instrumento a serviço da cidadania – lembra BEZERRA LEITE [17] – e, como tal, foi concebida por nossa vigente ordem constitucional sob o signo de direito social fundamental do trabalhador, seja ele público ou privado.

Portanto, a norma constitucional que consagra o direito de greve ao servidor público civil em geral (e aos agentes políticos em particular) não pode ter a totalidade de sua eficácia condicionada à edição de norma hierarquicamente inferior. Trata-se de modalidade de norma constitucional de aplicabilidade direta e imediata, embora – segundo a célebre classificação de JOSÉ AFONSO DA SILVA – de eficácia contida, posto que os interesses em jogo foram suficientemente regulados pelo constituinte, que, entretanto, "deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do poder público, nos termos que a lei estabelecer" [18].

Ainda que assim não se entenda, já existe no ordenamento jurídico em vigor um diploma que satisfaz diretamente (ou, quando menos, pelo recurso da analogia) à invocação de "lei específica" apresentada no art. 37, VII, da CF/88 (atual redação); qual seja, a Lei n º 7.783, de 28.06.1989 (Lei da Greve).


Notas

  1. A utilização restritiva do vocábulo "magistrado", especialmente em Portugal, indica membro do Judiciário ou do Ministério Público. No Brasil, sua acepção ampliativa, tal como informa o Dicionário Aurélio, abrange qualquer delegatário dos poderes da nação, o que aproxima "magistrado" da noção de "agente político", expressão consagrada entre a maioria dos administrativistas.
  2. Boa parte da imprensa brasileira, na questão previdenciária, reforçando seu histórico desapreço aos representantes da burocracia estatal, dedicou-se, demagogicamente, em simbiose mercantil com o governo federal, a satanizar os servidores perante a opinião pública, buscando o referendo popular para a amputação de seus direitos históricos, os quais restaram rotulados simplista e generalizadamente como sendo privilégios.
  3. Conforme seu discurso de abertura do ano judiciário de 2005, oportunidade em que criticou juízes que agiam, no seu entender, como se fossem "donos da nação". Registre-se que o Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos aderiu com entusiasmo a esse discurso.
  4. Ressalvando que movimentos grevistas não sindicais (também conhecidos como "greves selvagens") às vezes terminam por originar a própria entidade sindical da categoria (cf. a respeito, CASTILLO, Santiago Pérez Del. O direito de greve. São Paulo: LTr, 1994, p. 25/26)
  5. ALEXANDRE DE MORAES, com efeito, assegura que no setor privado, "O direito de greve é auto-aplicável, e não pode ser restringido ou impedido pela legislação infraconstitucional. Não está vedada, porém, a regulamentação de seu procedimento, como, por exemplo, a exigência de determinado quorum na assembléia geral, para que ela se instale" (Constituição do Brasil Interpretada, São Paulo: Atlas, 2002, p. 503).
  6. Para se ter uma idéia do quão gritante é a existência no mundo real dos movimentos grevistas no serviço público, é emblemático constatar que há escritório de advocacia que mantém disponível para download em sua home page uma "Cartilha da Greve no Serviço Público Federal" com o objetivo de dar às entidades sindicais "uma orientação geral sobre o assunto" e "contribuir para uma adesão ampla e consciente ao movimento grevista que se inicia" (cf. em http://www.wagner.adv.br).
  7. IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 29/30.
  8. Já se apresentaram vários projetos de lei na Câmara dos Deputados para regulamentar o direito de greve dos servidores. Sem surpreender, as proposições governistas, como por exemplo aquelas materializadas no PL Nº 6.032/02, são as mais restritivas ou até mesmo impeditivas ao exercício desse direito.
  9. Extraído por DEL CASTILLO da sentença n 711, de 30.1.80 da Corte de Cassação Italiana (Op. cit., p. 32).
  10. Ao citar GIULIANO MAZZONI no seu Curso de Direito Constitucional, 14ª ed., Malheiros, São Paulo, 1997, p. 294)
  11. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. A greve do servidor público civil e os direitos humanos . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=2612>.
  12. Ninguém se surpreenda se os Deputados Federais articularem algum movimento de conteúdo eminentemente classista: a eleição de Severino Cavalcanti para a Presidência da Casa (cuja plataforma eleitoral foi eminentemente corporativista) é exemplo eloqüente a apontar que mesmo nessa categoria de parlamentares há interesses classistas e corporativos hábeis a ambientar manifestações coletivas.
  13. Op. cit., p. 30.
  14. Apud JOÃO MANGABEIRA, Rui: o estadista da República, Conselho Editorial do Senado Federal, Brasília, 1999, p. 85.
  15. A respeito, GIL MESSIAS FLEMING (Servidores públicos x direito de greve . Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 37, dez. 1999. Disponível em: jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=382"> http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=382), conclui: "Frente ao exposto, parece-nos intuitivo que o reconhecimento do direito de greve deferido aos servidores públicos é medida inarredável, sob pena de chegar-se a um absurdo, conforme preciosa lição jurisprudencial do eminente ex-Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, quando de sua brilhante e frutífera passagem pela Corte Federal (8), qual seja a eficácia da Constituição depender de norma hierarquicamente inferior".
  16. JORGE, Carlos Augusto. A greve do servidor público federal . Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 266, 30 mar. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=5018>.
  17. Op. cit.
  18. In Aplicabilidade das normas constitucionais, RT, São Paulo, 1982, p. 90.
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Sobre o autor
Paulo Calmon Nogueira da Gama

promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GAMA, Paulo Calmon Nogueira. Considerações sobre o direito de greve dos magistrados e demais servidores civis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 680, 16 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6729. Acesso em: 23 dez. 2024.

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