Juiz não pode trocar a toga pela carapuça de herói e extrapolar as exigências do seu cargo

01/07/2018 às 18:30
Leia nesta página:

O combate à corrupção é fundamental, mas não pode ferir regras básicas do Estado democrático de Direito. As investigações não podem ser empurradas pela lógica do “custe o que custar”, violando os limites legais.

O combate à corrupção é fundamental, mas não pode ferir regras básicas do Estado democrático de Direito. As investigações não podem ser empurradas pela lógica do “custe o que custar”, violando os limites legais.

​Nossa democracia é uma conquista recente que custou muito caro. Enfrentamos o chumbo de oito anos de Estado Novo e 21 anos de ditadura civil-militar. Todos somos responsáveis pela preservação do Estado democrático de Direito.

​Por mais importantes que sejam as investigações da Lava Jato e por maior que seja o clamor popular, as instituições não podem agir sob o calor dos acontecimentos e atropelar os ritos legais em nome do combate à corrupção. Não é pelo governo, é pela democracia.

​Todas as manifestações são legítimas, sejam de esquerda ou direita, verdes, amarelas ou vermelhas. As ruas são o espaço da política e das nossas diferenças, mas as instituições não podem funcionar sob o ímpeto da mesma lógica.

​É preocupante ver um juiz trocar a toga pela carapuça de herói nacional e extrapolar as exigências de seu cargo, publicando notas de caráter político, autorizando e divulgando escutas telefônicas juridicamente questionáveis e vazando informações de forma seletiva. O conteúdo dos diálogos é tão importante quanto o modo como eles foram obtidos.

​A democracia não é construída com heróis, mas com instituições fortes e equilibradas que funcionem de forma soberana e transparente e que atuem dentro dos limites das garantias constitucionais.

A crença no salvacionismo judiciário é perigosa porque tolera arbitrariedades e reflete não apenas o completo esvaziamento da política, mas a sua total negação.

​O messianismo pode ser sedutor aos espíritos cansados, mas não nos conduzirá ao paraíso. A reposta para a crise não é judicialização, mas a reafirmação da política enquanto espaço do diálogo, do convívio da diferença e da construção pública.

​Precisamos criar formas de baratear campanhas eleitorais, acabar com o sequestro da soberania pela oligarquia político-econômica, fortalecer a transparência e garantir a participação das pessoas nas decisões de interesse comum.

​Democracia não combina com salvadores da pátria. Como dizia o dramaturgo alemão Bertolt Brecht, pobre do povo que precisa de heróis. O futuro cabe a nós mesmos.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
João Pedro da Paz

Professor, escritor e palestrante.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos