Aspectos históricos, legislações e importância dos direitos humanos
Na década de 1940, em meio a sentimento de perda e desespero causados pelo holocausto resultado da segunda guerra mundial, rogava-se por uma sociedade mais justa e pacífica. Foi então, nesse contexto que nasceu a Organização das Nações Unidas (ONU), que aos 1948, criou a famosa DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos, com a intenção de propor paz mundial e nivelar as condições, direitos e garantias dos seres humanos.
De acordo com a ONU, os direitos humanos se tratam de “Garantias jurídicas universais que protegem indivíduos e grupos contra ações ou omissões dos governos que atentem contra a dignidade humana” (TAVARES, 2012).
Os Direitos Humanos, explicam-se por sua própria denominação, sendo um direito atinente, que respeita, declara, protege e resguarda as garantias fundamentais de todos os seres humanos, sem qualquer distinção, seja ela por raça, cor, religião, sexo, nível de escolaridade, poder aquisitivo, financeiro ou qualquer outra característica.
Tais direitos, resguardam a integridade e dignidade do homem, estabelecendo a suficiência de necessidades básicas para o mesmo, como por exemplo o direito à alimentação, trabalho, respeito, educação, liberdade de expressão, saúde física, mental e outros tantos, tudo isso, de maneira digna. Vale ressaltar ainda, que esses Direitos além de serem indisponíveis, o que significa que ninguém pode dispor de seus direitos, ainda são imprescritíveis, demonstrando que não possuem prazo de validade.
Cunha (1998) conceitua os Direitos Humanos, como uma ideia política com base moral, relacionados a justiça, igualdade e democracia. Para ele, os direitos humanos são um modelo do relacionamento que se deve prevalecer entre os membros de uma sociedade, se referindo tanto aos indivíduos, como ao Estado.
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Defende ainda, que esses direitos devem ser adotados em qualquer Estado, independendo de seu sistema social e econômico (CUNHA, 1998).
Cada país por sua livre escolha, efetua negociações em conferências internacionais, através de tratados com organizações que visam estabelecer os Direitos Humanos, como a ONU.
Assinado o tratado, o país, além de se tornar responsável pela efetiva garantia dos direitos humanos em seu território, estará permitindo a avaliação deste comprometimento, através de um comitê de peritos ou as chamadas “operações de manutenção de paz”, responsáveis por avaliar e fiscalizar o modo com que tal obrigação está sendo desenvolvida. O país ainda se submeterá a exposição se houver casos de violação desses direitos, que será feita através de órgãos das Nações Unidas, como o Alto Comissariado para os Direitos Humanos, o Conselho de Direitos Humanos e a Assembleia Geral das Nações Unidas.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, §1º, prega que terão aplicações imediatas as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais. Complementando no §2º, deste mesmo artigo que os tratados internacionais em que o Brasil seja parte, não podem ser minorados pelos direitos e garantias expressos na Constituição (BRASIL, 1998).
Além da ONU, outras medidas de fiscalização são tomadas, através de instituições acadêmicas, grupos religiosos, organizações profissionais e não governamentais.
Apesar dos Direitos Humanos não serem cumpridos à risca, sem eles, os seres humanos viveriam em um ambiente muito pior. Sendo consumidos ainda mais por sentimento de insegurança, com um mundo cheio de violência, desrespeito, péssimas condições de vida, ausência de educação, transporte público, liberdade de expressão, moradia, entre outros.
Após efetivada a conquista da democracia em 1985 e implantada a Constituição Federal de 1988, o Brasil teve uma das primeiras ratificações com Instrumentos Internacionais relacionada aos Direitos Humanos, quando em 1989,
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promulgou-se a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, através do Decreto no 98.386, de 9 de dezembro de 1989. Outra das importantes convenções sancionadas à época, foi a convenção referente aos Direitos das Crianças, que foi promulgada através do Decreto n° 99.710 de 21 de novembro de 1990.
Em 1992, foram ratificados pactos importantes, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ressaltando-se entre eles a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), promulgada através do Decreto n° 678 de 06 de novembro de 1992. Já em 1995, promulga-se através do Decreto nº 1.973 de 1º de agosto de 1996, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. Por fim, em 15 de fevereiro de 1991, o Decreto n° 40, promulgou a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, pactuada na Assembleia Geral das Nações Unidas.
Desta feita, importante salientar, que não só em tratados, convenções, pactos e instrumentos internacionais se tornam presentes os direitos humanos no Brasil, uma vez que os mesmos também estão inseridos na legislação interna do País, sendo consolidados desde 1988, na Constituição da República Federativa do Brasil.
O título I da CF/1988, discorre sobre os “princípios fundamentais”, aduzindo em seus artigos 1º, 3º e 4º, que: Art. 1º - República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional;
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III – erradicar a pobreza e marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Art. 4º - A República Federativa do Brasil, rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (...) II – Prevalência dos direitos humanos (BRASIL, 1988).
Outro importante artigo da Constituição Federal que versa sobre os Direitos Humanos, é o artigo 5º, que está exposto no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), capítulo I (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos) da CF/1988, composto por um rol de 78 incisos, que além de versar sobre os Direitos Humanos de modo geral, ainda exibe incisos que tratam especificamente de penas, preso e prisão. O caput do artigo 5º, demonstra que todos são iguais perante a lei e que deve-se garantir a todos a inviolabilidade de diversos direitos, como à vida, igualdade, segurança, liberdade, etc.
Em outros incisos, a constituição esclarece sobre a formação do crime, explicitando que sem uma definição na lei, a prática não caracteriza crime.
A constituição preza pela inviolabilidade da submissão a tortura, tratamento desumano ou degradante, discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, das penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento ou cruéis.
Sobre a Lei Penal, roga que a mesma retroagirá apenas em benefício ao réu, que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, que a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária, ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança, e por fim, que a todos no âmbito judicial e administrativo, serão assegurados a razoabilidade da durabilidade do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
No que se diz respeito ao cumprimento da pena, a constituição vigora sobre onde e como deverá ser cumprida, estabelecendo que a mesma deve se
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estabelecer em lugares distintos, que serão indicados de acordo com a natureza do delito, idade e o sexo do condenado. Estabelecendo ainda, que serão asseguradas condições para que as presidiárias, durante o período de amamentação, possam permanecer com seus filhos.
Aos presos, a constituição garante respeito à integridade física e moral, a informação de seus direitos, a assistência da família e do advogado, a identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial, a assistência jurídica integral gratuita do Estado aos que comprovarem insuficiência de recursos, a indenização do condenado que por erro judiciário, ficou preso além do tempo fixado na sentença e salvo algumas hipóteses, garante a prisão apenas em caso de flagrante delito, por ordem escrita, fundamentada de autoridade judiciária competente.
Desta feita, conclui-se que os Direitos Humanos devem ser respeitados, tanto pelos pactos, tratados e convenções que a República Federativa do Brasil se comprometeu, quanto pela legislação interna, que além de zelar por esse comprometimento, ainda prega os Direitos Humanos em sua própria Constituição.
Não obstante, compreende-se ainda, que os Direitos Humanos tanto em tratados como na legislação interna, aborda as condições básicas que qualquer indivíduo deve ter, incluindo as do preso. Versando sobre as condições humanas e demonstrando que essas são cabíveis a todos, sem qualquer distinção.
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CAPÍTULO 2 – BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE “PENA”
Conforme exposto no capítulo anterior, os Direitos Humanos devem ser respeitados por todos, de maneira igualitária, sem qualquer distinção. Demonstrando que tantos os indivíduos livres, como os condenados, possuem direitos iguais, levando a entender que todos os tratados, pactos e legislações internas, são de igual efeito para todos.
No que diz respeito ao direcionamento desses Direitos Humanos aos condenados com a pena privativa de liberdade, é de suma importância conceituar e expor os aspectos históricos da pena, de modo a demonstrar sua evolução dentro dos Direitos Humanos.
2.1 Conceito de pena na esfera doutrinária
Desde os primórdios até os tempos hodiernos, o conceito de Sanção Penal sofreu diversas modificações e se muniu de vários entendimentos, tanto culturais, como doutrinário. Para Greco (2004. p. 532) “A pena é a consequência natural imposta pelo Estado quando alguém pratica uma infração penal”. Já Nucci (2005. p. 335) descreve a Pena como “A sanção imposta pelo Estado, através da Ação Penal, ao criminoso, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a novos crimes”. Mas, conforme mencionado anteriormente, o conceito de pena não se forma apenas pela doutrina, deixando claro a necessidade de se expor o aspecto histórico cultural da mesma.
2.2 Conceito de pena na esfera cultural
O conceito de pena nasceu na idade antiga, onde surgiram as primeiras civilizações que se organizavam em clãs, famílias e tribos. Estes, por sua vez, na intenção de obter uma maior regularização da conduta e proteção de seus membros,
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elaboraram regras, que ao serem descumpridas, resultava em penas. Para eles as penas eram executadas através da defesa privada, como uma forma de vingança individual (WOLKMER, 2010). Nessa época, é possível identificar ainda, a Vingança Divina, onde acreditava-se que a paz adivinha dos Deuses e que acontecimentos naturais como raios e trovões eram considerados sinais de sua ira (CALDEIRA, 2009). Assim, afim de rogar pela clemência dos Deuses, a sociedade primitiva, utilizava a pena como uma defesa privada, que por sua vez, era executada sem qualquer proporção, sendo algumas das medidas tomadas a expulsão do membro infrator do grupo, e quando o indivíduo não pertencia ao grupo, utilizavam-se da vingança de sangue (TELES, 2006). Um claro exemplo da Vingança Privada, pode ser encontrado entre a Idade Antiga e a Idade Média, mais especificamente em 1.772 a.C, na Mesopotâmia, onde o Rei Hamurabi, da primeira dinastia babilônica, dava luz ao Código de Hamurabi, que tinha como finalidade principal visar a “proporcionalidade da pena”, tal código era regido pela Lei de Talião, que pregava a política de “olho por olho, dente por dente”, onde a pena de morte se destacava como a pena mais utilizada, se tornando ineficaz a justificativa de desconhecimento do código ou qualquer pedido de desculpas. Em outro exemplo de Vingança Privada, pode-se citar a Lei das XII Tábuas, onde pela primeira vez em Roma, os plebeus tomaram conhecimento da Lei, tirando dos Patrícios o poder de manipulação das legislações da época. A Lei das XII Tábuas, possui tal nome justamente por ter sido demonstrada aos Plebeus através de doze tábuas de carvalho, cada uma contendo um código que como as demais leis primitivas, era composta de penas severas e rigorosas. Voltando a Antiga Grécia, outros tipos de penas foram identificados, como a Vingança Pública, que por sua vez era voltada para crimes que atingissem o Estado, ou melhor, o Suserano, representante deste. Segundo Chiaverini, tal posição, por ainda não ter perdido a desproporcionalidade, enfrentava clara insegurança jurídica (CHIAVERINI, 2009).
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Ainda na Grécia Antiga, consegue-se identificar no fim desse período, a aparição de penas-prisões, as quais segundo Platão, se subdividiam em três e tinham como finalidade evitar novos delitos, desenvolver a recuperação dos indivíduos e para os que cometiam infrações mais graves, punir (PLATÃO, 1999). Todavia, a prisão não era o foco de punição da Grécia Antiga, uma vez que as penalidades impostas ainda se limitavam mais ao exilio, pena de morte e multa (CHIAVERINI, 2009).
Com o passar dos anos, já na Idade Média, pode-se identificar o Direito Germânico, o Direito Canônico e o Direito Penal Comum, observando ainda, a predominância das penas de custódia e as eclesiásticas, onde pouco se observou mudanças e evoluções no que diz respeito a prisão. Demonstrando assim, que à época, a prisão ainda não possuía natureza de pena-castigo, se restringindo apenas em guardar o réu em caráter acautelatório. Já na idade moderna (século XV ao XVIII), por ser um período marcado por transições, houve grande modificação nas relações sociais e consequentemente no modo de pensar do indivíduo, abandonando o pensamento religioso e deixando predominar o antropocentrismo, onde o Homem no lugar de Deus, ocupava o Centro do Universo. Todavia, nessa época a Igreja Católica Apostólica Romana ainda exercia grande influência sobre os governos e a população. Durante esse período, denominado Renascimento, o absolutismo ganhou forma com a consolidação dos Estados. Estes, eram governados de forma legal por soberanos que tinham total carta branca para a execução das penas. Estas, se davam na maioria nos chamados suplícios, que se caracterizavam por sanções corporais, em um espetáculo público, servindo para o Estado, como forma de demonstração de poder sobre o povo, época denominada por “Política do Pão e Circo”. A Política do Pão e Circo, era o que fortalecia o governo romano, que utilizava desse espetáculo para entreter a população faminta e mascarar a realidade de crise, fome e doenças. Todavia, mais adiante tal sistema se mostraria ineficaz.
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Unindo a ineficácia de tal sistema, a crise socioeconômica Europeia e a crescente ausência de mão de obra, introduziu-se a “Ética do Trabalho", tal ideologia, visava explorar a mão de obra dos ociosos e dos condenados, mesmo que involuntariamente. Foi então que o clero inglês, clamou pelo amparo do Rei de Londres, que por sua vez, cedeu a eles a utilização do castelo de Bridwell, nascendo dai em 1550 e 1552 a primeira house of correction (casa de correção), que tinha como objetivo disciplinar aqueles que se destinavam a atividade de mendicância, os infratores das regras estabelecidas e os ociosos. Tais Casas de Correção, foram consideradas por Melossi, como o primeiro exemplo de detenção laica sem finalidade de custódia que pôde se localizar na história (MELOSSI, 2006). Ganhando respaldo legal em 1575, surgiram várias casas de correção e mais tarde, em Amsterdã, fundou-se uma para cada sexo (1597) e outra para os jovens (1600). Por volta do século XII, a pena abandona seu caráter vingativo, passando pelo chamado Período Criminológico ou Cientifico, adquirindo e perdurando até os dias atuais o caráter de correção, visando a ressocialização e humanização da pena. Nesta etapa, busca-se identificar o criminoso, o ato que cometeu (crime), sua razão, a pena e seus elementos naturais. Assim como nos demais continentes e países, no Brasil não foi diferente, pois até se chegar ao conceito e na suposta cultura humanizada que se tem hoje, a pena passou por uma enorme evolução histórica. Apesar de não ter tido influência na legislação penal brasileira pela brutalidade e severidade com que se impunha a pena, quando se trata da historicidade do Brasil, é de extrema relevância a menção dos povos indígenas devido a riqueza de cultura e valores que esses povos, donos do Brasil, já agregaram e ainda agregam ao país.
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Pois bem, conforme ultra mencionado, os povos indígenas utilizavam de vinganças severas e brutais para punir o indivíduo que fosse contra as regras estabelecidas pelas tribos, estas, eram bastante semelhantes as já mencionadas vinganças privadas e a vingança de sangue, todavia, devido a colonização do País, tais penas, prevaleceram somente até 1500, passando a vigorar daí as Ordenações Afonsinas, advindas de Portugal, lei esta, que perdurou somente até 1512, quando na eficaz tentativa de ficar para a história, D. Manuel, acrescentou as Ordenações Afonsinas suas leis extravagantes e deu a elas o nome de Ordenações Manuelinas. Tais Ordenações, perduraram até 1603, quando deram lugar ao Código Filipino, que ordenado pelo rei Felipe II da Espanha (Felipe I de Portugal), previa penas absurdamente cruéis, tendenciadas pelo sexo e poder aquisitivo do indivíduo, abordando tanto a agressão física como a moral, de modo com que a família do indivíduo que havia cometido o delito levava como “herança” a má fama exposta do condenado, de modo a penalizar não só o réu, mas toda a sua família. No que diz respeito as penas físicas, Noronha (2001), em seu livro Direito Penal, aborda de maneira explícita algumas maneiras com que se cumpria a pena:
O “morra por ello” se encontrava a cada passo. Aliás a pena de morte comportava várias modalidades. Havia a morte simplesmente dada na forca (morte natural); a precedida de torturas (morte natural cruelmente); a morte para sempre, em que o corpo do condenado ficava suspenso e, putrefazendo-se, vinha ao solo, assim ficando, até que a ossamenta fosse recolhida pela confraria da misericórdia, o que se dava uma vez por ano; a morte pelo fogo, até o corpo ser feito pó (NORONHA, 2001, p.55).
Marcante exemplo que se pode ressaltar de tal época, é a pena cruel e absurda dada ao líder da inconfidência mineira (importante movimento social histórico brasileiro, contra o governo opressivo português, com a finalidade de obter a liberdade do povo brasileiro, no período colonial) Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes), em 1792, sentença esta, que se fosse nos dias atuais, infringiria de maneira afrontosa os direitos e garantias fundamentais do ser humano.
Dotti (2003), descreve fielmente a sentença imposta. Senão, vejamos:
(...) Portanto condenam ao Réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, Alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas, a que com baraço e pregão seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, aonde em lugar mais público dela
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será pregada, em um poste alto até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregado em postes pelo caminho de Minas no sítio da Varginha e das Cebolas, aonde o Réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações até que o tempo também os consuma; declaram o Réu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e a Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados e no mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável Réu (...) (DOTTI, 2003, p. 27).
Desta feita, tal código perdurou até 1830, quando o Brasil finalmente se encontrava independente de Portugal e com uma nova Constituição (1824), que por sua vez, contribuiu aderindo valores sociais e humanitários a legislação brasileira.
Influenciada pelo Iluminismo e sancionado por D. Pedro I, o Código Criminal de 1830, se livrou de vários dos castigos corporais e morais, além disso, trouxe em seu bojo a pena privativa de liberdade, em forma de prisão simples e prisão com trabalho como pena, todavia, em alguns casos, ainda previa a pena de morte (DOTTI, 1998).
Nesse passo, observa-se que a pena no período Imperial, aparenta traços de humanização da pena. Tanto que no fim deste mesmo período, se deu a extinção da pena de morte.
Vale lembrar, que no Período Imperial, prevalecia-se a escravidão, a qual era composta de penas extremamente desumanas, como castigos físicos violentos, exposição de condições subumanas como fome, sede, doenças, sobrevivência em um lugar escuro, sem transição de ar-puro, aglomeração, fácil contagio de doenças, etc. Sendo o Código Criminal de 1830, defensor dessa prática, expondo em seu artigo 6º, a legalidade dos castigos físicos. Vejamos:
Art. 6º Quando o mal consistir no castigo moderado, que os pais derem a seus filhos, os senhores a seus escravos, e os mestres a seus discipulos; ou desse castigo resultar, uma vez que a qualidade delle, não seja contraria ás Leis em vigor (BRASIL, 1830). Com a influência das penas-trabalhos do Código de 1830, foram inauguradas, por volta de 1850, em São Paulo e Rio de Janeiro, as casas de Correção, que por sua vez, sofreram falhas em suas finalidades, pois, ignoravam o objetivo de formar a prisão-trabalho, alojava também escravos, menores e negros africanos. Todavia, o
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quadro se complicou ainda mais, quando foram transferidos para as Casas de Correção os presos da Cadeia (Prisão Simples), prejudicando de forma evidente, as funções a serem desenvolvidas.
O Código Criminal de 1830, perdurou até 1890, quando o Brasil já tomado pelo Golpe Militar de Marechal Deodoro da Fonseca, se transformara em República. Tendo como contexto a mudança de governo e a sanção da Lei Áurea, clamava-se por um novo código penal, nascendo daí, através do decreto n° 847, de 11 de outubro de 1890, o “Código Penal dos Estados Unidos do Brasil”, que por sua vez, tinha como uma das principais características a pena como natureza de correção, prevenção e repressão, tais como: banimento, reclusão, prisão com trabalho obrigatório, prisão disciplinar, interdição, multa, etc. Nessa época, as cadeias se encontravam em realidade subumanas, como a falta de higienização, proliferação de doenças, escuridão, ausência de segurança, infausta alimentação e ainda, a ocupação das mesmas celas por doentes mentais e presos condenados, juntos. Um caso que merece destaque, aconteceu em 1903, o famoso Holocausto Brasileiro aconteceu em um Centro Psiquiátrico, em Barbacena, Minas Gerais. Destinados a pacientes com deficiências mentais, o Hospital Colônia de Barbacena, na verdade recebia-os em sua minoria, pois, o que realmente ocorria era o descarregamento de indivíduos indesejados socialmente, como amantes dos políticos, alcoólatras, mendigos, prostitutas, órfãos, homossexuais, etc. Equiparado a um campo de concentração nazista, o Centro Psiquiátrico de Barbacena, utilizava de penas-castigos à tortura psicológica e física como a terapia de choque e as duchas escocesas. Além dos castigos sem motivo aparente, os “pacientes” ainda eram submetidos a ficarem nus, suportando as altas temperaturas, a falta de saneamento básico, fome, estupros e até a morte. O Hospital Colônia de Barbacena, só chegou ao fim na década de 1980, quando em 1979, o psiquiatra Franco Basaglia, visitou o local e exigiu seu fechamento imediato.
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Em 1934, promulgou-se uma nova Carta da Constituição da República, ordenando a extinção de várias penas que o Código Criminal de 1890 previa, como o banimento e a morte.
Já em 1937, no Estado Novo, Getúlio Vargas outorga a Constituição Federal, nascendo daí os crimes políticos e a volta da pena de morte (SHECAIRA e CORRÊA JUNIOR, 2002).
Só em 1940 é que se é aprovado um novo Código Penal, com as principais penas compostas por detenção, reclusão e multa.
Em 1969, após o Golpe militar (1964) que depôs Jânio Quadros, os militares juntamente com a Aeronáutica, Marinha e a Nova Lei de Segurança Nacional, outorgaram um novo Código Penal, o qual trazia de volta, a pena de morte, a pena de 30 anos de reclusão para crimes políticos, a prisão perpétua, entre outras.
Vale lembrar que as disposições de direitos e garantias fundamentais do ser humano expostas na constituição federal de nada valiam em respectiva época, devido à grande repressão da ditadura militar munida das forças armadas. Essa época foi marcada pela extrema violência, tortura, insegurança social, sentimentos de medo e repressão. De modo que o governo militar ignorando a Constituição Federal e demais Direitos, elaborou dezessete Atos Institucionais que dispunham de supremacia em sua aplicação.
Os impostos Atos Institucionais, versavam sobre diversos assuntos, incluindo as penas, entre eles, destaca-se o 5º Ato Institucional, criado em 1968. O famoso AI-5, além da suspensão do habeas corpus, era caracterizado pela parcialidade e extrapolação de direitos dados ao presidente da República, bem como aos Estados e Municípios. Seu artigo 4º expunha que em caso de preservação a “Revolução”, o Presidente da República, sem as limitações previstas na Constituição, teria o poder de suspender, de qualquer cidadão, seu direito político, que se designava pela liberdade vigiada, determinação de seu domicílio, proibição de frequentar determinados lugares, suspensão dos direitos de votar ou ser votado, entre outros.
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Apesar de negar, o governo militar utilizava de diversos métodos de torturas, tanto para punir, bem como, para obter informações desejadas. Entre outros tantos, o choque elétrico, o afogamento e o espancamento, eram exemplos de tortura utilizados pelo governo militar nessa época.
Finalmente, em 1978, a Lei nº 6.578, revogou o Código Penal de 1969, voltando a se utilizar o Código de 1940, reformado pela Lei nº 7.209/1984, trazendo diversas melhorias, como a extinção do caráter infamante, o exílio, as penas acessórias, etc., e mais, no mesmo ano, a Emenda Constitucional 11, de 13 de outubro, revogou as penas de banimento, prisão perpétua e pena capital.
A última relevante alteração na legislação penal no tocante as penas, se deu através da Lei nº 9.714/98, quando promulgada a Constituição Federal de 1988, demonstrando-se assim, a necessidade de se modificar tanto a linguagem disposta no rol das penas, como as sanções penais, trazendo inclusive a inovação da pena restritiva de direito.
Com o fim da ditadura militar e a promulgação da Carta Magna de 1988, as penas tomaram um caráter mais humanizado, abandonando de vez suas características subumanas e desproporcionais, o que perdura até os dias atuais.
Para a efetivação desse caráter mais humanizado, a pena deve seguir diversos princípios que se encontram expostos no artigo 5º da CF/88, entre os princípios a serem seguidos para a aplicação da pena estão o princípio da pessoalidade, o da legalidade, o da proporcionalidade, o da individualização da pena e o da humanidade. Assim, para a efetivação desses princípios e características, a pena é regida e protegida pela legislação brasileira, através do Código Penal, a Lei das Execuções Penais, o Código Processual Penal e ainda por diversos pactos e tratados internacionais.
Entre as principais convenções que tratam sobre respectivo assunto, estão a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, ratificada pelo Decreto nº 98.386, de 9 de dezembro de 1989, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes das Nações Unidas, ratificado pelo Decreto nº 40, de 15 de fevereiro de 1991 e a Convenção contra a
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Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, ratificado pelo Decreto nº 6.085, de 19 de abril de 2007.
De maneira bastante sucinta, tais convenções expõem conceitos de tortura e a afirmação de que todo ato de tortura como a violência ou a implantação de penas cruéis, viola à dignidade da pessoa humana, demonstrando claro desrespeito a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Tais convenções demonstram que o Estado é o principal órgão a tomar as medidas necessárias ao presenciar a prática ou tentativa desses delitos, através de punições adequadas previstas em sua legislação.
A Lei das Execuções Penais, na Seção II, artigo 40 a 43, trata sobre os direitos e garantias dos presos, expondo, entre outras tantas garantias e direitos a igualdade de tratamento, o respeito físico e moral das autoridades diante dos condenados, a assistência à saúde, jurídica, religiosa, social e educacional, o direito a visita, a previdência social, a alimentação, vestuário, ao trabalho e sua remuneração, a economia, ao exercício de atividades intelectuais, profissionais, desportivas, artísticas, à conversa reservada com o advogado, etc.
Destarte, observa-se que a LEP, resguarda de maneira eficaz os direitos e garantias dos presos como seres humanos.
O Código Penal Brasileiro, estabelece de forma clara em seu artigo 32, inciso I ao III, quais são as possíveis penas a serem estipuladas dentro do sistema penitenciário brasileiro, sendo estas apenas as privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa, de modo a não deixar qualquer margem a penas infamantes, que envolvam torturas, pena de morte ou quaisquer outras condições subumanas.
A pena multa está prevista nos artigos 49 ao 52, 58 e 72, do Código Penal e consiste no pagamento em dinheiro ao fundo penitenciário pelo delito cometido.
Segundo Delmanto (2002, p. 98) a multa “consiste na imposição ao condenado da obrigação de pagar ao fundo penitenciário determinada quantia em dinheiro, calculada na forma de dias-multa. Ela atinge, pois, o patrimônio do condenado”.
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A pena restritiva de direito está prevista nos artigos 43 a 48 do CP. Tal pena, é concedida apenas quando o condenado não possa oferecer riscos a sociedade, pois, a mesma consiste no cumprimento da pena pelo condenado em liberdade, podendo ser paga através de serviços comunitários, perda de bens e valores, prestação pecuniária, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana.
E por fim, a pena privativa de liberdade, que está prevista nos artigos 33 a 42 do CP e se trata de penas que consistem na restrição temporária da liberdade de ir e vir do condenado. Essa pena se divide em reclusão e detenção.
A detenção, em regra deve ser cumprida em regime semiaberto, pois se destina ao condenado por penas mais leves e por conta disso, não se admite o início do cumprimento da pena em regime fechado, sendo seu cumprimento em lugares como casas de albergado (regime aberto) e colônias agrícolas industriais ou similares (regime semiaberto), ou a reclusão, que ao contrário da detenção, é quando o indivíduo por ter cometido delito mais grave, contemple uma pena mais rigorosa, aqui, o indivíduo poderá tanto iniciar seu regime aberto ou semiaberto, como o fechado, que geralmente se estabelece em presídios de segurança máxima ou média.
Como mencionado anteriormente, até o século XVIII, a prisão era utilizada apenas como natureza de custódia, inexistindo até então a pena privativa de liberdade momento em que se alcançou segurança e proporcionalidade na aplicação das punições, uma vez que as mesmas abandonaram suas características subumanas e desproporcionais, surgindo no fim deste mesmo século os primeiros passos para projetos das penitenciárias atuais.
As chamadas penitenciárias, são o estabelecimento onde as penas restritivas de liberdade são cumpridas, mas pouco se encontra sobre o conceito de penitenciária, pois tanto na doutrina, como em respaldos legais a apresentação deste conceito é bastante escassa, todavia, é de conhecimento comum quando usamos o termo “penitenciaria”, que por sua vez, se trata do estabelecimento oficial, que possui como objetivo a detenção e reclusão do indivíduo que ao efetuar a prática de delitos e infrações penais, foi condenado pela justiça.
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Nessa mesma esteira, o Portal do Ministério da Justiça, conceitua as penitenciarias, como os “estabelecimentos destinados a recolher presos em condenação a pena privativa de liberdade ao regime fechado” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2009). Os ingleses John Howard (1726-1790) e Jeremy Bentham (1748-1832), cada qual com seus objetivos e perspectivas sobre o assunto, apresentaram projetos fundamentais como pontapé inicial a construção das penitenciarias atuais. Howard, buscou em seu livro The State of Prisons in England and Wales (As condições das prisões da Inglaterra e Gales), demonstrar mudanças necessárias ao sistema da época, deixando registradas suas críticas e opiniões sobre as condições desfavorecidas e cruéis dos detentos. Já Bentham, que levava mais em consideração a estrutura física das penitenciarias, escreveu o livro ”Panóptico” em 1787, o qual apresentava um projeto modelo de penitenciaria, de maneira que com base na sua estrutura, uma única pessoa conseguiria vigiar todos os detentos, defendendo ainda, que os mesmos deveriam passar por um sistema severo, bem como usar roupas iguais e vexatórias e se proverem apenas de uma alimentação desfalcada. Ao longo do tempo, pode-se observar outros modelos de penitenciarias e formas de cumprimento da Pena-prisão, na Filadélfia, por exemplo, no fim do século XVIII e início do XIX, os presídios seguiam um rígido sistema de isolação, onde o preso recluso em sua cela, não era autorizado a ter contato com ninguém. Já nos Estados Unidos em 1820, o sistema de silêncio prevaleceu, todavia, a isolação total não era o caminho, para eles, o detento deveria se alimentar e trabalhar em conjunto com outros presos durante o dia e apenas se restringir ao isolamento no período noturno, este era o chamado Sistema Auburn. Depois que a Inglaterra adotou em Norfolk o sistema de progressão do regime da pena, outros países deram seguimento e aperfeiçoamento. Nele, o preso inicialmente cumpria seu regime em reclusão total e de acordo com a conduta e o tempo ali passado, evoluía seu regime para a reclusão noturna, progredindo para a liberdade condicional e por fim, a sua liberdade.
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Outros sistemas também podem ser observados, como na Espanha, por exemplo, que já com o pensamento de resgatar o indivíduo, proporcionava ao mesmo a oportunidade de um trabalho remunerado, este era o chamado Sistema de Montesinos. Já na Suíça, o sistema era menos severo, a penitenciaria se localizava no campo, onde os detentos poderiam trabalhar remuneradamente ao ar livre.
No Brasil, passada a fase da utilização das cadeias apenas com fim de custódia, nasceram na década de 1850 as Casas de Correção, Evoluindo daí em diante de diversas maneiras, até os dias atuais, e nada mais justo do que expor as disposições legais atualizadas que tratam a respeito das penitenciarias.
A Lei 7.210 de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, resguarda um capítulo inteiro sobre o assunto “Penitenciária”, todavia, o capítulo ll, é composto por apenas 4 artigos. Tais artigos, estabelecem as condições que as penitenciárias devem permanecer, versando sobre sua destinação, estrutura, localização e direitos das gestantes, mães, parturientes e crianças filhas de detentas.
Desta feita, demonstrado de forma sucinta sobre o aspecto histórico, conceito, características e disposições legais sobre as penitenciarias, compreende-se que as penitenciarias, são na teoria estabelecimentos onde os detentos possuem direitos, saúde, higiene, dormitórios, alimentação e acima de tudo o objetivo de se regenerar e se reintegrar socialmente, todavia, conforme se demonstrará adiante, a teoria nada tem a ver com a prática, uma vez que tal sistema se encontra em extrema situação de urgência, onde a realidade se distorce em demasia dos projetos iniciais, objetivos e disposições legais que o regem.
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CAPÍTULO 3 – O PARADOXO ENTRE A LEGISLAÇÃO E A BRUTA REALIDADE
É cediço que a pena-prisão tem como uma de suas principais funções a ressocialização e reeducação do condenado, com o objetivo que este retorne a sociedade de maneira transformada. Buscando para si e para todos a harmonia, o respeito tanto ao próximo, quanto aos costumes e normas jurídicas.
Conforme demonstrado nos capítulos anteriores, a gama de direitos e garantias fundamentais aos condenados que cumprem suas penas nas penitenciarias do Brasil, é imensa. Pois, conforme exposto anteriormente, os direitos e garantias fundamentais que zelam pela dignidade humana dos condenados a reclusão, são regidos pela Constituição Federal, Lei das Execuções Penais e diversas Convenções.
3.1 As mazelas do sistema penitenciário brasileiro
Nesse capítulo, busca-se comprovar que a realidade do sistema carcerário brasileiro diverge em muito da teoria, pois na verdade o que se presencia atualmente é completamente o oposto. Exemplos claros podem ser citados, como a descomunal superlotação existente nos presídios, insegurança, alimentação escassa, falta de capacitação dos agentes penitenciários, castigos através de torturas e agressões físicas, debilitação da saúde, corrupção, falta de higiene, ausência de assistência jurídica, medicinal, social, educacional, etc.
De acordo com o Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), atualizado em 2016, o número de vagas nas penitenciárias que o Brasil possui é de 367.217 (trezentos e sessenta e sete mil e duzentas e dezessete), todavia, de acordo com o mesmo sistema, o número da população privativa de liberdade é de 726.275 (setecentos e vinte e seis mil e duzentos e setenta e cinco), ou seja, o déficit de vagas é de 359.058 (trezentos e cinquenta e nove mil e cinquenta e oito) (INFOPEN, 2016).
Considera-se que a superlotação é um dos mais graves problemas do sistema carcerário brasileiro, que além de ferir os direitos que são “garantidos” aos
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presos, ainda ocasiona diversas outras consequências, como o alto índice de contágio e proliferação de doenças como a AIDS, a pneumonia e a tuberculose, outras consequências a serem citadas são a violência, escassez de suprimentos, estresse, poluição sonora, facilidade de motins e rebeliões, consumo e tráfico de drogas dentro das celas, supervisão insuficiente, entre outras.
O Folha de São Paulo, noticiou em artigo publicado em abril de 2018, que a população carcerária do Brasil sofreu um aumento de 213% (duzentos e treze por cento), se comparado ao ano de 2010, ocupando o ranking de terceira maior população carcerária do mundo. O que leva a entender que se essa tendência continuar, em 2075, o número de presos no Brasil, será de 20.000.000,00 (vinte milhões). A jornalista Fernanda Mena, escritora da matéria, relata ainda, que o aumento desse sistema foi acompanhado da falta de infraestrutura e pessoal (MENA, 2018).
Darlúcia Palafoz Silva, expõe sua opinião sobre o assunto, de acordo com ela:
O Brasil enfrenta a mais séria crise de superlotação carcerária de sua história. A superlotação das cadeias, a precariedade e as condições desumanas em que os presos vivem nos dias de hoje é a maior agravante da falência do sistema (SILVA, 2012).
A falta de espaço ainda gera a mistura dos condenados por delitos graves, com réus primários e até mesmo com aqueles que estão apenas em prisão provisória ou preventiva, ocasionando daí em um alto índice de violência física, moral e sexual, causando estresse e sentimento de revolta no condenado.
Para auxiliar na eficácia e agilidade desse sistema, o CNJ junto ao Ministério da Justiça e o Tribunal de Justiça de São Paulo, implementaram em 2015, um projeto de Audiência de Custódia. Nessa audiência, a intenção é dentro de no máximo 24 horas da prisão do denunciado, analisar de forma breve se esta foi legal ou não, se foi tipificada no artigo correto e se existe a necessidade ou não do mesmo continuar preso, além de observar outras medidas, como o monitoramento eletrônico, centrais de alternativas penais, assistência social, etc. Nela, ouve-se o acusado, seu defensor público ou privado e o MP.
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Todavia, ainda que a implementação das Audiências de Custódia tenha sido uma medida eficaz, em diversas comarcas o projeto ainda deixa a desejar, pois de acordo com a Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef), o prazo para a primeira apresentação do denunciado ao juiz que deveria ser de 24 horas, atualmente pode variar de três a oito meses, e em alguns casos, ainda ultrapassa esse tempo.
Nesse passo, pode-se observar que o índice de presos provisórios que ainda nem sequer passaram por uma única audiência, ou seja, que nem se quer foram julgados ainda, é grande.
De acordo com a Agência Brasil – EBC, em uma matéria publicada em maio de 2018, pela Repórter Helena Martins, o Brasil conta com um universo carcerário de mais de 726 mil presos e dessa soma aproximadamente 40% (quarenta por cento), dessa população é formada por presos provisórios, ou seja, quase metade da população carcerária, ainda nem sequer foram julgados na primeira instância (MARTINS, 2018).
Como mencionado anteriormente, essa prisão provisória é feita mediante flagrante, mas o que a maioria das pessoas não sabem é que geralmente, a única testemunha dessas prisões são as próprias autoridades policiais que as efetuam, gerando daí corrupção, subornos, efetuação de provas forjadas e prisões ilegais. De acordo com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), o índice em porcentagem de policiais como únicas testemunhas de prisões efetuadas por suas próprias mãos, é de 74% (setenta e quatro por cento).
Assim, observa-se que esses presos provisórios ficam atrás das grades e por consequência da superlotação acabam tendo que conviver com presos de maior potencial ofensivo. O número de presos provisórios que são inocentes ou que poderiam responder em liberdade, assusta. Exemplo disso, foi de uma recente ação coordenada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), onde o esforço de magistrados e tribunais de justiça, rendeu no desfecho da história de 56.477 (cinquenta e seis mil, quatrocentos e setenta e sete) presos provisórios. E para se ter uma ideia, desses 56.477 presos, 4.621 (quatro mil, seiscentos e vinte e um)
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foram absolvidos e 21.700 (vinte e um mil e setecentas) presos, tiveram suas prisões revogadas.
E não é só, no que tange a percentual de soltura, o CNJ expos em 2016, uma tabela de percentual de soltura na audiência de custódia de cada Estado, que somados e após, divididos pelo total de Estado, resultou em 49,5% (quarenta e nove por cento), ou seja, praticamente metade de todos os acusados que foram presos provisoriamente, foram absolvidos ou possuíam as características necessárias para que pudessem responder em liberdade.
Outro exemplo, foi a análise feita pelo grupo Sou da Paz em parceria com o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (CESEC), feita em 2013 no Rio de Janeiro, onde se verificou que dos 7 mil casos de acusados apreendidos em flagrante por mais de 101 dias, 54% (cinquenta e quatro), deles foram indevidamente encarcerados, tendo sido 10% (dez por cento), absolvidos e 16% (dezesseis por cento), condenados a penas alternativas e regime aberto.
Pois bem, para muitos, além da falta de estrutura e transporte, o que acumula e dificulta a efetuação dessas audiências de custódia é a falta de defensores públicos para analisarem os casos dos acusados. Segundo o Mapa da Defensoria Pública da União, mais de 76% (setenta e seis por cento), das comarcas são carentes quando o assunto é a assistência jurídica da Defensoria, esse número equivale a 207 seções judiciários sem Defensoria Pública no país.
E engana-se quem pensar que apenas os presos provisórios são “esquecidos” pelo sistema judiciário, pois a negligência é tanta, que além deles, ainda existem diversos casos de condenados que já cumpriram suas penas, mas mesmo assim continuam presos, como se suas penas ainda não estivessem pagas.
Em 2008, o ESTADÃO, publicou matéria onde o presidente do Supremo Tribunal Federal à época, Gilmar Mendes, comunicou que 30% (trinta por cento) dos presos no Brasil já haviam cumprido suas penas, porém continuavam detidos. (SADI, 2008).
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Um caso interessante que demonstra algumas das falhas existentes dentro do sistema carcerário brasileiro, é do inocente Marcos Mariano da Silva, que foi condenado e preso por 19 anos consecutivos. O G1 descreve fielmente pontos do respectivo caso. Vejamos:
O ex-mecânico foi preso pela primeira vez em 1976, acusado de homicídio. Levou seis anos para o verdadeiro culpado aparecer. Só então Silva foi posto em liberdade.
Três anos depois, o ex-mecânico dirigia um caminhão quando foi parado em uma blitz e reconhecido por um policial civil, que não sabia que ele havia sido solto. O caso foi levado a um juiz que, sem consultar o prontuário dele, mandou Silva de volta para a prisão por violação de liberdade condicional. Foram mais 13 anos atrás das grades.
Durante uma rebelião, ele foi atingido por uma bomba de gás e ficou cego. Também contraiu tuberculose e foi abandonado pela primeira mulher. Ele só ganhou liberdade definitiva quando a direção do presídio fez um mutirão para organizar os processos dos detentos e percebeu o erro (G1, 2006).
Como se viu, a superlotação causa diversas consequências aos detentos, mas não é só, além das já expostas, a superlotação traz mais uma consequência que merece ser ressaltada, pois essa consequência precisa ser enfrentada diariamente pelos presos, é a chamada insalubridade.
No que tange a insalubridade, a realidade que os presos são expostos é deprimente e totalmente o inverso do que os Direitos Humanos e a LEP rogam como garantia dos presos. Dentro das selas, os presos são obrigados a conviverem com odores fortes, mofos, convivência com animais peçonhentos como ratos e baratas. As condições de vida a que são expostos é degradante. E mais, a saúde debilitada combinada com a baixa imunidade, facilita a proliferação e infectação de diversas doenças, que podem levar até a morte.
O Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís (MA), relatou parte do que os presos enfrentam diariamente. Descrevem que “o odor azedo da comida misturado ao cheiro de mofo, esgoto e falta de banho dos detentos torna o ambiente irrespirável”. Relatam ainda, que os presos chegam até a comer alimentos estragados.
Alessandra Paes, presidente da Associação das Famílias de Internos e Internas do Sistema Penitenciário (Afisp), deixou seu parecer sobre o assunto.
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Vejamos: “Muitos presos estão doentes, com ferimentos e fazem greve de fome para receber atendimento. O efetivo médico é muito pequeno diante da população carcerária” (PAES, 2017).
Segundo o Ministério da Saúde, o detento possui 28 (vinte e oito) vezes a mais de chance do que uma pessoa livre para contrair tuberculose, relatando ainda que existem mais de 6 mil presos com a doença. Seno ainda, mais de 7 mil com HIV, 3 mil com sífilis e 4 mil com hepatite.
Em 2017, Stella Borges, jornalista de O GLOBO, também publicou sobre as condições das mazelas penitenciarias, ela afirma que por conta das condições precárias e deficientes no que tange a salubridade, a justiça de São Paulo, tomou providencias e resolveu por interditar a cadeia de Capão Bonito-SP. De acordo com Stella, a decisão do Juiz Felipe Abraham de Camargo Jubram, que foi quem determinou a interdição da cadeia, descrevia o lugar como mal ventilado/iluminado, contendo forte odor, bolor, fiação elétrica precária, animais peçonhentos, insegurança e como se não bastasse, detentos dormindo no chão. (Stella Borges, 2017).
E não é só, a falta de higiene e insalubridade das celas que gera a insegurança dos presos quando o assunto é saúde, ainda é agravada pela falta de atendimento médico.
De acordo com o Correio Braziliense, na capital federal 47% (quarenta e sete por cento) dos presos não são atendidos por médicos. Discorrendo ainda, que sobre o Complexo Prisional da Papuda, dos 15,7 mil confinados, somente 8,3 mil são acompanhados.
A situação da população carcerária feminina, que de acordo com o Infopen em 2016 já era de 42,3 mil, também assombra e deixa quem presencia essa realidade estupefato, pois, ao contrário do que muitos pensam, a realidade do sistema carcerário feminino pode ser pior do que o masculino e sim, isso é possível.
As mulheres condenadas simplesmente não possuem lugar próprio para cumprirem suas penas, tendo que se submeterem a penitenciarias masculinas, onde a estrutura imprescindível para suas necessidades básicas, não podem ser
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atendidas. De acordo com o Infopen-Mulheres de 2014, as penitenciárias femininas formam o percentual de apenas 7% (sete por cento) (INFOPEN, 2014).
Essa estrutura que por ora é escassa, é de extrema importância para atender as necessidades que o corpo feminino possui, pois além de passaram pelo mesmo sistema insalubre, violento e tortuoso dos homens, ainda necessitam de estruturas para atender sua higiene pessoal como nos períodos de menstruação e algumas das mulheres condenadas, ainda necessitam de estrutura para a maternidade.
A Lei no 11.942 de maio de 2009, defende as garantias básicas que deveriam ser asseguradas às mães e seus filhos recém-nascidos dentro da prisão. Tais garantias contam com acompanhamento médico, a estrutura das penitenciarias que alojarem gestantes ou parturientes contendo creches e berçários, entre outros. Apesar disso, número inferior a metade das penitenciarias femininas possuem tal estrutura. Devendo as presas sujeitarem a si mesmas e seus próprios filhos a condições extremamente degradantes.
São essas e outras que causam sentimento de injustiça, menosprezo, humilhação, insegurança e opressão nos presos. Levando-os a organizarem entre si em busca de seus direitos, o que resulta nos motins e rebeliões, que possuem como finalidade o protesto em busca de atenção e clamor da sociedade. Mas, como essa medida de protesto resulta apenas em mortes, os presos tomaram decisões mais drásticas e pela preocupação com a própria vida, resolveram novamente se organizar e buscar dessa vez a proteção, formando assim, as chamadas Facções Criminosas.
A maior facção do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC), surgiu em 1993, no presídio de Taubaté, em São Paulo, após o massacre do Carandiru que ocorrido em 1992, levou a morte 111 presos. Inicialmente tal facção tinha como objetivo exigir do sistema melhores condições para os presos, mas tal ideia não durou muito, pois logo o grupo passou a atuar além dos muros das penitenciárias e logo após além das fronteiras do país, obtendo daí negócios como o tráfico de drogas.
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Assim como as demais facções, o PCC afim de gerir um “governo” bem organizado, possui regulamentos a serem seguidos, além de uma ordem hierárquica como no Império, fornecendo ainda, vários benefícios ao preso.
De acordo com matéria publicada por Maria Martin no EL PAÍS, o PCC oferece uma ótima estrutura aos seus membros, que ao entrarem para a organização poderão dispor de “assistência jurídica, empréstimo de armas e drogas, apoio no Brasil todo e nos países vizinhos onde o PCC tem ramificações, e melhores condições na prisão, de TV de plasma à frango frito para o jantar” (EL PAIS, 2016).
Além dessa, existem ainda outras facções, como o Comando Vermelho, Família do Norte, Terceiro Comando da Capital, Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade, Comando Democrático da Liberdade e outros.
E uma vez que o indivíduo tenha entrado para a facção, não mais poderá sair e se o fizer estará colocando em risco sua própria vida. Fato este se demostra em uma espécie de Estatuto escrito a mão e apreendido na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo de Roraima, onde um dos “artigos” diz que eles não são sócios de clube, mas sim uma organização criminosa.
Em outro de seus “artigos” o Estatuto deixa bem explícito que mesmo que se o integrante for para rua continuará participando da facção, se comunicando e sempre à disposição para prestar qualquer tipo de serviço a facção, ou seja, mesmo que o indivíduo cumpra legalmente sua pema e obtenha sua liberdade, estará para todo o sempre refém da facção e da vida do crime.
De acordo com pesquisa levantada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a pedido do CNJ, em 2015, um a cada quatro ex-condenados reincide ao mundo do crime. (IPEA, 2015).
Assim, compreende-se que o sistema carcerário é totalmente o oposto do que reza a Constituição Federal, os Pactos e Tratados Internacionais de Torturas, Direitos Humanos, a Lei das Execuções Penais e demais outras legislações.
E justamente por conta dessa desqualificada estrutura, desleixo e repugnância da sociedade ao preso, é que o mesmo se encontra em situações tão
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degradantes, humilhantes e desesperadas, que possui como única saída a sua junção, ou melhor, a sua inserção em grupos como as Facções, na intenção de se proteger e conseguir cumprir sua pena vivo.
Sendo assim, observa-se que devido as más condições existentes nas penitenciarias, os detentos além de pagarem por seus delitos com a privação da liberdade, ainda recebem penas como a falta de saúde, torturas, violências e até mesmo a morte. E se com a morte não quiserem pagar, são obrigados a pagar com a sua infinita liberdade e devoção a algum sistema de facção, sendo a partir daí para sempre obrigado a prevalecer no mundo do crime. Caso em que nenhuma sentença, decisão, medida protetiva ou medida de ressocialização poderá livrá-lo.
Demonstrada a triste realidade das mazelas do sistema carcerário brasileiro, surge a necessidade de buscar a demonstração de outros exemplos que não o dessa triste realidade, assim, no próximo capítulo, abordar-se-á sobre exemplos que respeitam os direitos humanos e funcionam, obtendo resultados bastante positivos.
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CAPÍTULO 4 – A DEMONSTRAÇÃO DA EFICÁCIA DO SISTEMA CARCERÁRIO, ATRAVÉS DA INSERÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E DAS MEDIDAS RESSOCIALIZADORAS
Como vimos no decorrer do trabalho, na teoria as penitenciárias são um lugar não só de punição ao ato delituoso, mas também, estabelecimentos que tenham como objetivo ressocializar o condenado, respeitando sempre seus direitos humanos, proporcionando alimentação nutritiva, uma cela limpa, colchoes para dormir, atendimento médico, trabalhos se assim o quisesse efetuar, educação e diversos outros programas que ao longo do tempo traria o executado de volta a sociedade, com boas condutas e respeito as regras jurisdicionais.
Todavia, no capítulo III, ficou cristalino que na realidade o sistema carcerário é totalmente o inverso do prometido. Pois, comprovou-se através de dados e exemplos reais que as condições de vida que se leva na cadeia são na realidade subumanas, de modo que o detendo simplesmente é jogado na cela a se amontoar com os demais e deixado a deriva.
Não só por parte do governo, mas também devida a própria cultura comodista, a sociedade infelizmente vê como a melhor e mais fácil opção, simplesmente pegar o indivíduo que cometeu o crime, julgá-lo e na maioria das vezes o submeter a um sistema carcerário sujo, ineficaz, corrompido e degradante, ocasionando assim, na eliminação do preso do convívio social, violando uma das principais finalidades da pena privativa de liberdade, que é justamente a ressocialização e reinserção do preso para a sociedade conseguir trazê-lo de volta de forma útil e eficaz.
O que se defende não é o estabelecimento de conforto e “luxo” para os presos, mas sim, tornar claro ao Estado e a sociedade que enquanto esse preso for tratado como um “ninguém” e continuar sofrendo, esquecido nas penitenciarias e nas condições subumanas em que foram jogados, a criminalidade sempre estará elevando seus índices e sendo um problema social.
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Vale lembrar ainda, que encarcerados por anos sem receberem qualquer tratamento de ressocialização e reintegração na sociedade quando cumprir sua pena e obter sua liberdade, aquele que antes era condenado vai passar adiante apenas o que aprendeu durante todos esses anos dentro das celas, pois se o governo e a sociedade se recusam a auxiliar esses detentos, existem organizações criminosas que estão bastante interessadas na graduação “criminal” desse preso, formando mais uma mente criminosa.
Matti Joutsen, compartilha da opinião de que a ausência de projetos ressocilizadores gerará consequências futuras. Vejamos:
"Os prisioneiros são geralmente soltos na sociedade após alguns anos, e se não há tentativas efetivas de reabilitá-los e de prepará-los para a soltura, eles estarão em sua maioria mais propensos a cometer novos crimes". (JOUTSEN, 2012).
Este capítulo terá como finalidade demonstrar formas de cumprimento de pena pelo executado, sem se submeter a condições tão subumanas como tem feito. Busca ainda, apresentar o sistema penitenciário de outros países, na intenção de demonstrar que quando a dignidade da pessoa humana é respeitada, o condenado obtém resultado bastante satisfatório em sua ressocialização.
O primeiro modelo positivo que se apresenta no Brasil, são as chamadas APACS (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado), que de acordo com a fraternidade brasileira de assistência aos condenados – FBAC:
“Entidades jurídicas sem fins lucrativos, com o objetivo de auxiliar a Justiça na execução da pena, recuperando o preso, protegendo a sociedade socorrendo as vítimas e promovendo a Justiça restaurativa. (FBAC, 2016).
Além de visarem a ressocialização do indivíduo, as APACS ainda trabalham com um sistema bastante diferenciado dos que são normalmente utilizados no cárcere privado tradicional, pois nesse ambiente o preso conta com uma estrutura mais humanizada e obtém como método de ressocialização várias atividades, tomando e absorvendo para si responsabilidades, sentimentos de solidariedade, autovalorização e capacitação do condenado, e não é só, pois, a confiança é tamanha que o sistema de reintegração dispensa a utilização de armas e força policial.
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Mas a formação das APACS, não foi fácil, pois mesmo com toda a estrutura preparada e pessoal pronto para trabalhar, ainda existia um problema, que era a falta de “clientela”, pois, conforme mencionado no capítulo III, os condenados para que pudessem se proteger acabavam aderindo as facções. E uma vez integrante do grupo, não poderia se desvincular, a menos que pagasse com a própria vida.
O funcionamento das APACS só foi possível depois que as facções concordaram através de negociações, que permitiriam a desvinculação dos membros que tivessem a vontade de entrar para as Associações e abandonar a vida do crime.
Por enquanto o resultado está sendo positivo. De acordo o site da UOL, o índice de reincidência criminal é de apensa 20% (vinte por cento), o que é bastante benéfico se comparado a reincidência no sistema carcerário comum, que de acordo com o mesmo site, chega a 85% (oitenta e cinco por cento).
E mais, Roberto Donizetti, o gerente de metodologia da FBAC, afirmou ao CNJ que em algumas Apacs, o índice de reincidentes foi de apenas 2% (dois por cento) (DONIZETTI, 2017).
Além das APACS, existem outros modelos que cabem ser mencionados, esses exemplos estão na Europa, mais precisamente nos países da Holanda e Noruega.
4.1 Paralelo de sistemas penitenciários de outros países
Com o índice de reincidência menor que 20% (vinte por cento), a Noruega é um país com modelo carcerário a ser seguido, lá, a pena de maior potencial ofensivo começa a ser cumprida em prisões de alta segurança, passando para uma de menor segurança e diferente do sistema penitenciário brasileiro e de diversos outros países, ao final, como forma de graduação da pena, são utilizadas as “casas de adaptação”.
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As famosas Casas de Adaptação da Noruega são totalmente o oposto da realidade precária que se tem no Brasil, pois lá os condenados recebem tratamentos dignos de um ser humano, contando com atendimento e estrutura médica de primeiro mundo e ainda disponibilização de salas para o exercício de atividades para todos os gostos. Tais atividades incluem arte, música, esportes, televisão, jogos de xadrez, videogame, etc., e possuem como finalidade a ressocialização do indivíduo.
Ao contrário do que muitos pensam, essa não é uma disposição de lazer aos condenados, mas sim, um meio de deixá-los em uma rotina mais normal possível e aproveitar ao máximo para conectá-lo com a sociedade, pois para eles, afastar o condenado do meio social em que mais tarde terá que retornar, não ajuda em nada.
A Holanda também adota a teoria de ressocialização do preso trazendo-o para mais perto da sociedade e assim como a Noruega também possui resultados vantajosos. Lá o índice de criminalidade só diminui e o país está tendo até que fechar alguns presídios por falta de condenados.
Nesses países o preso não é tratado como um número, mas sim como um cidadão que mais cedo ou mais tarde retornará a sociedade de onde veio.
Em entrevista, o diretor Van der Spoel, presta esclarecimento sobre o sistema utilizado. Vejamos:
Aqui na Holanda, nós olhamos para o indivíduo. Se alguém tem um problema com drogas, tratamos o vício. Se é agressivo, providenciamos gestão da raiva. Se tem dívidas, oferecemos consultoria de finanças. Tentamos remover o que realmente causou seu crime. É claro que o detento ou a detenta precisam querer mudar, mas nosso método tem sido bastante eficaz. (SPOEL, 2016).
Segundo a revista Super Interessante, o índice percentual de detentos na Holanda, caiu 43% (quarenta e três por cento) na última década, possuindo ainda, um percentual de apenas 10% (dez por cento) quando o assunto é reincidência (VAIANO, 2017).
Sendo assim, observa-se que tanto na Holanda, quanto na Noruega, quando o assunto é cumprimento de pena e mútuo respeito à dignidade da pessoa humana, não há como negar que o Estado cumpre seu papel. Pois, além de tratar o detendo com dignidade e respeito ainda propõe um sistema carcerário tão eficaz que resulta
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em índices tão baixos de reincidência. Pois, é justamente com esse índice de reincidente que se pode observar como foi o tratamento e a eficácia do sistema a que se submeteu.
Freitas (2016) compartilha do mesmo conhecimento, de acordo com ela:
A reincidência é o principal indicador da falência do sistema prisional, o círculo vicioso de contínuas entradas e saídas comprova a incapacidade de resolver de forma definitiva as deficiências apresentadas pelo apenado, apenas exercendo sobre ele um controle jurídico e burocrático, devolvendo-o ao meio social sem que essas carências tenham sido superadas. (FREITAS, 2016, p. 3).
Desta feita, fica comprovada a imensa importância da presença dos direitos humanos, pois, apenas com o estabelecimento da dignidade aos presos é que os índices de criminalidade e reincidência cairão.
É claro que os países aqui mencionados, que serviram como forma de demonstração de como seria um sistema penitenciário que privilegia os Direitos Humanos no cumprimento da pena, possuem um quadro social bastante diferente do Brasil, pois, no Brasil esse quadro social reflete de maneira direta na vida e oportunidades dos indivíduos, que em muitas das vezes por necessidades, falta de oportunidades como emprego e educação, acabam se rendendo a vida do crime.
De acordo com dados divulgados pelo Infopen em 2016, 64% (sessenta e quatro por cento) da população carcerária que responde por pena privativa de liberdade são negros ou pardos, no que tange ao nível de escolaridade, 51% (cinquenta e um por cento) não possui sequer ensino fundamental completo. Sendo de apenas 1% (um por cento) o índice de condenados com ensino superior incompleto e pasme, a taxa de condenados com ensino superior completo é de 0% (zero por cento). (INFOPEN, 2016).
Assim, compreende-se que de nada adianta toda essa barbaria que os presos são submetidos, pois sem a ressocialização, todo essa sistemática é em vão.
4.2 Importância dos Direitos Humanos no sistema carcerário
Mas, conforme demonstrado, esses índices precisam melhorar e mesmo que o governo e a sociedade se omitiram e não proporcionaram a essas pessoas no
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tempo certo as oportunidades para que prosperassem na vida e jamais tivessem a necessidade de se envolver em situações criminosas, não os impede de se organizarem e auxiliarem agora, na ressocialização desses condenados e condenadas.
No que diz respeito ao governo, nada mais se deve do que o cumprimento das leis que ele mesmo implantou. Que ratificam e “garantem” aos presos os Direitos Humanos, educação, oportunidades de trabalho e medidas reintegrativas, de modo a recuperar o condenado e não deixá-lo a mercê de traças e facções.
No que tange a sociedade, seria de bom grado que a mesma não só exercesse seu poder de voz pressionando o governo e reivindicando por melhores condições a esses presos, bem como, que ao receber esse indivíduo ressocializado de volta a sociedade, não o virasse a face, ignorando seu clamor e pedidos por trabalho apenas por se tratar de um ex-detento.
Desta feita, conclui-se que a pretensão de garantia de direitos e medidas reintegrativas aos detentos que estão privados de sua liberdade, não é a inserção de nenhum luxo ou conforto aos mesmos, pois seria apenas a implementação de seus direitos básicos, pois, enquanto esses detentos forem tratados como objetos descartáveis pelo governo e pela sociedade, os problemas de criminalidade, reincidência e segurança pública serão sempre enfrentados por todos.
Pois, somente quando os Direitos do Preso, o Princípio da Legalidade, da Dignidade da Pessoa Humana, a Lei de Execução Penal e os Direitos Humanos forem respeitados dentro do cumprimento da pena, é que haverá a eficaz ressocialização desse condenado, minimizando de forma proporcional os números de reincidência dentro do sistema penitenciário.
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CONCLUSÃO
Em primeiro lugar, o estudo apresentou a importância e os efeitos que os Direitos Humanos possuem na vida do ser humano de modo geral. Após essa compreensão, demonstrou também os conceitos e evolução histórica da pena até os dias atuais, expondo ainda, que a legislação brasileira, unindo pena e Direitos Humanos, possui a intenção de ratificar os Direitos e garantias do preso. Devidamente exposta a base do real significado de Direitos Humanos e penas, buscou-se através de dados e exemplos a verificação do paradoxo entre Legislação e a triste realidade, solidificando sobre o que realmente acontece nas mazelas do sistema carcerário brasileiro. Fielmente exposta a inexistência do respeito aos Direitos Humanos do preso dentro das penitenciárias, o presente estudo manifestou de forma vivida sobre as consequências que esse desrespeito causa, podendo ser notado tanto na falência do sistema carcerário, bem como aos detentos, pois, resta demonstrado que além de sua privação de liberdade, os presos cumprem ainda uma pena “extra”, a qual é paga com a sua saúde física, moral e mental. Com a exposição das consequências mencionadas acima efetivadas pelo visível desrespeito aos direitos e garantias humanitárias do preso, pode-se concretizar que o sistema carcerário brasileiro é de extrema ineficácia, um sistema falido, que cada vez mais aumenta seus índices de superlotação reincidência. Com a apresentação de exemplos de sistemas carcerários que realmente cumprem seu papel social e ressocializador, foi possível concretizar que o emprego dos Direitos Humanos, o respeito aos Direitos do preso e métodos ressocializadores, são sim a maneira mais eficaz de diminuir os autos índices de reincidência e devolver o preso de forma transformada para a sociedade.
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A afronta aos direito humanos no sistema carcerário brasileiro
O presente estudo tem como objetivo comprovar a ineficácia do sistema carcerário brasileiro no que tange à ressocialização e apresentar como um dos motivos dessa ineficácia o desprezo aos Direitos Humanos.
PROFESSORA DE DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL
Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi
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