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Combate à lavagem de dinheiro

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20/05/2005 às 00:00
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O trabalho explana a mobilização mundial para o combate à lavagem de dinheiro, que se iniciou após a Convenção de Viena em 1988, no que concerne, principalmente, ao tráfico ilícito de entorpecentes, ao dinheiro que provém deste e de outros crimes organizados.

"Só é útil o conhecimento que nos torna melhores."

Sócrates


RESUMO

O presente trabalho explana a incessante mobilização mundial para o combate à lavagem de dinheiro, que se iniciou após a Convenção de Viena em 1988, no que concerne, principalmente, ao tráfico ilícito de entorpecentes, ao dinheiro que provém deste e de outros crimes organizados. Demonstrar-se-ão os esforços para a produção meios e métodos cada vez mais eficazes no combate à lavagem de dinheiro em âmbito transnacional, inclusive em nosso país, partindo-se da Lei n. 9.613, de 03/03/98, que tipifica o crime de lavagem de dinheiro e, após, serão expostas as demais iniciativas brasileiras nas esferas nacional e internacional. No que tange aos demais países, tanto quanto o nosso, há a nítida demonstração de seus trabalhos para a tipificação do delito, como também a criação de agências governamentais responsáveis pelo combate à lavagem de dinheiro, e a partir dessas iniciativas a formulação de um intercâmbio mundial de informações que, até o momento, ainda tímido vem demonstrando a cada dia a necessidade e possibilidade de se combater esse crime transnacional que é a lavagem de dinheiro, o grande desafio é falta de sintonia entre os países que ainda estão em fase de adaptação no combate deste ilícito.


SUMÁRIO: RESUMO; 1 INTRODUÇÃO; 2 LINHAS GERAIS SOBRE LAVAGEM DE DINHEIRO, 2.1 BREVE HISTÓRICO, 2.2 CONCEITOS BÁSICOS, 2.2.1A Expressão "Lavagem de Dinheiro", 2.2.2 Conceito, 2.2.3 Tipo penal, 2.2.4 Bem jurídico tutelado, 2.2.5 Crime antecedente, 2.2.6 Crime organizado e sua abrangência, 2.2.7 Mecanismos – meios e técnicas; 3 LEGISLAÇÃO E ORGANISMOS INTERNACIONAIS CRIADOS A PARTIR DA CONVENÇÃO DE VIENA DE 1988, 3.1 A CONVENÇÃO DE VIENA DE 1988, 3.2 A DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS DO COMITê DE BASILéIA, 3.3 GAFI/FATF - Grupo de Ação Financeira Sobre Lavagem de Dinheiro, 3.4 CONVENÇÃO SOBRE LAVAGEM, IDENTIFICAÇÃO, APREENSÃO E CONFISCO DE PRODUTOS DO CRIME DO CONSELHO DA EUROPA, 3.5 Convenção das nações unidas contra criminalidade organizada transnacional, 3.6 O GRUPO DE EGMONT, 3.7 O BRASIL E AS INICIATIVAS NORMATIVAS NO COMBATE À LAVAGEM DE DINHEIRO, 3.7.1 A Lei 9.613/1998, 3.7.2 Conselho de Atividades Financeiras – COAF; 4 LAVAGEM DE DINHEIRO NO DIREITO COMPARADO, 4.1 A EXPERIÊNCIA AMERICANA, 4.2 A eXPERIÊNCIA FRANCESA, 4.3 A EXPERIÊNCIA SUÍÇA, 4.4 A EXPERIÊNCIA ITALIANA, 4.5 A EXPERIÊNCIA ALEMÃ; 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS .


1 INTRODUÇÃO

O Combate à Lavagem de Dinheiro advém no intuito de colaborar para o entendimento de como tal ilícito se constituiu e se disseminou por todo o mundo, seus meios, métodos, técnicas e as experiências realizadas em vários países, bem como seus resultados, partindo-se de uma preocupação geral das nações, iniciada na Convenção de Viena de 1988.

Para tanto, buscar-se-á, através de pesquisa na legislação, doutrina, artigos e periódicos, elencar as criações jurídicas que têm por objeto o cumprimento dessa obrigação mundial, com destaque para as ações mais expressivas e que vêm obtendo resultados satisfatórios – principalmente quanto à criação de órgãos especializados – diante da evolução e disposição de vários países em todo o mundo, bem como o engajamento dos mesmos, visando à harmonização internacional diante desse objetivo comum, apresentando, demonstrando importância e a necessidade do combate à lavagem de dinheiro em âmbito internacional.

O primeiro capítulo deste trabalho destaca a origem histórica do delito, possibilitando a contextualização do tema, partindo-se da Convenção de Viena de 1988 até os dias atuais, bem como, da conceituação básica do crime de lavagem de dinheiro, seus principais meios, métodos e técnicas.

O segundo capítulo aborda o estudo mais aprofundado das criações legislativas elaboradas no mundo inteiro a partir da Convenção de Viena de 1988, e, ainda, sobre os organismos constituídos para a execução dos trabalhos no combate ao ilícito em âmbito internacional, não esquecendo da legislação de combate à lavagem de dinheiro em nosso país.

Por fim, o terceiro capítulo relaciona algumas experiências particularizadas em países como os Estados Unidos da América, França, Alemanha e Itália, suas ações e resultados.

A pesquisa se desenvolveu pelo método indutivo, partindo-se do estudo da doutrina existente a fim de chegar-se a uma conclusão acerca do tema em pauta.

As técnicas utilizadas para compor a pesquisa foram as de proposição e referente, mapeamento de categorias e proposição/identificação dos conceitos operacionais, os quais estão dispostos em nota de rodapé, sendo de cunho essencial para a devida compreensão do texto.


2 LINHAS GERAIS SOBRE LAVAGEM DE DINHEIRO

De modo a proporcionar a maior inteligibilidade do tema em estudo, realizar-se-á uma prévia explanação do contexto histórico que evidenciou a sua necessidade, bem como estabelecer conceitos básicos quanto a tópicos que, impreterivelmente, serão parte integrante do texto.

2.1 BREVE HISTÓRICO

A utilização de métodos que ocultassem valores ou bens remonta há tempos em que nem falávamos em dinheiro, moeda, circulação de capitais e, muito menos, em comércio eletrônico, "Segundo alguns a lavagem de dinheiro nasceu na China de 3000 anos atrás, quando mercantes adotavam, para proteger os próprios patrimônios das garras dos governantes da época, técnicas muito parecidas às usadas hoje pelos lavadores." [1]

Outros referenciam as primeiras práticas de lavagem de dinheiro a um período não tão remoto e muito mais popular, tendo a máfia americana de 1920 e Al Capone [2] como precursores das mesmas, se não vejamos:

A origem deste delito às primeiras formas de organizações criminosas que começaram a despontar no mundo, as máfias. Pode ser interessante começar como a experiência norte - americana, lá no ano de 1920, quando o contrabando ilegal de bebidas estava tendo impacto similar na repressão ao crime, da mesma maneira que o crime de tráfico de drogas viria representar a partir do ano de 1970. Gangues de operadores independentes seriam logo organizadas por uns poucos criminosos criativos que usariam a corrupção e a extorsão para preservarem suas organizações criminosas. O mais famoso destes criminosos foi Al Capone que, enquanto operava fora de Chicago, dirigiu um sindicato nacional do crime, grande e poderoso. Todos sabiam que ele era um assassino, contrabandista e extorquia dinheiro, mas não podiam prová-lo [3]. [4]

Al Capone foi preso por sonegar impostos e não pelos crimes que havia cometido. Os criminosos que se seguiram naquelas práticas ilícitas não cometeram o mesmo erro, passando a inserir os valores no mercado financeiro [5] de modo que as operações financeiras acabassem por transformar o dinheiro sujo em limpo. [6]

Os cassinos [7] de Las Vegas [8] foram amplamente utilizados para a lavagem de dinheiro:

Um de seus objetivos nesse investimento era o de propiciar uma oportunidade para lavar o dinheiro das quadrilhas. Os cassinos eram e ainda são excelentes locais para disfarçar rendimentos de procedência ilícita. Lansky também abriu negócio em Cuba, com o apoio de máfias italianas, tornando-se o primeiro centro financeiro offshore. Assim foi que começaram a tomar dimensões internacionais as formas de ocultação e dissimulação de bens, direitos e valores. [9]

Nos anos sessenta, momento histórico em que as drogas [10] se apresentaram pela primeira vez como fonte de grande lucratividade fortaleceu ainda mais as técnicas de lavagem de dinheiro e, nesse momento, tomou uma amplitude muito maior, abrangendo inicialmente o Continente Americano e logo após o restante do globo. [11]

"As operações de compra e venda de substâncias entorpecentes e drogas afins não são realizadas com cartões de créditos ou cheques, são pagos em dinheiro vivo; esse fato ocasionou grandes dificuldades de investigação." [12]

Os Bancos eram a melhor forma de inserção de valores oriundos de ilícitos no mercado financeiro, buscando evitar tal fato, em 1970, os Estados Unidos promulgaram a Lei do Sigilo Bancário, estabelecendo uma obrigação aos bancos e outras instituições financeiras de informar ao governo federal de todas as transações em dinheiro de mais de $ 10,000 (dez mil dólares). Ocorre que somente em 1986 a lavagem de dinheiro foi criminalizada naquele país. [13]

Na Europa, principalmente na Itália, realizava-se um trabalho no mesmo sentido, sendo que o governo italiano se empenhava para desvendar práticas que ocultavam os produtos dos crimes organizados. [14]

Não só o exemplo Norte Americano pode ser citado para expor o desenrolar histórico dos sistemas de lavagem e dinheiro, após a Segunda Guerra Mundial pode-se perceber um esforço muito maior do que o até então visto para a internacionalização dos capitais.

O fim da Guerra Fria (1946-89) estabeleceu um marco para a intensificação dessa internacionalização do capital. O mundo socialista estava desagregado e representava um novo território a ser conquistado pelo capital, uma vez que constituía fronteiras de negócios, espaço perfeito para a transferência de capitais excedentes e de tecnologias, intensificando a generalização dos movimentos de capital em escala mundial. [15]

"Nas duas últimas décadas, a lavagem de dinheiro e os crimes correlatos [...] tornaram-se delitos cujo impacto não pode mais ser medido em escala local. [...], seus efeitos perniciosos hoje se espalham para além das fronteiras nacionais" [16].

A configuração do crime [17] de "lavagem de dinheiro" ocorreu pela primeira vez nos anos 80 co ma Convenção de Viena, visando o combate aos narcotraficantes. O FATF-GAFI [18] (Financial Action Task Force on Money Laundering), um dos principais organismos internacionais de referência nesse trabalho, e o principal agente de integração e coordenação das políticas internacionais neste sentido foi criado em 1989 por iniciativa dos países do G-7 [19] e da União Européia [20]. [21]

O combate à lavagem de dinheiro, passou a ser tema de encontros, convenções e "Chefes de Estado e de Governo, bem como organismos internacionais, passaram a dispensar mais atenção à questão. Poucas pessoas param para pensar sobre a gravidade do problema, principalmente porque a lavagem de dinheiro parece distante de nossa realidade." [22], (23)

Essa necessidade tão expressiva levou diversos países [24] do mundo a aderirem à Convenção [25] de Viena de 1988, onde foram deliberadas as bases a serem seguidas para um combate internacional à lavagem de dinheiro, intitulada como Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas.

Luiz Flávio Gomes [26] destaca como fato marcante na história do combate à lavagem de dinheiro o encontro da ONU realizado em Nápoles em 1994, na Itália, momento em que foi dada grande atenção a uma necessidade cada vez mais crescente em identificar grupos empresariais que aplicam o dinheiro do crime, movimentando milhões de dólares todos os anos sem ter que justificar tal movimentação, sendo que o seqüestro dos bens adquiridos com o dinheiro do crime e o congelamento das fortunas seriam pontos a serem abordados para um tratamento legal mais intensificado.

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O Brasil aderiu a Convenção de Viena, aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 162 [27], de 14 de junho de 1991 e Decreto nº 154 [28], de 26 de junho de 1991, tendo somente em 1998 com base na respectiva Exposição de Motivos [29], aprovou a Lei de Lavagem de Dinheiro ou Lei nº 9.613 [30], posteriormente alterada pela Lei nº 10.467 [31], de 11.06.02. [32]

Ao elaborar o texto legal que tipifica a lavagem de dinheiro no Brasil, nosso legislador contou com a experiência de outros países:

a) Alemanha (§ 261, do Código Penal); b) Bélgica (§ 4º do art. 505 do Código Penal, introduzido pela Lei de 17 de julho de 1990); c) França (arts. 222-38 e 324-1 do Código Penal, redigidos pela Lei n. 96.392, de 13-5-1996); d) México (art. 400 bis do Código Penal, alterado em 13-5-1996); e) Portugal (alínea b do item I do art. 2º do Decreto-lei n. 325, 2-12-1995); f) Suíça (art. 305 bis Código Penal, introduzido pela Lei de 23-3-1990). [33]

2.2 CONCEITOS BÁSICOS

2.2.1A Expressão "Lavagem de Dinheiro"

Marco Antonio de Barros [34] entende que a denominação legal do tipo penal é uma opção de nosso legislador, pois tal nomenclatura não é uniforme entre os países que já tipificaram a conduta. Há alguns países que tratam como branqueamento de dinheiro, como seria o caso da França, Espanha e Portugal, que levam em conta para a denominação o resultado da ação.

Diferentemente daqueles, existem países que preferem utilizar o critério da natureza da ação praticada, "partindo do verbo referido no novo tipo penal (lavar). Entre os países que preferiram essa forma de denominação estão os de língua inglesa, que denominam Money laundering; a Argentina, Lavado de dinero; a Suíça, Blanchissage d’argent; e a Itália (Riciclaggio)." [35]

Em nosso país a expressão "lavagem de dinheiro" já vem sendo usada a muito tempo, mesmo antes da tipificação do crime. Para Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo [36], o nome foi escolhido por duas razões. Primeiro, o termo já estaria consagrado em nossas atividades financeiras e na linguagem popular, devido a seu emprego internacional. Depois, "branqueamento" poderia sugerir um vocábulo racista que poderia, ao invés de resolver o problema do tipo criminal, incidir noutro crime.

O mesmo autor conclui que:

A opção por iniciar pelo termo ‘lavagem’ parece correta, posto que incorporado à língua portuguesa, escrita e falada no Brasil. Palavra de origem francesa, utilizada no garimpo do ouro, veio a ser empregada como sinônimo de ‘desmonte’. No momento, o sentido corrente prende-se à ação ou efeito de lavar, portanto, de limpar. Na mesma acepção antiga de ‘lavadura’. [37]

2.2.2 Conceito

"A lavagem de dinheiro constitui um conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia de cada país dos recursos, bens e serviços que se originam ou estão ligados a atos ilícitos." [38]

A Lei 9.613/98 que dispõe sobre os crimes de lavagem de dinheiro no Brasil prega em seu artigo 1º:

Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; II – de terrorismo e seu financiamento; III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; IV - de extorsão mediante seqüestro; V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; VI - contra o sistema financeiro nacional; VII - praticado por organização criminosa; VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira (arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal). Pena: reclusão de três a dez anos e multa. § 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo: I - os converte em ativos lícitos; II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere; III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros. § 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem: I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo; II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei. [39]

"Na prática do crime de lavagem de dinheiro há a "realização de atos concatenados no tempo e no espaço, objetivando seja atingida determinada finalidade." [40]

Dessa forma, temos que a prática desse ilícito consiste basicamente em operar o crime e, de forma mais encoberta ainda, inserir os valores dele oriundos de todas as formas possíveis no mercado financeiro, ou adquirindo bens ou, ainda, direitos, sem dar maiores explicações sobre sua origem.

2.2.3 Tipo penal

O tipo penal [41], bem jurídico tutelado e a questão do crime antecedente estão extremamente interligadas quando se fala em lavagem de dinheiro, mas para um entendimento lógico e seqüencial partiremos do tipo penal: "A estratégia internacional focou-se no objetivo de perseguir o produto e o proveito de determinados crimes; em particular, o dinheiro obtido pelas organizações criminosas por meio do tráfico ilícito de entorpecentes." [42]

O raio de atuação das organizações do tráfico ilícito de entorpecentes vem aumentando a todo instante, todos os dias são apresentadas reportagens em jornais, revistas e televisão, não poderia ser diferente, então, o direcionamento internacional para uma tipificação voltada exatamente para essa questão.

No entender de Pierre-Henri Bolle citado por Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, "Busca-se [...] a harmonização das políticas criminais, mediante a ‘introdução, no maior número possível de sistemas penais nacionais, de incriminações em que os elementos constituintes são os mesmos, e as penalidades, comparáveis’". [43]

2.2.4 Bem jurídico tutelado

Analisando as preocupações ressaltadas quando da construção do tipo penal podemos verificar que existe um foco na proteção do bem estar socioeconômico [44]. "Na doutrina, encontram-se três principais correntes, quanto ao objeto de proteção no crime de lavagem de dinheiro: o mesmo bem jurídico protegido pelo crime antecedente; a administração da Justiça; e a ordem econômica." [45]

Em nosso ordenamento temos por base a ordem socioeconômica como bem jurídico tutelado, ficando claro, nos primeiros artigos da Lei 9.613/98, a questão de valores, resguardados pelo tipo penal em exame. [46]

Para William Terra de Oliveira [47] a ordem socioeconômica seria o bem protegido, sendo que o mesmo frisa, ainda, que se procura alcançar a proteção de interesses metapessoais ou interindividuais, evitando, por conseguinte, a erosão do sistema democrático com o comprometimento do destino econômico de toda a sociedade.

Há aqueles que se posicionam de modo a definir que o bem jurídico protegido pelo tipo penal do crime de lavagem de dinheiro seria aqueles violados no rol de crimes antecedentes, se não vejamos o comentário de Cláudia Fernandes dos Santos [48]:

[..] alguns doutrinadores acreditavam ser a ordem sócio-econômica como um todo o bem jurídico protegido. No mesmo sentido, outro posicionamento destacou como sendo o bem jurídico o sistema financeiro como um todo, uma vez que a lavagem de dinheiro causava um prejuízo, não apenas financeira, à ordem econômica internacional como um todo. [49]

Diante da constante dúvida para a determinação do bem jurídico tutelado não haveria outra forma se não tentar estipular regras para sua determinação, sendo que estas deveriam ser levadas em conta em todo o mundo, para tanto se seguiram algumas discussões:

Ante a dificuldade de se delimitar o bem jurídico protegido pela lei de lavagem de dinheiro dos países, sabendo ser obrigatória a procedência ilícita do dinheiro lavado e, portanto, de crime grave, decidiram elencar um rol de crimes que pudessem configurar como elementar do tipo penal de lavagem de dinheiro. Em uma primeira geração, originada pelas discussões da Convenção de Viena de 1988, o crime precedente ficou sendo apenas o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins (talvez influenciada pela explosão lucrativa que o tráfico de drogas gerou por volta dos anos setenta e oitenta). Entretanto, observando que não era apenas esse delito de cunho grave e gerador de lucros exorbitantes, uma segunda geração apareceu ampliando o rol dos delitos precedentes, da qual a legislação brasileira se aproxima; foi adotada por países como a Alemanha, Espanha, Portugal e Brasil, apesar de a lei brasileira ter sido elaborada após a definição da terceira geração dos crimes precedentes. A terceira geração prefere, por não definir de forma taxativa os delitos elementares do tipo do crime de lavagem, limitar-se a dizer "dos crimes graves", o que facilita muito mais a análise do delito de lavagem de dinheiro quando executado em país diverso da execução do delito anterior, bem como corresponde, assim, uma verdadeira proposta preventiva político-criminal. Este posicionamento foi adotado pela Bélgica, França, Itália, México, Suíça e Estados Unidos. O Brasil poderia ter adotado o posicionamento da terceira geração, o que possibilita uma melhor aplicabilidade da lei de lavagem de dinheiro e efetiva função de proteção aos bens jurídicos. [50]

2.2.5 Crime antecedente

Quanto ao crime antecedente, quando da conceituação realizada pelo artigo 1º da Lei 9.613/98, percebeu-se a existência de uma lista taxativa, todos aqueles crimes ali elencados são os chamados de crimes antecedentes, são números cláusulos fixados daquela maneira.

É uma característica bem própria do crime de lavagem de dinheiro o fato de possuir um crime que o anteceda, crimes estes que não costumam ser praticados todos em um mesmo país, eles ultrapassam as fronteiras, sem se curvarem a estas, para se concretizarem. Porém, podem ocorrer dentro de um único país, dependendo de sua grandiosidade. O que realmente é exigência é a prática de algum daqueles crimes já citados. [51]

Quando se fala em lavagem de dinheiro pressupõe-se um crime antecedente, vários deles, sendo todos "considerados principais, primários ou básicos, em relação ao crime de lavagem que é acessório, secundário ou derivado." [52]

2.2.6 Crime organizado e sua abrangência

As organizações criminosas e o tráfico ilícito de entorpecentes são os maiores vilões quando se trata do crime de lavagem de dinheiro, como se pode observar em toda a história da prática da lavagem de dinheiro em todo o mundo é permanente a busca de um mecanismo que intervenha nesses casos e evite os prejuízos por eles causados.

A identificação e conceituação do crime organizado exigem um esforço muito grande, visto da sua mobilidade, pode-se dizer até de sua capacidade de mutação, para tanto será tomado como base na doutrina de Luiz Flávio Gomes:

De acordo com a doutrina de Manuel López - Rey, existem duas modalidades de crime organizado: a norte - americana - italiana, que tem uma certa categoria internacional, e a mais modesta, de índole regional ou local, que pode florescer em qualquer país. A primeira, principalmente, caracteriza-se por uma organização rígida, uma certa continuidade dinástica, pelo afã de respeitabilidade de seus dirigentes, severa disciplina interna, lutas intensas pelo poder, métodos poucos piedosos de castigo, extensa utilização da corrupção política e policial, ocupação tanto em atividades ilícitas como lícitas, simpatia de alguns setores eleitorais, distribuição geográfica por zonas, enormes lucros, etc. [53]

A criminalidade organizada vem se tornando cada vez mais profissionalizada, atuando em vários segmentos da sociedade, inclusive se infiltrando na área administrativa, legislativa e judiciária dos Estados, realizando a corrupção da legislatura, da Magistratura, do Ministério Público, da polícia, implicando na paralisação estatal no combate de tal fato. [54]

Além de estar presente naqueles segmentos dentro de cada Estado, o crime organizado migra de um país para o outro com grande facilidade, iniciando um crime em um país, processando uma parcela em outro e realizando sua finalização noutro, conforme segue:

O crime organizado possui uma textura diversa: tem caráter transnacional na medida em que não respeita as fronteiras de cada país e apresenta características assemelhadas em várias nações; detém um imenso poder com base numa estratégia global e numa estrutura organizativa que lhe permite aproveitar as fraquezas estruturais do sistema penal; provoca danosidade social de alto vulto; tem grande força de expansão, compreendendo uma gama de condutas infracionais sem vítimas ou com vítimas difusas; dispõe de meios instrumentais de moderna tecnologia; apresenta um intricado esquema de conexões com outros grupos delinqüências e uma rede subterrânea de ligações com os quadros oficiais da vida social, econômica e política da comunidade; origina atos de extrema violência; exibe um poder de corrupção de difícil visibilidade; urde mil disfarces e simulações e, em resumo, é capaz de inércia ou flagilizar os Poderes do próprio Estado. [55]

Há quem compare o crime organizado com uma empresa, com pessoas e capitais, sob uma direção única, direcionada para o acúmulo de capital por meio do fornecimento de bens e serviços ilícitos. [56]

Funcionando dessa maneira o crime organizado acaba formando uma estrutura capaz de atuar na prática de vários ilícitos, seja o jogo de azar, as drogas, a venda de armas, a prostituição, agiotagem, e outros mais que forem proibidos, sendo este, então, o alvo principal de todos os esforços mundiais para o combate à lavagem de dinheiro.

No Brasil foi promulgada a Lei 9.034, de 3 de maio de 1995, que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. [57]

2.2.7 Mecanismos – meios e técnicas

A lavagem de dinheiro não é um processo que se compõe basicamente de três etapas, sendo que, às vezes, as três etapas podem ser resolvidas numa única transação, mas é mais provável que apareçam separadas, sendo elas: a colocação; estratificação, difusão ou camuflagem; e a integração. [58]

A fase da colocação é o primeiro passo, consistindo-se na inclusão do dinheiro sujo no mercado financeiro, "o criminoso procura movimentar o dinheiro em países com regras mais permissivas e naqueles que possuem um sistema financeiro liberal, se efetua por meio de depósitos, compra de instrumentos negociáveis ou compra de bens." [59] Primeiramente é necessário remover o dinheiro do local de aquisição, limitando o perigo de as autoridades detectem a atividade que o gerou, após, deve ser transformado em outras formas como traveller cheques, cheques correio, títulos ao portador, saldo em contas correntes, bens de alto valor, obras de arte etc. [60]

A fase da estratificação, difusão ou camuflagem consiste em dificultar o rastreamento contábil dos recursos ilícitos, criando camadas complexas de transações financeiras e/ou comerciais projetadas para disfarçar o rastro de origem e prover anonimato. Busca-se criar uma justificativa "limpa" para a origem do dinheiro [61]. Tipicamente "camadas de camuflagem" são criadas transferindo, por meio de transferências eletrônicas, o dinheiro dentro e fora de contas bancarias off-shore [62] abertas, em países diferentes, bem como as chamadas contas "CC5" [63]. "Dado o volume global de transações diárias, e o alto grau de anonimato freqüentemente disponível, as chances que as transações sejam localizadas é bem pequena quando não insignificante." [64]

A última fase é a integração, normalmente interligada ou, às vezes, sobreposta a etapa anterior, momento em que o dinheiro é definitivamente integrado no sistema financeiro. [65] "As organizações criminosas buscam investir em empreendimentos que facilitem suas atividades – podendo tais sociedades prestar serviços entre si. Uma vez formada a cadeia, torna-se cada vez mais fácil legitimar o dinheiro ilegal." [66]

Os meios mais utilizados na aplicação prática da lavagem de dinheiro são os bancos [67], instituições financeiras não bancárias [68] e empresas não financeiras [69].

A técnicas mais comuns da lavagem de dinheiro se apresentam da seguinte forma:

Estruturação – onde uma ou mais pessoas (smurfs) procuram realizar inúmeras transações financeiras num período maior de tempo, em uma ou várias instituições financeiras. Grandes valores são subdividos em valores menores e inseridos no mercado financeiro sem levantar maiores suspeitas, por meio de depósitos, transferências eletrônicas ou outros instrumentos monetários. [70]

Cumplicidade de agente interno ou de uma organização – funcionários de instituições financeiras ou empresas facilitam o processo encobrindo os depósitos de grandes quantias sem efetuar as devidas comunicações dos mesmos, ou apresentando dados falsos, ou isentando indevidamente aqueles clientes de registro. [71]

Mescla ou empresa de fachada – misturam-se recursos ilícitos com os lícitos de uma empresa que, aparentemente, participa do comércio legítimo de modo a fornecer uma explicação imediata para o alto volume de moeda, qual seja, a receita de um negócio lícito. [72]

Compra de ativos ou instrumentos monetários – opera-se por meio da aquisição de ativos tangíveis (automóveis, barcos, aeronaves, propriedades imobiliárias e metais preciosos), ou instrumentos monetários (ordens de pagamento, vales postais, cheques administrativos, cheques de viagens e ações). [73]

Contrabando de moeda – consiste no transporte físico de recursos oriundos de atividades ilícitas para o exterior. Traz a vantagem de romper totalmente o vínculo entre a atividade ilícita e o dinheiro exportado, podendo retornar ao país de origem, futuramente, como dinheiro aparentemente legal. [74]

Transferências eletrônicas de fundos – nesse caso utiliza-se da rede eletrônica dos bancos ou remetentes de fundos comerciais [75], transferindo valores para qualquer lugar de seu país ou até mesmo do mundo. [76]

Vendas ou exportação de ativos – por esta técnica, os ativos comprados com o dinheiro de origem ilícita são vendidos para outro local ou exportados, tornando a identidade do comprador original obscura. [77]

Vendas fraudulentas de propriedades imobiliárias – imóveis são adquiridos com recursos ilícitos e paga-se por eles um valor inferior ao real. A diferença é paga ao vendedor em espécie, sem que seja declarada e, após, revende a propriedade pelo seu valor real justificando o capital como lucro obtido na negociação. [78]

Estes são exemplos mais comuns de técnicas que podem ser citadas como as mais usuais na prática do ilícito da lavagem de dinheiro, porém nada impede que possam ser identificadas outras diferentes destas, visto da atualização e criatividade permanente por parte doa lavadores de dinheiro.

Cumplicidade bancos estrangeiros – as instituições financeiras estrangeiras podem fornecer uma explicação legítima dos recursos lavados, visto que possuem particularidades em suas leis de sigilo bancário [79]. [80]

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Sobre a autora
Ana Karina Viviani

Bancária (Banco do Brasil S.A), Bacharel em Direito pela FURB– Universidade Regional de Blumenau (SC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIVIANI, Ana Karina. Combate à lavagem de dinheiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 684, 20 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6739. Acesso em: 23 dez. 2024.

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