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Os Municípios, o ISS e os crimes contra a ordem tributária

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5.Aspectos penais e processuais penais relevantes.

Em primeiro lugar, mister salientar que, em sede de crimes contra a ordem tributária, ocorre a extinção da punibilidade com o pagamento do débito tributário, antes do recebimento da denúncia, nos termos do art. 14, da Lei n.º 8.137, de 1990, revigorado pelo art. 34, da Lei n.º 9.249, de 1995 e também pelo descrito no § 2º, do art. 9º, da Lei 10.684/2003, que trata do parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita Federal (PAES):

Art. 9º – É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

§ 1º – A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2º – Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

O Supremo Tribunal Federal entendia (antes do advento da lei de 2003) (24), que com o parcelamento não podia haver a extinção da punibilidade. O Superior Tribunal de Justiça, ao contrário, entendia que o parcelamento, por si só, já era motivo para a extinção da punibilidade.

Muito importante esclarecer que, este período de suspensão pelo parcelamento, não corre a prescrição. A extinção da punibilidade, assim, somente pode vir a ser reconhecida, em caso de parcelamento do débito tributário, tão-somente, com o pagamento da última parcela do dito financiamento.

Estas são as normas insertas no art. 9º, da Lei n. Lei 10.684/2003, devendo ser aplicável a todas as situações fáticas que envolvem crimes contra a ordem tributária, pois é uma norma de direito penal, que deve ser aplicada nas três esferas: Federal, Estadual e Municipal.

Há um outro instituto importantíssimo que deve ser mencionado, o qual diz respeito à prescrição, significando, em resumo, segundo Celso Delmanto, "a perda do poder de punir do Estado, causada pelo decurso do tempo fixado em lei"(25).

Tais prazos devem ser observados com rigor, no que toca à aceleração da representação fiscal pelos Agentes Fazendários, principalmente no caso das condutas do art. 2º, da Lei n. 8.137/90, vez que em virtude do quantum de pena abstratamente cominadas, são bastante exíguos.

Vejamos um exemplo: a pena para o caso de não recolhimento (II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos)é de seis (06) meses a dois (02) anos de reclusão. O art. 109, do Código Penal, por sua vez, dispõe que:

Art. 109 – A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§ 1º e 2º do artigo 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

I - em 20 (vinte) anos, se o máximo da pena é superior a 12 (doze);

II - em 16 (dezesseis) anos, se o máximo da pena é superior a 8 (oito) anos e não excede a 12 (doze);

III - em 12 (doze) anos, se o máximo da pena é superior a 4 (quatro) anos e não excede a 8 (oito);

IV - em 8 (oito) anos, se o máximo da pena é superior a 2 (dois) anos e não excede a 4 (quatro);

V - em 4 (quatro) anos, se o máximo da pena é igual a 1 (um) ano ou, sendo superior, não excede a 2 (dois);

VI - em 2 (dois) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. (Grifos nossos).

Conclui-se, portanto, pelas disposições legais acima extraídas, que o Estado não poderá mais processar o contribuinte fraudador do ISS se da data do fato (contado do termo de início de fiscalização), ao recebimento da denúncia pelo Ministério Público decorrer mais de quatro (04) anos, o mesmo ocorrendo entre a data do recebimento da denúncia até a publicação da sentença. Deve-se ter em conta, igualmente, o prazo da prescrição em sua forma retroativa, as reduções de prazo do art. 115, do Código Penal e, principalmente, que, no crime continuado, na contagem do prazo prescricional, não se computa o acréscimo de pena decorrente desta causa especial de aumento de penal (26).

Por este motivo, devem os Agentes Fazendários impulsionar com eficiência e rapidez as suas representações fiscais, sob pena do Estado não poder aplicar uma penalidade ao contribuinte-denunciado. As causas de interrupção da prescrição penal estão enumerados no art. 117, do Estatuto Repressivo.

A prescrição, por outro lado, como se viu, é um trunfo de defesa na mão do advogado. O profissional que trabalhar nesta área, defendendo o contribuinte denunciado por crime contra a ordem tributária, tem a obrigação de conhecer com profundidade o instituto da prescrição, em todas as suas modalidades, sob pena de estar perdendo a oportunidade de livrar o seu cliente de uma condenação penal.

Outro argumento de defesa fortíssimo e consistente está na dosimetria da pena infligida pelo Judiciário ao sentenciado.

Não é nossa pretensão aqui, discorrer sobre o sistema trifásico da aplicação da pena, mas evidenciar a importância do profissional do direito que atua nesta área, em conhecê-lo com minúcias, inclusive quanto à sua operacionalização, pois que aí se encontra uma grande arma da defesa do contribuinte, sendo matéria que pode ser enfrentada até mesmo em sede de habeas corpus (27).

É de fundamental importância esclarecer, ademais, ainda no que concerne à dosimetria, que o Juiz não pode considerar como circunstância essencial para o aumento da pena base do réu, a própria conduta delituosa ínsita no tipo penal do qual fora denunciado. É como entende o Supremo Tribunal Federal (28).

Por fim, interessante fazermos alguns comentários a respeito das penas alternativas (benesse introduzida pela Lei n. 9.714/98), as quais podem ser substituídas pela pena corporal eventualmente aplicada ao sentenciado.

O referenciado texto legal acima mencionado, revogou as disposições do art. 44, do Código Penal, que, atualmente, assim dispõe:

Art. 44 – As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos e o crime não foi cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II - o réu não for reincidente em crime doloso; III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

Raramente, portanto, um fraudador do ISS, considerando o quantum de pena abstratamente cominada aos tipos penais do art. 1º e do art. 2º, da Lei n. 8.137/90, cumprirá a penalidade privativa de liberdade que lhe for imposta na sentença, encarcerado. Entretanto, mister ressaltar que a lei permite tal benefício por uma só vez, dispondo o § 3º, do art. 44, do Estatuto Repressivo que:

"§ 3º - Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime". (Grifos nossos).

Isto significa dizer que, em se tratando de um sonegador contumaz, este poderá vir a incidir mais de uma vez, nos delitos tipificados na Lei n. 8.137/90, fato este que, inevitavelmente, gerará reincidência específica, tornando incabível o benefício acima mencionado, fazendo com que o condenado cumpra na sua totalidade a pena privativa de liberdade aplicada, preso no cárcere.

Outro ponto fundamental que deve aqui ser explicitado, diz respeito às condutas privativas do art. 2º, da Lei 8.137/90. Neste enfoque, podemos citar a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, a qual dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. A nominada legislação prevê a realização de uma audiência, em que o Promotor de Justiça, antes de denunciar o Contribuinte numa das condutas do art. 2º, da Lei n. 9.099/95 (somente nestas), poderá apresentar proposta de transação penal ao mesmo, que se consubstancia na aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas. Se o Denunciado aceitar a imposição da pena imposta, o processo tem o seu fim neste exato momento, sendo, desde já, extinta a sua punibilidade.

Repita-se que tal benefício somente é cabível nas condutas do art. 2º, da Lei 8.137/90, valendo esclarecer, igualmente, que se houver descumprimento da sanção imposta, considerando que a denúncia não fora recebida, a benesse concedida é revogada pelo Juiz e o processo crime passa a correr normalmente: ou seja, a denúncia será oferecida pelo Ministério Público, determinando, após, o Juiz, o prosseguimento normal do processo até o seu final.

Forçoso reconhecer, também, que se o Contribuinte, não obstante ter descumprido as condições da transação penal, após o oferecimento da denúncia, preencher as condições do disposto no art. 89, da Lei n. 9099/95, terá mais uma chance de reparar o dano, momento em que lhe será apresentada proposta de suspensão condicional do processo por dois (02) anos, desta vez ofertada pelo magistrado e não pelo Ministério Público.


6.A atuação do Ministério Público e do Agente Fazendário do Município.

O Ministério Público é o dono da ação penal. Somente o Promotor de Justiça é que detém a competência para denunciar ou não o contribuinte sonegador do ISS. O exercício das nobres funções do Parquet exige postura de absoluta imparcialidade e isenção, jamais podendo ser exercida, como é por demais sabido, por interesses pessoais.

Importa relevar, também, que o Município, neste caso, é a vítima, não figurando, portanto, como parte, no processo penal. A ação penal será conduzida pelo Ministério Público, posto tratar-se de crime de ação penal pública incondicionada.

Em Blumenau (SC), para não restar caracterizada qualquer possível parcialidade ou para não se deixar ao arbítrio do Administrador Público, no que concerne à escolha das notificações a serem encaminhadas ao Ministério Público, determinou-se, através de Portaria assinada pelo Secretário da Fazenda Municipal, que todas as notificações dos contribuintes autuados, sejam encaminhadas ao Parquet, acompanhadas de um breve relatório, a fim de que o Promotor de Justiça responsável, peça a documentação daquelas empresas, donde constatará indício de materialidade e autoria de possível crime contra a ordem tributária.

A Autoridade Fazendária, por outro lado, que no exercício de suas atribuições legais, apurar indícios de que o contribuinte incidiu em alguma das condutas do art 1º ou do art. 2º da Lei n.º 8.137/90, deverá formular representação fiscal para fins penais, acompanhada de todos os documentos que demonstrem a ocorrência da possível fraude e encaminhá-la ao Ministério Público.

Nesta peça informativa, deverá o Agente Fiscal indicar, além da notícia do fato delituoso, o montante do tributo suprimido ou reduzido, se evidenciar alguma conduta do art. 1º, da Lei n. 8.137/90, ou o montante devido, no caso de não recolhimento (art. 2º, do mesmo Estatuto Normativo).

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7.Formas mais usuais de sonegação fiscal do ISS.

Particularmente, em relação ao imposto municipal em comento, destaca-se, a seguir, as formas mais usuais de sonegação fiscal propriamente dita.

Nota fiscal calçada, segundo entendimento do mestre Alécio Adão Lovatto, é aquela em que

o contribuinte emite nota fiscal, calçando a via cativa (a que fica retida no bloco), de forma que nela não fique consignada a verdade: a) ou o valor da via cativa é inferior ao da operação real, porque com isso reduz o tributo; b) ou, a pedido do adquirente, é superior ao valor consignado na via cativa, porque desta forma possibilita que outrem, adquirente, ao consignar a entrada da mercadoria em seu estabelecimento, adquira crédito maior que o real; c) ou, também tanto a primeira via como a cativa não correspondem à realidade. (29)

Na modalidade de fraude conhecida por nota calçada, portanto, o agente da fraude fiscal preenche o documento fiscal com os dados operação de serviços efetivamente realizada, sendo que na outra via insere valor do serviço, geralmente menor, para permitir recolhimento a menor do tributo a recolher.

Segundo o mesmo autor acima citado a"nota fiscal paralela significa nota fiscal impressa com o mesmo número e a mesma série da nota fiscal devidamente autorizada pelo fisco" (30).

Para melhor entendimento a respeito da última forma acima citada de fraudar o fisco, necessário esclarecer que cabe à Fazenda Pública Municipal, no que tange às notas de serviços, emitir um documento de autorização que permitirá a impressão de documentos fiscais. Esta autorização é nominada de AIDOF - Autorização de impressão de documento fiscal. O fraudador utiliza-se do mesmo número e da mesma série da nota autorizada pela municipalidade para cometer o crime tributário.

A nota fiscal paralela pode ser utilizada tanto pela empresa prestadora do serviço como pela empresa tomadora. Tudo depende do objetivo do uso da nota fiscal paralela. Se a finalidade é omitir o registro da operação da prestação do serviço, o contribuinte manda imprimir notas paralelas, a fim de usá-las em outros determinados serviços, omitindo o registro de todas as operações constantes do bloco de notas fiscais.

Além da nota calçada e da nota paralela, o fraudador do Imposto Sobre Serviços - ISS, costuma utilizar-se, igualmente, do expediente da "nota fria", através da qual o contribuinte, emite notas fiscais falsas geralmente relativas a empresas inexistentes, de fato ou de direito, ou já canceladas.

Outro exemplo de evasão fiscal muito freqüente nos municípios brasileiros, consiste no fato de o contribuinte instituir empresa em município cuja alíquota do ISS é menor em relação àquele onde a empresa está efetivamente sediada e operando. Mister ressaltar que a legislação não impede que a empresa prestadora de serviços tenha sede ou filial em município onde a alíquota de ISS é menor, até porque o ente federado municipal tem liberdade na fixação deste elemento do tributo, desde que, efetivamente, ela esteja instalada lá e exerça suas atividades. A fraude diz respeito ao fato da empresa existir somente de direito (no papel), e não de fato, no município cuja carga tributária é menor.

Finalmente, não podemos esquecer de citar as fraudes perpetradas com o auxílio das novas tecnologias da informática, as quais permitem a utilização de hardwares e softwares aptos a instrumentalizar defraudadores e a garanti-lhes não só a ocultação da obrigação tributária como facilitam a evasão dos tributos.

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Sobre a autora
Cleide Regina Furlani Pompermaier

Procuradora do Município de Blumenau; Especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina; Professora da Pós-Graduação da UNIDAVI em Rio do Sul, Santa Catarina, em nível de especialização, no curso de Planejamento Tributário, na disciplina de ISS; Professora de Direito Tributário do IBES SOCIESC – Instituto de Ensino Superior de Blumenau e FAE – Faculdade Franciscana em Blumenau, Santa Catarina, SC; membro do Conselho Municipal de Contribuintes do município; autora do livro O ISS nos Serviços Notariais e de Registros Públicos – Teoria e prática.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

POMPERMAIER, Cleide Regina Furlani. Os Municípios, o ISS e os crimes contra a ordem tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 683, 19 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6744. Acesso em: 19 abr. 2024.

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