Conforme é sabido, são inúmeros os problemas envolvendo as relações de vizinhança em nosso País, o que poderia ser explicado, inclusive, por questões culturais. Via de regra, vizinhos têm os mesmos direitos em relação à tutela dos conhecidos três “s” do artigo 1.277 CC (saúde ou salubridade, segurança e sossego) – mas há situações excepcionais, eis que, por exemplo, o nível de tolerância com perturbações de sossego num bairro de repúblicas estudantis, em área central da cidade é um, que não pode ser confundido com o nível de tolerância que espera em imediações de hospitais e asilos, por exemplo.
Tudo varia, obviamente, em cada caso concreto, eis que sossego é um conceito vago, ou seja, não encontra definição legal, tendo o legislador, com essa previsão aberta, conferido poder ao Juiz de avaliar, em cada caso concreto, o que viola, ou não, em sede de proporcionalidade, o sossego alheio.
E não se esqueça de que o Juiz deve se orientar por um critério de socialidade, ou seja, a conhecida ideia de que o Juiz deve estar atento às exigências do bem comum e os fins sociais a que a lei se destina, nos termos do artigo 5º LINDB. Mais importante ainda, como dito acima, o Juiz deve estar atento a prelados de operabilidade, ou seja, deve analisar as condições pessoais dos envolvidos, eis que, na balança, como demonstrado no exemplo acima, se houver vulneráveis (idosos, crianças, pessoas doentes, com deficiência etc) esses terão suas condições pessoais observadas no caso concreto (aliás, tal operabilidade é exigência constitucional à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social – a busca da sociedade justa e solidária do artigo 3º CF).
E não é só! Outro valor constitucional pode ser geralmente invocado em situações deste jaez, como ocorre na questão do exercício do direito de propriedade que somente pode ser exercido dentro dos limites do cumprimento de uma função social (a mesma socialidade que mencionei).
Isso porque, desde há muito se encontra superado o espírito iluminista corporificado na máxima francesa "laissez faire, laissez passet", que definia as relações de propriedade no período que se seguiu à Revolução Francesa (e o Código Napoleônico de 1.804 foi fonte inspiradora de Clóvis Bevilacqua nos estudos de elaboração de nosso Código Civil atual), e, no lugar desta acepção, vem se assentando a idéia da função social da propriedade, herança de uma releitura do instituto sob a ótica do "Welfare State" (e, atualmente, com o fenômeno da globalização, os postulados deste estado de bem estar social também acabarão por suscitar novas leituras).
Assim, tratando-se o Brasil, de um Estado Democrático de Direito, conforme expressa previsão constitucional, também insculpiu princípio semelhante em sua Magna Carta (e, se a noção de soberania não for gravemente alterada em função de fatores econômicos, de prevalecer o teor que se conferiu aos institutos pela nossa Carta Política). Em linhas gerais, não se admite o exercício abusivo do direito de propriedade, e todo ato de exercício abusivo de um direito se revela como ato ilícito.
E tal se dá em perfeita harmonia com o disposto no advento da norma contida no artigo 187 CC, sempre sendo de se lembrar que esse tipo de ilícito gera responsabilidade civil objetiva, independente de discussão sobre dolo ou culpa, como se observa pela orientação lançada no Enunciado nº 37 das Jornadas de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal. No direito português, atualmente se tem entendido (nesse sentido aponta o Prof. José Oliveira Ascenção) que os atos abusivos se dividem em emulativos (com intenção de causar danos ao outro) e chicaneiros (abusos não direcionados para causar danos).
Assim, para bom entendedor o abuso no direito de propriedade, de um vizinho em relação a outro, gerará danos independentemente de ter havido dolo ou culpa, mas for comprovado o dolo, por exemplo, isso elevará o valor de uma indenização por danos morais. E como provar a intenção? Por exemplo, notificando-se previamente o vizinho, pelo correio, para que faça cessar o incômodo – se ele for notificado não poderá dizer que não sabia, logo o ato será doloso, no mínimo, pela visão do dolo eventual (quando se assume o risco de produzir resultados danosos).
Há que tomar cuidado, no entanto, com propostas de Emenda Constitucional como a controversa PEC da busca da felicidade (em trâmite no Congresso Nacional) e que pode tornar inconstitucional situações em que a lei impede a pessoa ou a sociedade de viver em felicidade – isso poderá tornar leis restritivas inconstitucionais revelando que a questão deve ser discutida de modo mais cauteloso e aberto para a sociedade.
Assim, ao menos por enquanto, o alcance da norma contida no referido artigo 1.277 CC, recepcionado, insista-se, pela Ordem Constitucional vigente, é inequívoco em relação a este aspecto de que vizinhos não possam abusar de direito em relação à coexistência harmônica com outros vizinhos, o que envolve o respeito ao sossego (como também à segurança e à saúde), podendo-se destacar maciço entendimento doutrinário neste sentido.
Por exemplo, neste sentido, poderiam ser apontadas as opiniões dos eminentes civilistas Washington de Barros Monteiro[1]; Antônio José de Souza Levenhagen[2]; Sílvio Rodrigues[3] e Carlos Roberto Gonçalves[4].
Mas, mais elucidativa sobre o tema, é a opinião de Maria Helena Diniz a respeito de tal tema:
" .......... Para Santiago Dantas há conflito de vizinhança sempre que um ato praticado pelo dono de um prédio, ou estado de coisas por ele mantido, vá exercer seus efeitos sobre o imóvel vizinho, causando prejuízo ao próprio imóvel ou incômodo ao morador ......... Limita-se o direito de propriedade quanto à intensidade de seu exercício em razão do princípio geral que proíbe ao indivíduo um comportamento que venha a exceder o uso normal de um direito, causando prejuízo a alguém ............ Por exemplo, se alguém, em face de regulamentos de condomínio, pode ligar a televisão até as 24 horas, e o fizer dentro deste horário, ainda que venha a prejudicar o estado de neurose de seu vizinho, está usando de um direito dentro dos limites normais e só por simples caridade poderia se restringir. Isto é assim porque, segundo o artigo 160, inc. I, do Código Civil, não comete ato ilícito o proprietário que exerce seu direito de maneira regular ou normal. Dentro de sua zona o proprietário pode, em regra, retirar da coisa que é sua todas as vantagens, conforme lhe for mais conveniente ou agradável, porém, a convivência social não permite que ele aja de tal forma que exercício passe a importar em grande sacrifício ou dano ao seu vizinho ...... São ofensas ao sossego os ruídos excessivos que tiram a tranqüilidade dos habitantes do prédio confinante, como festas noturnas espalhafatosas; gritarias; barulho ensurdecedor de indústria; emprego de alto-falante de grande potência para transmitir programas radiofônicos. Isto porque todos temos direito ao sossego, sobretudo nas horas de repouso noturno, devido à grande influência nefasta do barulho na gênese das doenças nervosas. (pág. 182/183). Convém esclarecer que mesmo o uso lícito do domínio, desde que prejudicial pelo seu exagero, incide em proibição legal. O mau uso é o uso anormal, sendo que só o que é abusivo e intolerável incorre na proibição legal. O que não ultrapassar os limites da anormalidade entra na categoria dos encargos ordinários da vizinhança”[5].
Assim, uma vez caracterizados excessos, haverá espaço para indenização por danos morais (afinal, não se pode esquecer de que o sossego, enquanto valor necessário para a preservação da saúde, enquanto direito do indivíduo, ex vi do exposto nos artigos 6º e 196 CF, passa a ser entendido como direito de personalidade de integridade física, na clássica classificação de Rubens Limongi França), como vem sendo fixado pela jurisprudência dos Tribunais do país:
TJ-SP - Apelação Com Revisão CR 852160800 SP (TJ-SP) Data de publicação: 31/05/2006 Ementa: DIREITO DE VIZINHANÇA - INDENIZAÇÃO - RUÍDO EXCESSIVO - PERTURBAÇÃO DO DIREITO AO SOSSEGO-INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL FIXADA COM CRITÉRIO-AÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE-APELAÇÃO NÃO PROVIDA
De igual sorte, nada impede que se solicite, por exemplo, no caso de estabelecimentos empresariais ou instituições religiosas (há cultos muito ruidosos em imóveis às vezes em zonas residenciais – e não há que se proibir o exercício de qualquer culto ou credo, o que também é direito constitucional e de personalidade, neste último de integridade intelectual pela mesma classificação de Rubens Limongi França), para que sejam tecidas reformas para adequação acústica de imóveis (mesmo pela fixação de astreintes enquanto obrigação de fazer, por exemplo).
Em caso de uma entidade religiosa cujos cultos perturbavam a tranquilidade dos vizinhos em horários indevidos, cuja oportunidade tive de julgar há longos anos, recorreu-se à medição ambiental pela CETESB, realizada de surpresa em procedimento cautelar preparatório (não há ofensa ao contraditório por decisão surpresa ou terceira via, eis que o prévio conhecimento, por razões óbvias, implicaria na alteração do resultado do processo – se soubessem que estariam sendo monitorados não fariam um culto tão fervoroso, com tantos decibéis). Minha sentença de determinação de obras de isolamento acústico, nessas condições em ação de obrigação de fazer, foi confirmada pelo E. 2º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo (veja-se a esse respeito, o acórdão publicado na JTA-Lex 173/499).
Nem se venha pretender aduzir que se cuidaria de orientação longeva, eis que arestos recentes se direcionam no mesmo sentido:
TJ-RS - Recurso Cível 71006883417 RS (TJ-RS) Data de publicação: 07/07/2017 Ementa: AÇÃO COMINATÓRIA. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO PÚBLICO. CASA DE UMBANDA. DEVER DE RESPEITO A LEGISLAÇÃO PERTINENTE E AO DIREITO AO SOSSEGO E A SAÚDE DOS VIZINHOS. RECURSO PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71006883417, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Cleber Augusto Tonial, Julgado em 29/06/2017).
Insista-se, não se trata de proceder a uma restrição do direito de exercício de prática religiosa ou atividade empresarial que garanta o sossego do dono do bar, mas se cuida de se aplicar prelados básicos de ponderação entre princípios a conhecida ideia preconizada por Norberto Bobbio ,quando ocorre colisão entre direitos de igual magnitude, numa democracia participativa (um Estado de Direito) – no caso há o sossego do vizinho de um lado, ou o direito de exercer profissão ou professar fé, de outro – resta ao Juiz ponderar, caso a caso, tais conceitos vagos para ver qual o interesse que se justifica preservar para atingir as exigências do bem comum e os fins sociais a que a lei se destina – a socialidade a que me referi linhas acima.
E se adaptações acústicas forem feitas dentro dos padrões fixados por regras municipais e estaduais (o poder de polícia do Poder Público fixará regras para tanto, as conhecidas Leis do Silêncio aplicáveis em determinadas regiões e zoneamentos), não haverá como compelir o estabelecimento à cessação de suas atividades (a boa e velha lógica do razoável de Celso Lafer, ou a Logus del razonable encontrada em jurisprudência para aduzir a situações de proporcionalidade e razoabilidade). Nesse sentido, igualmente de destaca:
TJ-SC - Agravo de Instrumento AI 9094 SC 2003.000909-4 (TJ-SC) Data de publicação: 18/10/2005 Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE VIZINHANÇA. BAR/BOATE. PERTURBAÇÃOAO DIREITO DE SOSSEGO. ALVARÁS QUE PERMITEM O FUNCIONAMENTO. ISOLAMENTO ACÚSTICO QUE REDUZ O RUÍDO INTERNO PARA VALORES ABAIXO DO PERMITIDO. MÚSICA NA PARTE EXTERNA QUE PRODUZ EXCESSO DE BARULHO. LIMITAÇÃO DESTA ATÉ AS 24H. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. Não há que se impedir o funcionamento de bar/boate por atrapalhar a vizinhança, se o estabelecimento possui todos os alvarás e demais documentos que permitem o seu funcionamento, além de ter um isolamento acústico que, segundo perícia da Fatma, reduz o ruído para valores abaixo do limite estabelecido pela legislação estadual, devendo apenas ser limitada a execução de música ao vivo ou mecânica, na parte externa, até as 24h, porquanto nesse local o barulho está acima do permitido.
Privilegiando a ideia de que tais questões sejam aferidas com moderação (o direito não tolera os chatos e os extremamente suscetíveis, sob pena de fomento a uma indevida indústria do dano), deve-se aferir se há ou não violação do sossego em cada caso concreto pela via do padrão de razoabilidade como dito acima. Nesse sentido:
TJ-RS - Recurso Cível 71001565886 RS (TJ-RS) Data de publicação: 01/04/2008 Ementa: AÇÃO COMINATÓRIA. DIREITO DE VIZINHANÇA. PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO. OBRAS NO APARTAMENTO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. Falta de comprovação da alegação de excessos na reforma do apartamento pelo réu, acarretando a improcedência do pedido. Recurso desprovido. Unânime. (Recurso Cível Nº 71001565886, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: João Pedro Cavalli Junior, Julgado em 27/03/2008)
Ainda de se consultar regras de direito ambiental que possam dar guarida ao reclamante, como, por exemplo, Resolução nº 01 do CONAMA datada de 08.03.90, retificada em 16.08.90, que delimita o nível de decibéis toleráveis em zonas urbanas. Isso já poderá gerar, por exemplo, a responsabilização administrativa do proprietário do imóvel junto ao Poder Público (além de pagar indenização ainda poderá ter que pagar multas ao Município ou Estado).
Em casos mais candentes, inclusive, de se ponderar no sentido de que, na medida em que o Poder Público seja responsável pelo cumprimento da lei, quando inúmeras violações são comunicadas sistematicamente à Municipalidade e esta deixa de tomar as providências adequadas, não se descarta a possibilidade de que o mesmo seja responsabilizado pela sua omissão – sempre lembrando que a responsabilidade do Poder Público pelos atos de desídia se afere pelo sistema do ato fato responsabilidade civil objetiva.
Sobre o tema, relevante destacar:
TJ-RN - Apelação Cível AC 20100145044 RN (TJ-RN) Data de publicação: 28/02/2013 Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLUIÇÃO SONORA. PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO MUNICIPAL EM ADOTAR MEDIDAS EFICAZES PARA ASSEGURAR A PAZ E A TRANQUILIDADE DOS MORADORES DA PRAIA DO MEIO QUE RESIDEM NAS PROXIMIDADES DAS BARRACAS. INADMISSIBILIDADE. DIREITO DA COLETIVIDADE A UM MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO CONFORME PREVISÃO CONSTITUCIONAL INSERTA NO ART. 225, CAPUT. CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL. INAPLICÁVEL EM MATÉRIA DE PRESERVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL . OBRIGAÇÃO DO ENTE MUNICIPAL. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES E À AUTONOMIA MUNICIPAL NÃO CARACTERIZADAS. MULTA DIÁRIA COMINATÓRIA. CABIMENTO ANTE A INÉRCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM SOLUCIONAR O PROBLEMA AMBIENTAL. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
Vale, portanto, muito a pena, documentar cada reclamação junto à Municipalidade que, se autorizou atividade indevida em zona residencial ou se acaso se recuse a impor as penalidades legais ao vizinho violador de direitos, acabará, até mesmo, se solidarizando com o dever de indenizar.
De fato, não se esquece de que a solidariedade não se presuma, havendo que decorrer da lei ou da vontade das partes (artigo 265 CC) mas não se pode negar que o artigo 942 CC estabeleça uma solidariedade legal daquele que colabora com a ocorrência do dano – Poder Público que comprovadamente seja omisso com a situação pode ser judicialmente responsabilizado.
E fiscais que se omitam intencionalmente, sem prejuízo das consequências da improbidade, podem ser acionados regressivamente nos termos preconizados pelo artigo 37, par. 6º CF.
Aliás, é bom que se diga, pelo Estatuto das Cidades, os planos diretores devem se orientar no sentido de que, qualquer empreendimento a ser inserido em zonas residenciais, seja precedido de prévio EIV – estudo de impacto de vizinhança – de modo que sempre se possa consultar a Municipalidade para saber se esse ou aquele estudo foi feito para este ou aquele estabelecimento.
Essas regras, aliás, valem para estabelecimentos instalados a partir da exigibiliadde do Estatuto das Cidades, eis que não se poderia fazer retroagir a lei para alcançar direitos adquiridos de quem lá antes se encontrava (princípio da irretroatividade das leis, previsto no artigo 5º, inciso XXXVI CF, sendo certo que a própria LINDB, em seu artigo 6º, preserve atos jurídicos perfeitos e direitos adquiridos).
Isso sem que se adentre ao âmbito da persecução penal, eis que, como é sabido, não se descarta, nem mesmo, a situação da prática da contravenção penal atinente à perturbação de sossego (e, como sabido, em sede de contravenção penal ou delito anão, não se questiona de existência de dolo ou culpa, bastando simples situação de voluntariedade da conduta). Vale, ainda, lembrar que o legislador criou o artigo 54 da Lei 9.605/98 com a seguinte redação:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Como a maior parte dos tipos penais ambientais, trata-se de uma norma incompleta, norma penal em branco, possuidora de elementos normativos, necessitando então ser completada. O tipo penal sob análise tem ainda a previsão de crime culposo no parágrafo primeiro, previsão do crime qualificado no parágrafo segundo e ampliação da aplicação do tipo na hipótese do parágrafo terceiro.
Inicialmente, observamos que se trata de tipo penal de maior potencial ofensivo, dando ensejo à prisão em flagrante do criminoso, inclusive – a situação pode se tornar grave em casos extremos. A primeira parte da previsão do caput é a que nos interessa, sendo que exige, para a configuração do crime, que a poluição, de qualquer natureza, seja em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana.
A Lei 6.938/81 criou o CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente – e delegou a este o estabelecimento de critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente. Por sua vez, o CONAMA, por meio da Resolução 01/90, estabeleceu os padrões que completam o tipo penal estudado. O Conselho considera prejudiciais à saúde os ruídos com níveis superiores aos considerados aceitáveis pela norma NBR 10.152, da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT.
Logo, para enquadramento na norma penal, o agente público ou perito, de posse de um medidor de pressão sonora, comumente chamado de decibelímetro, medirá o nível de emissão de ruídos. Pode-se solicitar que o Juízo determine o comparecimento de técnico da CETESB em data de realização de show ou evento no local para constatar o fato, sigilosamente, o que não ofende o princípio de vedação de decisão surpresa eis que, de outro modo, o fato não seria aferível – há justificativa razoável para tanto.
Estando superior aos níveis previstos na NBR 10.152, conforme local e horário, apresentará a situação à Autoridade Policial que, sendo situação flagrancial, deverá determinar a prisão daquele que causou a degradação ao meio ambiente. Muito importante observar que o autor do fato perderá os instrumentos da infração, mesmo que sejam objetos lícitos, conforme artigo 25 da Lei 9.605/98, diferentemente do disposto no artigo 91 do Código Penal. Por evidente, devem ser apreendidos. Os requeridos em tais demandas poderão, sob tal perspectiva, até mesmo perder os equipamentos que utilizam para causar poluição sonora junto aos imóveis atingidos.
Pode ser mandado comunicado à Polícia Florestal e ao Ministério Público para aferir a conduta – pode-se pedir que o MP seja oficiado nos autos da própria petição inicial da ação popular – artigo 40 CPP.
Notas
[1] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil - Direito das Coisas - 3° Volume. 27ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva. 1989. p.137/139
[2] LEVENHAGEN, Antônio José de Souza. Código Civil - Comentários Didáticos - 3° Volume - Direito das Coisas. 4ª Ed. Atlas: São Paulo. 1995. p.122.
[3] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil - Volume 5- Direito das Coisas. 19ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva. 1991, p.122/123 e 131.
[4] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 6ª Ed. Editora Saraiva: São Paulo. 1995. p.51/53
[5] DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro - 4° Volume - Direito das Coisas. 11ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva. 1996. p.183/184.