4 CONTEÚDO MÍNIMO
Segundo Luís Roberto Barroso, é necessário estabelecer um conteúdo mínimo para o princípio da dignidade da pessoa humana, a fim de que haja uma unicidade e objetividade à sua interpretação e aplicação. Ab initio, ressalta, no entanto, a dificuldade da construção de uma concepção unitária transnacional em razão das circunstâncias históricas, religiosas e políticas de cada país.
A princípio, convém destacar as características desse conteúdo mínimo. São elas a laicidade, que representa um distanciamento de qualquer doutrina religiosa; a neutralidade política, ou seja, que se coaduna com qualquer ideal político, seja conservador, liberal ou socialista; e a universalidade (ou conteúdo universalizável), isto é, a possibilidade de ser aplicável a qualquer ser humano, onde quer que se encontre.
Consoante leciona o referido autor, em uma concepção minimalista, a dignidade da pessoa humana identifica três elementos: o valor intrínseco da pessoa humana, a autonomia individual e o valor comunitário.
4.1 Valor intrínseco da pessoa humana
Constituindo o elemento ontológico da dignidade, o valor intrínseco refere-se à natureza do ser. A dignidade é valor intrínseco de todos os seres humanos, distinguindo-os dos outros seres vivos e das coisas, pois, em conformidade com o pensamento de Kant, as coisas têm um preço, já as pessoas possuem um valor que não tem preço, isto é, a dignidade.
Desse valor intrínseco, decorrem dois postulados. O primeiro é um postulado antiutilitarista, que se traduz na noção kantiana de que o homem é um fim em si mesmo, não podendo ser meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Já o segundo é um postulado antiautoritário, pois faz alusão à ideia de que o Estado é que existe para o indivíduo, e não o inverso.
Na esfera jurídica, o valor intrínseco da pessoa humana ordena a inviolabilidade de sua dignidade em face de atos de terceiros e inclusive do próprio titular. Ademais, dele decorrem diversos direitos fundamentais, como o direito à vida, direito à igualdade, direito à integridade física, direito à integridade moral ou psíquica.
4.2 Autonomia da vontade
Como elemento ético da dignidade, a autonomia de cada indivíduo está relacionada à razão e ao exercício da vontade em consonância com certas normas.
A autonomia da vontade desdobra-se na capacidade de autodeterminação de cada indivíduo para viver livremente, devendo, para tanto, dispor de condições pessoais e sociais para o seu exercício, bem como na percepção de que esse indivíduo é uma pessoa, ser moral consciente, dotado de vontade, livre e responsável.
Juridicamente, a autonomia possui uma dimensão privada e uma dimensão pública. A autonomia privada é encarada no plano dos direitos individuais, mormente no que tange à liberdade e à igualdade, referindo-se ao direito de autodeterminação sem interferências indevidas de terceiros. Já a autonomia pública é visualizada na esfera dos direitos políticos, direito de cada individuo participar do processo democrático.
O exercício da autonomia, tanto pública como privada, tem como pressuposto necessário a satisfação do mínimo existencial, que tem seu conteúdo correspondente às condições prévias para o exercício dos direitos individuais e políticos.
4.3 Valor comunitário
Já o valor comunitário é o elemento social da dignidade humana, referente ao indivíduo em relação ao grupo. A autonomia do indivíduo não é ilimitada, sofrendo algumas restrições legítimas em razão de valores compartilhados pela sociedade. O conceito de dignidade como valor comunitário funciona como uma limitação externa à liberdade individual.
No entanto, a imposição coercitiva de valores sociais, em nome dessa dimensão comunitária da dignidade, deve levar em conta alguns pressupostos, como a existência ou não de um direito fundamental, a existência de forte consenso social sobre o tema e a existência de risco efetivo para terceiros.
CONCLUSÃO
Destarte, é possível concluir que o princípio da dignidade da pessoa humana é um princípio jurídico que tem por escopo assegurar a todo ser humano, pelo simples fato de ser humano, as condições mínimas indispensáveis para uma existência vital digna. Constitui a fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais, sendo o valor que propicia unidade e coerência ao conjunto dos direitos fundamentais.
Diante de sua relevância, destaca-se a necessidade de se estabelecer um conteúdo mínimo para o princípio da dignidade da pessoa humana, a fim de que haja uma unicidade e objetividade à sua interpretação e aplicação. Com efeito, é possível identificar três elementos: o valor intrínseco da pessoa humana, relacionando-se à natureza do ser; a autonomia individual, que tem como pressuposto a satisfação do mínimo existencial; e o valor comunitário, que funciona como uma limitação externa à liberdade individual.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. 1. reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2013.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011.
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. 3. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 8 ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010.
SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.