A irregularidade na cessão de servidor público por prazo indeterminado

09/07/2018 às 16:58
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Aborda os critérios para a cessão de servidores públicos à luz dos precedentes das Cortes de Contas e dos Tribunais.

A cessão consiste no “afastamento temporário de servidor público, titular de cargo efetivo ou emprego público, que lhe possibilita exercer atividades em outro órgão ou entidade, da mesma esfera de governo ou de esfera distinta, para ocupar cargo em comissão, função de confiança ou ainda para atender às situações estabelecidas em lei, com o propósito de cooperação entre as Administrações” (PAZ, Caroline Lima; PICININ, Cláudia Carvalho. Cessão de servidor público: uma análise com enfoque nas decisões proferidas pelo TCE/MG e pelo TJMG. Revista TCE/MG, jan-mar 2014).

Na mesma senda, Carvalho Filho discorre:

Cessão de servidores é o fato funcional por meio do qual determinada pessoa administrativa ou órgão público cede, sempre em caráter temporário, servidor integrante de seu quadro para atuar em outra pessoa ou órgão, com o objetivo de cooperação entre as administrações e de exercício funcional integrado das atividades administrativas. Trata-se, na verdade, de empréstimo temporário do servidor, numa forma de parceria entre as esferas governamentais. […]

A cessão não se confunde com a transferência: naquela há o empréstimo temporário do servidor, ao passo que nesta se concretiza, como vimos, o deslocamento definitivo do servidor para outro cargo, inclusive com mudança de cargo. Essa é a razão por que a transferência não é mais admitida como mero ajuste bilateral: por força da Constituição, só aprovado em novo concurso público pode o servidor ser investido em cargo diverso. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 631-632).

Há diversos prejulgados do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE/SC) que esclarecem os elementos indispensáveis à regularidade da cessão de servidor a outro órgão, a saber:

TCE/SC Prejulgado n. 423

É possível a cessão de funcionários da administração municipal, mas somente os efetivos e para órgãos públicos municipais, estaduais e federais, desde que fundamentada na finalidade da Administração. É necessária lei autorizativa, ainda que contemple as cessões de modo abrangente, não podendo a cessão efetivar-se mediante portaria ou decreto do prefeito. (TCE/SC. Processo: CON-TC0180704/77, da Prefeitura Municipal de Caçador. Rel. Conselheiro Octacílio Pedro Ramos, j. 26/05/1997).

TCE/SC Prejulgado n. 1009

A disposição ou cessão de servidores a órgãos ou entidades públicas de outras esferas pode se dar desde que respaldada em autorização legislativa vigente, amparada em norma legal, formalizada por instrumento adequado (Portaria, Resolução, etc.), e constando do ato as condições da cessão. (TCE/SC. Processo CON-01/00120016, da Câmara Municipal de Otacílio Costa. Rel. Conselheiro Antero Nercolini, j. 16/07/2001).

TCE/SC Prejulgado n. 1513

[...] 2. A cessão de servidor público municipal, ocupante de cargo efetivo, para outro órgão da Administração Pública somente é possível quando as atribuições de ambos os cargos se equivalem, sob pena de caracterizar desvio de função. (TCE/SC. Processo CON-03/08099320, do Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos do Município de Concórdia. Rel. Conselheiro Luiz Roberto Herbst, j. 15/03/2004).

Verifica-se que a cessão de servidor a outro órgão pressupõe os seguintes requisitos:

  1. tratar-se de servidor efetivo;
  2. existência de lei autorizativa;
  3. excepcionalidade da medida;
  4. compatibilidade de atribuições a serem desenvolvidas (requisito dispensado quando se tratar de cessão para exercício de cargo em comissão ou função de confiança).

Inserida no âmbito de discricionariedade do gestor, a cessão “deve estar amparada no interesse das administrações envolvidas, visando atender a uma finalidade pública” (PAZ, Caroline Lima. PICININ, Cláudia Carvalho. Cessão de servidor público: uma análise com enfoque nas decisões proferidas pelo TCEMG e pelo TJMG. Revista TCEMG, jan-mar 2014).

Cabe à Administração, por isso, autorizar a cessão do servidor, bem como, quando for o caso, revogá-la:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. CESSÃO. DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. INEXISTÊNCIA. ATO DISCRICIONÁRIO. RECURSO IMPROVIDO. [...] 3. A cessão de servidor público detém natureza precária e provisória. Por constituir ato discricionário, encontra-se sujeita aos juízos de conveniência e oportunidade da Administração. Precedentes. 4. Recurso ordinário improvido. (STJ. Recurso em Mandado de Segurança 23.386, do Espírito Santo, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 14/07/2007).

APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO DE SEGURANÇA – SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS CEDIDOS PARA EXERCER CARGOS COMISSIONADOS NA CÂMARA DE VEREADORES - COMANDO DE RETORNO À LOTAÇÃO DE ORIGEM - POSSIBILIDADE - PREVISÃO NO REGIME ESTATUTÁRIO - DISCRICIONARIEDADE DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO - AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE OU ILEGALIDADE - INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO - RECURSO DESPROVIDO. A disposição de servidor público a outro órgão estatal reveste-se de discricionariedade, pois permite ao Chefe do Poder Executivo determinar o tempo pelo qual perdurará a cessão, bem como os motivos e a conveniência do ato, situação esta que poderá ser revertida a qualquer tempo, não havendo falar em direito adquirido. (TJSC, Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 1999.020422-7, de Barra Velha, rel. Des. Rui Fortes, j. 16-03-2004).

No caso do Governo Estadual de Santa Catarina, o Decreto 1.344/2004 disciplina a cessão nos seguintes termos:

Art. 1º Havendo imperiosa necessidade de serviço ou indicação para provimento de cargo comissionado, o servidor público poderá ser cedido para ter exercício em outro órgão ou entidade dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.

Art. 2º A cessão de servidor entre órgãos do Poder Executivo observará a imperiosa necessidade do serviço, a compatibilidade das atribuições a serem exercidas com o cargo ou emprego de que o servidor é ocupante e o seguinte: [omissis]

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Nos termos do citado dispositivo, e de acordo com a mencionada jurisprudência do TCE/SC, a cessão de servidor deve ser feita por prazo determinado, por ser medida excepcional, e não ser utilizada como forma de preenchimento definitiva dos quadros funcionais dos órgãos cessionários. Esse também é o entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU):

REPRESENTAÇÃO. ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO. QUADRO DE PESSOAL. CESSÃO E REQUISIÇÃO. PRAZO INDETERMINADO. ÔNUS PARA O ÓRGÃO CEDENTE. PROCEDÊNCIA. Os institutos da cessão e requisição, por terem caráter nitidamente temporário e de exceção, devem ser utilizados tão somente pelo tempo necessário ao atendimento do interesse público específico e pontual que motivou a requisição, não podendo servirem como forma de preenchimento permanente dos quadros funcionais dos órgãos cessionários/requisitantes, cujos cargos devem ser providos por meio de concurso público. (TCU. Acórdão n. 1571/2008. Representação n. 003.402/2005-1, da Superintendência de Seguros Privados. Rel. Marcos Vinicios Vilaça, j. 06/08/2008).

Ademais, a Constituição Federal, no artigo 37, II, determina que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei”. Sobre o dispositivo, Matheus Carvalho argumenta:

Haja vista a exigência de realização de concurso público para ingresso na atividade pública permanente: não se admite qualquer espécie de provimento derivado que permita ao servidor assumir cargo em outra carreira que não aquela em que foi regularmente investido por meio de concurso público. (CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 2 ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 775).

Sobre a cessão, o TCE/SC elaborou alerta sobre o instituto da cessão de pessoal pela Administração Pública contendo as seguintes recomendações:

[...] a unidade jurisdicionada deve observar com rigor as normas relativas ao instituto da cessão de servidores, considerando a sua excepcionalidade e os princípios da eficiência e economicidade e o instituto do concurso público que constitui a regra para a composição do quadro de pessoal, atendidas ainda as seguintes condições:

a) demonstração do caráter excepcional da cessão;

b) demonstração do relevante interesse público local na cessão do servidor efetivo;

c) existência de autorização legislativa para o Chefe do Poder editar ato efetuando a cessão;

d) desoneração do Município dos custos com remuneração e encargos sociais do servidor cedido, que devem ser suportados pelo órgão ou entidade cessionária (órgão/unidade que recebe o servidor cedido, ou seja, órgão/entidade de destino), excetuadas as situações previstas em lei, a exemplo das requisições eleitorais;

e) atendimento ao disposto no art. 62 da Lei Complementar n. 101/00 quando, excepcionalmente, os custos sejam suportados pelo Município (autorização na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual e convênio, acordo, ajuste ou congênere específico);

f) instituto utilizado exclusivamente para servidores efetivos, vedada a cessão de servidores contratados em caráter temporário, de qualquer natureza, e de ocupantes de cargo em comissão, bem como de estagiários;

g) formalização por instrumento adequado para cada situação (convênio, portaria, resolução);

h) prazo da cessão estabelecido no ato, sendo vedada a cessão por prazo indeterminado;

i) cessão não poderá configurar burla ao instituto do concurso público na unidade cessionária.

A cessão de servidor por prazo indeterminado, ou que se estende por período de tempo excessivamente longo, além de fugir ao requisito da excepcionalidade, pode vir a configurar burla ao concurso público, porquanto o provimento do cargo por servidor estranho ao quadro funcional estaria em desacordo com a regra do concurso público prevista no art. 37, II, da Constituição Federal. Por outro lado, é certo que a cessão deve perdurar pelo tempo necessário ao atendimento do interesse público que a motivou, não existindo limitação temporal específica.

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Sobre o autor
Roberto Di Sena Júnior

Mestre em Direito (UFSC); Especialista em Direito Público (Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus); Especialista em Direito Processual Civil (UCAM); Analista do MPSC

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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