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Assédio moral no ambiente de trabalho

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23/07/2018 às 15:10
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3. CARACTERIZAÇÃO DO ASSÉDIO MORAL

O assédio moral segundo Guedes (2003), pode acontecer em várias esferas do convívio social, em particular nos locais em que haja competitividade entre agressor e vítima ou em que existam relações decorrentes de hierarquia em que o superior hierárquico fiscaliza, controla, regula, analisa ou coordena os seus subordinados.

Podem-se destacar vários lugares passíveis de ocorrência do assédio moral. Os principais são aqueles onde ocorre a relação de trabalho ou emprego; no ambiente familiar, decorrente das relações entre pais e filhos ou entre esposa e marido; em ambiente de estudo, como escolas, cursos preparatórios para concursos, faculdades, etc., ou em qualquer outro ambiente em que haja relações hierárquicas reguladas pela competitividade.

O assédio moral ocorre, principalmente, em decorrência de uma situação conflitiva mal resolvida, que ocasiona a prática de uma conduta mal resolvida, por parte do agressor, contra a vítima. Como exemplo, pode-se citar uma disputa entre colegas de trabalho, por uma promoção. Após a formalização do ato que determina a ascensão profissional de um deles, o colega promovido pode perseguir o seu subordinado ou vice-versa.

Desse modo, o mobbing no ambiente de trabalho ocorre nas empresas que possuem um sistema organizacional atrasado, centradas no poder de mando dos dirigentes, na hierarquia e na subordinação dos empregados.

É na mesma empresa que o assédio mora aparece com mais frequência, pois há uma exigência, muitas vezes, exagerada do empregador no que tange à produção, à subordinação e aos horários, e ainda porque esse tipo de organização empresarial incentiva a competitividade entre os empregados.

O assédio moral no ambiente de trabalho constitui a pior forma de estresse social. Tal situação é agravada pela majoração dos índices de desemprego ou de subemprego. O empregado que se revoltar contra essas práticas e pedir demissão ficará um tempo cada vez maior esperando sua recolocação no mercado de trabalho ou, se conseguir um novo emprego logo em seguida, fatalmente seu salário será inferior àquele recebido até então. Existe também outra situação bastante comum em que o assédio moral é praticado pelo empregador, contra o empregado. É a hipótese de o trabalhador estar protegido pela estabilidade no emprego. Impedido de demitir esse empregado, o empregador, muitas vezes, afasta de suas funções e o confina em uma sala, compelindo-o a uma ociosidade constrangedora.

Assim, se os empregados albergados pela estabilidade não podem ser mandados embora sem justa causa, o empregador, em conluio com os subordinados, ou com os outros colegas, pratica atos de terror psicológico com o fim de forçar a vítima a pedir demissão, ou para forjar uma justa causa. Tal modalidade de assédio moral pode ser constatada por meio do depoimento dado ao jornalista Edward (2005, p. 106), com o seguinte teor:

Tirei licenças a que tinha direito depois de passar por uma separação. Quando voltei ao trabalho, em 2001, me vi diante de uma perseguição patrocinada pela juíza titular da vara do trabalho onde eu trabalhava e pelo diretor da secretaria do fórum. Todo o meu trabalho era questionado de forma arbitrária. O processo começou com uma representação na corregedoria, na qual alegavam atraso de serviço. Mas eu cumpria os prazos legais. Sofri várias penalidades - da extinção de uma gratificação até a remoção para outra cidade e o afastamento do trabalho. A juíza utilizava meus problemas familiares como álibi para me perseguir. Chegou a tentar me afastar do meu filho. Depois de dois anos, o Tribunal Superior do Trabalho reconheceu que eu tinha sido vítima de abuso de autoridade por parte de alguém que devia ser uma guardiã da Justiça. Fui reintegrado ao trabalho, mas nesse processo me tornei um homem doente, portador da Síndrome de Burnout – uma doença causada pelo estresse extremo no trabalho. Continuo afastado e faço tratamento psiquiátrico. 6

Verifica-se que o depoente era alcançado pela estabilidade, por ser funcionário público, e que sua chefe, por não poder demiti-lo e em razão de não encontrar razoes para retirá-lo de suas funções, assediou-o até afastá-lo.

Faz-se necessário esclarecer que no assédio moral por terror psicológico oriundo das relações de trabalho, ainda segundo Guedes (2003), existem, quanto ao seu objeto caracterizador, dois elementos essenciais à sua manifestação: o abuso do poder e a manipulação perversa.

A primeira hipótese é facilmente detectável, pois a pessoa que pratica o abuso de poder obedece a certo padrão comportamental. No segundo caso, o agressor pratica atos que vão ultrapassando a barreira do razoável e a reprimenda ou a brincadeira de mau-gosto passa a se tornar, gradativamente, assédio moral.

Tais eventos ocorrem de forma quase imperceptível. Inicialmente, a vítima encara o fato como uma simples brincadeira, no entanto, após inúmeras repetições, a violência vai-se tornando extremamente nefasta à personalidade do sujeito agredido, até que, quando se dá conta, já entrou em um círculo vicioso bastante prejudicial à saúde. Quando a vítima resolve libertar-se de tais vexames, as hostilidades e as brincadeiras de mau gosto tornam-se violência declarada, dando início a outra fase, na qual o agressor resolve liquidar a vítima. A intenção do agente é isolar a vítima, para que ela, psicologicamente debilitada, deixe de ser um obstáculo às suas conquistas.

No entanto, ressalta-se que uma mesma atitude pode ser recebida de maneiras diferentes, dependendo do indivíduo. Há os que têm maior ou menor sensibilidade. A mesma ordem, emanada da mesma pessoa a várias outras, será sentida com intensidades diferentes por cada um dos destinatários. Os mais sensíveis provavelmente poderão sentir-se magoados, desestimulados ou infelizes de alguma maneira, dependendo da rigidez e da firmeza com que essa ordem for externada. Nota-se que na realidade do contrato de trabalho a subordinação é essencial (arts. 2º e 3º da CLT). Portanto, não há como evitar que, nessa relação, não haja a chamada dependência jurídica.

Conforme assentado por Margarida Barreto (2003), 12% dos casos de assédio moral têm início com uma abordagem de cunho sexual frustrada. Embora esse evento ocorra com a mencionada frequência, não se há de confundir assédio sexual com o moral, este último, objeto deste estudo.

Isso porque, segundo Benizete de Ramos Medeiros (2004), no assédio sexual, o objetivo do agressor é dominar a vítima sexualmente e, para tanto, constrange-a mediante ameaças ou chantagens. No caso do assédio moral é diferente. Os métodos utilizados pelo agressor são outros e o objetivo do domínio é de cunho psicológico e não sexual.

Leymann apud Nascimento (2004), o primeiro a identificar o assédio moral na Europa, no ano de 1984, desenvolveu um estudo acerca do aludido fenômeno, no qual elaborou uma classificação bastante pertinente sobre o tema. Se o assédio se der em decorrência da hierarquia profissional entre vítima e agressor, será denominado ascendente ou descendente.

O descendente é o mais comum e ocorre na hipótese de superiores hierárquicos constrangerem a vítima, seu subordinado, com a finalidade de excluí-la do convívio socio profissional. Nesse caso, não há um motivo único para o assédio, mas ele pode ocorrer em função de discriminação pura e simples, insubordinação, ou vários outros fatores, conforme o caso.

O ascendente ocorre em situação inversa, ou seja, a vítima é superior hierárquica do agressor. Nesse caso, o assédio ocorre em função, por exemplo, de um subalterno que se julga merecedor do cargo de chefe ou, ainda, de um grupo de subordinados que querem sabotar o novo chefe, por considerá-lo muito exigente, por exemplo.

Acrescente-se à classificação de Leymann apud Nascimento (2004) o assédio moral entre colegas de trabalho que desempenham as mesmas tarefas e detêm um cargo de mesma hierarquia dentro da estrutura organizacional da empresa. Nesse caso, o assédio moral será denominado horizontal. Esse fenômeno pode ser percebido se colegas de trabalho de mesma hierarquia profissional, motivados por inveja de outrem que recebeu uma promoção, ou que executa tarefas bastante a contento, discriminam a vítima. Nessa hipótese, a vítima e o agressor, buscam por meio da competição, uma posição de destaque no local de trabalho. É o caso da competitividade entre agressor e vítima.

Há também o assédio moral misto, que é bastante difícil de acontecer. A vítima é atacada tanto pelos colegas de mesma linha hierárquica como pelo seu superior ou empregador. Ocorre geralmente em empregos em que há muita competitividade interna e mal gerenciamento de recursos humanos, assim como em locais de trabalho onde impera a gestão por estresse e o superior ou patrão imprime um nível elevadíssimo de exigência. A agressão pode iniciar-se pelo superior hierárquico e alastrar-se pelos colegas da vítima, por receio de represálias futuras do chefe assediador.

Como asseverado anteriormente, o assédio moral pode ser detectado em ambientes fora do local de trabalho. Hirigoyen (2000) detectou a ocorrência do assédio moral em vários outros ambientes.

Na vida em sociedade, por exemplo, o assédio moral ocorre em vários espaços diferenciados. Em um primeiro momento, cumpre elucidar a hipótese de ele suceder na escola. É o caso do professor que desqualifica, humilha ou tiraniza repetitivamente determinado estudante que demora muito para entender determinada explicação ou que faz perguntas por pertinentes. Há também o caso do aluno que detém certa anomalia física, e seus colegas, por ele ser diferente, o discriminam e fazem chacota de sua diferença. Ou ainda, quando alunos, descontentes com a metodologia de ensino de certo professor, ou com as notas dadas por ele, o discriminam.

Tais práticas influenciam bastante o aprendizado do aluno, de tal forma a bloquear-lhe o aprendizado e fazê-lo desistir dos estudos. Na escola também pode dar-se o assédio moral entre os alunos, decorrente da competitividade advinda da seleção de membros mais aptos.

Nesse caso, se o assédio moral for praticado pelo professor contra determinado aluno, é denominado descendente, se for praticado entre colegas, é denominado horizontal e, se for por alunos, contra o professor, é ascendente. Ou pode ainda ser misto, se praticado por professor e alunos contra algum outro aluno.

Na vida privada o assédio moral pode ser praticado pelos pais, entre si, outra contra os filhos, ou ainda dos filhos contra os pais. Um exemplo seria o caso dos pais que atormentam os filhos, imputando-lhe castigos exagerados e humilhações, até destruí-los psicologicamente. Há, também, o conflito de gerações, em que pais e filhos se atormentam mutuamente. Nesse caso, se houver um exagero, esse conflito pode culminar com o psicoterror7. É possível ainda, que o assédio seja praticado por um irmão contra o outro, por ciúmes, com o intuito de obter mais atenção dos pais. É o caso do assédio moral horizontal.

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O assédio moral praticado por um cônjuge contra o outro, por exemplo, é tido como uma mera relação de denominação. A maioria dos casos de assédio moral entre casais se dá porque o agressor não aceita a separação proposta pela vítima e a assedia, não porque tenha apego por ela, mas porque a considera sua presa, não admitindo perde-la em hipótese alguma, considerando-a propriedade sua, uma conquista que lhe pertence.

O assédio praticado pelo pai, ou pela mãe, contra os filhos ocorre, muitas vezes, por rejeição dos pais, é o caso, por exemplo, da gravidez inesperada ou indesejada, ou de os pais não terem condições financeiras de sustentar seus filhos com dignidade.

Outro caso bem menos comum, mas não por isso menos grave, é o de assédio moral praticado pelos filhos, pouco contentes com a rigidez da educação dos pais, contra estes, com o fim de tentar que essa educação seja menos rígida. Tem-se nessa hipótese, o assédio moral ascendente.

Portanto, constata-se que a caracterização do assédio moral pode ocorrer nos vários ambientes da esfera social, tais como no trabalho, na escola, na vida privada, ou em muitos outros e entre todas as pessoas que desfrutam desse convívio. Esse fenômeno se dá por intermédio de uma evolução de atos que se inicia com uma simples brincadeira de mau gosto, passo por humilhações corriqueiras e culmina com a violência real declarada contra a vítima.

Não será aprofundada a analise acerca do assédio moral nas diversas esferas do convívio social porque o presente estudo objetiva tão somente caracterizar o assédio moral no ambiente de trabalho, razão pela qual se restringirá ao que foi elucidado até agora.


4. SUJEITOS DO ASSÉDIO MORAL

4.1. ATIVO: O AGRESSOR

O sujeito ativo do assédio moral é o agressor, aquela pessoa que visa a desestabilizar emocionalmente outrem para alcançar determinado objetivo. Hirigoyen (2000) traça de uma forma bastante fidedigna, o perfil do agressor do assédio moral. Para ela, essa pessoa depende da opinião alheia para sobreviver, só pensa em si, e seu objetivo é satisfazer suas próprias necessidades, à custa de violência psicológica.

Conforme Barreto (2003), que divulgou trabalho de campo realizado com mais de duas mil pessoas entrevistadas, verifica-se que o assédio moral é praticado em 90% dos casos pelo chefe, em 6% por colegas e pelo chefe juntos, em 2,5% apenas por colegas e em 1,5%por subordinados. Conforme essa mesma pesquisa constata-se que sua ocorrência se dá em 50% dos casos várias vezes por semana, 27% uma vez por semana, 14% uma vez por mês e 9% raramente.

Como visto nessa pesquisa, o agressor ostenta diversos perfis, podendo o assédio ser praticado pelo chefe, por subordinados ou por colegas de trabalho de mesma hierarquia, dependendo de qual tipo está se detectando, se ascendente, descendente, horizontal ou misto, e qual a estratégia do agressor envolve repetidos atos de violência, praticados periodicamente.

No caso do assédio moral ascendente, o agressor é movido pela inveja. Seu objetivo é ter a mesma vida que a vítima e, para alcançar esse objetivo, ele não poupa esforços. Tal sentimento advém da sensação de desgosto por aqueles que detêm tudo aquilo que lhe falta ou que simplesmente sabem obter prazeres nas pequenas coisas da vida.

Na hipótese de assédio moral descendente, o agressor é um narcisista, um megalômano que se acha demasiadamente importante, especial, que tem muita necessidade de ser admirado e possui fantasias em que se vê rodeado das vantagens auferidas em decorrência do sucesso profissional. Acredita-se indispensável e essencial para a manutenção ou obtenção do sucesso da empresa em que trabalha.

Maquiavel (2005, p. 102) contata que “de todos os príncipes, são os mais novo no poder que não podem fugir à reputação de crueldade, já que os novos Estados oferecem sempre muitos perigos”.

Da leitura do texto acima transcrito, pode-se concluir que os chefes que estão há menos tempo no poder têm a maior chance de praticar assédio moral. Isso porque ostentam a necessidade de ser cruéis, pois querem afirmar-se como superiores, perante si e terceiros. A contrário senso, os chefes que estão há mais tempo no poder já estão acostumados com a rotina do cargo, de tal forma que lidam melhor com as obrigações e os afazeres de sua função. Isso não quer dizer que um chefe experiente no cargo nunca praticará assédio moral, mas apenas que as chances, nesse caso, diminuem muito.

Na modalidade de assédio moral horizontal, o agressor pode ser movido por vários motivos. Dentre eles, podem-se destacar a inveja de seu colega que consegue abstrair a felicidade das mesmas coisas que o agressor se julga merecedor; ressentimentos oriundos de brigas entre colegas ou mesmo diferenças ocasionadas por disputas pela atenção do empregador ou de qualquer outro colega de trabalho.

O perfil do agressor, no caso de assédio moral misto, é um conjunto que engloba os perfis dos outros três tipos de assédio moral, assim, o perfil do agressor da referida modalidade de assédio moral prescinde de mais esclarecimentos.

Ainda de acordo com os ensinamentos de Hirigoyen (2000), o que se pode verificar em todas as situações susceptíveis do assédio moral é o fato de o agressor estar causando sofrimento à vítima causa nele uma sensação de prazer. Assim, quanto mais ele assediar a vítima, melhor vai estar consigo próprio. O ódio cultivado pela vítima é tamanho, que o simples fato de causar-lhe sofrimento gera no agressor uma sensação enorme de bem estar.

Fora do ambiente propicio para o assédio moral, o ambiente de trabalho, normalmente o agressor é uma pessoa agradável, como qualquer outra, participa de reuniões sociais, interage com os colegas e com os subordinados, inclusive com a própria vítima, fazendo e recebendo brincadeiras. O agressor não detecta divergências entre ele e a vítima, razão pela qual seu comportamento é exatamente igual ao dos demais.

Às vezes, em decorrência da fragilidade do relacionamento construído entre o agressor e a vítima, aquele, fora do local de trabalho, faz algum tipo de comentário maldoso, dificilmente percebido pelas pessoas em geral, mas sempre detectado pela vítima como um tipo de provocação. Tudo acontece de uma forma muito sutil. No entanto, com o retorno ao local de trabalho, as divergências reaparecem, reaparecendo, também, o assédio moral.

O agressor pode agir para satisfazer um interesse pessoal, para alcançar um objetivo maior ou simplesmente por vaidade para que outras pessoas, os espectadores, visualizem o fato e o admirem. Nesse caso, os espectadores ficam seduzidos pelo agressor, que acha que a vítima sofre perseguição por merecer, porque não desempenha a contento suas tarefas.

Conforme descrito no site Assédio Moral no Ambiente de Trabalho8, o agressor do assédio moral utiliza-se geralmente da seguinte estratégia:

1. Escolhe a vítima e a isola do grupo;

2. Impede-a de se expressar sem dar qualquer explicação para isso:

3. Inferioriza, fragiliza, culpa exageradamente a vítima por erros cometidos, levando, em alguns casos, esses comentários ao ambiente familiar;

4. Desestabiliza a vítima, fazendo com que ela, gradativamente, perca o interesse pelo trabalho, praticamente, obrigando-a a pedir demissão;

5. Impede que as testemunhas ajam de modo a coibir ou a minimizar o assédio por elas detectado.

Como por exemplo, pode-se citar o depoimento dado ao jornalista Edward (2005, p. 105), com o seguinte teor:

Em 2004 e 2005, fui moralmente assediada por coordenadores do departamento da universidade onde trabalhei até o mês passado. Depois de um período de afastamento, encontrei um ambiente hostil. Deram-me um horário irracional. Em um dia, tinha de trabalhar doze horas ininterruptas. Quase todos os dias recebia ofícios de advertência, sem que nada tivesse feito de errado.

Elegi-me para a comissão de prevenção de acidentes e passei a ser ainda mais humilhada. Deram-me atividades de orientação de estagiários, com a justificativa de que eu não tinha qualificação para dar aulas. Numa reunião, o coordenador agrediu-me aos berros na frente de colegas e funcionários. Cheguei a ser colocada numa salinha sem nada para fazer. Nesse processo estressante, adoeci e voltei a sofrer convulsões depois de 24 anos sem ter esse problema. Também perdi mais da metade da minha renda9.

Desse relato, pode-se verificar a ocorrência da maioria das etapas acima mencionadas. Primeiro o agressor escolheu e isolou a vítima. Depois, impediu-a de se expressar, pois as advertências eram todas dadas por meio de ofícios e, quando ela tentou compor um órgão que iria prevenir o assédio moral do qual estava sendo vítima (a CIPA), foi ainda mais assediada. Esse processo implicou uma gradativa inferiorizarão e fragilização da vítima. O agressor a culpava exageradamente por erros cometidos, desestabilizou-a, colocou-a em uma sala sem nada para fazer, fazendo com que, gradativamente, perdesse o interesse pelo trabalho. Diante desse estresse, a vítima não viu outra alternativa senão pedir demissão.

4.2. PASSIVO: A VÍTIMA

O sujeito passivo do assédio moral é a vítima, aquela pessoa que sofre o abuso psicológico. Segundo Guedes (2003), o agressor não elege aleatoriamente a vítima dentre os empregados da empresa onde trabalha: ele a escolhe entre as pessoas que adoecem mais facilmente em consequência do trabalho, aquelas são consideradas velhas para ocupar certos cargos ou dentre as que têm salários altos, comparados à medida dos outros trabalhadores.

A vítima no ambiente de trabalho, não se revela um empregado desidioso, relapso ou negligente. Ao contrário, normalmente ela é uma pessoa responsável, que desempenha suas tarefas de uma forma bastante a contento, nos prazos estabelecidos. Essa pessoa se tornou vítima, não em decorrência de seu desempenho profissional, mas principalmente porque é bem-educada, ingênua, insegura e, em razão disso, não consegue defender-se das agressões.

Nesse sentido, ela se torna vítima por vários motivos. Porque sua situação de trabalho incomoda demasiadamente o agressor e, porquanto é pessoa psicologicamente frágil e, em razão disso, encontra muita dificuldade em revidar as agressões.

Estudos e dados estáticos demonstram que as mulheres são as mais assediadas que os homens, Por questões culturais, elas desabafam mais facilmente com amigos ou colegas, enquanto os homens, constrangidos, guardam consigo a agressão sofrida. Eles geralmente mantêm silêncio, envergonham-se e sentem-se fracassados, muitas vezes se refugiam no álcool ou em outras drogas.

Outro motivo porque se detecta um maior número de vítimas mulheres conforme Barreto upud Edward (2005, p. 108), em tese de doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), é o fato de que essa modalidade de violência é precedida, em 12% dos casos, por uma abordagem sexual frustrada.

Hirigoyen (2000) tem o entendimento de que a vítima, por ser psicologicamente frágil, sucumbe aos encantos do agressor e se deixa seduzir por ele, que a manipula e humilha até ela não aguentar mais. A vítima aceita passivamente a sedução do agressor, encontra-se atada ao seu jogo, não consegue desvencilhar-se sozinha, razão pela qual ela atua sufocando-a gradativamente.

As manobras do assediador reduzem a autoestima da vítima, confundem-na e levam-na a desacreditar de si própria e a se culpar, sem propósito. A vítima reduz sua produção, a qualidade de seu trabalho e o seu psicológico ficam altamente comprometidos. Nesse sentido, cumpre transcrever o depoimento dado ao jornalista Edward (2005, p. 108):

A empresa em que eu trabalhava foi privatizada e passei a ser pressionada a aderir a um plano de demissão voluntaria. Como resisti, fui passada de funções executivas para o preenchimento de formulários. Eu e outros colegas fomos abandonados num prédio antigo. Sem cadeiras, sentávamos em latões de lixo. No prédio novo, fomos expostos numa sala de vidro. Eu era chamada de javali – porque não valia mais nada. Até hoje tenho problemas físicos e psicológicos decorrentes daquela época. 10

Ainda conforme Hirigoyen (2000), à medida que o assédio se agrava, a vítima se vê obrigada a afastar-se do emprego temporariamente em razão do estresse psíquico gerado ou em decorrência de sintomas psicossomáticos. Como consequência, passa a sofrer de depressão e, conforme o caso, até pensa em suicídio. Esses constantes afastamentos tornam-se pretextos para o agressor agravar o assédio, pois a vítima passa a ser vista como o empregado desidioso que falta muito ao emprego.

Dessa forma, verifica-se que o assédio moral vira uma “bola de neve”, ou seja, o assediado em razão do estresse causado pela violência psicológica começa a se ausentar do emprego faltoso. A tendência é que esse círculo vicioso se agrave cada vez mais e só se rompa quando a vítima adoecer definitivamente e se aposentar por invalidez, pedir demissão, for mandada embora ou ainda, transferida.

Não existe um perfil comportamental característico definido acerca da vítima, mas Huber apud Guedes (2003) demonstra que quatro tipos de pessoas correm o risco potencial de serem vítimas do assédio moral, a saber:

1. Uma pessoa sozinha. Uma mulher em um ambiente de trabalho só de homens, por exemplo, um único enfermeiro, em um hospital só de enfermeiras;

2. Uma pessoa estranha, cujo comportamento se diferencie dos colegas de trabalho ou que pertença a uma minoria étnica ou ainda que se expresse ou se vista de modo diferente dos demais. Por exemplo, um advogado que não se veste com um terno ou que utiliza um vocabulário, tanto escrito, quanto falado, informal demais para a profissão;

3. Uma pessoa que faz sucesso. O fato de receber elogios ou promoções desperta bastante ciúmes, podendo desencadear o assédio moral;

4. A pessoa nova. Aquela que passa a ocupar um cargo, anteriormente exercido por uma pessoa muito popular, ou que é muito mais jovem do que os seus subordinados;

Essa mesma autora estabeleceu uma classificação dos tipos ideais de vítimas do assédio moral, a saber:

1. O distraído: aquele que não percebe o que acontece a sua volta;

2. O prisioneiro: não encontra em si próprio a capacidade de escapar da agressão e procurar outra alternativa de trabalho. Ele permanece preso ao assédio e se deixa acabar pela violência;

3. O paranóico: ele acha que todos querem prejudicá-lo na empresa. São pessoas inseguras;

4. O severo: é o sistemático. Procura manter suas regras até as últimas consequências. O pior ocorre quando ele tenta impô-las demais;

5. O presunçoso: ele se acha muito mais importante e imprescindível do que geralmente é. Essa pessoa gera irritabilidade entre os colegas, que acham que ele tenta ocupar o lugar do chefe;

6. O passivo dependente: espera o reconhecimento de todos, por tudo. Seu caráter servil desperta a antipatia dos colegas. Geralmente é uma pessoa sensível;

7. O brincalhão: essa pessoa pode tornar-se vitima quando passa a ser o palhaço da turma, o bobo. Ninguém a leva a sério. Frequentemente se torna vítima do assédio horizontal.

8. O hipocondríaco: torna-se vítima quando não suporta o peso do trabalho, reclamando constantemente de suas obrigações e de seus afazeres. Provoca seu próprio isolamento culminando no assédio moral.

9. O verdadeiro colega: pode ser vítima do mobbing, em razão de sua conduta honesta, eficiente e disponível ou em decorrência de seu senso de justiça. É dono de enorme franqueza, denunciando tudo o que acha de errado dentro da empresa. Em razão disso, passa a ser perseguido por quem foi vítima dessa honestidade;

10. O ambicioso: aquele que procura fazer sua carreira dentro da empresa prestando seus serviços de modo bastante eficiente. Agindo dessa forma, ele ofusca o trabalho dos demais, ocasionando muita inimizade;

11. O seguro de si: uma pessoa que crê em suas capacidades. Pode gerar inveja nos colegas, podendo ocasionar o assédio moral;

12. O servil: é o famoso bajulador. Faz de tudo para obter a plena satisfação do chefe. Tenta agradá-lo de todas as formas, no trabalho ou fora dele. Os colegas, ao perceberem essa manobra, isolam a vítima e agem com violência psicológica;

13. O bode expiatório: é a válvula de escape. É o membro mais fraco, que gradativamente se torna o “saco de pancada” dos colegas de trabalho;

14. O sensível: é uma pessoa egocêntrica, com muita necessidade de reconhecimento. Uma mera crítica tem um efeito devastador, fazendo com que ele seja vítima de assédio moral por uma conduta muito mais branda que a dos demais casos;

15. O introvertido: é uma pessoa com enormes dificuldades de relacionamento e, por conseguinte, sua dificuldade de comunicação pode ser mal interpretada, ocasionando o assédio moral.

Pode-se concluir, por conseguinte, que não há um perfil fixo para as vítimas de assédio moral, mas apenas uma série de características pessoais nas quais podem ser inseridas.

4.3. OS ESPECTADORES

São as testemunhas do assédio moral todas aquelas pessoas que, de algum modo, o vivenciam, participando dele direta ou indiretamente. Podem ser os superiores hierárquicos, colegas de trabalho, encarregados do departamento de pessoal ou qualquer outra pessoa, desde que participe diretamente do ato ou observe a ocorrência do assédio moral no ambiente de trabalho.

Conforme ensina Guedes (2003), a atuação dos espectadores se divide em três categorias. Há o indivíduo que, embora testemunhe o assédio, é indiferente a ele. Há o que, além de testemunhar o assédio, contribui para a ação do agressor. E há aquele que, ao testemunhar o assédio, defende a vítima. Esse caso é denominado espectador inconformista e aqueles outros são os espectadores conformistas.

Os espectadores inconformistas são aqueles que não se conformam com os atos de violência praticados pelo agressor. Eles procuram o chefe, o departamento de pessoal ou os colegas de trabalho para mobilizá-los a fim de impedir que o agressor permaneça agredindo a vítima. Muitas vezes essas pessoas também sofrem algum tipo de agressão, pois se tornam um obstáculo para que o agressor alcance seus objetivos.

Os espectadores conformistas são todos aqueles não envolvidos diretamente no evento, mas que têm sua quota de responsabilidade na medida em que nada fazem para impedir a violência ou muitas vezes atuam ativamente, favorecendo a ação do agressor.

Os espectadores conformistas passivos são aqueles que se conformam com as agressões e nada fazem para minimizá-las. Tudo se passa à sua frente e eles fingem que não veem, que não está acontecendo nada. Eles nunca sabem de nada, não ajudam a vítima nem o agressor: eles simplesmente deixam tudo acontecer. Sua responsabilidade é enorme, pois contribuem para a continuidade da violência contra essa vítima e para o aparecimento de novos casos contra outras pessoas.

Os espectadores conformistas ativos são aquele que, indiretamente, auxiliam a ação perversa do agressor. É o coautor ou participe da conduta agressiva. São aquelas pessoas, por exemplo, com conhecimentos de informática que se infiltram no computador da vítima para que o agressor modifique alguns arquivos ou obtenha informações para assediá-la. Não são adversários diretos da vítima, apenas atuam indiretamente a fim de favorecer a conduta do agressor. Segundo Ege apud Guedes (2003), esse tipo de espectador também é conhecido como aquele que atua ao lado do agressor do assédio moral.

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Sobre a autora
Camila Gonçalves de Macedo

Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Pós-graduada em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas - MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Camila Gonçalves. Assédio moral no ambiente de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5500, 23 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67535. Acesso em: 5 nov. 2024.

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Este artigo foi realizado na conclusão do meu curso de pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera- UNIDERP

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