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Assédio moral no ambiente de trabalho

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23/07/2018 às 15:10
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3.    CARACTERIZAÇÃO DO ASSÉDIO MORAL

O assédio moral segundo Guedes (2003), pode acontecer em várias esferas do convívio social, em particular nos locais em que haja competitividade entre agressor e vítima ou em que existam relações decorrentes de hierarquia em que o superior hierárquico fiscaliza, controla, regula, analisa ou coordena os seus subordinados.

Podem-se destacar vários lugares passíveis de ocorrência do assédio moral. Os principais são aqueles onde ocorre a relação de trabalho ou emprego; no ambiente familiar, decorrente das relações entre pais e filhos ou entre esposa e marido; em ambiente de estudo, como escolas, cursos preparatórios para concursos, faculdades, etc., ou em qualquer outro ambiente em que haja relações hierárquicas reguladas pela competitividade.

O assédio moral ocorre, principalmente, em decorrência de uma situação conflitiva mal resolvida, que ocasiona a prática de uma conduta mal resolvida, por parte do agressor, contra a vítima. Como exemplo, pode-se citar uma disputa entre colegas de trabalho, por uma promoção. Após a formalização do ato que determina a ascensão profissional de um deles, o colega promovido pode perseguir o seu subordinado ou vice-versa.

Desse modo, o mobbing no ambiente de trabalho ocorre nas empresas que possuem um sistema organizacional atrasado, centradas no poder de mando dos dirigentes, na hierarquia e na subordinação dos empregados.

É na mesma empresa que o assédio mora aparece com mais frequência, pois há uma exigência, muitas vezes, exagerada do empregador no que tange à produção, à subordinação e aos horários, e ainda porque esse tipo de organização empresarial incentiva a competitividade entre os empregados.

O assédio moral no ambiente de trabalho constitui a pior forma de estresse social. Tal situação é agravada pela majoração dos índices de desemprego ou de subemprego. O empregado que se revoltar contra essas práticas e pedir demissão ficará um tempo cada vez maior esperando sua recolocação no mercado de trabalho ou, se conseguir um novo emprego logo em seguida, fatalmente seu salário será inferior àquele recebido até então. Existe também outra situação bastante comum em que o assédio moral é praticado pelo empregador, contra o empregado. É a hipótese de o trabalhador estar protegido pela estabilidade no emprego. Impedido de demitir esse empregado, o empregador, muitas vezes, afasta de suas funções e o confina em uma sala, compelindo-o a uma ociosidade constrangedora.

Assim, se os empregados albergados pela estabilidade não podem ser mandados embora sem justa causa, o empregador, em conluio com os subordinados, ou com os outros colegas, pratica atos de terror psicológico com o fim de forçar a vítima a pedir demissão, ou para forjar uma justa causa. Tal modalidade de assédio moral pode ser constatada por meio do depoimento dado ao jornalista Edward (2005, p. 106), com o seguinte teor:

Tirei licenças a que tinha direito depois de passar por uma separação. Quando voltei ao trabalho, em 2001, me vi diante de uma perseguição patrocinada pela juíza titular da vara do trabalho onde eu trabalhava e pelo diretor da secretaria do fórum. Todo o meu trabalho era questionado de forma arbitrária. O processo começou com uma representação na corregedoria, na qual alegavam atraso de serviço. Mas eu cumpria os prazos legais. Sofri várias penalidades - da extinção de uma gratificação até a remoção para outra cidade e o afastamento do trabalho. A juíza utilizava meus problemas familiares como álibi para me perseguir. Chegou a tentar me afastar do meu filho. Depois de dois anos, o Tribunal Superior do Trabalho reconheceu que eu tinha sido vítima de abuso de autoridade por parte de alguém que devia ser uma guardiã da Justiça. Fui reintegrado ao trabalho, mas nesse processo me tornei um homem doente, portador da Síndrome de Burnout – uma doença causada pelo estresse extremo no trabalho. Continuo afastado e faço tratamento psiquiátrico. [6]

Verifica-se que o depoente era alcançado pela estabilidade, por ser funcionário público, e que sua chefe, por não poder demiti-lo e em razão de não encontrar razoes para retirá-lo de suas funções, assediou-o até afastá-lo.

Faz-se necessário esclarecer que no assédio moral por terror psicológico oriundo das relações de trabalho, ainda segundo Guedes (2003), existem, quanto ao seu objeto caracterizador, dois elementos essenciais à sua manifestação: o abuso do poder e a manipulação perversa.

A primeira hipótese é facilmente detectável, pois a pessoa que pratica o abuso de poder obedece a certo padrão comportamental. No segundo caso, o agressor pratica atos que vão ultrapassando a barreira do razoável e a reprimenda ou a brincadeira de mau-gosto passa a se tornar, gradativamente, assédio moral.

Tais eventos ocorrem de forma quase imperceptível. Inicialmente, a vítima encara o fato como uma simples brincadeira, no entanto, após inúmeras repetições, a violência vai-se tornando extremamente nefasta à personalidade do sujeito agredido, até que, quando se dá conta, já entrou em um círculo vicioso bastante prejudicial à saúde. Quando a vítima resolve libertar-se de tais vexames, as hostilidades e as brincadeiras de mau gosto tornam-se violência declarada, dando início a outra fase, na qual o agressor resolve liquidar a vítima. A intenção do agente é isolar a vítima, para que ela, psicologicamente debilitada, deixe de ser um obstáculo às suas conquistas.

No entanto, ressalta-se que uma mesma atitude pode ser recebida de maneiras diferentes, dependendo do indivíduo. Há os que têm maior ou menor sensibilidade. A mesma ordem, emanada da mesma pessoa a várias outras, será sentida com intensidades diferentes por cada um dos destinatários. Os mais sensíveis provavelmente poderão sentir-se magoados, desestimulados ou infelizes de alguma maneira, dependendo da rigidez e da firmeza com que essa ordem for externada. Nota-se que na realidade do contrato de trabalho a subordinação é essencial (arts. 2º e 3º da CLT). Portanto, não há como evitar que, nessa relação, não haja a chamada dependência jurídica.

Conforme assentado por Margarida Barreto (2003), 12% dos casos de assédio moral têm início com uma abordagem de cunho sexual frustrada. Embora esse evento ocorra com a mencionada frequência, não se há de confundir assédio sexual com o moral, este último, objeto deste estudo.

Isso porque, segundo Benizete de Ramos Medeiros (2004), no assédio sexual, o objetivo do agressor é dominar a vítima sexualmente e, para tanto, constrange-a mediante ameaças ou chantagens. No caso do assédio moral é diferente. Os métodos utilizados pelo agressor são outros e o objetivo do domínio é de cunho psicológico e não sexual.

Leymann apud Nascimento (2004), o primeiro a identificar o assédio moral na Europa, no ano de 1984, desenvolveu um estudo acerca do aludido fenômeno, no qual elaborou uma classificação bastante pertinente sobre o tema. Se o assédio se der em decorrência da hierarquia profissional entre vítima e agressor, será denominado ascendente ou descendente.

O descendente é o mais comum e ocorre na hipótese de superiores hierárquicos constrangerem a vítima, seu subordinado, com a finalidade de excluí-la do convívio socio profissional. Nesse caso, não há um motivo único para o assédio, mas ele pode ocorrer em função de discriminação pura e simples, insubordinação, ou vários outros fatores, conforme o caso.

O ascendente ocorre em situação inversa, ou seja, a vítima é superior hierárquica do agressor. Nesse caso, o assédio ocorre em função, por exemplo, de um subalterno que se julga merecedor do cargo de chefe ou, ainda, de um grupo de subordinados que querem sabotar o novo chefe, por considerá-lo muito exigente, por exemplo.

Acrescente-se à classificação de Leymann apud Nascimento (2004) o assédio moral entre colegas de trabalho que desempenham as mesmas tarefas e detêm um cargo de mesma hierarquia dentro da estrutura organizacional da empresa. Nesse caso, o assédio moral será denominado horizontal. Esse fenômeno pode ser percebido se colegas de trabalho de mesma hierarquia profissional, motivados por inveja de outrem que recebeu uma promoção, ou que executa tarefas bastante a contento, discriminam a vítima. Nessa hipótese, a vítima e o agressor, buscam por meio da competição, uma posição de destaque no local de trabalho. É o caso da competitividade entre agressor e vítima.

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Há também o assédio moral misto, que é bastante difícil de acontecer. A vítima é atacada tanto pelos colegas de mesma linha hierárquica como pelo seu superior ou empregador. Ocorre geralmente em empregos em que há muita competitividade interna e mal gerenciamento de recursos humanos, assim como em locais de trabalho onde impera a gestão por estresse e o superior ou patrão imprime um nível elevadíssimo de exigência. A agressão pode iniciar-se pelo superior hierárquico e alastrar-se pelos colegas da vítima, por receio de represálias futuras do chefe assediador.

Como asseverado anteriormente, o assédio moral pode ser detectado em ambientes fora do local de trabalho. Hirigoyen (2000) detectou a ocorrência do assédio moral em vários outros ambientes.

Na vida em sociedade, por exemplo, o assédio moral ocorre em vários espaços diferenciados. Em um primeiro momento, cumpre elucidar a hipótese de ele suceder na escola. É o caso do professor que desqualifica, humilha ou tiraniza repetitivamente determinado estudante que demora muito para entender determinada explicação ou que faz perguntas por pertinentes. Há também o caso do aluno que detém certa anomalia física, e seus colegas, por ele ser diferente, o discriminam e fazem chacota de sua diferença. Ou ainda, quando alunos, descontentes com a metodologia de ensino de certo professor, ou com as notas dadas por ele, o discriminam.

Tais práticas influenciam bastante o aprendizado do aluno, de tal forma a bloquear-lhe o aprendizado e fazê-lo desistir dos estudos. Na escola também pode dar-se o assédio moral entre os alunos, decorrente da competitividade advinda da seleção de membros mais aptos.

Nesse caso, se o assédio moral for praticado pelo professor contra determinado aluno, é denominado descendente, se for praticado entre colegas, é denominado horizontal e, se for por alunos, contra o professor, é ascendente. Ou pode ainda ser misto, se praticado por professor e alunos contra algum outro aluno.

Na vida privada o assédio moral pode ser praticado pelos pais, entre si, outra contra os filhos, ou ainda dos filhos contra os pais. Um exemplo seria o caso dos pais que atormentam os filhos, imputando-lhe castigos exagerados e humilhações, até destruí-los psicologicamente. Há, também, o conflito de gerações, em que pais e filhos se atormentam mutuamente. Nesse caso, se houver um exagero, esse conflito pode culminar com o psicoterror[7]. É possível ainda, que o assédio seja praticado por um irmão contra o outro, por ciúmes, com o intuito de obter mais atenção dos pais. É o caso do assédio moral horizontal.

O assédio moral praticado por um cônjuge contra o outro, por exemplo, é tido como uma mera relação de denominação. A maioria dos casos de assédio moral entre casais se dá porque o agressor não aceita a separação proposta pela vítima e a assedia, não porque tenha apego por ela, mas porque a considera sua presa, não admitindo perde-la em hipótese alguma, considerando-a propriedade sua, uma conquista que lhe pertence.

O assédio praticado pelo pai, ou pela mãe, contra os filhos ocorre, muitas vezes, por rejeição dos pais, é o caso, por exemplo, da gravidez inesperada ou indesejada, ou de os pais não terem condições financeiras de sustentar seus filhos com dignidade.

Outro caso bem menos comum, mas não por isso menos grave, é o de assédio moral praticado pelos filhos, pouco contentes com a rigidez da educação dos pais, contra estes, com o fim de tentar que essa educação seja menos rígida. Tem-se nessa hipótese, o assédio moral ascendente.

Portanto, constata-se que a caracterização do assédio moral pode ocorrer nos vários ambientes da esfera social, tais como no trabalho, na escola, na vida privada, ou em muitos outros e entre todas as pessoas que desfrutam desse convívio. Esse fenômeno se dá por intermédio de uma evolução de atos que se inicia com uma simples brincadeira de mau gosto, passo por humilhações corriqueiras e culmina com a violência real declarada contra a vítima.

Não será aprofundada a analise acerca do assédio moral nas diversas esferas do convívio social porque o presente estudo objetiva tão somente caracterizar o assédio moral no ambiente de trabalho, razão pela qual se restringirá ao que foi elucidado até agora.

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Sobre a autora
Camila Gonçalves de Macedo

Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Pós-graduada em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas - MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Camila Gonçalves. Assédio moral no ambiente de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5500, 23 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67535. Acesso em: 26 abr. 2024.

Mais informações

Este artigo foi realizado na conclusão do meu curso de pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera- UNIDERP

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