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A constitucionalização do Direito Administrativo e o controle de mérito do ato administrativo discricionário pelo Poder Judiciário

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22/05/2005 às 00:00
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IV – DA DIVISÃO DE FUNÇÕES DOS PODERES E A SUA COMPETENTE HARMONIZAÇÃO COM A UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO.

            Após todo o relato dos eminentes administrativistas citados anteriormente se extrai a firme convicção de que o ato administrativo discricionário não poderia ser revisto pelo controle do Poder Judiciário, quando se trata do juízo de mérito, oportunidade e conveniência do administrador público.

            Sucede que tais pensamentos foram construídos em uma época em que o direito constitucional ainda não havia constitucionalizado todos os ramos do direito, passando a ser o verdadeiro protagonista nas relações públicas e privadas. Aliás este é um dos traços fundamentais do constitucionalismo moderno, (43) que rompendo as fronteiras anteriores é o regente de todos os ramos do direito.

            A incorporação desses princípios constitucionais constitui marco da evolução do direito público, que possuía na justiça administrativa a marca do Antigo Regime deposto pela Revolução Francesa.

            Ou seja, foi criada uma justiça administrativa como fruto das idéias liberais que despontavam, contudo ainda prevaleciam os velhos conceitos do regime anterior. Daí a necessidade de uma separação de poderes, que culminou com a criação do contencioso administrativo, tendo como objetivo a proteção do Estado, com "a proibição dos Tribunais judiciais conhecerem dos litígios é, em grande parte, explicável como uma reação contra o modo de atuação dos parlamentos no Antigo Regime". (44) Sendo que a criação do Conselho de Estado, exercendo funções em matéria de contencioso administrativo se assemelha à figura, mal comparando com o Conselho do Rei, existente no Antigo Regime. (45)

            Na realidade, o Estado pensado por Maquiavel tinha como função desgarrar-se do poder típico da Idade Média, através da criação de uma entidade que unificava entre si os poderes da sociedade, encarnada na pessoa do príncipe.

            Por isto, o Estado, como realidade, foi criado artificialmente pelo homem para atingir determinados objetivos, tendo na Administração Pública a mesma identidade, e por isso, naquela época, ela era imune de qualquer intervenção externa. (46)

            Visou, portanto, a Teoria da Separação de Poderes de Montesquieu, no "De l’Esprit des Lois", inspirada na experiência de Locke, sendo que os britânicos (que desconheciam a noção de Estado), (47) manter impenetráveis os atos da Administração Pública ao poder judicial, (48) como explicam Dupis e Guédon: (49) "a revolução queria instaurar a separação de poderes e, no fundo, a separação das autoridades administrativas e judiciais é entendida, na época, como uma conseqüência natural."

            Foi preciso, em um primeiro momento, para o próprio bem da humanidade, ter na separação de poderes um mito, para atingirmos a devida maturidade do direito público.

            Assim a presente constitucionalização dos direitos tomou força após a segunda grande guerra mundial, onde a proeminência dos direitos fundamentais do ser humano passou a ser a grande preocupação universal, surgindo novos valores éticos e morais, como forma de se desgarrar do citado mito da separação dos poderes.

            Assim, os direitos fundamentais do homem incorporados ao constitucionalismo atual passou a ser o traço marcante do Estado do Bem-Estar Social.

            A doutrina alemã foi uma das primeiras a enfrentar o presente tema, e após a natural evolução passou a permitir o controle judicial dos atos administrativos, inclusive os discricionários através do "enfoque jurídico funcional" (50) (funktionell-rechtliche Betrachtungs-weise), fruto da Constituição como procedimento do Estado prestador de serviços e como uma forma de realização dos direitos fundamentais, na dimensão de direitos de participação. (51)

            Este novo e atual enfoque parte do pressuposto de que o clássico princípio da separação dos Poderes não possui mais uma fronteira de atuação entre os respectivos Poderes, visto que ele deve ser entendido mais como princípio de divisão de funções; controlado, fiscalizado e coordenado pelos diferentes órgãos do Estado Democrático de Direito. (52)

            O conceito de divisão funcional permite o controle do conceito jurídico indeterminado, da margem de livre apreciação e da discricionariedade sem que um poder afronte ao outro, ou invada o raio de competência alheia. A cooperação dos poderes substitui o bloco unitário do Estado.

            Isto se dá, em nosso direito constitucional, quando o Poder Legislativo possui controles em relação ao Poder Executivo, nos seguintes casos: autorizar o Presidente da República a declarar guerra e fazer a paz (art. 49, II, CF); dispor sobre tratados e convenções com países estrangeiros, celebrados pelo Presidente da República (art. 49, I, CF); sustar atos normativos do Poder Executivo que excedam o poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa (art. 49, V, CF); receber o compromisso quando da posse do Presidente e do Vice-presidente (art. 57, III, CF); por maioria absoluta o poder de derrubar o veto presidencial em texto legal (arts. 57, IV e 66, § 4º, CF); aprovar intervenção federal determinada pelo Presidente da República (art. 84, X, CF); aprovar o Estado de defesa (art. 136, § 4º, CF) decretado pelo Presidente da República (art. 84, IX e X, da CF); autorizar o Presidente da República a decretar Estado de Sítio (art. 84, IX, CF); com o auxílio do Tribunal de Contas, fiscalizar as despesas públicas (art. 71, I e II, CF); aprovar a indicação do Presidente da República de Ministros do STF (art. 101, parágrafo único, CF) e do STJ (art. 104, parágrafo único, CF), do Procurador-Geral da República (art. 128, § 1º, CF), Ministros do Tribunal de Contas (art. 73, § 2º, I, CF), Chefes de Missão Diplomática em caráter permanente (art. 52, IV, CF); eleger membro do Conselho da República (art. 89, VII, CF). (53)

            Pela divisão de funções dos Poderes, apesar do Poder Legislativo ter ingerência sobre todos estes citados atos discricionários do Presidente da República não ocorre a invasão de competência ou a indevida intromissão, pelo contrário, para o ato privativo do Executivo se consumar juridicamente ele necessita da concordância do Legislativo.

            Em relação ao Poder Executivo, ele controla o Poder Legislativo quando o Presidente da República, em caso de relevância e urgência, edita Medidas Provisórias (art. 62, CF) ou solicita o regime de urgência em projetos de lei de sua autoria (art. 64, CF); sanção ou veto presidencial no processo legislativo ordinário (art. 66, CF); nomeação de membros do Tribunal de Contas da União, órgão auxiliar do Poder Legislativo (art. 73, § 2º, I, CF).

            O mesmo fenômeno ocorre quando o Poder Legislativo controla ou estabelece condições para o Poder Judiciário, nas seguintes situações constitucionais: Organização Judiciária (arts. 48, X; 124, parágrafo único; 113 e 121, CF); aprovar nomeação de Ministros do STF e de Tribunais Superiores pelo Presidente da República (art. 84, XIV, CF); concerssão de anistia mesmo que tenha decisão judicial transitada em julgado (art. 48, VIII, CF); promover o processamento e o julgamento do Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do STF e o Procurador-Geral da República, por crimes de responsabilidades (arts. 51, 52, I e II, CF), CPI para investigar autoridades judiciais (art. 58, § 3º, CF). (54)

            Também vigora o controle do Poder Executivo em relação ao Poder Judiciário, quando ele escolhe e nomeia os Ministros do STF e do STJ, bem como quando é concedido o indulto ou a comutação de penas (art. 84, XII, CF).

            Portanto, quando o Poder Judiciário controla os Poderes Executivo e Legislativo, ele também não invade o princípio da separação dos poderes, visto que a Constituição promoveu a divisão de funções dos poderes para humanizar mais o direito público, voltado para as garantias dos direitos fundamentais da sociedade.

            Certeira foi a observação de Nigro, quando afirma que "a Administração Pública já não existe mais (...), apenas existem as Administrações Públicas entre as quais se desenvolvem relações, conflitos, acordos, controvérsias que modificam o direito administrativo substancial e influem também no processo." (55)

            Esta divisão de funções dos Poderes do Estado está fundamentada na ordem democrática que rege a Constituição, onde a fiscalização e a coordenação recíproca entre os diversos órgãos públicos é uma realidade atual. Assim a divisão de poderes perde a sua anterior característica rígida de distribuições de tarefas, mecanicamente, sem que haja a atual integração racionalizada das várias funções do Estado:

            "A divisão de poderes é agora essencialmente entendida como um processo de distribuição e integração racionalizadas das várias funções e órgãos do Estado, de forma a limitar as possibilidades de exercício arbitrário do Poder e garantir, por outro lado, as condições da maior eficiência da atuação estatal, sem prejuízo, todavia, do respeito pelos direitos e liberdades fundamentais. (...)

            Em segundo lugar, e por ventura de importância decisiva para a compreensão da natureza do Estado Social e Democrático de Direito. Verifica-se o reforço da separação, independência e relevância do poder judicial no conjunto dos poderes do Estado." (56)

            Melhor esclarecendo, seguem as sábias palavras de Andreas J. Krell: (57)

            "Reconhecendo que, no Brasil, as funções do Estado são separadas em órgãos independentes e harmônicos (art. 2º, CF), o problema específico dos conceitos indeterminados no Direito Administrativo deve ser compreendido na base dessa divisão funcional. Ao mesmo tempo, a Administração está claramente sujeita ao princípio da legalidade (art. 5º, II, e 37, caput, CF), sendo a questão justamente definir a quem a ordem jurídica atribui a interpretação e concretização desses conceitos e a decisão final sobre sua correta aplicação ao caso concreto: ao administrador, ao juiz ou se há uma distribuição dessa tarefa entre dois Poderes. Essa pergunta pela ‘densidade de controle’ (kontrolldichteI) surge de forma idêntica no âmbito da discricionariedade administrativa strictu sensu, localizado no mandamento da norma."

            A Constituição dotou o Poder Judiciário de poder para combater os excessos cometidos em qualquer das esferas governamentais, sem que se caracterize uma indevida intromissão de um Poder sobre os outros, conforme decidido no RE º 259.335 Agr/RJ-STF: (58)

            "(...) Reexame da decisão administrativa pelo Poder Judiciário. Ofensa ao princípio da separação de poderes. Inexistência. A Carta Federal conferiu ao Poder Judiciário a função precípua de controlar os excessos cometidos em qualquer das esferas governamentais, quando estes incidirem em abuso de poder ou desvios inconstitucionais. Precedente. Agravo regimental não provido."

            Portanto, não há intromissão indevida de um Poder sobre o outro, quando o Judiciário intervém para assegurar os princípios constitucionais, mesmo que o ato seja grafado como discricionário e que haja a necessidade de análise de mérito, pois o regime democrático exige tal conduta. A escolha discricionária não é indiferente ao direito. O ideal do Estado não é o extermínio da discricionariedade, mas a sua juridicidade, entendida como modo de realização do direito.

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            Em rigorosa manutenção do controle do poder, como exigência de ordem político-jurídica essencial ao regime democrático, o STF (59) afastou possível transgressão ao princípio da separação de poderes:

            "(...) O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República. O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes. Desse modo, não se revela lícito afirmar, na hipótese de desvios jurídico-constitucionais nas quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de controle jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na esfera de outro Poder da República. O CONTROLE DO PODER CONSTITUI UMA EXIGÊNCIA DE ORDEM POLÍTICO-JURÍDICA ESSENCIAL AO REGIME DEMOCRÁTICO. - O sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da soberania nacional. Com a finalidade de obstar que o exercício abusivo das prerrogativas estatais possa conduzir a práticas que transgridam o regime das liberdades públicas e que sufoquem, pela opressão do poder, os direitos e garantias individuais, atribuiu-se, ao Poder Judiciário, a função eminente de controlar os excessos cometidos por qualquer das esferas governamentais, inclusive aqueles praticados por Comissão Parlamentar de Inquérito, quando incidir em abuso de poder ou em desvios inconstitucionais, no desempenho de sua competência investigatória. OS PODERES DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO, EMBORA AMPLOS, NÃO SÃO ILIMITADOS E NEM ABSOLUTOS. - Nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição. No regime político que consagra o Estado democrático de direito, os atos emanados de qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, quando praticados com desrespeito à Lei Fundamental, submetem-se ao controle jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV).

            Em uma outra hipótese jurídica, envolvendo correção de prova de concurso público, a interferência do Poder Judiciário, (60) para restabelecer os cânones constitucionais, não foi tida como violadora do princípio político da separação de poderes.

            "Concurso - Correção de Prova - Princípio Político Constitucional da Separação da Independência e Harmonia dos Poderes. Longe fica de contrariar o disposto no artigo 2º da Carta Política da República provimento judicial que, a partir da premissa sobre a má vontade da banca examinadora na correção de prova manuscrita, considerada a caligrafia do candidato, assenta a improcedência dos erros apontados."

            Com a quebra da onipotência do Estado em face da Constituição, a invocação do princípio da separação dos poderes, como uma forma de prejudicar a sindicabilidade do ato administrativo, constitui-se como artifício para deixar imune de controle de atos arbitrários.

            Paulo Otero, (61) eminente administrativista lusitano, considera um erro histórico consistente na separação de poderes como uma tentativa de impedir que o Poder Judiciário possa penetrar na essência do ato administrativo:

            "Existe aqui um verdadeiro equívoco histórico: utiliza-se o dogma da separação de poderes para, num primeiro momento, excluir a atividade administrativa do controle pelos Tribunais Judiciais, criando-se dentro da própria Administração órgãos de controle que, num segundo momento, invocando uma vez mais a separação de poderes, são tratados como tribunais para permitir agora que não exerçam sobre os outros órgãos da Administração poderes de injunção e de substituição que se teriam de considerar legítimos entre órgãos situados no interior da Administração Pública."

            Assim, como intérprete da Constituição, (62) o Poder Judiciário na divisão de funções dos Poderes do Estado, foi alçado a condição de manter efetivos os "princípios gerais de interpretação constitucional", (63) reconhecidos pela dogmática e jurisprudência da Alemanha como princípios da "unidade de constituição", (64) sem que isto signifique uma indevida e indesejada violação ao princípio da separação dos poderes (art. 2º, CF).

            A interpretação dos direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição, feita pelo Poder Judiciário não invade a esfera dos demais órgãos políticos, (65) tendo em vista que ela visa manter eficaz tais comandos supremos, coibindo abusos ou excessos de poder por parte dos órgãos públicos. (66)

            Dessa forma, o direito constitucional concretizado pelos Tribunais, que Ronald Dworkin (67) defende como "direito constitucional comum" é fortificado pela interpretação da norma legal que assumiu dimensão constitucional, com plena eficácia. (68)

            Essa necessária e constitucional interpretação (art. 5º, XXXV, CF) determina, sempre que solicitado, a intervenção do Poder Judiciário, para afastar lesão ou ameaça a direito, independentemente da qualificação da parte passiva na lide. A ordem jurídico-constitucional assegura a todos o acesso ao Judiciário em concepção integral, (69) sem que tal prerrogativa constitua na indesejada invasão de um Poder sobre o outro.

            Como todos os Poderes Públicos estão obrigados a respeitar os princípios e as normas constitucionais, qualquer lesão ou ameaça outorga ao lesado a possibilidade do ingresso ao Poder Judiciário, que instado a se pronunciar, possui a indelegável missão de manter a unidade da constituição, mesmo que ele tenha que adentrar o controle do mérito do ato administrativo discricionário.

            Esta responsabilidade pela tutela da ordem jurídica (70) constitucional, afasta a premissa de uma pseudo invasão de competência de poderes, tendo em vista que o uso de uma faculdade discricionária não possui mais o condão de retirar do Poder Judiciário a possibilidade de verificar se houve ou não desvio de poder. (71)

            Vigora no campo do direito constitucional – administrativo a influência de preservação dos direitos fundamentais desenvolvidos pela jurisdição constitucional do Bundesverfassungsgericht como "princípios de uma ordem jurídica geral", capaz de justificar a atuação ampla do Poder Judiciário.

            Jürgen Habermas, (72) jus-filósofo alemão, citado por Patrícia Baptista, (73) testemunha a insuficiência da ultrapassada construção clássica do princípio da separação de poderes, para defender a irradiação dos direitos fundamentais para todas as esferas do direito, principalmente para aquelas relacionadas à atuação do Estado:

            "Esses ‘conteúdos essenciais’ ou ‘limites imanentes’ dos direitos fundamentais, operam, segundo o autor, como parâmetros da atuação do Estado-administrador, no campo onde a lei formal não alcança. Por meio de sua realização pela jurisdição constitucional, servem para superar a insuficiência atual da construção clássica do princípio da separação de poderes, atuando como balizamentos controláveis e aferíveis para a atuação administrativa, sobretudo sob a forma do Estado Social. Trata-se de um efeito irradiador dos direitos fundamentais para todas as esferas do direito e, particularmente, para aquelas relacionadas à atuação do Estado. O direito constitucional, para, assim, assumir o papel de autêntico limite substantivo, e não meramente formal, do direito administrativo."

            Konrad Hesse, (74) mantendo eficaz o atual quadro da ordem democrática, onde o controle de poder estabelece o equilíbrio das forças políticas, em total alteração à construção inicial da divisão de Poderes, estabelece, o Judiciário como o responsável pela manutenção da integridade da Constituição:

            "Um elemento de equilíbrio dos poderes estatal-jurídico é o controle judicial do poder executivo (art. 19, alínea 4, da Lei Fundamental), nomeadamente, porém, o controle de todos os poderes estatais pela jurisdição constitucional, dotada com ampla competência na Lei Fundamental. Esse controle significa uma incorporação, até agora desconhecida à tradição constitucional alemã, do Poder Judiciário no sistema dos refreamentos de poderes e controles. O elemento estatal-jurídico do equilíbrio de poderes, que se torna eficaz nele, une-se com o democrático, porque ele abre a possibilidade à minoria de recorrer à proteção do tribunal constitucional contra um prejuízo, real ou pretendido, de sua posição e, assim, de consolidar sua situação – em que, naturalmente, o Tribunal Constitucional nenhum outro peso pode lançar no prato da balança senão aquele da sua própria autoridade."

            Estes efeitos refreadores do poder a que aduz Konrad Hesse estabelece a eficácia da Constituição como uma forma de equilibrar os poderes.

            Portanto, fica ultrapassada a assertiva clássica de que quando o Poder Judiciário penetra no mérito, na conveniência ou na oportunidade do ato administrativo discricionário, ele está ultrapassando a fronteira da separação de poderes. Como visto, pela atual divisão de funções dos Poderes compete ao Judiciário manter a unidade da Constituição, de forma que o Estado, em todas as suas ramificações preconize os ditames constitucionais, como uma forma de manter livre e justa toda a sociedade.

            Está ultrapassada a barreira dos limites dos Poderes, como uma forma de impedir a devida e constitucional fiscalização do Poder Judiciário, responsável pela realização da efetividade das normas e dos princípios contidos na Lei Maior.

            Surge, em nossos dias, um novo conceito central do direito administrativo, que influenciado pelo direito alemão, incorporou na Constituição o centro da razão do Estado.

            Assim, a atual Constituição, como dito por Caio Tácito (75)abriu "novos caminhos para a contenção de abusos do Poder Administrativo, acenando como aperfeiçoamento das instituições democráticas, a valorização do homem comum e a maior proteção dos interesses comunitários."

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Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. A constitucionalização do Direito Administrativo e o controle de mérito do ato administrativo discricionário pelo Poder Judiciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 686, 22 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6756. Acesso em: 26 abr. 2024.

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Título original: "A constitucionalização do Direito Administrativo e o controle de mérito (oportunidade e conveniência) do ato administrativo discricionário pelo Poder Judiciário".

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