O criminoso segundo a teoria do "labelling approach"

15/07/2018 às 02:20
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O presente texto abordará algumas breves considerações sobre a teoria do etiquetamento social, o qual serve de paradigma para a escola da criminologia critica.

O labelling approach ou teoria do etiquetamento social demonstra que as condutas tuteladas pela lei penal não são lógicas, tal constatação está muito distante do saber dogmático e mais próximo do entendimento crítico da sociologia.

Verificamos isso no saber dogmático, assim como nas instâncias oficiais de investigação e aplicação da Lei. Podemos afirmar que furtar é crime, porém, se o furto for praticado por uma pessoa rica que poderia facilmente comprar o produto furtado, seria considerado distração e etc.

Esse fato traduz que o criminoso é selecionado pelas características do meio o qual está inserido, e não pela conduta criminosa, portanto, o sistema punitivo não combate a criminalidade, mas atribui rótulos através de uma convenção discursiva.

1 - O PROCESSO DE CRIMINALIZAÇÃO

1.1 - CRIMINALIZAÇÃO PRIMÁRIA

O Estado, tanto pelo processo legislativo quanto pelos órgãos oficiais de aplicação da Lei Penal são responsáveis pelos processos de criminalização primária e secundária.

As características de criminalização primária demonstram que o crime é uma escolha legislativa e mais, que a Lei serve para higienização dos mais pobres, pela intolerância as suas condutas.

Nessa linha, o professor Sandro Sell afirma que a criminalização primária ocorre na medida que o legislador demonstra intolerância ao criar Leis desproporcionais somente as condutas dos mais pobres, vejamos:

"Ao criar leis, portanto, há um processo de criminalização primária, resultante da intolerância legislativa com a conduta dos mais pobres. Quando falamos de criminalização primária, falamos, em síntese, de duas coisas: a) O crime não é uma realidade natural, descoberta e declarada pelo Direito, mas uma invenção do legislador, algo é crime não necessariamente porque represente um conduta socialmente intolerável, mas porque os legisladores desejaram que assim fosse; b) E essa invenção segue critérios de preferência legislativa, cujos balizamentos não costumam respeitar princípios de razoabilidade ou proporcionalidade, gerando leis penais duríssimas contra as condutas dos mais pobres e rarefeitas em se tratando de crimes típicos dos estratos sociais elevados". (SELL, 2007, S/N).

1.2 - CRIMINALIZAÇÃO SECUNDÁRIA

Já a criminalização secundária se da pela constatação do critério de investigação e aplicação da Lei penal pelos órgãos oficiais e até pela imprensa. Não raras vezes, é unanime que os condenados são sempre os mais pobres, analfabetos, desempregados e etc.

O professor Sando Sell leciona que os órgãos oficiais são responsáveis pelo controle social partem do pressuposto que os mais pobres são os suspeitos; evidentemente encontrarão maiores índices de criminalidade:

"Na segunda distorção, chamada de criminalização secundária, entram em ação os órgãos de controle social (polícia, judiciário, imprensa etc.) que, ao investigarem prioritariamente os portadores de maior índice de marginalização, acharão – por óbvio – um maior número de condutas criminosas entre eles. Se mais vezes os pobres são tidos como suspeitos, se condições como possuir emprego e residência fixa influenciam nos rumos do processo penal, se muitos dos advogados que defendem os mais pobres chegam tarde às audiências e demonstram pouco interesse nessas causas, se não ter um modelo familiar idêntico ao das classes de onde provêm os juízes e seus auxiliares facilita, sobremaneira, o rótulo de" proveniente de família desestruturada ", se ter um passado tortuoso é capaz de suprir a ausência de provas na presente acusação, então, não há outra saída: os marginalizados serão facilmente convertidos em marginais. A etiqueta penal lhes aderirá à pelé, e dela jamais sairá". (SELL, 2007, S/N).

1.3 - CRIMINALIZAÇÃO TERCIÁRIA

A criminalização terciária ou interacionismo simbólico, significa que existem agentes estigmatizantes que vão desde o mercado de trabalho até o próprio sistema penitenciário que rotula o indivíduo em seu interno.

2 - O CRIMINOSO SEGUNDO A TEORIA DO ETIQUETAMENTO

Para definirmos o que é um criminoso segundo esta teoria, precisamos abordar a base teórica de Karl Marx que trata o direito como instrumento de dominação de classes. Karl Marx afirma que a sociedade vive: “uma guerra ininterrupta entre homens livres e escravos, patrícios e plebeus, burgueses e operários, enfim, entre dominantes e dominados” (Marx e Engels, 2000, p. 45).

É nessa linha que o professor Roberto Aguiar afirma que a legislação segue a ideologia daqueles que a legislam:

“as normas jurídicas e os ordenamentos jurídicos, como todos os atos normativos editados pelo poder de um dado Estado, traduzem de forma explícita, seja em seu conteúdo, seja pelas práticas que o sustentam, as características, interesses, e ideologia dos grupos que legislam ”. (AGUIAR, 1999, p.115)

No Brasil, são as classes superiores que elegem representantes para o congresso nacional, portanto, são responsáveis pelo critério de seletividade.

Nessa ótica, quem legislaria contra si mesmo? Isso traduz que quem sofre o processo de estigmatização são as classes subalternas, ou seja, as classes superiores etiquetam as classes inferiores, fazendo a opressão de uns e a imunização de outros.

São as elites que etiquetam o criminoso e não é preciso ir muito longe para constatar isso. Existem diversas possibilidades em nosso Código Penal, para não estender, vamos abordar dois artigos do código penal. São os artigos 155, (Furto) com pena de 1 a 4 anos e 129, (Lesão corporal) com a pena de 3 meses a um ano. Podemos perceber que a pena máxima da lesão corporal equivale a pena mínima do crime de furto.

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Essa pequena comparação demonstra que a legislação brasileira atribui maior proteção ao patrimônio particular (EIXO DO SISTEMA CAPITALISTA) do que a integridade física de uma pessoa humana.

Muito pior! A Lei 9.249/95 prevê a extinção da punibilidade em crimes contra o sistema tributário caso o valor seja devolvido antes da acusação pelo Ministério Público, vejamos:

"Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia".

Inversamente oposto, caso um miserável furte um pequeno valor de algum particular, se arrependa e devolva, isso é tido como arrependimento posterior, havendo apenas redução de 1/3 a 2/3 da pena, conforme o Art. 16 do Código Penal, vejamos:

"Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços".

O professor Nilo Batista defende que o capitalismo “recorreu ao sistema penal para duas operações essenciais: 1ª. Garantir a mão-de-obra; 2ª impedir a cessão do trabalho” (BATISTA, 1990, p. 35).

Ainda nesta mesma linha o mesmo autor afirma que para garantir está mão de obra tornava-se necessário a criminalização do pobre que não se sujeitava a condição de trabalhador. Através da “(...) revolução industrial, o esquema jurídico ganhou feições mais nítidas: criou-se o delito de vadiagem. Referindo-se à reforma dos dispositivos conhecidos como Poor Law, em 1834”.

Nada obstante, verificamos que é través da teoria do labelling approach que pode-se identificar o que de mais podre existe no direito penal: Sua adequação econômica de proteção ao sistema capitalista que da mesma forma desigualitària protege poucos (fortes) e exclui muitos (fracos).

Por fim, existem em nossa legislação diversas outras situações similares que demonstram que atrás do discurso oficial da pena existem latentes que servem para estigmatizar, rotular e manter a escala vertical da sociedade super punindo muitos (inferiores) e protegendo poucos (superiores).

CONCLUSÃO

Se conclui pela teoria do labelling approach que o criminoso nada mais é do que o indesejado selecionado e etiquetado pelos dominantes do sistema, esses dominantes além de serem responsáveis pelo controle político e legislativo, também acabam sendo responsáveis pelos meios de investigação, comunicação e etc, assim controlando a opinião da maioria.

Essa maioria controlada por poucos também contribuem para o processo de criminalização e tudo isso torna o direito penal uma ferramenta de controle social. Por tais fenômenos, o conceito de criminoso pode variar de acordo com o sistema de produção na qual está atrelado o sistema punitivo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUIAR, Roberto A. R. O que é Justiça: uma Abordagem dialética. 5 ed. São Paulo: Alfa-ômega, 1999.

BATISTA, Nilo. Punidos e Mal Pagos – Violência, Justiça, Segurança Pública e Direito Humanos No Brasil de Hoje, 1990, Editora Revan.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich.Manifesto do Partido Comunista. Coleção a obra-prima de cada autor. Tradução de Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2000.

SELL, Sandro César. A etiqueta do crime:Jus Navigandi, Teresina, ano 12n. 150717 ago. 2007. Disponível em <http://jus.com.br/artigos/10290>  Acesso em: 20 Jan. 2015.

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Sobre o autor
Fabio Fettuccia Cardoso

1) Advogado atuante Santa Catarina. 2) Bacharel em Direito pela Faculdade CESUSC. Conclusão: 2014. 3) Especialista em Ciências Criminais pela Faculdade CESUSC. Conclusão: 2018.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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