Responsabilidade Civil X Enriquecimento sem causa

Análise dogmática do artigo 942 V do Código Civil

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{C}[1]{C} Art. 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente, com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. Decreto-Lei nº 3.914/1941. Lei de Introdução do Código Penal e da Lei das Contravenções Penais.

{C}[2]{C} Na realidade, a camada responsabilidade por fato de outrem – expressão originária da doutrina francesa – é responsabilidade por fato próprio omissivo, porquanto as pessoas que respondem a esse título terão sempre concorrido para o dano por falta de cuidado ou vigilância. Assim, não é muito próprio falar em fato de outrem. O ato do autor material do dano é apenas a causa imediata, sendo a omissão daquele que tem o dever de guarda ou vigilância a causa mediata. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.201.

{C}[3]{C} Art. 1.521. São também responsáveis pela reparação civil:

V- Os que gratuitamente houverem participado dos produtos do crime, até à concorrente quantia.

{C}[4]{C} AGUIAR DIAS. Da Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p.589.

{C}[5] O Código Civil (art.932, V) prevê que também são responsáveis pela reparação civil “os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia”. Trata-se, a rigor, de disposição necessária, embora o legislador tenha entendido adequado repetir tal regra, que já constava no Código de 1916 (actio im rem verso). Se, digamos, um funcionário público subtrai dezenas de computadores portáteis apreendidos em fiscalização, e que estavam sob sua guarda, distribuindo-se entre familiares, estes, naturalmente, deverão devolvê-los, ou o equivalente monetário, ainda que não tenham cometido nenhum crime (supondo que desconhecessem a origem ilícita dos bens). Poderíamos invocar, a propósito, o art. 884, que consagra o enriquecimento sem causa (CC, art.884.” Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.” ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe Braga; FARIAS, Cristiano Chaves. Novo Tratado de Responsabilidade Civil. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p.637.

{C}[6]{C} Art. 968. Se, aquele, que indevidamente recebeu um imóvel, o tiver alienado em boa fé, por título oneroso, responde somente pelo preço recebido; mas, se obrou de má fé, além do valor do imóvel, responde por perda e danos.

Parágrafo único. Se o imóvel se alheou por título gratuito, ou se, alheando-se por título oneroso, obrou de má fé, cabe ao que pagou por erro o direito de reivindicação.

{C}[7]{C}PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo LIII. Editora Revista dos Tribunais, 1984, p.161.

{C}[8]{C} Os autores sustentam tratar-se de uma ação de in rem verso, muito embora fosse, a rigor, desnecessário mencionar expressamente, uma vez que incumbe a quem se beneficiou infundadamente à custa de outrem, recompor o patrimônio do lesado. PEREIRA, Caio Mário. Responsabilidade Civil. 11ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p.134.

{C}[9]{C} A darmos crédito ao testemunho de P. Sabino (Ulpiano, D. XII, 5, De Condictio ob turpem, 6), os princípios de direito natural, nos quais a teoria se filia, já eram conhecidos dos veteres, contemporâneos de Quintus Mucius Scaevola, o que aliás não repugna aceitar porque a Regra áurea, que consiste em não fazer aos outros o que não queremos que façam a nós, com os corolários do respeito  à pessoa e ao patrimônio do próximo daí emergentes, já era praticada ao tempo da promulgação das leis de Hamurabi, podendo dizer-se que existe desde que o homem adquiriu a consciência de sua racionalidade. ALMEIDA, L. P. Enriquecimento sem causa. 3ª Ed. Coimbra: Ed. Almedina, 2000, p.16.

{C}[10]{C} The early history of the “actio de in rem verso”, in Studi in onore Arnaldo Biscardi, v.2., p.319.

{C}[11]{C} NANNI, Giovanni. Enriquecimento sem causa. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.13-14.

{C}[12]{C} ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 1980, v.2 (3ª ed.), p.259-260.

{C}[13]{C} As formas como eram obtidas as restituições pelo locupletamento indevido pelas conditiones parecem conflitantes com uma teoria geral e única sobre o tema, principalmente devido à abstração e ao formalismo que marcavam os procedimentos, de tal sorte que não se consubstanciariam num princípio geral do direito. Observado na ótica como é analisado nos dias de hoje. Porém, é inegável que a obrigação de restituir pelo instituto em tela encontra seu germe teórico nas condictiones sine causa do direito romano, visto que foram acolhidas tantas ações particulares com a mesma utilidade, só que com destinações específicas, o que indica que se estava diante de verdadeiras ações de enriquecimento. Se estas não conduziam a uma teoria geral, esboçavam-na, o que foi concretizado pela natural evolução do direito.

{C}[14]{C}KASER, MAX. Direito Privado romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, p.275.

{C}[15]{C} Na verdade, concebida a restituição do enriquecimento como uma obrigação de consciência, aplicável mesmo no âmbito contratual, o enriquecimento sem causa vem, por um lado, a perder a fundamentação positiva que lhe tinha sido atribuída e, por outro lado, a confundir-se com as formas de repressão dos vícios contratuais. Ob. cit. P.194.

{C}[16]{C} Por mais que variemos as hipóteses, veremos que o direito e a equidade se podem plenamente satisfazer, sem criarmos, nos Códigos Civis, mais esta figura de causa geradora de obrigação, ou seja, uma relação obrigacional abstrata e genérica. BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Paulo de Azevedo, 1954, p.100.

{C}[17]{C} A figura do enriquecimento ilícito sem causa pode ser isolada como fonte autônoma das obrigações. Não é a lei que, direta e imediatamente, faz surgir a obrigação de restituir. Não é a vontade do enriquecido que a produz. O fato condicionante é o locupletamento injusto. Evidentemente, o locupletamento dá lugar ao dever de restituir, porque a lei assegura ao prejudicado o direito de exigir a restituição, sendo, portanto, a causa eficiente da obrigação do enriquecido. Mas assim é para todas as obrigações, ainda as contratuais. GOMES, Orlando. Obrigações. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p.308.

{C}[18]{C} O requisito do empobrecimento é exigido pelos doutrinadores, em geral. Querem alguns que haja uma deslocação patrimonial, isto é, a transferência de um valor econômico de um patrimônio para outro. Neste sentido, Planiol, que defende empenhadamente este ponto de vista. Outros há que fazem referência a essa deslocação de valor, de um patrimônio para outro, mas sem lhe dar um sentido, ao pé da letra. ALVIM, Agostinho Neves de Arruda. Do enriquecimento sem causa. Revista Forense, Rio de Janeiro, v.173, p.47-67, 1957.

{C}[19]{C} As obrigações de responsabilidade civil baseiam-se essencialmente no princípio neminem laedere, não lesar ninguém; quem causa dano a outrem, deve repará-lo. As obrigações de enriquecimento sem causa assentam no velho princípio de justiça suum cuique tribuere, dar a cada um o que é seu, e mesmo que este princípio tenha um alcance bem maior: quem beneficiou com algo alheio, deve restituir o valor do benefício. NORONHA, Fernando. Direito das obrigações, cit., p.-445-446.

{C}[20]{C} Falar na diversidade de funções que desempenham as obrigações que acabamos de caracterizar como autônomas, é o mesmo que nos reportarmos à diversidade de interesses que são protegidos em cada uma delas. Assim, a tripartição entre obrigações negociais, de responsabilidade civil e de enriquecimento sem causa constitui a divisão fundamental das obrigações, do ponto de vista dos interesses tutelados. NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.439.

{C}[21]{C} Otra fuente de obligaciones, además de los contratos y de los delitos, es el enriquecimiento injusto o sine causa. Por enriquecimiento se entende todo incremento patrimonial; es, por consiguiente, el concepto inverso al de daño. Pero, del mismo modo que no todo daño engendra um derecho de indeminziación, sino que tienen que concurrir circustancias especiales que los abonen – el daño há de suponer la culpa, o por lo menos, tener su causa em el respomsable - , así también para que el enriquecimiento origine un derecho de restituición es menester que ocurra a costa del patrimônio de otra persona u que, además, no haya razón que lo justifique. TUHR, Andreas. Tratado de las Obligaciones, Editorial Reus, Madrid, 1934.

{C}[22]{C} Na pretensão derivada do enriquecimento sem causa não se cogita em ato culposo ou ilícito do agente, mas apenas no fato objetivo consubstanciado no enriquecimento à custa alheia, o que patenteia serem elementos prescindíveis na configuração do instituto. NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. 2 Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.214.

{C}[23]{C} Tratado de direito privado, v.26. p.121.

{C}[24]{C} Elementos de responsabilidade civil, p.345.

{C}[25] A preocupação do legislador do novo Código Civil em extremar os dois institutos foi tão grande que até foram previstos prazos de prescrição específicos para as duas ações: tanto a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa (art.206, §3º, IV, do CC/2002) como a de reparação civil (art.206, §3º, V, do CC/2002) prescrevem três anos. Se possuem prazos prescricionais específicos é porque a destinação das ações não equivale à mesma hipótese fática.

{C}[26]{C} NORONHA, Fernando. Enriquecimento sem causa. Revista de Direito Civil. Imobiliário, Agrário e Empresarial, v.56, p.58.

{C}[27]{C} Em regra, o ato ilícito não importa no acréscimo patrimonial do agente causador do dano, razão pela qual a ação de reparação de danos não poderia se ater à situação do lesante. NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. 2 Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.214.

{C}[28]{C} Na responsabilidade civil, embora o dano seja considerado em primeira linha, torna-se em consideração também o ato gerador (ação ilícita). Em conclusão: no enriquecimento sem causa a lei refere-se aos efeitos benéficos da deslocação patrimonial num certo patrimônio. Na responsabilidade civil, a lei leva só em conta os efeitos prejudiciais de uma ação ilícita num patrimônio dado. Enriquecimento sem causa, responsabilidade civil e nulidade. Revista dos Tribunais, v.560, p.265.

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{C}[29]{C} O enriquecimento e o dano, p.20-21.

{C}[30]{C} PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, v.26, p.121.

{C}[31]{C} NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. 2 Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.218.

{C}[32]{C}

{C}[33]{C} MICHELON JUNIOR, Cláudio Fortunato. Direito restituitório: enriquecimento sem causa, pagamento indevido. Gestão de negócios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. (Biblioteca de Direito Civil. Estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale; v.8). p.176.

{C}[34]{C} Art.886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.

Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.

Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.

{C}[35] NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. 2 Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.218.

{C}[36]{C} No mesmo sentido quanto aos requisitos do enriquecimento à doutrina não é unânime sendo que Agostinho Alvim e Caio Mário apontam cinco requisitos adotando a linha sistemática da doutrina francesa, sendo eles: a) o empobrecimento de um indivíduo; b) o enriquecimento de outro; c) o nexo de causalidade existente entre o enriquecimento e o empobrecimento; d) a ausência de justa causa; e por último, e) o caráter de subsidiariedade da ação de enriquecimento ilícito. Por outro lado, parte da doutrina, o qual o presente trabalho adotará destaca apenas a existência de três requisitos que estariam elencados no próprio texto do artigo 884 do Código Civil de 2002 estabelecendo que: “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer a custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”, ou seja, seriam eles: a) a existência de um enriquecimento; b) a obtenção do enriquecimento à custa de outrem e, c) ausência de causa justificadora para o enriquecimento. ZANINI, Vitor Arlen de Oliveira. A responsabilidade civil extracontratual e o enriquecimento sem causa como limite para a quantificação do dano, p.47-48. Monografia apresentada para obtenção do título de especialista em Direito Civil Aplicado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/70192. Acesso em: 11/06/2018.

{C}[37] FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 6 Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.219.

{C}[38]{C} Súmula 403. Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.

{C}[39]{C} REsp 267.529/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 03/10/2000, DJ 18/12/2000, p.208.

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Sobre o autor
Felipe Oliveira Castro Rodriguez Alvarez

Advogado | Gestor | para estratégia Jurídica, Litígios Multidisciplinares e Consultivo. Mestrando em Direito CivilMBA em Gestão de Departamentos Jurídicos e Escritórios de Advocacia. Pós graduado em Processo Civil e Direito do Trabalho. Facilitador entre as Áreas Corporativas. Orientador de negócios utilizando indicadores de Contencioso e Jurimetria.

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