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A (in)constitucionalidade do art. 165-A do Código de Trânsito Brasileiro em face do direito a não-autoincriminação

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4 O DIREITO A NÃO-AUTOINCRIMINAÇÃO

4.1 CONCEITO

Consagrado pelo artigo 5º, inciso LXIII da Constituição Federal, o direito a não-autoincriminação, também chamado de princípio do nemo tenetur se detegere visa garantir ao cidadão que não seja compelido à realização ou produção de quaisquer provas que possam lhe prejudicar, especialmente no que toca ao âmbito do processo criminal. O texto constitucional assim dispõe:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.

Inobstante o texto constitucional, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), incorporado ao ordenamento jurídico pátrio por meio do Decreto 678/92, também assegura o direito a não-autoincriminação. Nesse contexto, revela em seu artigo 8, seção 2, “g” o seguinte conteúdo:

2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.  Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

g. Direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada;

Em que pese prever unicamente o direito de permanecer em silêncio, doutrina e jurisprudência tem afirmado que referido direito abrange diversas outras garantias, especialmente no que toca à produção de provas. Ademais, é derivado da junção da presunção de inocência e da ampla defesa, sendo de extrema relevância sua inclusão no direito brasileiro. Nesse sentido, NUCCI:

Trata-se de decorrência natural da conjugação dos princípios constitucionais da presunção de inocência (art. 5º, LVII) e da ampla defesa (art. 5º, LV), com o direito humano fundamental que permite ao réu manter-se calado (art. 5º, LXIII). Se o indivíduo é inocente, até que seja provada sua culpa, possuindo o direito de produzir amplamente prova em seu favor, bem como se pode permanecer em silêncio sem qualquer tipo de prejuízo à sua situação processual, é mais do que óbvio não estar obrigado, em hipótese alguma, a produzir prova contra si mesmo. (2011, p. 86)

Na mesma estreita, QUEIJO, acerva:

O princípio nemo tenetur se detegere tem sido considerado direito fundamental do cidadão e, mais especificamente, do acusado. Nesse sentido, Vassali, Grevi e Zuccalà já se manifestaram. Cuida-se do direito à não auto-incriminação, que assegura esfera de liberdade ao indivíduo, oponível ao Estado, que não se resume ao direito ao silencia.

Parece acertado referido entendimento, de acordo com as notas características dos direitos fundamentais. Nelas se dá ênfase à proteção do indivíduo contra excessos e abusos por parte do Estado. Em suma: é resguardada, nos direitos fundamentais, a dignidade humana, sendo que ganha relevo a esfera atinente às ingerências do Estado.

Nessa ótica, o princípio nemo tenetur se detegere, como direito fundamental, objetiva proteger o indivíduo contra excessos cometidos pelo Estado, na persecução penal, incluindo-se nele o resguardo contra violências físicas e morais, empregadas para compelir o indivíduo a cooperar na investigação e apuração de delitos, bem como contra métodos proibidos de interrogatório, sugestões e dissimulações. (2014, p. 54-55)

Ainda, referido princípio está intrinsicamente ligado a diversos outros princípios inseridos no direito brasileiro, conforme afirma QUEIJO (2014, p. 1), se relaciona com outros também já consagrados direitos, dentre eles o da intimidade, liberdade moral, dignidade e intangibilidade corporal.

O direito a não-autoincriminação possui, ainda, relevante valoração no que toca as provas que precisam ser produzidas com intervenção corporal no acusado, de modo que há possibilidade do mesmo negar-se a cooperar com a produção desta prova. O Estado, por sua natureza de órgão que detém maior controle sobre os meios de prova, ao menos em tese, não poderia compelir a parte ré em ações penais à produção de provas em seu próprio prejuízo.

A jurisprudência, por sua vez, vem aplicando com sabedoria o direto a não-autoincriminação. Desta forma, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, de maneira que, no caso concreto, concedeu liberdade a réu que teve sua prisão decretada no âmbito de processo penal pelo fato de ter se negado a responder questionamentos no interrogatório. Vejamos:

EMENTA: “HABEAS CORPUS” - DENEGAÇÃO DE MEDIDA LIMINAR - SÚMULA 691/STF - SITUAÇÃO EXCEPCIONAL QUE AFASTA, NO CASO, A RESTRIÇÃO SUMULAR - RETARDAMENTO EXCESSIVO (UM ANO E 2 MESES) DO JULGAMENTO, PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DO MÉRITO DO “WRIT” LÁ IMPETRADO - PRISÃO CAUTELAR DECRETADA COM FUNDAMENTO NA GRAVIDADE OBJETIVA DO CRIME E NA RECUSA DA PACIENTE EM RESPONDER AO INTERROGATÓRIO JUDICIAL A QUE FOI SUBMETIDA - INCOMPATIBILIDADE DESSES FUNDAMENTOS COM OS CRITÉRIOS FIRMADOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL - DIREITO DO INDICIADO/RÉU AO SILÊNCIO - DIREITO, QUE TAMBÉM LHE ASSISTE, DE NÃO SER CONSTRANGIDO A PRODUZIR PROVAS CONTRA SI PRÓPRIO - DECISÃO QUE, AO DESRESPEITAR ESSA PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL, DECRETA A PRISÃO PREVENTIVA DA ACUSADA - INADMISSIBILIDADE - NECESSIDADE DE RESPEITO E OBSERVÂNCIA, POR PARTE DE MAGISTRADOS, TRIBUNAIS E ÓRGÃOS DE PERSECUÇÃO PENAL, DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ASSEGURADOS A QUALQUER INVESTIGADO, INDICIADO OU RÉU - “HABEAS CORPUS” CONCEDIDO DE OFÍCIO. ABRANGÊNCIA DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DO “DUE PROCESS OF LAW”, QUE COMPREENDE, DENTRE AS DIVERSAS PRERROGATIVAS DE ORDEM JURÍDICA QUE A COMPÕEM, O DIREITO CONTRA A AUTOINCRIMINAÇÃO. (...)

(Supremo Tribunal Federal. Acórdão lavrado no Habeas Corpus nº 99289. Paciente: Maria Aparecida Dambrós de Castilhos. Impetrante: Marcelo Mayora e outros. Relator: Ministro Celso de Mello. Brasília, DF, Julgamento em 23 de junho de 2009. Publicação no Diário da Justiça em 04 de agosto de 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(99289.NUME.+OU+99289.ACMS.)&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/hykq7nd>. Acesso em: 27 abr. 2017.)

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Posto isso, o princípio do nemo tenetur se detegere possui imensurável validade no âmbito processo penal brasileiro, sendo garantia constitucional, indispensável para o respeito ao devido processo legal e demais garantias, inclusive a da presunção de inocência e da ampla defesa.

4.2 APLICAÇÃO AO DIREITO ADMINISTRATIVO

Em suma, no presente artigo, estamos diante de uma infração administrativa, unicamente por meio da negatória do condutor a submeter-se a teste ou prova que determine a alteração de sua capacidade psicomotora em razão da influência de álcool ou qualquer outra substância capaz de causar dependência física ou psíquica.

Desta feita, é necessário compreender se o mesmo princípio aplicado ao direito processual penal abrangerá o direito administrativo, garantindo ao possível infrator as mesmas garantias opostas ao acusado da prática de determinado delito. Assim, insurge na jurisprudência nacional diversas decisões favoráveis a aplicação do nemo tenetur se detegere no âmbito administrativo. O Superior Tribunal de Justiça assim decidiu:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CITAÇÃO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DAS ACUSAÇÕES FEITAS. NULIDADE. INTERROGATÓRIO DA INVESTIGADA. COMPROMISSO DE DIZER A VERDADE. PRERROGATIVA CONTRA AUTO-INCRIMINAÇÃO. ART. 5º, LXIII, DA CF/88. INFRINGÊNCIA. ANULAÇÃO DO PROCESSO QUE SE IMPÕE DESDE O ATO CITATÓRIO. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. SEGURANÇA CONCEDIDA.

1. (...)

2. De outra parte, no caso em comento, a servidora foi interrogada por duas vezes durante o processo administrativo disciplinar, e, em ambas as oportunidades, ela se comprometeu "a dizer a verdade das perguntas formuladas".

3. Ao assim proceder, a comissão processante feriu de morte a regra do art. 5º, LXIII, da CF/88, que confere aos acusados o privilégio contra a auto-incriminação, bem como as garantias do devido processo legal e da ampla defesa. Com efeito, em vez de constranger a servidora a falar apenas a verdade, deveria ter-lhe avisado do direito de ficar em silêncio.

4. Os interrogatórios da servidora investigada, destarte, são nulos e, por isso, não poderiam embasar a aplicação da pena de demissão, pois deles não pode advir qualquer efeito. Como, na hipótese em comento, o relatório final da comissão processante que sugeriu a demissão e a manifestação da autoridade coatora que decidiu pela imposição dessa reprimenda se valeram das evidências contidas nos interrogatórios, restaram contaminados de nulidades, motivo pelo qual também não podem subsistir.

5. Recurso ordinário provido. Segurança concedida, em ordem a anular o processo administrativo disciplinar desde a citação.

(Superior Tribunal de Justiça. Acórdão proferido no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n.º 14.901/TO. Relatora: Ministra Maria Thereza De Assis Moura. Brasília, DF, julgado em 21 de outubro de 2008. Diário da Justiça Eletrônico datado de 10 novembro de 2008.)

Por sua vez, a doutrina também se manifesta favoravelmente à aplicação do nemo tenetur se detegere no âmbito dos inquéritos policiais, os quais também possuem um caráter administrativo, não sendo encaixados como procedimentos judiciais. Nesta lógica, LOPES JUNIOR e GLOECKNER acervam:

Submeter o sujeito passivo a uma intervenção corporal sem seu consentimento é o mesmo que autorizar a tortura para obter a confissão no interrogatório quando o imputado cala, ou seja, um inequívoco retrocesso. Junto ao direito de defesa, existem outros direitos fundamentais que dispõem sobre a tutela da integridade física e que impedem as intervenções corporais sem o consentimento do imputado. (2014, s.p.)

Doutra banda, como demonstrado anteriormente, na exposição de motivos da emenda que deu origem ao artigo 165-A do Código de Trânsito Brasileiro, o autor destacou que “não existe previsão de qualquer sanção penal ao condutor que se recusar a realizar os testes e exames, mas tão somente a sanção administrativa”.

Nessa espreita, o legislador entende, a princípio, que a garantia a não-autoincriminação pode ser ignorada quando se trata de procedimento administrativo, pois, ao colocar em prática referido artigo, o motorista que negar-se à realização do teste do etilômetro, por exemplo, sofrerá as sanções administrativas ali aplicadas.

A recusa à realização do referido teste, outrossim, pode estar abrangida pelo nemo tenetur se detegere, eis que, caso o teste constate que o condutor está com mais de 0,1% de álcool no sangue, pode vir a sofrer sanções administrativas. Ademais, caso o condutor possua 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou 0,3 miligramas de álcool por litro de ar alveolar, poderão ser-lhe aplicadas as penas do artigo 306 do CTB.

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Sobre os autores
Alaor Carlos de Oliveira Filho

Advogado em Cascavel/PR, atendendo junto à DFM Advogados Associados, escritório situado na Avenida Assunção, n.º 708, 1º andar. Realizo diligências em Cascavel, bem como atendo clientes de cidades vizinhas.

Edinéia Sicbneihler

Docente do Curso de Direito da UNIVEL – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FILHO, Alaor Carlos Oliveira ; SICBNEIHLER, Edinéia. A (in)constitucionalidade do art. 165-A do Código de Trânsito Brasileiro em face do direito a não-autoincriminação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5657, 27 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67769. Acesso em: 22 dez. 2024.

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