5 ENTEDIMENTOS INERENTES À CONSTISTUCIONALIDADE OU NÃO DO ARTIGO 165-A DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
As mudanças trazidas pela Lei n. 13.281/2016 causaram grande repercussão no mundo jurídico, especialmente no tocante à questionável constitucionalidade do novel artigo 165-A inserido no Código de Trânsito Brasileiro. Nesta espreita, diversos autores manifestaram-se pela inconstitucionalidade do referido artigo.
Por este ângulo optou BARBOZA que assim se manifestou:
Em que pese os motivos ensejadores da referida legislação, especialmente a fim de coibir a falta de provas materiais acerca da influência de álcool ou outras substâncias psicoativas, temos que padece de constitucionalidade.
Isto se deve ao fato de que, conforme determina o artigo 5º, inciso LXIII da Constituição Federal de 1988, não há, no ordenamento pátrio, possibilidade jurídica da autoincriminação, bem como reproduzido no artigo 186 do Código de Processo Penal. (2016, s.p.)
E nesse mesmo sentido manifestou-se GOMES, assim delineando:
Dirigir embriagado é uma atitude gravíssima de alguns motoristas e deve ser condenada e combatida ao extremo. A imprudência, nesse caso, pode levar a acidentes violentos e à perda de vidas humanas, muitas vezes inocentes. Mas o legislador há que estar atento ao que propõe, porque, acima de qualquer lei, existe a lei maior, a Constituição, e ela deve sempre ser respeitada e nenhuma outra lei pode atentar contra ela.
O que se conclui, nesse caso específico, que o novo artigo 165-A é inconstitucional, pois atenta contra um princípio basilar inscrito no artigo 5º, inciso LXIII de nossa Constituição. Atenta também contra um tratado internacional (Pacto de São José da Costa Rica) — que nossa Carta Magna entende como uma emenda constituição — e contra o artigo 186 do Código de Processo Penal, já que “o silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”. (2016, s.p.)
Notadamente, é notório o fato de que a tese basilar acerca da inconstitucionalidade do referido artigo é fulcrada na garantia constitucional da não-autoincriminação. Da mesma maneira, é perfeitamente questionável a constitucionalidade do artigo 165-A, pois pode ferir a garantia da não-autoincriminação.
É fato que mencionado artigo não dispõe explicitamente acerca da obrigatoriedade do condutor em realizar o teste do bafômetro. Entretanto, ao prever graves penalidades àquele que rejeita a realização do teste, deixa ao condutor uma obrigação tácita, de maneira a persuadir o motorista à realização do teste. E é assim que violaria, em tese, o direito a não-autoincriminação.
Em que pese recente, o artigo 165-A já tem sido objeto de disputa nas cortes brasileiras. Recentes, os julgamentos ainda não são uniformes, pois existem dois entendimentos sobre a constitucionalidade do referido artigo. Acerca do entendimento que é cabível a aplicação do artigo 165-A do CTB, assim se manifestou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
MANDADO DE SEGURANÇA – LIMINAR – Pretensão ao sobrestamento de auto de infração – Autuação por recusa a se submeter ao exame de etilômetro – Infração prevista no art. 165-A do CTB – Ausentes os requisitos do art. 7º, III, da Lei nº 12.016/2009 – Presunção de legitimidade dos atos administrativos – Inexistência de vícios ou de ilegalidade ou ainda de arbitrariedade na decisão agravada – Recurso não provido.
(Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Acórdão proferido no Agravo de Instrumento n.º 2038754-84.2017.8.26.0000. Relator: Desembargador Reinaldo Miluzzi. São Paulo, SP, julgado em 10 de abril de 2017. Publicado no Diário da Justiça Eletrônico de São Paulo em 26 abr. 2017. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=10375014&cdForo=0>. Acesso em: 21 ago. 2017)
É notório, pois, que no caso em baila o tribunal paulista negou liminar ao cidadão que invocou inconstitucionalidade do artigo 165-A do CTB. Em seu voto, o relator Desembargado Reinaldo Miluzzi invocou a presunção de legitimidade dos atos administrativos, bem como aliado ao fato de que reconhecer em sede de liminar em Mandado de Segurança (procedimento adotado para questionar a aplicação do art. 165-A no caso em questão) acarretaria prévio acolhimento dos fatos narrados, de modo que prejudicaria o julgamento da causa.
Em outro viés, durante decisão monocrática, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), decidiu contrariamente ao decidido pelo tribunal paulista. Nesse aspecto, a lide julgada era parecida. O motorista negou-se a realizar o teste do etilômetro em abordagem perante a Polícia Rodoviária Federal, sendo que lhe foram aplicadas as sanções previstas no artigo 165-A do CTB. A decisão judicial, entretanto, optou por realizar controle de constitucionalidade em face do artigo questionado, tendo assim declarado:
No entanto, entendo que, em que pese haver a presunção de veracidade e legitimidade dos atos administrativos, esta não inibe o juízo de constitucionalidade a ser realizado sobre a norma invocada como fundamento da lavratura do auto de infração e da penalidade imposta. Imputar ao condutor uma infração de trânsito cuja tipificação consiste no exercício de um direito, além de abusivo, é inconstitucional, pois pune o cidadão pelo simples exercício daquilo que lhe é assegurado pelo ordenamento jurídico, qual seja, o de não produzir prova contra si mesmo ("nemo tenetur se detegere"), previsto no art. 5º, inciso LXIII, da CF/88, cuja exegese deve dar-se de forma sistemática e extensiva. Tal direito tem seu núcleo essencial fundado em uma inatividade, um non facere, constitucionalmente tutelado, conforme já decidido pelo STF (...).
Em continuidade, o ilustre julgador também abarcou a aplicação de diversos direitos e princípios, dentro os quais, o direito a não autoincriminação. Vejamos:
Ademais, o direito administrativo também é expressamente abarcado pelo Princípio do Devido Processo Legal (art. 5º, inciso LV da CF), comando constitucional do qual derivam a Presunção de Inocência (art. 5º, inciso LVII) e o Direito a Não Auto-incriminação (art. 5º, inciso LXIII). Com efeito, o art. 165-A do CTB possui as mesmas consequências sancionatórias do art. 165, que penaliza o condutor que dirigir sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que cause dependência e, desse modo, inviabiliza o direito do condutor de não produzir prova contra si. Cabe ressaltar, neste ponto, que impor ao cidadão que se submeta ao teste do etilômetro (que é a real finalidade que decorre dessa nova norma oriunda das inovações decorrentes da Lei nº 13.281/2016), exige dele uma conduta ativa na produção da prova, qual seja, e de soprar o equipamento, uma conduta equiparada a uma confissão ou mesmo a uma intervenção médica, que dependem única e exclusivamente da ação do sujeito, razão pela qual essa prova não pode ser imposta, mas sim facultada. (...).
Em suma, o eminente julgador da causa concluiu que o artigo 165-A do Código de Trânsito Brasileiro é um atentado ao direito a não autoincriminação, de maneira que deve ser afastada a sua aplicação. Na decisão, assim consignou:
Admitir a constitucionalidade dessa norma, significaria, legitimar o constrangimento do condutor e inibir o exercício de um direito, transferindo o ônus da prova acerca da infração e sua autoria, ao suposto infrator, quando esse ônus, conforme deveras já ressaltado ao longo desta decisão, inclusive pelo que dispõe o art. 277, §2º, do próprio CTB, é do Estado. (...). Nesse contexto, é de se concluir - em juízo de cognição sumária - que inexistem elementos probatórios idôneos a infirmar a presunção de legitimidade do ato administrativo impugnado, pois, em abordagem policial, o autor recusou-se a produzir a prova que poderia beneficiá-lo e tal conduta é tipificada como infração administrativa (e não penal). Ante o exposto, defiro o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao agravo de instrumento. Intimem-se, sendo o agravado para contrarrazões. ISSO POSTO, defiro o pedido de tutela de urgência para o fim de suspender os efeitos decorrentes do Auto de Infração n. T098725987
(Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Decisão monocrática proferida no Agravo de Instrumento n.º 5028759-41.2017.404.0000. Agravado: Luis Henrique De Almeida Ferrari. Agravante: União - Advocacia Geral Da União. Relatora: Vivian Josete Pantaleão Caminha. Porto Alegre, RS, julgado em 23 de junho de 2017. Porto Alegre/RS. Disponível em: <https://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/citacao.php?doc=TRF413081316>. Acesso em: 22 ago. 2017.)
Desta forma, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região valeu-se do controle difuso de constitucionalidade, visando afastar a aplicação do artigo 165-A do CTB, afirmando que o mesmo vai contra o direito a não autoincriminação. Mais curioso, é que o mesmo TRF-4 julgou outro caso, porém de maneira completamente diferente, não analisando a constitucionalidade do artigo 165-A do CTB, mas valendo-se de argumentos procedimentais para a não análise do pedido. Nesse sentido é a decisão prolatada em 24/02/2017:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. EXAME DO ETILÔMETRO. - Os elementos trazidos aos autos até o presente momento não são suficientes à concessão de medida antecipatória, não sendo possível aferir, em sede de cognição sumária, qualquer ilegalidade no procedimento administrativo instaurado contra o autor, ou mesmo a inexistência da infração questionada. - Deve prevalecer, assim, o auto de infração lavrado pela autoridade policial, porquanto constitui ato administrativo dotado de imperatividade e de presunção relativa de legitimidade e de veracidade, admitindo prova em contrário, que, por ora, não foi produzida. - Cumpre destacar que a recusa em se submeter ao exame do etilômetro (teste do bafômetro) caracterizaria, em tese, infração administrativa autônoma, tendo o agravante admitido que deixou de realizar o referido procedimento por receio da medicação que utiliza.
(Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Acórdão no Processo n.º 5005705-46.2017.404.0000. Agravante: Moacir Vitorio Mafissoni. Agravado: União - Advocacia Geral Da União. Relator: Ricardo Teixeira Do Valle Pereira. Porto Alegre, RS, julgado em 16 de maio de 2017. Disponível em: <https://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/imprimir.php?selecionados='TRF412920484'&pp;=&cp;=>. Acesso em: 22 ago. 2017)
em razão de todo o exposto é evidente a confusão causada pela aplicação das sanções previstas no artigo 165-A, onde em nossos tribunais, alguns juízes já optaram pela aplicação do controle concentrado de constitucionalidade, argumentando que o artigo é conflitante com o direito a não-autoincriminação e suspendendo sua aplicação, enquanto outros optam por não analisar a tese em sede de pedido de antecipação de tutela, pois é de extrema complexidade e poderia causar análise antecipada da lide.
CONCLUSÃO
Em razão dos argumentos expostos, concluímos que o recém-criado artigo 165-A do Código de Trânsito Brasileiro padece de inconstitucionalidade, pois colide diretamente com o direito a não autoincriminação, previsto constitucionalmente e também em tratados internacionais de direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário.
Nesse sentido, o artigo 5º, inciso LXIII da Constituição Federal, por deter maior força normativa, deve liquidar o artigo 165-A do CTB, pois não pode o legislador, em hipótese alguma, obrigar o cidadão a produzir provas incriminadoras contra si mesmo. Em que pese não seja atribuído expressamente ao condutor o dever de realizar os testes previstos no artigo 277 do CTB, aplicar penalidades administrativas ao condutor que não o faz é exigir-lhe tacitamente que o faça.
Assim, sendo vedada constitucionalmente a obrigação de produzir provas contra si mesmo, não pode o Estado aplicar quaisquer sanções ao condutor que se negar a realizar o teste do etilômetro ou qualquer outro, pois, quando o cidadão se nega, está usufruindo de um direito constitucionalmente previsto, não podendo ser penalizado por isso. A penalização administrativa desta conduta acarreta grave violação aos direitos fundamentais.
O erro legislativo deve ser suprido mediante nova alteração legislativa, ou, em caso de omissão, com a competente ação perante o Supremo Tribunal Federal. Como medida emergencial, devem os juízes adotar a aplicação do controle difuso de constitucionalidade, afastando a aplicação do artigo 165-A do Código de Trânsito Brasileiro, pois sofre de patente inconstitucionalidade.