7. APLICAÇÃO
A aplicação da prescrição em perspectiva é feita com base nos intervalos da prescrição retroativa, ou seja, entre a data do fato e a do recebimento da denúncia ou entre a data do recebimento da denúncia e a da sentença, levando-se em consideração uma pena hipotética, cujo cálculo deve ter em vista as circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto, de modo que se fará possível antever-se uma pena que certamente levaria ao reconhecimento da prescrição retroativa quando fosse aplicada.
Assim, se restar constatado, no caso concreto, que à vista dos critérios subjetivos (não ter o crime se constituído de especial gravidade - circunstância de fato; bem como ser o réu primário e ostentar bons antecedentes - condições pessoais do réu) e objetivos (causas de aumento e de diminuição de pena etc.), a pena, no caso de condenação, seria, doravante, atingida pela prescrição retroativa, pode o juiz rejeitar a denúncia ainda não recebida ou extinguir o processo em curso com base na prescrição em perspectiva. Da mesma maneira, os promotores podem deixar de oferecer denúncia e requerer o arquivamento do inquérito com base nela.
Imagine-se que uma pessoa tenha sido indiciada em inquérito policial pelo crime de apropriação indébita contra a previdência (art. 168-A do CP), cuja a pena é de reclusão de 2 a 5 anos. O crime, pela prescrição da pretensão punitiva propriamente falada, prescreve em 12 anos. Suponha-se que o promotor, entretanto, ao receber o inquérito policial, 8 anos após a ocorrência do crime, percebe que o acusado é primário e que o crime não se revestiu de especial gravidade, de forma que o juiz, ao proferir a sentença, certamente não irá aplicar a pena máxima. Dessa forma, considerando que a pena fixada na sentença possivelmente não será superior a 4 anos, será inevitável, em caso de condenação, o reconhecimento da prescrição retroativa no seu primeiro intervalo, qual seja, o que ocorre entre a data da ocorrência do crime e a do recebimento da denúncia, uma vez que a provável pena que seria fixada não seria superior a 4 anos.
8. EFEITOS
A prescrição em perspectiva, porquanto derivada da prescrição retroativa, também deve ser tida como que atingindo a pretensão punitiva, razão pela qual deve ser considerada como uma terceira subespécie de prescrição da pretensão punitiva. Assim, do mesmo modo em que ocorre na prescrição da pretensão punitiva propriamente falada e em suas duas subespécies, seus efeitos consistem em apagar os efeitos principais e acessórios da ação e da condenação.
Não se esqueça que o termo da condenação mencionado acima, deve ser tido como da eventual condenação, pois, como já foi explicado, não há pena em concreto na prescrição em perspectiva, mas, sim, pena hipotética, sendo com base nesta que se calcula o prazo prescricional dessa nova subespécie de prescrição da pretensão punitiva.
9. CONCLUSÃO
Iniciaremos a nossa conclusão transcrevendo a história de Sísifo, contada por José Osterno Campos de Araújo, procurador da República em Goiás: "A Mitologia Grega nos conta a história de Sísifo, um grego astuto e sem escrúpulos, que, em virtude de haver traído Zeus, denunciando-o como raptor de Egina, filha do deus dos rios Asopo, recebeu, do senhor dos deuses, o castigo de rolar eternamente um enorme rochedo na subida de uma vertente. Logo que o rochedo atingia o seu ponto mais alto, voltava a cair a mercê de seu próprio peso e o trabalho tinha de recomeçar.
Ante tal cenário, apresenta-se Sísifo como exemplo maior de operário de labor infrutífero, esforçando-se inutilmente, sem término e sem finalidade, num trabalho que sabe de antemão será em vão."
Tais considerações são bastantes para, a esta altura, traçando um paralelo com o instituto da prescrição em perspectiva, indagarmos qual a razão de se movimentar todo o judiciário, aplicando-se recursos de ordem material e intelectual custeados pela sociedade, num processo nascido para o fracasso?
Data máxima vênia, cremos que, em verdade, razão nenhuma há. Todos os argumentos apresentados pelos seus opositores, embora revestidos de solidez, não são suficientes para rechaçar tal instituto. Não há argumentos, quer de ordem material, quer de ordem processual, que nos faça compreender que depois de toda a movimentação do aparelho repressivo do Estado, bem como do judiciário, com aplicação de recursos materiais e intelectuais, custeados pela sociedade, venha-se mais tarde a declarar que, embora o réu tivesse sido condenado a cumprir determinada pena, aquela condenação, na verdade, não poderá ser efetivada.
Ora, os argumentos em favor do instituto em tela foram postos à mesa. Mencionamos à falta de interesse de agir da acusação para iniciar ou continuar a ação penal como seu principal argumento. Aduzimos também a moderna orientação científica da instrumentalidade do processo, consistente em examinar o processo mais no seu aspecto prático do que no teórico, além do seu caráter finalista. Não obstante, citamos os princípios da economia processual - do direito processual - e o voltado para a boa administração do dinheiro público - do direito administrativo. Rechaçamos, por outro lado, todos os argumentos que o repelem. Não há razão, portanto, para que o mesmo não seja reconhecido e aplicado.
Além disso, outro fator que nos chama atenção, e que também deveria chamar a atenção do opositores do instituto, refere-se ao excessivo formalismo com que o nosso Poder Judiciário vem tratando as lides. Hodiernamente, lugar não há mais para os operadores do direito excessivamente formalistas, mas tão somente para os dinâmicos, cujos olhos estão voltados para a solução final do litígio, e não para o processo como um fim em si mesmo.
Finalizando, conquanto o instituto em tela encontre severa resistência nas mais altas cortes de nosso país, tudo leva a crer que tal posição possa ser futuramente alterada, tal como ocorreu, a seu tempo, com o decreto que reconhece a prescrição retroativa em primeiro grau, logo após a mesma transitar em julgado para acusação e defesa.
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NOTAS
1. Prescrição da pretensão punitiva antecipada, p. 113.
2. Considerações sobre a prescrição retroativa antecipada, p. 304.
3. Sidio Rosa de Mesquita Júnior, Prescrição penal, p. 36.
4. Ibidem, p. 36/37.
5. Ibidem, p. 36.
6. Ibidem, mesma página.
7. Maurício Antonio Ribeiro Lopes, Reconhecimento antecipado da prescrição da pretensão punitiva, p. 530
8. RT 688/323.
9. JUTACRIM 45/408.
10. RT 704/318.
11. RT 639/389.
12. RT 703/349.
13. RT 716/492.
14. RT 697/337.
15. No sentido do texto: RT 658/333
16. RDJ 18/191.
17. RT 667/328.
18. No sentido do texto: JUTACRIM 90/259
19. Ferruccio Tommaseo, Appunti di diritto processuale civile, apud Rodrigo da Cunha e Lima Freire, Condições da ação, p. 90/91.
20. O reconhecimento antecipado da prescrição. O interesse de agir no processo penal e o Ministério Público, p. 142/143.
21. RT 624/361.
22. RT 669/316.
23. As nulidades no processo penal, p. 61
24. Fernando Capez, Curso de processo penal, p. 97.
25. RT 424/438.
26. Teoria geral do processo, p. 41/43.
27. RT 688/324.
28. Paulo Martini, Prescrição em perspectiva, p. 1.
29. Alberto Silva Franco et. al., Código penal e sua interpretação jurisprudencial, p. 1320.
30. Ibidem, mesma página.
31. 3ª Câm., Ap. 295.059.257, Rel. Juiz José Antônio Paganella Boschi, j. 12.3.96.
32. Julgamento antecipado em matéria penal, in RT 707/433.
33. José Osterno Campos de Araújo, Prescrição antecipada ou trabalho de Sísifo, in Boletim dos Procuradores da República, p. 18.
34. RT 668/290.
35. Processo Penal 1, p. 499/500
36. RT 638/339
37. Ibidem, mesma página.
38. Sidio Rosa de Mesquita Júnior, Prescrição Penal, p. 37.
39. No sentido do texto: Ibidem, p. 38.
40. Manual de Processo Penal, SP, 1991, p. 314, apud Luiz Sérgio Fernandes de Souza, A prescrição retroativa e a inutilidade do provimento jurisdicional, in RT 680/436.
41. Prescrição em perspectiva, p. 6.