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A constitucionalidade do art. 21 do Estatuto do Desarmamento

27/05/2005 às 00:00
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A Lei 10.826/03, popularmente conhecida como Estatuto do desarmamento, criada para substituir a Lei 9.437/97, já nasceu sendo alvo de críticas de vários e respeitáveis Juristas. Talvez a maior delas diga respeito ao seu art. 21, que veda a concessão da liberdade provisória nas hipóteses dos crimes elencados nos artigos 16, 17 e 18 da mesma Lei, o que será objeto de análise neste artigo.

A controvérsia paira na constitucionalidade, ou não, deste dispositivo.

Os que defendem a inconstitucionalidade da lei, justificam que estariam sendo violados os princípios da presunção de inocência (art. 5º, LVII da CRFB), o da inafastabilidade de apreciação pelo judiciário de lesão ou ameaça de direito (art. 5º XXXV da CRFB) e o da independência dos poderes.

O primeiro princípio é traduzido pela idéia de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, portanto não haveria justificativa para a custódia do acusado durante o decorrer do processo.

O segundo determina que a lei não excluirá da apreciação do judiciário a lesão ou ameaça a direito, portanto não seria correto que alguém fosse levado a prisão, ou nela mantido, sem uma análise anterior do fato que lhe foi imputado, pelo judiciário.

E o terceiro defende que os três poderes (executivo, legislativo e judiciário) têm que ser exercidos de forma autônoma e independente, não podendo haver qualquer interferência de um na esfera de competência do outro.

Dentre os que defendem a inconstitucionalidade em questão, o Dr. Fernando Brandini Barbagalo [1] cita Canotilho, que já salientava: "(...)uma lei restritiva mesmo adequada e necessária pode ser inconstitucional quando adote cargas coativas de direitos e garantias desmedidas, desajustadas, excessivas ou desproporcionais em relação aos resultados obtidos". Este autor sustenta, ainda, que se torna desnecessária e ineficaz a cautelaridade provisória, haja vista que aos crimes dos artigos citados, são impostas penas passíveis de serem cumpridas em regime inicial aberto, ou serem substituídas por penas restritivas de direitos, nos termos do art. 43 e seguintes do CP.

O Juiz Nelson Calandra, do Tribunal de Alçada Criminal (TALCRIM), que milita em favor da idéia de inconstitucionalidade da norma, acolheu Habeas Corpus nº 470.330-3, com a seguinte justificativa: "[...] O paciente tem a seu favor o princípio da presunção de inocência" e ainda que "[...] a custódia preventiva só pode ser decretada ou mantida, conforme o art. 312 do Código de Processo Penal, como garantia de ordem pública". Nesta mesma decisão o Magistrado destaca que "[...] impedir o Juiz de conceder ou não a liberdade provisória é tentativa de violação ao princípio da independência dos poderes", haja vista que afasta a discricionariedade do Juízo.

Já os que defendem a constitucionalidade do dispositivo, e usam como fundamento o art. 5º, LXVI, da CRFB, que este estabelece que "ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança" (grifo nosso). O texto constitucional citado mostra que pode ser vedada a concessão de liberdade provisória, sem qualquer dissonância com o ordenamento pátrio, ao utilizar o termo "quando". Fica evidente que foi permitida a vigência de norma que vede a liberdade provisória.

Os juristas que seguem esta corrente, se utilizam, ainda, da Súmula 9 do STJ, na qual foi decidido que "A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência". A presunção de inocência é entendida por estes como Iuris tantum.

A liberdade dos indivíduos foi limitada, e este limite é criado pelo próprio Estado através de suas leis. Como diz Fernando da Costa Tourinho Filho, in Processo Penal, vol 3, ed. Saraiva. 1998. pág. 383, "Sabe-se que a liberdade não é o direito de alguém fazer o que bem quiser e entender, mas sim o de fazer o que a lei não proíbe". Como sabido desde as lições de Sociologia, o Direito surgiu da necessidade de pacificar os conflitos sociais, haja vista que vários e diversos são os anseios dos indivíduos que compõem a sociedade, e que em alguns momentos estes se mostram em contraposição. A partir desta constatação, o Estado reservou para si a exclusividade da prestação jurisdicional, a fim de evitar que seus integrantes necessitassem "fazer justiça com as próprias mãos".

Por fim, opto por me filiar a corrente que entende o dispositivo como constitucional, pelos mesmos fundamentos esposados acima.

Não se trata, no caso em tela, de qualquer ofensa a presunção de inocência ou ao direito a liberdade, sendo certo que o art. 5º, LXVI, da CRFB, é claro em permitir a vedação a concessão de liberdade provisória por lei, portanto qualquer lei que o faça, em conformidade com as demais determinações de nosso ordenamento jurídico, não estará eivada de inconstitucionalidade.

Ademais, que fique claro que não está sendo afetada a discricionariedade do Magistrado, pois nada obsta que este, ao analisar o caso concreto, possa se convencer da desnecessidade da manutenção da custódia do acusado e determine a sua soltura, ficando claro que está medida seria exceção à regra contida no art. 21 do estatuto do desarmamento. No curso do processo é possível que se verifique com maior cautela, se o acusado gera riscos a ordem social ou a instrução processual.

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O que tem que ser percebido por todos os que compõem a sociedade, dentre eles os operadores do direito, data máxima vênia, é que a ânimo do legislador não era o de manter indivíduos presos aleatoriamente, mas sim de punir mais severamente aqueles que participam deste fenômeno social, que é o crime organizado. Os noticiários nos mostram que se torna cada vez mais comum a ação de criminosos armados com o que há de mais moderno. Portanto, há que se coibir este tipo de ação de forma contundente, em benefício da própria sociedade. Como já diziam os mais velhos é necessário eliminar o problema na sua "raiz". Coibindo as condutas descritas nos artigos 16, 17 e 18 da Lei 10.826/03, indiretamente, são reduzidas outras condutas ilícitas, como roubo, homicídio e latrocínio, dentre outros crimes tão condenáveis quanto estes.


Referência Bibliografica

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional – 13. ed. – São Paulo : Atlas, 2003.

BARROS, Walter da Silva, Estatuto do Desarmamento Comentado – Rio de Janeiro: Editora Espaço Jurídico – 2004.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa – Processo Penal – Vol. 3 – 20. ed. Ver. Modificada e ampliada. – São Paulo : Ed. Saraiva, 1998.

BARBAGALO, Fernando Brandini. Da Inconstitucionalidade da Proibição da concessão de liberdade provisória do Estatuto do Desarmamento (art 21 da Lei 10.826/2003). São Paulo : Complexo Jurídico Damásio de Jesus, mar. 2004. Disponível em : www.damasio.com.br/novo/html/frame_artigos.htm.

PEREIRA, Marcelo Matias. Artigo relacionado com os crimes do estatuto do desarmamento. Disponível em: www.apamagis.com.br/doutrina/dout20040615.php.

Revista Consultor Jurídico. Autor não identificado. Disponível em : http://conjur.uol.com.br/textos/247323/.


Nota

1 Artigo publicado no site (www.damasio.com.br/novo/html/artigos/art_185.htm) em março de 2004.

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Sobre o autor
Rogério Rosa da Cruz

Advogado, pós-graduando em Direito Público pelo IPEJ-instituto de Pesquisas e Estudos Jurídicos e UNIG-Universidade Iguaçu

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Rogério Rosa. A constitucionalidade do art. 21 do Estatuto do Desarmamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 691, 27 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6784. Acesso em: 25 abr. 2024.

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