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A histórica aplicação do princípio da solidariedade como direito humano na Constituição Federal de 1988

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04/05/2019 às 14:10
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Qual a importância da solidariedade ser enquadrada como um dos direitos humanos na Constituição Federal de 1988 do Brasil?

Resumo: O presente estudo pretende investigar as principais características do princípio da solidariedade, suas qualidades que o tornam um dos direitos humanos e objetivo fundamental da Constituição Federal de 1988 do Brasil, bem como a importância da aplicação da solidariedade no meio coletivo para se buscar a melhora da qualidade de vida dos cidadãos. O objetivo geral é indicar as características que fazem o princípio da solidariedade ser considerado um dos direitos humanos fundamentais da Magna Carta, bem como qual a herança histórica que carrega a solidariedade presente no referido diploma. Em seguida, se pretende apontar o princípio da solidariedade presente nas dimensões dos direitos humanos, assim como a evolução da solidariedade nas constituições federais de períodos históricos, com respaldo nos direitos humanos. A intenção do trabalho é responder qual a importância da solidariedade ser enquadrada como um dos direitos humanos na Constituição Federal de 1988 do Brasil? O método adotado será o exploratório, com o intuito de obter informações acerca das características e proposta a ser questionada pela solidariedade como um dos direitos humanos, com abordagem qualitativa do resultado da pesquisa, a fim de permitir uma resposta ao problema. O procedimento adotado será a pesquisa bibliográfica mediante a consulta de referências em livros, artigos científicos e revistas relacionadas ao tema. Os resultados alcançados são a sabedoria em aprender as características principais da solidariedade, a presença dela nas dimensões dos direitos humanos, bem como o porquê de a solidariedade ser declarada um dos direitos humanos. Também pode-se dizer que a solidariedade é fundamental para os objetivos do Brasil, pois trata-se de propósito fundamental para uma sociedade que pretende que seus cidadãos não somente tenham a solidariedade como um dever moral para ajudar o próximo, e sim um dever que é preservado e cobrado pelos direitos humanos.

Palavras-chave: Constituição Federal do Brasil; dimensões dos direitos humanos; princípio da solidariedade.


1 INTRODUÇÃO

Com o presente estudo se pretende investigar as principais características do princípio da solidariedade, suas qualidades que o tornam um dos direitos humanos e peça fundamental da constituição federal do Brasil, bem como a importância da aplicação da solidariedade no meio coletivo para se buscar a melhora da qualidade de vida dos cidadãos.

A intenção do trabalho é responder qual a importância da solidariedade ser enquadrado como um dos direitos humanos na Constituição Federal de 1988 do Brasil?

O objetivo geral é indicar as características que fazem o princípio da solidariedade ser considerado um dos direitos humanos fundamentais da Magna Carta, bem como qual a herança histórica que carrega a solidariedade presente no referido diploma. Em seguida, se pretende apontar o princípio da solidariedade presente nas dimensões dos direitos humanos, assim como a evolução da solidariedade nas constituições federais de períodos históricos, com respaldo nos direitos humanos.

O motivo do que se pretende abordar no trabalho é a pretensão de indicar quais os fundamentos que tornam o princípio da solidariedade um dos direitos humanos, bem como a importância da solidariedade em estar positivada na constituição do Brasil, visando à melhora da qualidade de vida de sua população. Deste modo, é importante inferir que a solidariedade é um dos pilares dos direitos humanos da contemporaneidade, visto que possui o poder de mudar as relações sociais a nível mundial, como pode se observar da evolução histórica da solidariedade presente em constituições importantes do mundo no passado.


2 PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE E SUA ABRANGÊNCIA NOS DIREITOS HUMANOS

A pergunta acerca de se o princípio da solidariedade, como direito/dever de solidariedade, está abrangido nas dimensões dos direitos humanos, apesar de ser positiva, leva a crer que o referido princípio não está somente em uma dimensão, e sim, em várias.

Mister dizer que o sistema jurídico contemporâneo brasileiro traz, elencado em sua Constituição, um rol de direitos fundamentais e, ainda, o princípio da dignidade humana, norteador de todo ordenamento jurídico. Tal princípio, inerente a todos os seres humanos, independe de merecimento pessoal ou social. Assim, como direito positivado, a dignidade da pessoa humana assume status de “super princípio”, com conteúdo jurídico capaz de associá-la aos direitos fundamentais, bem como o da solidariedade. Desta forma, em razão de o princípio da solidariedade estar associado ao princípio da dignidade da pessoa humana, o primeiro se inter-relaciona com qualquer outro princípio, presente em qualquer dimensão dos direitos fundamentais. (REIS, 2007)

Os direitos humanos se inter-relacionam, se complementam, independentemente do momento histórico-social em que são reconhecidos e assegurados e, desta forma, pode-se afirmar que o princípio (direito/dever) da solidariedade é um supremo direito da humanidade, é universal.

Contudo, é importante questionar em que momento da história humana surgiu a preocupação com o princípio da solidariedade, saber de sua origem, em que momento mais se precisou dela.

De primeiro plano, é mais sensato utilizar a expressão “dimensões” de direitos fundamentais, e não “gerações”, uma vez que é mais adequada.  Conforme BONAVIDES (2002, p. 525):

Força é dirimir, a esta altura, um eventual equívoco de linguagem: o vocábulo "dimensão" substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo "geração", caso este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade. Ao contrário, os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio-ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infraestrutura, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia [...]

No mesmo sentido, segue MIRANDA (2000, p. 32):

Conquanto esta maneira de ver possa ajudar a apreender os diferentes momentos históricos de aparecimento dos direitos, o termo geração, geração de direitos, afigura-se enganador por sugerir uma sucessão de categorias de direitos, umas substituindo-se às outras – quando, pelo contrário, o que se verifica em Estado social de direito é o enriquecimento crescente em resposta às novas exigências das pessoas e das sociedades. Nem se trata de um mero somatório, mas sim de uma interpretação mútua, com a consequente necessidade de harmonia e concordância prática.

A cada momento que novos direitos são reconhecidos aos indivíduos, aqueles estão longe de se excluírem, pois complementam os direitos já conquistados. Desta forma, todas as dimensões coexistem, mantêm entre si uma relação de recíproca interação, influenciando-se mutuamente e fazendo com que o entendimento de cada um dos direitos fundamentais seja sempre interpretado em conformidade com o contexto global da totalidade das dimensões de direitos já reconhecidas. Ou seja, o direito posterior é conquistado como resultado dos anteriores, estão ligados em suas origens.

Como adverte BOBBIO (1992), os direitos humanos não nascem todos de uma vez. Eles são históricos e nascem de acordo com o surgimento das possibilidades através dos tempos.

A história dos direitos humanos fundamentais se inicia com as liberdades públicas, que têm suas raízes na luta contra o absolutismo na Era Moderna, e a consequente afirmação de direitos individuais e coletivos em oposição ao Poder Estatal.

Com o surgimento do Estado de Direito vêm à tona os direitos de liberdade, ou seja, garantia à vida privada e à liberdade individual, proibindo a arbitrária intervenção do poder estatal. Engloba também a liberdade espiritual, ideológica, religiosa, de expressão, abrangendo, também, o direito à segurança pessoal, à escolha da profissão e à propriedade. Ademais, a limitação e harmonia entre os Poderes do Estado, bem como a legitimidade do sistema representativo, são, igualmente, valores básicos do Estado Liberal. (ROUSSEAU 1996).

Porém, na dinâmica da evolução social, com o Estado Liberal, fez crescer a desigualdade perante os fatos sociais, tendo em vista que somente protegiam os direitos de forma privada, individual. Nisto, uma nova ordem jurídica começa a surgir, apesar de forma lenta. Surgem os direitos sociais, que protegem os direitos coletivos, pertencentes à segunda dimensão de direitos humanos. São os direitos conferidos a todos os membros de uma sociedade, a fim de superar os problemas sociais que surgiram com o passar das épocas do desenvolvimento da economia capitalista, tais como desemprego e baixo padrão econômico, para garantir a efetiva igualdade e liberdade entre as pessoas. (MORAES, 2013)

Nisso, a proteção dos direitos fundamentais/humanos foi do individual para o social, o coletivo. O Estado, agora chamado Estado de Direito Social, é chamado a dirimir conflitos entre as forças do capital e do trabalho, a conter os excessos do Estado Liberal (direito privado), submetendo-os ao bem comum e à justiça social. (CASABONA, 2007)

CASABONA (2007, p. 104), cita exemplos de direitos sociais:

Toda uma nova gama de direitos humanos incorpora-se aos tradicionais:

direito ao trabalho (direito de sindicalização, greve e co-gestão da empresa), direito à saúde e à habitação, proteção à família, assistência ao menor e ao adolescente, direito à segurança social.

  Devido a este grande avanço quanto aos direitos humanos, as novas Constituições introduzem capítulos pertinentes aos direitos econômicos e sociais, tão importantes quanto os direitos civis e políticos.

Entretanto, os direitos humanos não ficam resumidos aos direitos individuais ou sociais. Uma nova leva de direitos surgiram. Esses novos direitos fundamentais, denominados de terceira dimensão, são os responsáveis pela vida comunitária estável e sadia. Nas palavras de CASABONA (2007), os valores sociais, a serem juridicamente protegidos, são, ao mesmo tempo, comuns a todo um grupo social e a cada um de seus participantes, surgindo a figura dos direitos difusos, que reclamam proteção da lei.

Não há dúvidas de que os direitos humanos são universais, se moldam a todos os indivíduos, e, cada vez mais, com o passar do tempo, sua quantidade aumenta. Cabe dizer que são conquistas históricos, mas que devem a todo instante ser protegidos por leis para a efetivação. Assim, os direitos humanos da primeira dimensão possuem caráter individual de proteção e nas últimas dimensões, evoluem para a proteção do direito coletivo, mas sem desconsiderar os direitos da primeira dimensão.

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Interessante comentário sobre o surgimento dos direitos humanos da terceira geração é de FERREIRA FILHO (2002), que informa que o reconhecimento dos direitos sociais (segunda geração) não pôs fim à ampliação do campo dos direitos fundamentais, uma vez que ainda existiam desafios na sociedade, não mais à vida e à liberdade, garantidos pelos direitos de dimensões anteriores, mas especialmente à qualidade de vida e à solidariedade entre os seres humanos de todas as raças ou nações. Este pensamento fez surgir uma nova dimensão, a terceira dos direitos fundamentais, denominados de direitos de solidariedade ou fraternidade que, enfim, buscam a melhor qualidade de vida.

Segue o entendimento MACHADO (2006, p. 113):

Fundada na evolução dos direitos humanos, que passou a reconhecer os direitos de liberdade, de igualdade e de solidariedade, conhecidos como direitos de terceira geração ou de terceira dimensão, a solidariedade assegura o direito ao desenvolvimento e ao patrimônio comum da humanidade.

Mas a evolução dos direitos humanos não parou nos assegurados na terceira dimensão. Existem estudiosos que falam do surgimento de uma quarta dimensão, que, conforme BONAVIDES (2006, p. 571):

São direitos de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta para o futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência

Percebe-se que os direitos fundamentais de quarta dimensão não vieram em substituição às demais dimensões, pelo contrário, os direitos das três primeiras dimensões são a base de uma pirâmide cujo ápice é o direito à democracia, direitos estes que, juntos, possibilitarão a construção de uma sociedade aberta para o futuro. (BONAVIDES, 2006).

Nesta senda, é difícil encaixar o princípio da solidariedade nas dimensões dos direitos humanos, bem como se seriam direitos individuais, coletivos ou difusos.

BUCCHIARERI PINHEIRO (2006), em estudo sobre a Constituição do México de 1917, afirma que a solidariedade prevista no diploma é, sem dúvida, referência ao aos direitos de terceira dimensão.

Há de se ter cuidado ao classificar determinados direitos como se eles fizessem parte de uma determinada dimensão, sem atentar para o aspecto da indivisibilidade dos direitos fundamentais. Os direitos humanos fundamentais fazem parte de uma mesma realidade dinâmica, não existem divisas entre cada dimensão. O ideal é sopesar que todos os direitos fundamentais podem ser analisados e compreendidos em múltiplas dimensões, na dimensão individual-liberal (primeira dimensão), na dimensão social (segunda dimensão), na dimensão de solidariedade (terceira dimensão) e na dimensão democrática (quarta dimensão). (CASABONA, 2007)

Sobre o tema, segue lição de PIOVESAN (1998) ensina que uma geração de direitos não substitui a outra e sim interage uma com a outra. Esta situação afasta a ideia da sucessão "geracional" de direitos, sendo que todos os direitos humanos estão interligados e em constante interação. Logo, o estudo que se tem deste conhecimento é de que quando não assegurado um direito, esvazia-se outro direito, e vice-versa, resultando em uma unidade indivisível.

Neste passo, reforçando o entendimento de unidade entre as dimensões dos direitos humanos, nas constituições sociais modernas, os direitos de primeira geração, em primeiro momento, impõem ao Poder Público não apenas o dever de abstenção quanto ao direito privado, mas, também, uma obrigação de fazer, como preservar o direito à vida (direito de primeira dimensão), o direito à vida, o direito a uma existência digna, o direito à saúde, à assistência social e ao lazer (direitos de segunda dimensão) e, também, o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado (terceira dimensão) e o direito de viver em uma sociedade plural e democrática (quarta dimensão). (CASABONA, 2007)

Por fim, frisa-se, os direitos humanos fundamentais se inter-relacionam, se complementam, independentemente do momento histórico ou social em que são reconhecidos e implementados. Nisso vale dizer que o princípio (direito/dever) da solidariedade é um supremo direito da humanidade, como o da dignidade da pessoa humana, ocorrendo tanto em nível individual quanto coletivo.

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Sobre o autor
Ricardo Werner Friedrich

Graduado em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) e advogado atuante na Comarca de Santa Cruz do Sul/RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRIEDRICH, Ricardo Werner. A histórica aplicação do princípio da solidariedade como direito humano na Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5785, 4 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68109. Acesso em: 19 mar. 2024.

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