RESUMO: Com o advento da internet e o princípio da “era digital”, surgem também novas formas de relação jurídica, bem como novas maneiras de prática de atos ilícitos. Deste modo, nota-se a necessidade de adequação jurídica ao novo contexto social, dando-se destaque à reparação civil dos danos. A pesquisa trata de uma abordagem acerca da responsabilidade civil das redes sociais quanto aos atos ilícitos praticados por seus usuários. Como objetivo principal, investiga-se a possibilidade de aplicação do instituto da responsabilidade civil a esses provedores de conteúdo quanto à disponibilização de material ofensivo publicado por seus usuários, em virtude de aqueles serem responsáveis pela concessão do acesso ao espaço virtual a estes. Para tanto, verifica-se o enquadramento do provedor de conteúdo à figura de fornecedor nos termos do Código de Defesa do Consumidor, analisando o instituto da responsabilidade civil segundo o ordenamento jurídico brasileiro de forma criteriosa, investigando seu cabimento e limites e apresentando as inovações trazidas pela Lei nº 12.965/14 e atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema desenvolvido. É feita uma comparação entre os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais anteriores à regulamentação das questões que envolvem o uso da internet e posteriores a ela. Primeiramente, percorremos o caminho tomado pelo instituto da responsabilidade civil no mundo, bem como no Brasil, a partir do Código Civil de 1916, com o entendimento de que a atividade exercida pelos Provedores de Conteúdo seria de risco e, portanto, deveria ser monitorada constantemente sob pena de resultar em responsabilidade objetiva em caso de danos a terceiros. Ademais, o STJ se posicionava no sentido de que os Provedores de Conteúdo não eram obrigados a realizar controle editorial das informações, porém a omissão em face de ordem judicial demandando a retirada do material acarretaria responsabilidade solidária com o autor da ofensa. Após a entrada em vigor do Marco Civil da Internet, o STJ reviu sua posição, em 2016, de modo a se adequar à norma legal, entendendo que a responsabilidade do Provedor de Conteúdo decorre da existência ou não de controle editorial de suas informações, pois, caso exista, sua responsabilidade independe de notificação judicial para a retirada do material ofensivo, todavia, caso não exista, somente responderá civilmente caso descumpra a notificação judicial que demande a retirada do referido material ofensivo. Esse trabalho não traz uma solução definitiva, visto que o Direito busca regulamentar as condutas sociais e estas são voláteis, em constante mudança, porém apresenta as principais divergências anteriores e atuais, servindo de base para estudos mais aprofundados sobre o tema e sobre o Direito do Consumidor em si.
PALAVRAS CHAVE:Responsabilidade civil; Internet; Provedores de conteúdo; Marco Civil da Internet; STJ.
ABSTRACT:The advent of the internet and the beginning of the "digital age" brought foward new forms of legal relationship as well as new ways of practicing illicit acts are emerging. Therefore, we notice the need for legal adaptation to the new social context, highlighting the civil reparation of torts. The research is an approach about the liability in tort of social medias regarding the illegal acts practiced by its users. The main focus is to investigat the possibility of applying the institute of civil liability to these Content Providers regarding the availability of offensive material published by its users, because those are responsible for granting access to the virtual space to them. In order to do so, it is verified the suitability of the Content Provider to the supplier’s figure under the terms of the CDC, analyzing the institute of liability in tort according to the brazilian legal system in a judicious way, investigating its fit and limits and presenting the innovations brought by Law 12.965/14 and current Superior Court’s position on the subject-matter developed. A comparison is made between doctrinal and jurisprudential positions prior to the regulation of legal issues involving the use of the Internet and subsequent to it. First, we analize the path taken by the Institute of Civil Liability in the world, as well as in Brazil, starting from the Civil Code of 1916, noticing the doctrine and jurisprudence was for to understand that the activity carried out by Content Providers would be a risk activity and therefore would result in objective liability in torts if it didn’t monitor its content constantly. Yet the Superior Court was positioned in the sense that the Content Providers were not required to carry out editorial control of the information, but the omission concerning a judicial order about the removal of the material would entail joint liability with the offender. After the implementation of the Internet Civil Registry, the Superior Court reviewed its position in 2016 in order to comply with the legal norm, perceiving that the liability of the Content Provider arises from the existence or not of editorial control of its information, since, if it exists, its liability isn’t contingent upon the judicial notification for the removal of the offensive material, however, if it does not exist, the Content Provider will only be civilly liable if it neglects to obey the court’s notification demanding the removal of the offensive material. This paper does not provide a definitive solution about the subject-matter, since the Law seeks to regulate social conducts which are volatile but it presents the previous and current main divergences in the brazilian legal system, serving as the basis for further studies on the subject and on the Law of the Consumer itself.
KEY WORDS:Liability; Torts; Internet. Content Providers; Internet Civil Landmark; Jurisprudence.
INTRODUÇÃO
É possível que redes sociais sejam responsabilizadas civilmente nos casos que envolvam disponibilização de material ofensivo publicado por usuário nesses provedores de conteúdo?
Com o advento da internet, surgem também novos problemas jurídicos a serem solucionados. Um deles é a questão da responsabilização civil dos provedores de conteúdo em face de publicações ofensivas de seus usuários.
Em razão de nos encontrarmos na denominada “era digital”, tem sido cada vez mais corriqueira a prática de atos ilícitos nas redes sociais por meio do uso dos serviços de internet, já que a internet permite uma faceta imaginária de “anonimato”. Entretanto, qual seria o papel dos provedores de conteúdo quando isso envolve o mau uso das funcionalidades de seu ambiente?
Até 2014, antes da edição da Lei 12.965/14 (Marco Civil da Internet), havia grande dificuldade dos operadores do direito em adequar de forma precisa aspectos técnicos de atos decorrentes do uso da internet com a regulamentação do mundo jurídico, que não incluía a regulamentação do uso da internet em si, recaindo, quando houvesse, sobre as disposições contratuais de prestação de serviços disponibilizadas pelos próprios provedores de internet, gerando incerteza ou desequilíbrio na relação de consumo.
Utilizando-se do disposto no Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 3º, passou-se a considerar os provedores de conteúdo como prestadores de serviços e reconhecer a relação de consumo entre os usuários prejudicados e eles, o que, para alguns doutrinadores, acabava por negligenciar o nexo de causalidade, visto que o usuário havia sido ofendido por conduta exclusiva de terceiro e não dos administradores do provedor de internet.
Colocando um “ponto final” à discussão acerca da responsabilidade civil dos provedores de internet, surge o Marco Civil da Internet, o qual entende pela possibilidade de responsabilização, porém apresenta uma condição "sine qua non" para que nasça a obrigação de reparação por parte dos provedores, o qual foi confirmado recentemente pelo STJ.
Assim, em razão do crescente desenvolvimento tecnológico e das comunicações digitais no país, verifica-se a relevância social e jurídica do tema a ser tratado.
OBJETIVOS
Deste modo, propõe-se os seguintes objetivos:
a) Objetivo geral
Demonstrar as antigas divergências acerca da responsabilidade civil aplicada aos provedores de internet, bem como identificar o cabimento e as limitações da responsabilidade civil dos provedores de serviços de internet após o Marco Civil da Internet.
b) Objetivos específicos
● Verificar a figura do provedor de conteúdo como fornecedor de serviços nos termos do CDC.
● Analisar o instituto da responsabilidade civil no CC/02 e no CDC.
● Investigar o cabimento e os limites normativos da aplicação da responsabilidade civil às redes sociais, sopesando as disposições do Marco Civil da Internet.
● Analisar a jurisprudência recente acerca do tema, em especial a do STJ.
Nessa perspectiva, o presente estudo busca apresentar as divergências jurídicas, anteriores ao Marco Civil da Internet, que resultavam de opiniões antagônicas entre os operadores do direito, bem como a análise do entendimento do nosso ordenamento jurídico e jurisprudência atuais.
Para alcançar os objetivos propostos, o estudo valer-se-á de pesquisa bibliográfica, doutrinária, legislação pátria e comparação de julgados anteriores ao Marco Civil e posteriores a ele acerca do tema abordado, para uma melhor compreensão do posicionamento atual do Direito Brasileiro.
REVISÃO DE LITERATURA
1. NOÇÕES PRELIMINARES
O instituto da responsabilidade civil é dinâmico e pluridimensional, à medida em que se encontra em constante evolução para se adequar às questões concretas que emergem da sociedade. Ele sempre existiu na sociedade, porém não na formatação atual.
O Código de Hamurabi foi a primeira aparição codificada do princípio de reparação (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 113) ao apresentar uma noção de proteção da parte mais fraca, condenando o agressor a sofrer o mesmo ato ilícito praticado, Lei de Talião, ou ao pagamento de pecúnia.
Todavia, a Lei de Talião não trazia consigo uma reparação real e, sim, um duplo dano. Deste modo, Washington de Barros explana que
[...] a vingança privada, como modo de compensar o dano, era contraproducente; em verdade, com ela não havia reparação alguma, porém duplo dano, redobrava a lesão, a da vítima e a de seu ofensor, depois de punido. (MONTEIRO, 2014, p. 447).
Na Índia, podemos citar o Código de Manu, o qual priorizava a reparação pecuniária, em contraponto ao Código de Hamurabi, que dava maior importância à devolução da própria lesão sofrida pela vítima. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 114).
O Direito Grego concedia amparo jurídico aos seus cidadãos, afastando a reparação em forma de vingança pessoal para uma em forma pecuniária. Do mesmo modo, o Direito Romano também superou a chamada vingança pessoal pela reparação em pecúnia, seja de ato contra o patrimônio, seja contra a honra, prevista inclusive na Lei das XII Tábuas. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 117-119).
Os romanos passaram a diferenciar os delitos público dos delitos privado, bem como a separar a reparação dos danos da pena, cabendo apenas ao Estado a função de punir e possibilitando o surgimento da ação de indenização. Deste modo, José de Aguiar Dias colaciona que
Quando assumiu a direção da composição dos pleitos, a autoridade começou também a punir, substituindo-se ao particular na atribuição de ferir o causador do dano. Evoluiu, assim, da justiça punitiva exclusiva, reservada aos ataques dirigidos diretamente contra ela, para a justiça distributiva, percebendo que, indiretamente, era também atingida por certas lesões irrogadas ao particular, porque perturbavam a ordem que se empenhava em manter. Resultou daí a cisão dos delitos em duas categorias: os delitos públicos (ofensas mais graves, de caráter perturbador da ordem) e os delitos privados. Aqueles eram reprimidos pela autoridade, como sujeito passivo atingido; nos últimos, intervinha apenas para fixar a composição, evitando os conflitos. (DIAS, 2006, P. 27).
No Direito Francês, levando em conta os preceitos da lei aquiliana de forma generalizada, instituiu o princípio da responsabilidade civil, condicionando a reparação à culpa, ainda que esta fosse levíssima, e separando a responsabilidade civil da responsabilidade penal.
O Code Civil francês de 1804 (Código de Napoleão) trouxe a concepção de culpa in abstrato, distinguindo culpa contratual de culpa delitual, tendo inspirado seus artigos 1.382 e 1.383, vide:
Art. 1382. Tout fait quelconque de l’homme, qui cause à autrui um dommage, oblige celui par la faute duquel il est arrivé, à le réparer. (Qualquer fato oriundo daquele que provoca um dano a outrem obriga aquele que foi a causa do que ocorreu a reparar este dano).
Art. 1383. Chacun est responsible du dommage qu’il a causé non seulement par son fait, mais encore par as négligence ou par son imprudence. (Cada um é responsável pelo dano que provocou não somente por sua culpa, mas ainda por sua negligencia ou por sua imprudência). (Código de Napoleão, 1804).
Segundo José de Aguiar Dias, “a responsabilidade civil se funda na culpa, foi a definição que partiu daí para inserir-se na legislação de todo mundo”. (DIAS, 2006, p. 30).
No Brasil, iniciam-se as discussões e teses de reparação de danos extrapatrimoniais com o advento do Código Civil de 1916. Todavia, há de se mencionar o surgimento de legislações, conforme suas particularidades, sendo citadas pelos Mestres Gagliano e Pamplona Filho:
[...] o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 27 de agosto de 1962 (Lei n. 4.117); o Código Eleitoral, de 15 de julho de 1965 (Lei n. 4.737); a Lei de Imprensa, de 9 de fevereiro de 1967 (Lei n. 5.250 — ora revogada); a Lei dos Direitos Autorais, de 14 de dezembro de 1973 (Lei n. 5.988); e, depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990); o Código de Defesa do Consumidor, de 11 de setembro de 1990 (Lei n. 8.078), todas elas contendo dispositivos específicos sobre a reparação dos danos extrapatrimonais. Lembre-se, ainda, a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), com as modificações impostas pela Lei n. 8.884/94, fazendo com que também os danos morais possam ser objeto de ação de responsabilidade civil em matéria de tutela dos interesses difusos e coletivos. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 122).
Contudo, foi apenas com a Constituição Federal de 1988, a qual propunha a criação de um Código de Defesa do Consumidor, editado sob a forma da lei 8.078/90, que se reconheceu a reparabilidade do dano moral, sendo esta reconhecida pelo Código Civil de 2002.
2. Da relação de consumo
Segundo Miguel Reale, a adequação de uma conduta a um sistema normativo qualifica a relação como jurídica. Ele apresenta dois requisitos: "em primeiro lugar uma relação intersubjetiva, ou seja, um vínculo entre duas ou mais pessoas. Em segundo lugar, que esse vínculo corresponda a uma hipótese normativa, de tal maneira que derivem consequências obrigatórias o plano da experiência." (REALE, 2002, p. 216).
Ademais, Pontes de Miranda possui o seguinte entendimento:
A relação jurídica é entre pessoas, isto é, entre entidades capazes de ter direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações e exceções. é a relação inter-humana, a que a regra jurídica, incidindo sobre os fatos, torna jurídica”. (DE MIRANDA, 1954, Tomo l, § 39, itens 1 e 2).
Nesse sentido, vale ressaltar que as ações que ocorrem dentro do ciberespaço, apesar de não físicas, são humanas, possuem influência no mundo físico e resultam em uma relação jurídica, passível de tratamento no ordenamento jurídico.
No que tange a relação de consumo, esta pressupõe a existência de dois sujeitos: consumidor e fornecedor, e envolve a prestação de um serviço ou a entrega de produto.
2.2. Conceito de consumidor
À respeito da definição de consumidor, Thierry Bourgaine traz o entendimento de que “não existe no direito belga e no estrangeiro, nenhuma definição única do termo ‘consumidor’”. (BOURGAINE apud KHOURI, 2002, p. 42).
A legislação consumerista pátria apresenta quatro conceitos de consumidor, sendo um deles de consumidor standard e outros três de consumidor equiparado.
O consumidor standard é aquele tipificado no art. 2º, caput, do CDC, o qual dispõe que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Utiliza-se o critério da destinação como caracterizador da figura de consumidor, portanto, o que significa que não basta a retirada do produto ou serviço do mercado, exige-se que o faça como destinatário final daquele produto ou serviço.
Conquanto a norma empregue o verbo “adquirir”, o jurista Rizzatto Nunes defende que sua interpretação seja ampla, conforme o conceito objetivo de consumidor. Vejamos:
Porém, como se percebe, não se trata apenas de adquirir, mas também de utilizar o produto ou o serviço, ainda quando quem o utiliza não o tenha adquirido. Isto é, a norma define como consumidor tanto quem efetivamente adquire (obtém) o produto ou o serviço como aquele que, não o tendo adquirido, utiliza-o ou o consome. (NUNES, 2012, p. 122).
Por outro lado, José Geraldo de Brito Filomeno apresenta a seguinte definição de consumidor, adotando o conceito subjetivo de consumidor:
O conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão somente o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vista ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma atividade negocial. (FILOMENO apud SIMÃO, 2003, p.28).
Outrossim, Joel Timóteo Ramos Pereira entende que consumidor é “qualquer pessoa singular que actue com fins que não pertençam ao âmbito da sua actividade profissional” (PEREIRA, 2001, p. 170). Essas definições subjetivas acabam por restringir quem se enquadraria na categoria de consumidor, seguindo as disposições da corrente doutrinária finalista.
Nesse sentido, há duas correntes doutrinárias antagônicas: maximalista e finalista. A definição de consumidor maximalista abrange tanto pessoas físicas, quanto pessoas jurídicas, bem como ignora a finalidade ou utilidade dos bens adquiridos ou sua força econômica no que diz respeito à concessão de proteção legislativa. Por outro lado, a corrente finalista introduziu o elemento da vulnerabilidade no conceito, mitigando-o, portanto, quanto à pessoa jurídica exercendo a figura de consumidor.
Acerca da vulnerabilidade, cabe colacionar o entendimento de Roberto Lisboa:
Aquele que vier a ser considerado consumidor é quem se beneficiará da presunção de vulnerabilidade diante do fornecedor. E essa presunção é iure et de iure, ou seja, não admite prova em sentido contrário. Mas a vulnerabilidade não é pressuposto do reconhecimento de que um sujeito adquiriu determinado produto ou serviço como consumidor. Pelo contrário. Do reconhecimento da situação de consumidor do sujeito em dada relação jurídica é que se impõe o princípio geral da vulnerabilidade. (LISBOA, 1999,p.165).
O Código de Defesa do Consumidor traz os outros três conceitos, todos referentes à figura do consumidor por equiparação, cuja disposição se encontra no art. 2º, parágrafo único, e nos arts. 17 e 29. Vejamos:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
[...]
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
[...]
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
Deste modo, acerca do consumidor equiparado, Rizzatto Nunes defende que "Uma vez existindo qualquer prática comercial, toda a coletividade de pessoas já está exposta a ela, ainda que em nenhum momento se possa identificar um único consumidor real que pretenda insurgir-se contra tal prática." (NUNES, 2012, p. 100).
2.3. Conceito de fornecedor
O CDC traz a definição de fornecedor em seu art. 3º:
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Para Khouri, fornecedor “é aquele que oferece ao mercado, habitualmente, bens e serviços visando ao lucro, que participa da cadeia produtiva, ou pratica alguns atos dentro desta cadeia [...]”. (KHOURI, 2002, p. 58).
Do mesmo modo, elucida Cláudia Lima Marques acerca da definição de consumidor no Direito Brasileiro:
Quanto ao fornecimento de produtos o critério caracterizador é desenvolver atividades tipicamente profissionais, como a comercialização, a produção, a importação, indicando também a necessidade de uma certa habitualidade, como a transformação, a distribuição de produtos. Estas características vão excluir da aplicação das normas do Código todos os contratos firmados entre dois consumidores, não-profissionais. A exclusão parece-me correta, pois o Código ao criar direitos para os consumidores, cria deveres, e amplos para os fornecedores. (MARQUES apud KHOURI, 2002, p. 58).
Assim, Joel Timóteo Ramos Pereira, entende que fornecedor é “qualquer pessoa singular ou colectiva que actue no âmbito da sua actividade profissional”. (PEREIRA, 2001, p. 170).
Nesse mesmo sentido, João Fernando Simão explana que:
Independentemente da qualidade do que presta o serviço - profissional ou não -, havendo remuneração e habitualidade, o Código de Defesa do Consumidor considera-o fornecedor, e a relação, de consumo. A intenção do legislador foi, certamente, possibilitar a inclusão do maior número possível de prestadores de serviços no conceito de fornecedores, os quais, portanto, terão suas relações reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor. (SIMÃO, 2003, p. 38).
Podemos concluir, portanto, que a atuação do fornecedor não deve prescindir de habitualidade e de profissionalismo, bem como exige-se a percepção de lucro, direto ou indireto, a qual é determinante para a definição de fornecedor.
3. Da responsabilidade civil
3.1. Conceito
Não há uma definição única do termo responsabilidade civil, porém sabe-se que seu objetivo precípuo reside na busca pelo equilíbrio social por meio do regulamento jurídico. Assim, salienta José de Aguiar Dias que “A responsabilidade civil é o reflexo da própria evolução do direito, é um dos seus mais acentuados característicos”. (DIAS, 2006, p. 25).
Ademais, Washington de Barros Monteiro elucida que:
Em face das exigências naturais em sociedade, diante de uma ação ou omissão lesiva a interesse moral ou material, surge a necessidade de reparação dos danos acarretados ao lesado, porque cabe ao direito preservar ou restabelecer o equilíbrio pessoal e social. (MONTEIRO, 2014, p. 446).
Em face da gama conceitual acerca do instituto da responsabilidade civil, cabe ressaltar alguns entendimentos aceitos na doutrina e na jurisprudência atuais.
Segundo Maria Helena Diniz, a responsabilidade civil seria:
A aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal. Definição esta que guarda, em sua estrutura, a ideia de culpa quando se cogita da existência de ilícito (responsabilidade subjetiva), e a do risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa (responsabilidade objetiva). (DINIZ, 2011, p. 50).
Cabe enaltecer a definição de responsabilidade civil para Caio Mário da Silva Pereira:
A responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade civil, que então se enuncia como o princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano. (PEREIRA, 1999, p. 11).
Acrescenta que “Não importa se o fundamento é a culpa ou se é independente desta. Em qualquer circunstância, onde houver a subordinação de um sujeito passivo à determinação de um dever de ressarcimento, aí estará a responsabilidade civil”. (PEREIRA, 1999, p. 11).
Interessa colacionar o entendimento de Miguel Maria de Serpa Lopes acerca da conceituação, vejamos:
A responsabilidade é a obrigação de reparar um dano, seja por decorrer de uma culpa ou de outra circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por uma circunstância meramente objetiva. (LOPES, 1989, p. 160).
Ademais, Sergio Cavalieri Filho possui o seguinte posicionamento:
Em seu sentido etimológico, responsabilidade exprime a ideia de obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa ideia. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico. Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompensar o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário. (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 2).
Embora não haja uma definição única, é unânime que o instituto da responsabilidade civil jaz na questão da reparabilidade do dano.
No que tange a doutrina brasileira contemporânea acerca da responsabilidade de civil, há duas correntes: a da responsabilidade subjetiva (teoria da culpa) e a da responsabilidade objetiva (teoria do risco).
3.2. Responsabilidade subjetiva
Trata-se da culpa lato sensu, abrangendo, logo, o dolo e a culpa stricto sensu (negligência, imprudência e imperícia). Implica ao culpado o dever de indenizar pelos prejuízos causados ou pela vulneração de direito alheio.
Quanto à definição de culpa, Washington de Barros Monteiro apresenta o seguinte ensinamento:
A culpa, juridicamente, pode ser conceituada como a inexecução consciente de uma norma de conduta, cujos efeitos danosos são desejados pelo agente (dolo) ou previsíveis, mas não evitados pelo infrator (culpa em sentido estrito). (MONTEIRO, 2014, p. 454).
Já, moralmente, a culpa consistiria em “um elemento havido como essencial no convívio em sociedade, porque propicia a aceitação da ética e das regras morais, limitando os impulsos instintivos”. (MONTEIRO, 2014, p. 455).
Deste modo, pode-se dizer que a doutrina da responsabilidade subjetiva se concentra na conduta humana, no ato ilícito e na reparação. Nesse sentido, colaciona Caio Mário que “a teoria da responsabilidade civil erige em pressuposto da obrigação de indenizar, ou de reparar o dano, o comportamento culposo do agente, ou simplesmente sua culpa[...]”. (PEREIRA, 1999, p. 30).
A culpa possui diversas naturezas e graduações. Washington de Barros a classifica do seguinte modo:
a) culpa lata, leve e levíssima;
b) culpa contratual e extracontratual ou aquiliana;
c) culpa in eligendo e culpa in vigilando;
d) culpa in committendo, in omittendo e in custodiendo;
e) culpa in concreto e culpa in abstracto. (MONTEIRO, 2014, p. 449).
A culpa lata se aproxima do dolo. A leve é aquela que poderia ser evitada com a aplicação de um nível ordinário de atenção do agente. Já a levíssima é aquela que só poderia ser evitada com um grau extraordinário de atenção do agente.
Quanto à culpa contratual, essa envolve o descumprimento de uma obrigação inerente a certo contrato. Já a extracontratual ou aquiliana seria “a resultante da violação de dever fundado num princípio geral de direito, como o de respeito à pessoa e aos bens alheios” (MONTEIRO, 2014, p. 450). Ambas integram o mesmo gênero – responsabilidade civil -, porém diferem quanto à existência de vínculo (contratual) ou não (extracontratual), capacidade do agente para celebrar contratos e quanto ao ônus da prova, o qual é presumido no caso de obrigação contratual de resultado, mas exige-se prova da culpa do ofensor nos casos de obrigação de meio (contratual) e no âmbito extracontratual.
A culpa in elegendo refere-se à má escolha quanto a empregado, preposto ou representante. Já a culpa in vigilando trata do dever de monitoramento de pessoa ou coisa.
Culpa in committendo é aquela que decorre de ato comissivo.Por outro lado, a culpa in ommittendo, decorre de omissão do agente. Já a culpa in custodiendo é aquela que referente a pessoa ou coisa sob a custódia do agente.
Por fim, acerca da culpa in abstracto e da culpa in concreto, temo que:
[...] o reconhecimento da culpa in abstracto requer comparação com o bonus pater famílias do direito romano; se o agente se afastar do zelo e diligência que este costuma empregar no trato de seus negócios, verificar-se-á culpa na referida modalidade. Quanto à culpa in concreto, seu reconhecimento depende do exame de cada ato, de cada fato, atento às respectivas peculiaridades. (MONTEIRO, 2014, p. 453).
3.3. Responsabilidade objetiva
O surgimento da responsabilidade objetiva se deu em virtude do desenvolvimento industrial, tecnológico, bem como do crescimento populacional, os quais tornaram cada vez mais difícil de comprovar a culpa do agente para gerar o direito de reparação.
A corrente objetiva é composta pelas seguintes teorias:
- Teoria do risco integral: “[...] qualquer fato deve obrigar o agente a reparar o dano, bastando a existência de dano ligado a um fato para surja o direito à indenização” (MONTEIRO, 2014, p. 456);
- Teoria do risco proveito: dever de reparar aquele de quem se tirou proveito e sofreu um prejuízo em razão disso;
- Teoria dos atos normais e anormais: leva em conta os padrões do homem médio.
- Teoria do risco criado: é a que melhor explica a corrente objetiva, trata que “o dever de reparar o dano surge da atividade normalmente exercida pelo agente que cria risco a direitos ou interesses alheios”. (MONTEIRO, 2014, p. 456).
A responsabilidade objetiva é aquela presente no Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seus arts. 12 e 14, os quais preveem a responsabilidade do fornecedor independente de culpa nas situações definidas por eles.
Ademais, essa corrente também foi adotada pelo Código Civil de 2002, ampliando seu ramo de atuação. Todavia, cabe salientar que ambas correntes coexistem no ordenamento jurídico brasileiro.
4. Provedor de conteúdo e Redes Sociais
Provedores de conteúdo ou de informação são os intermediários entre o editor de conteúdo e o usuário de um site. Podem ser pessoas naturais ou jurídicas, isto é, engloba desde um blog ou website pessoal até grandes empresas especializadas, como é o caso das redes sociais (ex.: Orkut, Facebook, Instagram, etc).
Apesar de vários autores adotarem os termos “provedor de conteúdo” e “provedor de informação”, há quem defenda que ambos termos são diferentes, vejamos:
O provedor de informação é toda pessoa natural ou jurídica responsável pela criação das informações divulgadas através da Internet. É o efetivo autor da informação disponibilizada por um provedor de conteúdo. O provedor de conteúdo é toda pessoa natural ou jurídica que disponibiliza na Internet as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação, utilizando para armazená-las servidores próprios ou os serviços de um provedor de hospedagem. (LEONARDI, 2005, p. 30).
O provedor de conteúdo, em regra, não exerce prévio controle das informações que disponibiliza a seus usuários, salvo quando essas informações decorrem de prepostos do provedor de informação.
Atualmente, as redes sociais já se encontram enraizadas e são de uso constante entre os membros da sociedade brasileira, o que acaba por gerar diversas formas de vínculos e relações jurídicas e possibilitar a prática de atos ilícitos entre si. Quantos aos atos ilícitos praticados por meio do uso das redes sociais ou de qualquer outro provedor de conteúdo, deve-se analisar os direitos e deveres de reparação de danos, conforme o caso concreto. Mas, primeiramente, cabe perfazer o caminho da aplicação do instituto da reparação até o posicionamento atual do Direito Brasileiro.
5. Da controvérsia acerca da aplicação do instituto aos provedores de conteúdo
Em razão da dinamicidade do instituto da responsabilidade civil, é importante sua adequação à era digital, a qual vivemos nos dias de hoje. A inexistência de legislação específica ao tema do uso da internet gerou grandes inseguranças e divergências jurídicas, tanto doutrinárias, quanto jurisprudenciais, visto que há grande dificuldade no ato de aplicar o direito ao caso concreto, ainda mais quando há uma inovação social não acompanhada pelo mundo jurídico.
Nesse sentido, os operadores do direito se socorriam às informações contratuais de serviços dos provedores de internet para delimitar sua responsabilidade civil ou ao Código de Defesa do Consumidor, defendendo a adequação dos provedores de internet ao seu art. 3º:
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifo nosso).
De todo modo, ainda havia controvérsia acerca da aplicação do instituto e do descuro do nexo causal ao aplicá-lo mesmo que a conduta fosse exclusiva do usuário ofensor. O Professor Binicheski alerta para as decisões judiciais concedidas que tratam os provedores de internet como um risco, sendo necessária a vigilância constante de seu conteúdo sob pena de serem responsabilizados civilmente, mesmo sem nexo causal que justifique, havendo, portanto, uma responsabilidade ilimitada conferida a eles (BINICHESKI, 2011, p. 209-210), como é o caso, a título exemplificativo, do REsp 566468/RJ:
DIREITO DO CONSUMIDOR E RESPONSABILIDADE CIVIL - RECURSO ESPECIAL - INDENIZAÇÃO - ART. 159 DO CC/16 E ARTS. 6º, VI, E 14, DA LEI Nº 8.078/90 - DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO - SÚMULA 284/STF – PROVEDOR DA INTERNET - DIVULGAÇÃO DE MATÉRIA NÃO AUTORIZADA - RESPONSABILIDADE DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇO - RELAÇÃO DE CONSUMO - REMUNERAÇÃO INDIRETA - DANOS MORAIS - QUANTUM RAZOÁVEL - VALOR MANTIDO.
1 - Não tendo a recorrente explicitado de que forma o v. acórdão recorrido teria violado determinados dispositivos legais (art. 159 do Código Civil de 1916 e arts. 6º, VI, e 14, ambos da Lei nº 8.078/90), não se conhece do Recurso Especial, neste aspecto, porquanto deficiente a sua fundamentação. Incidência da Súmula 284/STF.
2 - Inexiste violação ao art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, porquanto, para a caracterização da relação de consumo, o serviço pode ser prestado pelo fornecedor mediante remuneração obtida de forma indireta.
3 - Quanto ao dissídio jurisprudencial, consideradas as peculiaridades do caso em questão, quais sejam, psicóloga, funcionária de empresa comercial de porte, inserida, equivocadamente e sem sua autorização, em site de encontros na internet, pertencente à empresa-recorrente, como "pessoa que se propõe a participar de programas de caráter afetivo e sexual", inclusive com indicação de seu nome completo e número de telefone do trabalho, o valor fixado pelo Tribunal a quo a título de danos morais mostra-se razoável, limitando-se à compensação do sofrimento advindo do evento danoso. Valor indenizatório mantido em 200 (duzentos) salários mínimos, passível de correção monetária a contar desta data.
4 - Recurso não conhecido. (REsp 566468/RJ, RECURSO ESPECIAL 2003/0132555-7).
Outrossim, podemos citar o entendimento do Professor Guilherme F. Neto:
[...] a informação precisa, veiculada por diversos fornecedores, de que sua página é segura, induz o consumidor a fornecer via internet seus dados, razão pela qual a empresa que mantém a página na rede mundial tem o dever de propiciar toda a segurança possível ao seu cliente e ao bystandart que venha a visitar sua página. Caso interessante, de onde poderia exsurgir inconteste a responsabilidade do fornecedor – ocorrendo dano –, foi a criação por hackers de uma página idêntica ou semelhante ao do Banco do Brasil, induzindo o consumidor a fornecer seus dados como se tivesse ingressado na página de seu próprio banco. Assim, os consumidores que tentavam localizar o site da citada instituição financeira, utilizando ferramentas de localização (Yahoo, Cadê etc.), correram o risco de ingressar na página pirata, ao invés de ingressar na página criada pela instituição financeira.
A doutrina majoritária passou a refutar a noção de responsabilidade objetiva dos provedores de internet, que antes era calcada na ideia de que esta se tratava de atividade de risco por sua própria natureza de serviço defeituoso nos termos do art. 14, § 1º do CDC, não podendo os provedores de serviços de internet ser responsabilizados pelo mau uso de seus serviços, sem aferição de culpa do provedor.
Nesse sentido, podemos citar a decisão do STJ de 2010, a qual defende a inexistência do dever de vigilância do provedor, porém responsabiliza a omissão de retirar o conteúdo ofensivo, nos seguintes termos:
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. INTERNET . RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. GRATUIDADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE CONTEÚDO. FISCALIZAÇÃO PRÉVIA DO TEOR DAS INFORMAÇÕES POSTADAS NO SITE PELOS USUÁRIOS. DESNECESSIDADE. MENSAGEM DE CONTEÚDO OFENSIVO. DANO MORAL. RISCO INERENTE AO NEGÓCIO. INEXISTÊNCIA. CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA DE CONTEÚDO ILÍCITO. RETIRADA IMEDIATA DO AR. DEVER. DISPONIBILIZAÇÃO DE MEIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DE CADA USUÁRIO. DEVER. REGISTRO DO NÚMERO DE IP. SUFICIÊNCIA.
1. A exploração comercial da internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90.
2. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo “mediante remuneração” contido no art. 3º, § 2º, do CDC deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor.
3. A fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor das informações postadas na web por cada usuário não é atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não examina e filtra os dados e imagens nele inseridos.
4. O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02.
5. Ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, deve o provedor agir de forma enérgica, retirando o material do ar imediatamente, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada.
6. Ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os usuários externem livremente sua opinião, deve o provedor de conteúdo ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o anonimato e atribuindo a cada manifestação uma autoria certa e determinada. Sob a ótica da diligência média que se espera do provedor, deve este adotar as providências que, conforme as circunstâncias específicas de cada caso, estiverem ao seu alcance para a individualização dos usuários do site, sob pena de responsabilização subjetiva por culpa in omittendo.
7. Ainda que não exija os dados pessoais dos seus usuários, o provedor de conteúdo, que registra o número de protocolo na internet (IP) dos computadores utilizados para o cadastramento de cada conta, mantém um meio razoavelmente A informação disponível não será considerada para fins de contagem de prazos recursais (Ato nº 135 - Art. 6º e Ato nº 172 - Art. 5º) eficiente de rastreamento dos seus usuários, medida de segurança que corresponde à diligência média esperada dessa modalidade de provedor de serviço de internet.
8. Recurso especial a que se nega provimento. [RECURSO ESPECIAL Nº 1.193.764 - SP (2010/0084512-0)].(grifo nosso).
Em sentido contrário, Marcel Leonardi entende que a existência de relação de consumo no caso do provedor de conteúdo apenas se caracteriza em caso de serviço a título oneroso, com concessão de senha exclusiva ao usuário. (LEONARDI, 2005, p. 31). Deste modo, o acesso gratuito desconfiguraria o provedor de conteúdo como fornecedor e o usuário como consumidor para fins jurídicos.
O surgimento da Lei 12.965/14, o Marco Civil da Internet, acabou por regulamentar o uso da internet no país. Pôs fim às divergências quanto à aplicação da responsabilidade civil do CDC aos provedores de serviços de internet em face de ato ilícito de terceiro, ao excluir a responsabilidade civil nesse caso, como regra, conforme dispõe o art. 18, da Lei supracitada. Entretanto, trouxe uma ressalva em seu art. 19, vide:
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário. (grifo nosso).
Nesse sentido, cabe colacionar o julgado do STJ, REsp nº 1568935/RJ, acerca da rede social “Orkut”:
RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER E REPARAÇÃO CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. PROVEDOR DE SERVIÇOS DE INTERNET. REDE SOCIAL "ORKUT". RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. CONTROLE EDITORIAL. INEXISTÊNCIA. APRECIAÇÃO E NOTIFICAÇÃO JUDICIAL. NECESSIDADE. ART. 19, § 1º, DA LEI Nº 12.965/2014 (MARCO CIVIL DA INTERNET). INDICAÇÃO DA URL. MONITORAMENTO DA REDE. CENSURA PRÉVIA. IMPOSSIBILIDADE. RESSARCIMENTO DOS HONORÁRIOS CONTRATUAIS. NÃO CABIMENTO.
1. Cuida-se de ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais e materiais, decorrentes de disponibilização, em rede social, de material considerado ofensivo à honra do autor.
2. A responsabilidade dos provedores de conteúdo de internet em geral depende da existência ou não do controle editorial do material disponibilizado na rede. Não havendo esse controle, a responsabilização somente é devida se, após notificação judicial para a retirada do material, mantiver-se inerte. Se houver o controle, o provedor de conteúdo torna-se responsável pelo material publicado independentemente de notificação. Precedentes do STJ.
3. Cabe ao Poder Judiciário ponderar os elementos da responsabilidade civil dos indivíduos, nos casos de manifestações de pensamento na internet, em conjunto com o princípio constitucional de liberdade de expressão (art. 220, § 2º, da Constituição Federal).
4. A jurisprudência do STJ, em harmonia com o art. 19, § 1º, da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), entende necessária a notificação judicial ao provedor de conteúdo ou de hospedagem para retirada de material apontado como infringente, com a indicação clara e específica da URL - Universal Resource Locator.
5. Não se pode impor ao provedor de internet que monitore o conteúdo produzido pelos usuários da rede, de modo a impedir, ou censurar previamente, a divulgação de futuras manifestações ofensivas contra determinado indivíduo.
6. A Segunda Seção do STJ já se pronunciou no sentido de ser incabível a condenação da parte sucumbente aos honorários contratuais despendidos pela vencedora.
7. Recurso especial provido.
(STJ - REsp: 1568935 RJ 2015/0101137-0, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 05/04/2016, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/04/2016). (grifo nosso).
O atual julgado do STJ confirmou o entendimento trazido pelo Marco Civil da Internet - contrariando seu próprio entendimento anterior, o qual trazia a responsabilidade objetiva solidária -, no sentido de que a responsabilidade das redes sociais e, portanto, dos provedores de conteúdo, decorre do controle editorial. Caso haja, estas serão responsabilizado independentemente de notificação judicial para a retirada do material ofensivo publicado por seu usuário. Porém, caso não haja, estas só poderão ser responsabilizadas se descumprirem a notificação judicial para a retirada do material ora referido.