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Determinismos historicistas nas Ciências Sociais

12/06/2005 às 00:00
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No decorrer da complexa e turbulenta evolução histórica da Humanidade, vez por outra surgem teorias históricas ou interpretações filosóficas no âmbito das Ciências Sociais que têm um nítido caráter determinista, seja de cunho econômico stricto sensu, seja de cunho político, religioso ou metafísico.

Todas as teorias históricas deterministas, na esteira do magistério do emérito filósofo Karl Popper, enfatizam a existência de "ritmos evolutivos", "padrões sócio-históricos recorrentes" ou "leis" de caráter sócio-histórico subjacentes a todas as Civilizações Humanas, passadas ou presentes, "padrões" ou "leis" essas que tornam o devir histórico inevitável justamente em função da inexorabilidade dessas "leis" ou "padrões" que condicionam a sucessão de eventos históricos e sociais de todas as Sociedades Humanas, passadas e presentes.

A conduta humana ao longo dos séculos, segundo as diversas teorias históricas deterministas, só, e somente só, é admitida como resultado da ação inconsciente, ou subjetiva condicionada, por uma causa ou um conjunto de causas que independem da vontade humana. Via de regra, tais teorias utilizam modelos multimórficos condicionais alicerçados em elementos ou fatores explicativos monocausais, isto é, se fundamentam num único conjunto de elementos ou fatores determináveis a priori que explicam a realidade histórica a partir de uma antítese evolutiva social, econômica, cultural, racial ou metafísica.

Em outras palavras, sob o justo pretexto de alcançar um conhecimento objetivo do passado fundamentados mediante um escrutínio rigoroso dos fatos históricos passados, as teorias historicistas deterministas englobam condições causais a priori abrangentes alicerçadas tanto na Providência Divina, quanto condições causais a priori abrangentes alicerçadas nesse ou naquele elemento ou fator explicativo de caráter econômico, político ou social mono-causal, condições causais a priori essas cuja operação conjunta ou simultânea se constitui em pressuposto para o estabelecimento de determinadas regularidades sócio-econômicas ou metafísicas atemporais e universais.

Tal situação descrita no parágrafo anterior se traduz na construção de modelos baseados em estruturas sócio-econômicas ou metafísicas que submetem as alterações históricas às leis pré-deterministas "estáticas" que, por via de conseqüência, são leis invariáveis no tempo e no espaço e de aplicação temporal inexorável. Some-se a isso, o fato de que as doutrinas historicistas, independentemente do seu matriz ideológico, possuem uma elevada carga "milenarista", na medida em que enxergam o devir humano a partir da reconstrução da sociedade e do Homem de acordo com novos parâmetros sociais, econômicos e culturais pré-estabelecidos e que são incogniscíveis a priori.

O âmago conceitual das doutrinas historicistas é a negação peremptória, explícita ou não, da pluralidade das "causas finais" e a sua crença quase que fanática em fatores determinantes recorrentes dos fenômenos sociais.

Em suma, tais teorias, via de regra, vêem o devir humano como o resultado de um encadeamento de fatos que necessariamente conduzem ao estabelecimento de uma nova ordem política e sócio-econômica através de leis evolucionárias dinâmicas e inescusáveis. Enquanto tal, tais teorias, em essência, acabam por promover a reconstrução histórica do passado baseada na inevitabilidade evolutiva do processo histórico, ou seja, o que hoje existe já estava previamente delineado no passado humano em função das "inexoráveis leis da História".

A expressão mais acabada dessa concepção historicista determinista é, sem dúvida, o materialismo histórico marxista. Como bem destacado por Raymond Aron, "as filosofias da história, do tipo marxista, ordenam o caos dos acontecimentos ao ligá-lo a alguns princípios cuja explicação é simples e situam o cumprimento do destino humano ao final de um movimento inevitável." (1)

Nesses termos, as teorias historicistas deterministas, incluindo as teorias marxistas de diferentes matizes e origens, pecam justamente no fato de submeterem a evolução das civilizações humanas a essa ou aquela explicação finalística previamente constituída e, desta maneira, determinável de antemão, bem como devido ao fato de que esquecem que as sociedades humanas não são sistemas sociais e políticos estáticos e recorrentes em termos históricos e, portanto, fenômenos passíveis de serem submetidas a determinadas leis gerais.

É uma falácia extremamente perigosa supor que o processo formativo das várias civilizações humanas, tanto no âmbito histórico stricto sensu, quanto em termos sociológicos e jurídicos, esteja previamente condicionado pela ação impessoal de forças ou fatores que transcendem o destino e a vontade humana, bem como que as múltiplas inter-relações culturais, políticas e econômicas havidas no seio dessas civilizações se sujeitem a determinadas leis históricas e sociológicas universais.

Impende destacar que a recusa de teorias históricas deterministas não implica no descarte de se tentar compreender os fenômenos históricos e sociológicos de maneira objetiva e racional. Tampouco implica em negligenciar o pano de fundo das forças naturais e culturais que envolvem as ações humanas ao logo da História, bem como os objetivos e/ou os desejos humanos (tanto individuais, quanto coletivos) que são, não raro, o fundamento de muitos fenômenos históricos, políticos, jurídicos e sociais.

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Negar que determinados fatores ou elementos naturais ou certos "impulsos" psíquicos ou metafísicos atuem como causas pontuais da evolução histórica, sob determinadas circunstâncias sociais, econômicas ou culturais, é tentar negar o inegável. Entretanto, erigi-los à condição de fatores ou elementos causais determinantes do processo evolutivo histórico e social do Homem, via de regra em conjugação com outros fatores ou elementos de cunho monocausal, é, no mínimo, minimizar em muito o grau de complexidade da causalidade histórica da evolução da Humanidade.

Nessa ordem de idéias, é forçoso lembrar o antigo, mas ainda válido nos dias atuais, Princípio da "Navalha de Ockham": não se deve multiplicar desnecessariamente as categorias lógico-formais explicativas, aí incluindo as categorias causais-condicionais.

O professor W. H. Walsh aponta que as explicações teleológicas, no âmbito da História, se justificam para certos acontecimentos históricos em determinadas circunstâncias e lugares, mas não se justificam para todos os acontecimentos históricos. Tal condição, salvo melhor juízo, é perfeitamente aplicável às demais Ciências Sociais, incluindo aí a Ciência do Direito.

É devido a isso que o estudo retrospectivo do passado humano e dos demais fenômenos sociais depende menos da busca de "leis históricas" ou "padrões sócio-históricos recorrentes" e mais da crítica analítica dos aspectos metodológicos da pesquisa histórica e sociológica em si, sobretudo no tocante ao delineamento preciso, ou, pelo menos o mais preciso possível, dos critérios metodológicos de pesquisa conjugado com a explicitação dos parâmetros de interpretação subjetivos do historiador ou do cientista social. (2)

Concluo este artigo, destacando que o principal subproduto das teorias historicistas deterministas, nos últimos dois séculos, foi o surgimento dos regimes totalitários ou semi-totalitários alicerçados em ideologias políticas pseudo-científicas. Isso é válido tanto para os regimes políticos de direita, quanto para os regimes políticos de esquerda. Tais regimes, nascidos em momentos de profunda crise política, econômica, social e ética, degradam as Ciências Sociais, eis que falseiam o passado humano a fim de se justificarem não só perante a História, como também perante si próprios em termos sociais, jurídicos, políticos, etc. Em nome de leis históricas totalmente carentes de comprovação empírica, milhões de pessoas foram mortas, mutiladas ou passaram por privações inimagináveis.


Notas

(1)ARON, Raymond: O Ópio dos Intelectuais. pág. 172.

(2)Com muita propriedade, o professor W. H. Walsh lembra que a História não é só descrição, mas também avaliação objetiva.

O principal corolário dessa assertiva, ao meu ver, é que o historiador deve, tanto quanto possível, fazer um diagnóstico honesto dos seus valores pessoais que eventualmente possam interferir no seu trabalho, ai incluindo os elementos teóricos-metodológicos que eventualmente falseiam a realidade social. Isto também se aplica às demais Ciências Sociais.


Referências bibliográficas

ABBAGNANO, Nicola: Dicionário de Filosofia. 4ª. ed. Tradução de Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2000.

ARON, Raymond: O Ópio dos Intelectuais. Tradução de Yvone Jean. Brasília: Ed. UNB, 1980.

HUISMAN, Denis: Dicionário dos Filósofos. Tradução de Cláudia Berliner et all. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2001.

POPPER, Karl: A Miséria do Historicismo. Tradução de Octanny S. da Mota e Leônidas Hegenberg. São Paulo: EDUSP; Ed. Cultrix, 1980.

WALSH, W. H.: Introdução à Filosofia da História. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

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Sobre o autor
Ricardo Luiz Alves

licenciado em História pela PUC/RJ, bacharel em Direito pelo Centro Integrado de Ensino Superior do Amazonas (CIESA), servidor da Justiça do Trabalho em Manaus (AM)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Ricardo Luiz. Determinismos historicistas nas Ciências Sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 707, 12 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6825. Acesso em: 22 dez. 2024.

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