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Recuperação e falência

09/06/2005 às 00:00
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             Finalmente, o Congresso Nacional decretou e o Presidente da República sancionou a Lei nº 11.101, que regula a recuperação judicial e extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. (01) Por meio da Mensagem nº 59, de 9 de janeiro de 2005, o Chefe do Executivo Federal comunica ao Presidente do Congresso Nacional a decisão de vetar parcialmente o Projeto de Lei nº 4.376/93 (nº 71/03 no Senado). Concomitantemente, foi sancionada a Lei Complementar nº 118, que altera o Código Tributário Nacional, em face da Lei de Recuperação e Falência. (02)

            Longa é a história e a andança do projeto de lei original, pelos corredores do Ministério da Justiça e do Congresso Nacional, tendo decorrido longos 14 anos de severas discussões, debates constantes e propostas, visando dar ao País um texto moderno e consentâneo com a nova realidade por que atravessa o mundo moderno, bem diferente daquele universo em que a velha lei – Decreto-lei 7.661, de 21 de junho – foi concebida, nos idos de 1945. (03)

            É verdade que, nos últimos anos, o Congresso lutou desesperadamente para que o projeto se transformasse na lei que, sem dúvida, poderá dar novo impulso à economia e fortalecerá aquelas empresas que, debilitadas e sem nenhuma chance de reabilitação, alquebradas por fatores exógenos e econômicos, poderão doravante reverter a situação negativa de seus negócios, com saldo positivo não só para os credores, mas também como fonte de manutenção dos empregos e da fonte produtora. Preserva, deste modo, a empresa, com sua função social.

            No entanto, se não forem tomadas medidas suplementares, necessárias e inadiáveis, desafortunadamente, todo esforço não passará de mero sonho irrealizado. Tampouco a emenda constitucional recém promulgada, referente a parte da reforma do Judiciário bastará, para tornar célere o processamento da recuperação da empresa e da falência. Será uma vitória de Pirro!

            Propusemos ao relator, na Câmara dos Deputados, sugestão, no sentido de se criarem juizados especiais ou tribunais de falência, a exemplo de outros países, em número suficiente, para desemperrar de vez o congestionamento da justiça falimentar e a comum. Os juizados de pequenas causas são o modelo gritante de que há remédio para tudo. Não bastam leis renovadoras, é preciso que se aumente o número de juízes, dando-se-lhes remuneração condigna, com a respectiva reestruturação do sistema cartorário, para que realmente este Poder possa desempenhar o ofício constitucional que lhe cabe. Basta a vontade política para se resolverem as mais intrincadas questões

            O aumento vegetativo da população e o crescente desenvolvimento das atividades econômicas exigem do legislador uma tomada de posição séria e urgente.

            O Presidente da República, após ouvir os Ministérios da Justiça e da Fazenda vetou integralmente o artigo 4º. A primeira comissão que elaborou o anteprojeto havia optado por solução mais simples, de modo a desburocratizar o andamento do processo. Encaminhados os autos ao Parquet, deveria este manifestar-se no prazo assinalado, tendo sido prevista a hipótese de que, com ou sem o pronunciamento daquele órgão em tempo hábil, os autos seriam conclusos ao juiz, imediata e preferencialmente. Esta tese, porém, não vingou.

            De qualquer forma, o veto, de certa forma, tenta evitar a procrastinação do feito, tal qual ocorria, sob a égide da lei revogada, como certificado na justificativa presidencial. Os demais dispositivos vetados minimizam conflitos de competência na nomeação do administrador judicial e na indicação do substituto. O outro preceito – inciso II do § 6º do artigo 37 – também foi vetado, por razões pertinentes.

            A lei lamentavelmente não se aplica à empresa pública e à sociedade de economia mista, contrariando o projeto originário. Este submetia não apenas essas empresas, mas também as demais estatais, ao regime desse diploma, desde que elas explorassem atividade econômica. Sua exclusão é injustificável, quer em face dos artigos 1º, 170, 173 e 174 da Constituição Federal, quer em virtude da moderna tendência doutrinária, a que o País aderiu.

            Com efeito, a Constituição traça os princípios fundamentais, que regem a República, distinguindo-se os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa (artigos 1º, 170, caput), consubstanciados em norma de significativa importância, ao detalhar que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, asseguradas a propriedade privada e a livre concorrência.

            O artigo 174 traça uma regra valiosa, ao modelar o Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. Entretanto, para o setor privado, o planejamento é meramente indicativo e não obrigatório.

            Por isso mesmo, essa discriminação, em relação às empresas estatais e as paraestatais, notadamente as de economia mista, colide de frente com as disposições e os princípios fundamentais da Lei Magna.

            Essa diferenciação peca, pelo vício da inconstitucionalidade e recebe imediata contestação da Constituição. Já nasce morta. No confronto entre as duas normas, sem dúvida prevalece a constitucional, pois todos são iguais perante a lei.

            Carlos Maximiliano ensina que o Texto Máximo é a lei suprema do país, nenhum ato prevalecendo contra seu espírito ou sua letra. (04)

            Preocupou-se a lei com a recuperação econômica da empresa, ao invés de esmagá-la, alcançando ainda as microempresas, sem restrição de um mínimo de cem empregados, como queria um dos projetos, pois a constrição simplesmente abortaria esse instituto.

            Desenha figuras novas, como o administrador judicial (pessoa física – pessoa idônea, de preferência advogado, administrador de empresa, contador ou economista) ou pessoa jurídica especializada, o comitê de recuperação e a assembléia de credores. Não mais existem o síndico, o comissário e a concordata.

            Esta lei, seguindo as pegadas dos projetos das comissões do Executivo, revolucionou a legislação, ao adotar a recuperação da empresa. Colocou, assim, o Brasil, entre os países mais adiantados, nesta área.

            Criou a figura da recuperação judicial e extrajudicial da empresa. O devedor poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial, desde que preencha os requisitos exigidos para a recuperação judicial, isto é: I - exercício de suas atividades por mais de dois anos, de forma regular; II - não ser falido ou, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; III – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; IV – não ter, há menos de 8 anos, obtido concessão de recuperação judicial, com base no plano especial de que trata a lei; V – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio-controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes capitulados nesta lei.

            O plano de recuperação extrajudicial produz efeitos após a homologação judicial. Com a previsão da homologação da recuperação extrajudicial, o legislador perdeu a grande oportunidade de aproximá-la da arbitragem, conforme propusemos ao relator Osvaldo Biolchi.

            Esta situação não caracteriza a falência.Trata-se de acordo, confluência de vontades, eis por que é perfeitamente compatível com o instituto da arbitragem.

            Ora, a homologação descaracteriza totalmente o instituto da arbitragem (recuperação extrajudicial) ou da solução de conflitos mediante acordo, previsto na Lei 9307, de 2 de setembro de 1996, e também no Código Civil de 2001. Se o legislador tencionava permitir que a recuperação se fizesse, de maneira célere e desburocratizada, na verdade seu intento será anulado, em face da homologação em Juízo.

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            A Lei de Sociedade por Ações foi contemplada com a alteração, permitindo a previsão, nos estatutos das sociedades por ações, da possibilidade de resolução das dissidências, por meio da arbitragem, entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários (Lei nº 6404, de 15 de dezembro de 1976, alterada pela Lei nº 10303, de 31 de outubro de 2001, artigo 109, parágrafo terceiro).

            A solução amigável das pendências é universalmente aceita e operada, em todos os Países, daí por que deveria a lei admitir a recuperação extrajudicial, independentemente da homologação judicial.

            Outro ponto negativo da lei diz respeito à não aceitação de proposta, no sentido de não ser decretada a falência, se comprovado o pagamento parcial da dívida. (05)

            Esse fato é bastante forte para obstar a decretação da falência, consoante propunha o projeto da primeira comissão e conforma-se com os princípios da recuperação da empresa.

            A Lei Complementar nº 118 alterou o Código Tributário Nacional, acrescentando alguns dispositivos e modificando outros, para que a lei de recuperação da empresa e de falência conviva harmonicamente com o Estatuto Tributário, v.g.: Artigos 133, 155-A, 185, 186.

            Em conclusão, a lei, apesar das observações acima, poderá, se algumas providências forem tomadas prontamente, atender os reclamos da sociedade, visto que a empresa é, hoje, encarada como uma entidade de suma importância e sua recuperação não advém de mera abstração, senão de uma necessidade incontestável, com assento na doutrina e no direito alienígena. Afinal, não pode o Estado alhear-se dessa magna questão.


Notas

            1

Cf. DOU de 9 de fevereiro de 2005 – Edição extra.

            2

Cf. DOU de 9 de fevereiro de 2005 – Edição extra.

            3

* O Poder Executivo, pela Mensagem nº 1.014, de 21 de dezembro de 1.993, enviou ao Congresso Nacional texto do Projeto de Lei, acompanhado da Exposição de Motivos do então Ministro da Justiça, Ministro Maurício Corrêa, elaborado pelas Comissões constituídas pelas Portarias 233, publicada no DOU, de 9 de maio de 1.991, e 552 MJ, publicada no Diário do Congresso Nacional de 22 de fevereiro de 1.994.

            * Participaram da 1ª comissão, coordenada pelo Dr. Raul Bernardo Nelson de Senna, os Drs. Leon Frejda Szklarowsky (secretário), Geraldo de Camargo Vidigal, assessorado pelos Drs. Geraldo Facó Vidigal, Marcos da Costa e Fernando D’ Almeida e Souza Júnior; Solange Nascimento Velloso, Carlos Alberto de São Tiago Hagstrom, Danilo José Loureiro, Maria Luíza Grossi Franco Neto e Marília Pinheiro de Abreu Miranda (Texto e Nota Explicativa publicados, no DOU de 27 de maio de 1992); e da 2ª, presidida pelo Dr. Alfredo Bumachar Filho, os Drs. Fran Martins, Rubens Requião, Werter R. Faria, José Fernando Mandel, João Raimundo Cysneiros Vianna e Leon Frejda Szklarowsky (texto publicado no DOU de 29 de julho de 1993).

            * O Professor e juiz Avenir Passo de Oliveira, do Estado de Goiás, assessorou o relator do projeto na Câmara dos Deputados, Deputado Osvaldo Biolchi.

            * Sobre o histórico desse projeto, consulte-se nosso trabalho publicado na revista ARQUIVOS DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 189, JAN/JUN/98.

            4

Cf. Hermenêutica e Aplicação do Direito, Livraria Freitas Bastos S/A, 6ª edição, 1957, p. 389. Sobre o assunto, consultem-se, entre outros, Ivo Dantas, Instituições de Direito Constitucional Brasileiro, Juruá, 2ª edição, 2001, Ronaldo Poletti, Da Constituição à Constituinte, Forense, 1986, Marcelo Rebelo de Souza, O Valor Jurídico do Acto Inconstitucional, I, Lisboa, 1988.

            5

Cf. artigo na Revista Jurídica Consulex 156, de 15 de julho de 2003.
Assuntos relacionados
Sobre o autor
Leon Frejda Szklarowsky

Falecido em 24 de julho de 2011. Advogado, consultor jurídico, escritor e jornalista em Brasília (DF), subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado, editor da Revista Jurídica Consulex. Mestre e especialista em Direito do Estado, juiz arbitral da American Association’s Commercial Pannel, de Nova York. Membro da membro do IBAD, IAB, IASP e IADF, da Academia Brasileira de Direito Tributário, do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, da International Fiscal Association, da Associação Brasileira de Direito Financeiro e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Integrou o Conselho Editorial dos Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, da Editora Revista dos Tribunais, e o Conselho de Orientação das Publicações dos Boletins de Licitações e Contratos, de Direito Administrativo e Direito Municipal, da Editora NDJ Ltda. Foi co-autor do anteprojeto da Lei de Execução Fiscal, que se transformou na Lei 6830/80 (secretário e relator); dos anteprojetos de lei de falências e concordatas (no Congresso Nacional) e autor do anteprojeto sobre a penhora administrativa (Projeto de Lei do Senado 174/96). Dentre suas obras, destacam-se: Execução Fiscal, Responsabilidade Tributária e Medidas Provisórias, ensaios, artigos, pareceres e estudos sobre contratos e licitações, temas de direito administrativo, constitucional, tributário, civil, comercial e econômico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Recuperação e falência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 704, 9 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6835. Acesso em: 26 abr. 2024.

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