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O conceito de franquia empresarial conforme a lei

22/08/2018 às 13:13
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Pela legislação brasileira, a franquia é tratada mais como um sistema e menos como um negócio, o que traz questionamentos sobre sua natureza jurídica.

A definição jurídica de franquia se extrai do artigo 2º da Lei 8.955/1994:    

O sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços, e eventualmente, também, ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.

De acordo com GLADSTON MAMEDE:    

"A afirmação legal de que a franquia empresarial é um sistema, como se lê no Artigo 2º da Lei 8.955/94, causa uma surpresa logo de início: é curioso observar que, não obstante trate-se de um negócio jurídico, preferiu o legislador referir-se a um sistema, deixando de lado o aspecto contratual. Essa omissão da referência ao contrato de franquia é resolvida pela própria lei, quando utiliza a expressão nos Artigos 3º, XIV e XV, 4º,caput, e 6º, entre outros. Mas não se pode desprezar a preferência legal por, na definição do instituto, tratá-lo como um sistema; cuida-se de uma opção rica em possibilidades hermenêuticas, encampando a riqueza do negócio que se examina. Com efeito, a identificação da franquia empresarial como um sistema deixa claro que tal prática empresarial não pode ser compreendida a partir de cada contrato isoladamente, uma relação dual destacada de qualquer outra, um universo em separado. Assim não é. Cada contrato de franquia empresarial (cada relação franqueador/franqueado) compreende-se num todo, ou seja, num sistema: a totalidade dos contratos a implicar uma atuação empresarial uniforme, conjunta, na qual o comportamento (o ato ou a omissão) de qualquer parte no sistema, seja o franqueador, seja qualquer um dos franqueados, repercute em toda a cadeia, favorável ou desfavoravelmente." (MAMEDE, 2008, p. 325).

Observa-se que a legislação brasileira, de acordo com MAMEDE, trata o franchising mais como um sistema do que como um negócio, priorizando a repercussão do ato jurídico em toda a cadeia ao invés do contrato isoladamente.

É acertada a conceituação legal, pois não se limita a definir uma única relação jurídica bilateral, mas demonstra que a incidência do contrato entre duas partes se reflete sobre toda a rede de franqueados e, em menor grau, sobre todos aqueles que possuem certa dependência com relação à empresa franqueadora como, por exemplo, os fornecedores desta empresa, que obtém seu sustento através do fornecimento de produtos para os franqueados.

Ou seja, a falência ou mesmo a diminuição do prestígio de determinada empresa perante o mercado consumidor acarreta enormes prejuízos para a economia como um todo, afetando severamente a geração de empregos e o crescimento do país. Por esta razão, cada contrato bilateral deve ser examinado levando-se em conta toda a cadeia de franqueados e demais interessados.

Nas palavras de ANDRÉ LUIS SANTA CRUZ,

"Assim como ocorrem em todos os contratos de colaboração, há na  franquia uma clara subordinação empresarial do franqueado em relação ao franqueador, sem que exista, todavia, vínculo empregatício. Essa subordinação, pois, diz respeito apenas á organização da atividade do franqueado que deve seguir as orientações traçadas pelo franqueador, já que este tem total interesse de que os seus produtos mantenham a sua qualidade e sua marca conserve o “respeito” adquirido junto ao mercado consumidor". (CRUZ, 2011, p.461).

SANTA CRUZ ainda lembra que o contrato de franquia envolve outros subcontratos, como a licença do uso de marca ou de patente e a distribuição exclusiva de produtos ou serviços (SANTA CRUZ, 2011, p. 461).

Além disso, o franqueador presta ao franqueado serviços de organização empresarial, que se baseiam em três subcontratos específicos, a saber:

I- engineering, através do qual o franqueador orienta o franqueado em todo o processo de montagem do seu estabelecimento;

II- management, por meio do qual o franqueador orienta o franqueado no treinamento de sua equipe de funcionários;

III- marketing, mediante o qual o franqueador orienta o franqueado quanto aos procedimentos de divulgação e promoção dos produtos.

Há uma subordinação do franqueado perante o franqueador, porém, de modo algum se caracteriza uma relação empregatícia, pois essa hierarquia vincula-se apenas à organização da atividade empresarial.

O franqueador possui interesse no sucesso do franqueado, de tal forma que a empresa aumente seus negócios e conquiste cada vez mais respeito junto à clientela. Para tanto, o franqueado deve ser orientado com relação à engenharia do estabelecimento, ao treinamento dos funcionários e à publicidade dos produtos comercializados.

WALDO FAZZIO JÚNIOR dispõe que:       

"A própria conceituação legal de franquia como um sistema traduz a falta de uniformidade sobre sua natureza jurídica. Realmente, todas as concepções formuladas na doutrina nacional levam á conclusão de que não se trata de um contrato convencional perfeitamente delineado. Pelo quanto se disse, já se percebe que é um contrato de prestações recíprocas e sucessivas que pode ser rotulado como eclético, porque resulta da combinação de várias outras modalidades de pacto. Envolve cessão de direitos, licença de marca, prestação de serviços, compra e venda e distribuição, para dizer o mínimo." (JÚNIOR, 2006, p. 569-570).

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JÚNIOR ainda afirma que objetivo final da franquia é otimizar a comercialização de determinados produtos ou serviços; e que não se trata de singela licença para utilização da marca, mas de sistema de distribuição de bens e serviços distinto da concessão mercantil, envolvendo intrincado suporte organizacional, mesmo que o licenciamento demonstre ser sua característica principal (JÚNIOR, 2006, p. 569-570).

Ainda no tocante a esse assunto RICARDO NEGRÃO elucida que:    

"Pela definição, o contrato de franquia envolve distribuição de produtos ou serviços, cessão de uso de marcas, registros e/ou patentes, bem como prestação sucessiva e continuada desses recursos, cumulada ou não com o direito de uso de tecnologias relacionadas à administração do negócio e de sistema operacional. Cabe ao franqueado pagar o franqueador pelo uso desses recursos. Na expressão direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio encontram-se os serviços de organização empresarial que,por sua vez, podem ser divididos em áreas distintas, conforme identificadas pela Ciência da Administração, tais como recursos humanos, recursos materiais e patrimoniais, logística, mercadologia etc." (NEGRÃO, 2012, p. 311).

NEGRÃO também assevera que a definição legal brasileira, apesar de não ser a perfeita por não distinguir as modalidades contratuais de franquias concebidas pelo mercado, permite compreender a realidade do instituto jurídico comercial (NEGRÃO, 2012, p. 311).

Não há unanimidade na doutrina com relação à definição do instituto, tampouco com relação à sua natureza jurídica, justamente por não ser um contrato comercial muito bem delineado. Seu principal objetivo é intensificar a comercialização de produtos ou serviços envolvendo complexa estrutura. Ademais, é possível o uso de tecnologia para uma melhor implantação do sistema empresarial, devendo o franqueado se responsabilizar pelo seu custo.

De acordo com FABIO ULHOA COELHO:         

"A franquia é um contrato pelo qual um empresário (franqueador-franchisor) licencia o uso de sua marca a outro (franqueado-franchisee) e presta-lhe serviços de organização empresarial, com ou sem venda de produtos." (COELHO, 2011, p. 486).

NELSON ABRÃO observa que a franquia é:    

"Um contrato pelo qual o titular de uma marca da indústria,comércio ou serviço (franqueador), concede seu uso a outro empresário (franqueado), posicionando em nível de distribuição, prestando-lhe assistência no que concerne aos meios e método para viabilizar a exploração dessa concessão, mediante o pagamento de uma entrada e um percentual sobre o volume dos negócios pelo franqueado." (ABRÃO, 1995, p. 27).

Em que pese a sabedoria dos doutrinadores citados ao conceituar a franquia, nota-se a definição de COELHO como a mais objetiva, resumindo de forma eficaz a conceituação do instituto.

Pode-se afirmar que franquia é o negócio jurídico no qual uma empresa franqueadora licencia o uso da marca, registros e patentes para o franqueado, devendo este pagar pela licença de tais direitos. O franqueador, contudo, deve assistir o franqueado com relação ao engineering, management e marketing, isto é, pelo suporte organizacional do negócio que se revela como a característica que, de fato, faz o franchising funcionar.


REFERÊNCIAS:

ABRÃO, Nelson. A Lei da Franquia Empresarial (n. 8.955 de 15.12.1994).Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 84, v. 722, p. 25-39, dez. 1995.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 6. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil e alterações da LSA. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 1.

JÚNIOR, Waldo Fazzio. Manual de Direito Comercial, 7. ed., São Paulo: Atlas, 2006.

MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro, volume 1: Empresa e Atuação Empresarial, 5. ed., São Paulo: Atlas, 2011.

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa, volume 2: título de crédito e contratos empresariais, 5.ed., São Paulo: Saraiva, 2015.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de Direito Empresarial. 4. ed., Salvador: Juspodivm, 2011.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EBERT, Bruno. O conceito de franquia empresarial conforme a lei. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5530, 22 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68512. Acesso em: 24 abr. 2024.

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