A lei de crimes ambientais como instrumento de tutela ambiental

24/08/2018 às 17:10
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O meio ambiente ecologicamente equilibrado foi consagrado pela Constituição, assim como os instrumentos para sua salvaguarda. Entenda mais sobre a Lei dos Crimes Ambientais, Lei nº 9605/98, e como ela se encaixa nesse processo.

RESUMO: O meio ambiente ecologicamente equilibrado foi consagrado pela Constituição Federal de 1988, que dispôs em seu artigo 225 uma série de instrumentos aptos a tutelar os bens naturais. Cumprindo um expresso mandado de criminalização presente no §3º da Magna Carta, surgiu a Lei nº 9605/98, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, com o objetivo de responsabilizar criminalmente tanto pessoas físicas ou pessoas jurídicas que incidirem nas condutas tipificadas por ela.

Palavras-chaves: Meio Ambiente, Crime, Responsabilidade.


1. INTRODUÇÃO

A Revolução Industrial, período que marcou a transição dos métodos de produção artesanal para a produção por máquinas, que ocorreu em meados do século XVIII, na Inglaterra, é o grande marco que alicerçou uma sociedade pautada no consumo. Dentre os inúmeros avanços tecnológicos desencadeados por este período histórico, destaca-se a invenção do motor a vapor.

A criação do motor a vapor fomentou o desenvolvimento de locomotivas a vapor e uma significativa expansão na utilização de ferrovias. Neste contexto fabril o principal desdobramento social, foi a transformação nas condições de vida da população, trazendo uma mudança drástica e contínua nas relações de consumo, na medida em que novas mercadorias surgiam a todo instante, há de se ressaltar, também, o grande êxodo urbano que marcou este período da história.

Em se tratando de meio ambiente, a Revolução Industrial tem grande importância para esta área do conhecimento. O grande avanço tecnológico não gerou apenas o desenvolvimento econômico e social dos países que adotaram o modelo manufatureiro de produção, trouxe também como graves consequências inúmeras e constantes agressões ao meio ambiente, dentre delas a poluição. Segundo Juras (2015, p.51) “a poluição é sem dúvida umas das extremidades mais marcantes do modo de produção e consumo da sociedade moderna, que tem a indústria como uma de suas características marcantes”.

A partir deste momento, fez-se necessária o desenvolvimento de politicas técnicas e jurídicas que buscassem o desenvolvimento econômico atrelado às noções de sustentabilidade.

Nesta perspectiva surge o Direito Ambiental, como sendo um ramo do direito que regula a relação entre a atividade humana e o meio ambiente. De natureza multidisciplinar, ou seja, relaciona-se com várias disciplinas e várias ciências, tem seu alicerce principal pautado no meio ambiente ecologicamente correto e equilibrado.

A Constituição Federal de 1988 consagrou o meio ambiente como sendo um bem de uso comum, e foi além, consagrou este como sendo um dos direitos e garantias fundamentais de todos os brasileiros, como veremos a seguir.


2. O DIREITO AMBIENTAL NA CONSTITUIÇAO FEDERAL DE 1988

Com o advento da nova Constituição Federal, em 1988, o meio ambiente teve, pela primeira vez, respaldada pela Magna Carta sua tutela e proteção, como bem disserta Édis Milaré (2005, p. 183):

“A Constituição do Império, de 1824, não fez qualquer referência à matéria, apenas cuidando da proibição de indústrias contrárias à saúde do cidadão (art. 179, n. 24). Sem embargo, a medida já traduzia certo avanço no contexto da época. O Texto Republicano de 1891 atribuía competência legislativa à União para legislar sobre as suas minas e terras (art. 34, n. 29). A Constituição de 1934 dispensou proteção às belezas naturais, ao patrimônio histórico, artístico e cultural (arts. 10, III, e 148); conferiu à União competência em matéria de riquezas do subsolo, mineração, águas, florestas, caça, pesca e sua exploração (art. 5º, XIX, j). A Carta de 1937 também se preocupou com a proteção dos monumentos históricos, artísticos e naturais, bem como das paisagens e locais especialmente dotados pela natureza (art. 134); incluiu entre as matérias de competência da União legislar sobre minas, águas, florestas, caça, pesca e sua exploração (art. 16, XIV); cuidou ainda da competência legislativa sobre subsolo, águas e florestas no art. 18, ‘a’ e ‘e’, onde igualmente tratou da proteção das plantas e rebanhos contra moléstias e agentes nocivos.

A Constituição de 1967 insistiu na necessidade de proteção do patrimônio histórico, cultural e paisagístico (art. 172, parágrafo único); disse ser atribuição da União legislar sobre normas gerais de defesa da saúde, sobre jazidas, florestas, caça, pesca e águas (art. 8º, XVII, ‘h’). A Carta de 1969, emenda outorgada pela Junta Militar à Constituição de 1967, cuidou também da defesa do patrimônio histórico, cultural e paisagístico (art. 180, parágrafo único). No tocante à divisão de competência, manteve as disposições da Constituição emendada. Em seu art. 172, disse que ‘a lei regulará, mediante prévio levantamento ecológico, o aproveitamento agrícola de terras sujeitas a intempéries e calamidades’ e que o ‘mau uso da terra impedirá o proprietário de receber incentivos e auxílio do Governo”.

Opondo-se a isto a Constituição Federal de 1988 trouxe elencado em seu artigo 225 uma série de dispositivos que tutelam e consagram o uso equilibrado e sustentável dos bens naturais. Vejamos o caput:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Podemos observar que o constituinte deu guarida ao que denominamos de “Direito Intergeracional”, ou seja, o texto constitucional preocupa-se com a tutela ambiental das presentes e das futuras gerações, insta salientar ainda que o Direito Ambiental é classificado também, como sendo um Direito de 3ª geração e de natureza difusa (abrange a coletividade).

Dentre os meios de tutela ambiental, derivados da Magna Carta, destacamos o mandado de criminalização que se encontra presente no § 3º do já citado artigo, que versa da seguinte maneira:

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. (grifo nosso)

Deste modo, temos uma tríplice responsabilização no que tange a matéria ambiental em nosso ordenamento jurídico, sendo aquele causador de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente responsabilizado nas esferas criminal, civil e administrativa. Frente isso voltemos nossos estudos à lei que complementou o mandado de criminalização expresso na Constituição Federal. A Lei n. 9605/98, conhecida como Lei de Crimes Ambientais.


​​3. A LEI DE CRIMES AMBIENTAIS COMO MEIO DE TUTELA AMBIENTAL

Logo após a sua entrada em vigor, em 30 de março de 1998, a chamada Lei de Crimes Ambientais passou a sofrer uma série de críticas da comunidade jurídica, sendo alvo de inúmeros comentários negativos. O ilustre Professor Miguel Reale Júnior[1] em artigo publicado no Jornal Folha de São Paulo classificou-a como: “A lei hedionda de crimes ambientais”, indo além e afirmando:

“A defesa imprescindível do meio ambiente não autoriza que se elabore e que o Congresso aprove lei penal ditatorial”. (REALE, Miguel. A Lei Hedionda de Crimes Ambientais). 

Outro ponto controvertido é a responsabilização da pessoa jurídica. Duas teorias são as mais aceitas e buscam esclarecer essa indagação. A primeira é a chamada Teoria da Ficção de Savigny segundo a qual, somente o homem pode ser sujeito de direito, por esta razão, surge uma criação artificial da lei, ou seja, uma ficção, visando facilitar a função de determinadas entidades para exercer direitos patrimoniais. Pode ser retratada pelo brocardo latino: “societas delinquere non potest” (a sociedade não pode delinquir). O grande Mestre Damásio de Jesus pontua acerca desta teoria:

(...) “a personalidade natural não é uma criação do direito, sendo que este a recebe das mãos da natureza, já formada, e limita-se a reconhecê-la. A personalidade jurídica, ao contrário, somente existe por determinação de lei e dentro dos limites por esta fixada. Faltam-lhe os requisitos psíquicos da imputabilidade. Não tem consciência e vontade própria. É uma ficção legal (...). Por não haver livre arbítrio e vontade própria, os fatos por ela praticados são atípicos”. (JESUS. Damásio E. de. Direito Penal. Vol. 1 23 º ed. São Paulo: Saraiva, 1999).

Em contrapartida, encontramos a Teoria da Realidade, de Otto Gierke que se apoiava na ideia de que a pessoa jurídica era um corpo social com vida autônoma e vontade própria, cujo objetivo seria o de alcançar um fim social. Assim, as pessoas jurídicas seriam uma realidade sociológica, um ente com vida própria nascida por força de imposição social (e não mera ficção). Fernando Rocha, apoiado nos Egrégios Doutrinadores Pierangeli e Freitas defende que é totalmente plausível o cometimento de crimes por pessoas jurídicas, como bem assevera:

Interpretar os dispositivos constitucionais de modo a não admitir a responsabilidade de pessoa moral significa desatender à finalidade protetiva da norma jurídico-constitucional. Outro caminho não resta senão construir um novo edifício dogmático para, paralelamente ao que define os limites da responsabilidade individual, reprimir as atividades desenvolvidas por pessoas jurídicas em prejuízo dos bens e interesses juridicamente tutelados”. (1998, p. 20).

Diante do exposto, afere-se que a pessoa jurídica possui vontade própria, distinta dos seus associados, por consequência, teria capacidade para delinquir. A responsabilidade penal da pessoa jurídica é necessidade que se impõe no mundo moderno, principalmente no que tange os delitos ambientais que em sua grande maioria são cometidos por sociedades empresariais.

Lado outro, nossa Lei Maior deu aporte para este tipo de responsabilização, não cabendo qualquer dúvida acerca de sua aplicabilidade como bem pontua Édis Milaré (2000 p. 920) “Não cabe mais, diante da expressa determinação legal, entrar no mérito da velha polêmica sobre a pertinência da responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Melhor será exercitar e buscar os meios mais adequados para a efetiva implementação dos desígnios do legislador”.

Vencida a etapa de elucidação das divergências doutrinárias, mesmo depois de passados vinte anos de sua entrada em vigor, encontramos dissídios que já deveriam ter sido superados acerca da Lei dos Crimes Ambientais. O maior deles refere-se às penas aplicáveis em seus conceitos secundários. Por se tratar de matéria penal, erroneamente chega-se à conclusão de que o objetivo primordial seria o de privar aqueles que incidem em delitos ambientais de sua liberdade.

Mero engano. A Lei n. 9605/98 tem como enfoque principal a punição das pessoas jurídicas, que comentem os tipos penais descritos na lei de forma desenfreada. O melhor exemplo destas punições pode ser encontrado no artigo 10 que dispõe o seguinte:

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Art. 10. As penas de interdição temporária de direito são a proibição de o condenado contratar com o Poder Público, de receber incentivos fiscais ou quaisquer outros benefícios, bem como de participar de licitações, pelo prazo de cinco anos, no caso de crimes dolosos, e de três anos, no de crimes culposos. (grifo nosso).

Pode-se afirmar que o mecanismo mais eficaz de reprimenda aos crimes contra a natureza se encontra no artigo acima. A proibição de contratar, receber subsídios fiscais e participar de licitações pelo prazo de três a cinco anos, pode significar a destruição de qualquer empresa, seja ela de grande, médio ou pequeno porte. Conclui-se então que a Lei de Crimes Ambientais é um instrumento fundamental no que tange a tutela ambiental. Pois coíbe, intimida e repreende tanto as pessoas físicas cometedoras de delitos ambientais, quanto às pessoas jurídicas.


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme apresentado, diante da evolução da sociedade, fez-se necessário que o direito se adaptasse e criasse mecanismos aptos a regular o desenvolvimento econômico sem que o meio ambiente fosse devastado.

O Direito Ambiental, ainda tido para muitos como um novo desdobramento das ciências jurídicas, veio com esta finalidade, e, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, encontrou respaldo para implantar suas politicas criminais, civis e administrativas como forma de reprimenda a aqueles que praticavam esporádica ou reiteradamente ilícitos ambientais.

Em meio a diversas leis que versam sobre questões ambientais, surgiu a conhecida popularmente como Lei de Crimes Ambientais, responsável pela reordenação da legislação ambiental brasileira no que se refere às infrações e punições. Dentre várias inovações e determinações, destaca-se, por exemplo, a possibilidade de penalização das pessoas jurídicas no caso de ocorrência de crimes ambientais estipulados pela própria lei.

Nas palavras de Édis Milaré[2]: “Os crimes ambientais afetam diretamente, e em vários graus, o patrimônio da coletividade. É óbvio que se desenvolva um pouco mais esse ramo do Direito do Ambiente, tendo-se em vista certa anarquia e indisciplina que acompanharam a evolução do Brasil Colônia para os nossos tempos, passando pelo período imperial”.

Dessa forma, constatamos que a política criminal ambiental necessita de evoluções. Em especial, no que diz respeito à grande diversidade de biomas existentes em nosso país. Alguns delitos ambientais cometidos em áreas de cerrado, por exemplo, podem ter natureza devastadora nos pantanais. Não se pode neste caso, aplicar a mesma sanção ao contraventor, faz-se necessário uma individualização das condutas à medida do dano ambiental causado.

Ademais, o arcabouço jurídico ambiental é promissor, sendo composto por uma séria de ótimas legislações que versam sobre a tutela dos recursos minerais. Mas não podemos ficar estáticos, visto que as crescentes transformações nos meios de produção, ou no modo de vida das sociedades, influem de forma significativa na natureza. Nossas leis devem seguir estas intensas e profundas mudanças e se colocar cada vez mais como um instrumento de prevenção à degradação ambiental.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.

BRASIL. Lei Federal Nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.

JESUS. Damásio E. de. Direito Penal. Vol. 1 23 º ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

JURAS, I. da A.G.M. Os impactos da indústria no meio ambiente. Brasília: Consultoria Legislativa, 2015.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 1ª ed., São Paulo: ed. RT, 2000.

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4ª Ed. Ref., atual. – São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2005.

MILARÉ, Édis. Atulidades do Direito Ambiental. Disponível em: > http://www.cartaforense.com.br/conteudo/entrevistas/atualidades-do-direito-ambiental/12157 >. Acesso em: 10 de jun. 2018.

REALE, Miguel. A Lei Hedionda de Crimes Ambientais. Disponível em: > https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz06049809.htm>. Acesso em: 09 de jun. 2018.

ROCHA, Fernando A. N. Galvão da. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Teses Mineiras aprovadas no 12º. congresso nacional do Ministério Público - AMMP. Belo Horizonte, p.17-30, 1998. 


Notas

[1] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz06049809.htm

[2] Disponível em: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/entrevistas/atualidades-do-direito-ambiental/12157

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Sobre o autor
Leandro de Deus Filho

Sobre o autor: Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências e Tecnologia de Unaí (FACTU). Especialista em Direito Processual Penal pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva (CERS). Especialista em Direito Penal e Processo Penal Aplicados pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Pós-graduando em Direito Penal e Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). Pós-graduando em Direito Processual Civil e Direito Processual Penal pelo Instituto Damásio de Direito (IBMEC). Advogado associado no escritório Luciano e Oliveira Sociedade de Advogados. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processo Penal e Direito Ambiental.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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