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Da cobrança de contribuições por associações em loteamentos

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I – Da Criação dos loteamentos

            As expressões "loteamento fechado", "loteamento em condomínio", "condomínio horizontal", "condomínio fechado" e "condomínio urbanístico" têm sido utilizadas no Brasil indistintamente, sem o devido rigor técnico, para fazer referência a empreendimentos constituídos por terrenos individualizados destinados a edificação, não necessariamente lotes, dispostos em geral em conjunto com perímetro fechado, cercado por muros ou cercas, e com controle de acesso.

            De acordo com o que dispõe o artigo 2º, § 1º da Lei 6.766/79, o parcelamento do solo urbano só pode ser feito mediante loteamento ou desmembramento, entendendo-se loteamento como "a subdivisão em gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes."

            Álvaro Pessoa, em Curso de Direito Administrativo (1), explica que no loteamento:

            "o terreno loteado perde sua individualidade objetiva transformando-se em lotes que se individualizam como unidades autarquicamente bastantes em si mesmas; inexiste o estado e a pluralidade de comunhão; cria-se um bairro, cujo equipamento urbano (inclusive as vias, estradas e caminhos, como públicos que passam a ser com o registro imobiliário) passa a participar do sistema viário local e do orbe municipal."

            Nesse sentido, com a criação de um loteamento, diferentemente do que se costuma pensar, as ruas de acesso, as áreas comuns, praças, parques, dentre outras áreas passam a pertencer ao domínio público por força da lei ou "ministério legis".

            Cabe aqui destacarmos o entendimento de um dos grandes doutrinadores do direito administrativo que (2) acentua que "aprovado o loteamento pela municipalidade, os espaços livres, as vias e praças, assim como outras áreas destinadas a equipamentos urbanos tornam-se inalienáveis; e, com o registro do loteamento, transmitem-se, automaticamente, ao domínio público do Município, com a afetação ao interesse público especificado no Plano do Loteamento. Tal transferência dos bens ao domínio público e sua afetação aos fins públicos indicados no Plano do Loteamento independem der qualquer ato jurídico de natureza civil ou administrativa (escritura ou termo de doação) ou ato declaratório de afetação."

            Dessa forma, analisando os fundamentos que justificam a transferência de parcela da propriedade privada para o domínio público, conforme dispõe o artigo 4º da Lei 6.766/79, tem-se que a transferência se opera mediante aprovação pelo Município.

            Com a aprovação do loteamento, as áreas destinadas ao sistema de circulação (ruas e praças), à implantação de equipamentos urbanos e comunitários (escolas, postos de saúde, iluminação), bem como áreas de proteção ambiental e espaços livres passam a pertencer ao patrimônio público, afetados ao interesse público.

            Em razão disso, já que os espaços livres, as ruas de circulação, os caminhos, as praças, a iluminação dentre outros pertencem ao poder público e estão afetados a ele, não cabe ao particular arcar com eventuais despesas para manutenção dessas áreas, já que parte do pagamento de impostos e taxas à administração pública são destinados essas despesas.

            No entanto, é muito comum depararmos com as chamadas "associações de bairro", criadas por moradores de um determinado loteamento, com o escopo de proporcionar maior segurança, limpeza, manutenção da pavimentação das ruas de circulação, dentre outras finalidades.


II. – Das "associações de bairro"

            Muitas pessoas, em grande maioria, moradores ou proprietários de lotes de terra situados em loteamentos indagam se é legal a criação de associações de bairro com a finalidade de manutenção da área local.

            Sabe-se que as associações são pessoas jurídicas de direito privado, formada por associados, com determinado fim, sem que a mesma seja ligada a atividades lucrativas. Sua personalidade jurídica se inicia com o registro do contrato social, por meio do qual se tornará pública.

            Os associados são pessoas físicas ou jurídicas que, por livre e espontânea vontade, optaram por associar-se a determinada associação.

            Todavia, o que se tem visto é que as associações de bairro, comumentemente, tem coagido moradores não associados a ela a se filiarem, e conseqüentemente, a pagar contribuição mensal de manutenção por despesas e benfeitorias.

            Ocorre que tal coação, inclusive, por meio do poder judiciário, no qual muitas associações ajuízam ação de cobrança de contribuições não pagas, não é válida, conforme será demonstrado a seguir.

            II.1 – Do direito de liberdade de associação

            Conforme já discutido, as associações são pessoas jurídicas de direito privado, que possuem estatuto próprio, o qual especifica as condições para admissão de seus associados, que possuem liberdade para se aderirem ou não, sendo vedada a associação sem o consentimento da parte.

            Nesse sentido, o artigo 5º, inciso XVII da Constituição Federal dispõe expressamente que:

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            "XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;"

            "XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;"

            Ainda que haja previsão constitucional do direito de liberdade de associação, a cobrança compulsória de contribuição mensal por associações de bairro acabam por coagir os proprietários a se associarem a elas. E muitos acabam cedendo a esse direito, por não quererem transtornos, o que não pode ser admitido de forma alguma.

            Inclusive o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que as a associação deve ser oriunda de manifestação de vontade, não podendo ser obrigatória, consoante o disposto no inciso XX do art. 5º, da Constituição Federal. (3)

            Ademais, luz do que dispõe o artigo 5º, inciso II da Constituição Federal, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Veja-se que não há no ordenamento jurídico vigente dispositivo legal que regule a cobrança de taxas ou contribuições por associações e, acima de tudo, cobrança de pessoas que não fazem parte do quadro de associados de uma determinada associação.

            II.2 – Do momento da aquisição do imóvel por parte dos proprietários

            Outro fator determinante para rechaçar a cobrança compulsória das contribuições pelas associações de bairro é o momento da aquisição do imóvel.

            Seria um tanto injusto que um proprietário de um imóvel localizado em determinado loteamento fosse compelido a associar-se a determinada associação que se criou posteriormente à aquisição de seu imóvel. Pois bem, o entendimento dos Tribunais é divergente quanto a isso, inclusive o Superior Tribunal de Justiça.

            Grande parte da Turmas do STJ têm entendido que se o imóvel foi adquirido anteriormente à criação de determinada associação, os proprietários não são obrigados a efetuar o pagamento de contribuições mensais, já que quando da compra do respectivo imóvel, não tinham ciência de que teriam de arcar com determinada despesa, diferentemente do que se tivesse adquirido o imóvel posteriormente à sua criação.

            II.3 – Da existência de loteamento e não de condomínio

            Além dos fatores acima mencionados, importante analisar se a divisão da gleba consiste na existência de um condomínio. Neste, diferentemente de um loteamento, existe a co-propriedade das áreas comuns. Indispensável, pois, que para que exista condomínio, juridicamente considerado, é indispensável que haja a relação de comunhão, a caracterizar a propriedade sobre o terreno ou sobre o imóvel. Sem isso, impossível se falar em condomínio.

            O condomínio é regido por uma convenção, em que existe a discriminação das áreas comuns, do domínio de todos os proprietários. Obviamente, no loteamento isto não poderia ocorrer, já que as áreas ao redor dos imóveis (lotes) pertencem ao Poder Público, e estão destinadas à implantação de áreas de lazer, saúde, cultura, educação, à luz do que dispõe o artigo 4º, inciso I e parágrafo 1 º e 2º do artigo 22 da Lei 6.766/79, lei do parcelamento do solo urbano.

            Inexistindo condomínio, mas sim, loteamento, a manutenção das áreas localizadas ao redor dos lotes é obrigação da administração pública, já que à luz do que dispõe a Lei 6.766/79, a criação do loteamento gera a afetação ao poder público das áreas localizadas ao redor dos lotes.

            Sendo assim, a associação criada com o intuito de melhorar a segurança local, a limpeza e a manutenção das ruas está assumindo, mediante risco próprio, uma obrigação a qual não lhe pertence. E em razão disso, não pode coagir aqueles que não concordam com a sua criação a efetuar o pagamento de contribuições, quando inexistir condomínio.


III – CONCLUSÃO

            Portanto, conclui-se que a cobrança compulsória de contribuições de manutenção e realização de benfeitorias por parte de associações de moradores de bairro é inviável em caso de não associados em caso da existência de loteamentos, já que as áreas localizadas ao redor dos lotes (imóveis) pertencem ao Poder Público, cabendo a administração pública a manutenção de tais áreas, à luz do que dispõe a lei 6.766/79.

            Além disso, importante considerar que se o imóvel foi adquirido anteriormente à criação da associação, não se pode exigir que determinado proprietário não associado seja compelido a pagar contribuições, já que não tinha ciência de determinada obrigação quando da aquisição do respectivo imóvel.


NOTAS

            1

Álvaro Pessoa, Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros, 1994, página 355

            2

Roberto Barroso, O Município e o Parcelamento do Solo Urbano, R.D.A, Volume 194, página 57, página 58

            3

Superior Tribunal de Justiça – STJ 01/07/1996 – site:www.sindico.com.br
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Sobre o autor
Carlos Eduardo Jorge Bernardini

advogado da Almeida Advogados/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERNARDINI, Carlos Eduardo Jorge. Da cobrança de contribuições por associações em loteamentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 709, 14 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6862. Acesso em: 19 abr. 2024.

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