Capa da publicação Terceirização da atividade-fim autorizada pelo STF: consequências tributárias e econômicas
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A constitucionalidade da terceirização da atividade-fim declarada pelo STF e suas consequências no cenário tributário e econômico nacional

04/09/2018 às 15:20
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Examinam-se os efeitos da decisão de constitucionalidade da terceirização da atividade-fim, declarada pelo STF, influenciando diretamente na arrecadação das contribuições e sua possível alteração do cenário tributário e econômico nacional.

No final do mês de agosto de 2018, a comunidade jurídica foi surpreendida com o encerramento do julgamento sobre a possibilidade de terceirização da atividade-fim pelo Supremo Tribunal Federal, instituída pela Lei nº 13.429/2017, intitulada de Reforma Trabalhista, tendo o STF fixado em placar apertado, 7 x 4, o posicionamento que é constitucional a terceirização de forma irrestrita.

O posicionamento vai em sentido completamente divergente da jurisprudência pacífica que o TST possuía, no sentido de que era vedada a terceirização da atividade-fim das empresas, somente sendo permitida a terceirização das atividades-meio, ou seja, acessórias, compreendidas entre elas, por exemplo, os serviços de limpeza, segurança, alimentação dos funcionários etc.

Dentre os diversos argumentos favoráveis para criação desse precedente pelo STF, a necessidade de geração de empregos ganhou destaque no entender dos Ministros.

Independentemente dos diversos argumentos e interpretações derivadas da legislação do trabalho e constitucional que criticam tal julgado do STF, o presente artigo pretende discorrer sobre os efeitos de tal decisão no cenário tributário e econômico nacional.

Até o presente momento, não há estudos aprofundados sobre os impactos da lei de terceirização no setor fiscal e sua interferência na arrecadação, mas é certo que sua abrangência vai além do setor trabalhista, podendo-se fazer algumas previsões ilustrativas na tentativa de visualização dos possíveis cenários arrecadatórios.

Num primeiro momento, diversas empresas terão a intenção de substituir, de forma lenta e gradual, seus funcionários empregados por funcionários terceirizados para diminuição de custos.

Quando os mesmos forem incorporados pelas empresas de terceirização, terão uma diminuição em seus salários, tendo em vista a perda de antigas gratificações, comissões pagas pelo antigo empregador.

Interessante fazer um adendo nesse ponto a respeito da reforma trabalhista que segundo o texto vigente, no momento da feitura desse artigo, segundo o art. 457, §2º da CLT, não constituem base de cálculo para incidência da contribuição previdenciária as seguintes importâncias, ainda que habituais: i) ajuda de custo (independentemente do valor), ii) auxílio alimentação (vedado pagamento em dinheiro); iii) diárias para viagem; iv) prêmios; v) abonos.

No segundo momento, quando a fixação da nova política de terceirização, haverá um aumento repentino na geração de postos de trabalhos pelas empresas de terceirização que absorverão, na teoria, boa parte dos desempregados, gerando assim um possível aumento na arrecadação das contribuições previdenciárias, tendo em vista a diversidade da base de financiamento e o aumento da classe ativa.

No terceiro momento, com a redução de custos das empresas que tiveram seus empregados substituídos por empregados terceirizados, gerando assim economia na folha de pagamento de pessoal, economia pela responsabilidade e fiscalização dos encargos trabalhistas que ficarão a cargo das terceirizadas, causará um consequente aumento no faturamento das empresas, aumentando, por sua vez, a base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.

Redução de custo de produção pode implicar também redução do preço do produto para o consumidor final, aumentando assim o consequente giro da circulação de mercadoria e os consequentes impostos que incidam nas respectivas operações.

Como se pode perceber, no plano hipotético, os cenários parecem ser positivos para o aumento de arrecadação, sem, no entanto, majorar a carga tributária para o contribuinte, consumidor final dos respectivos produtos e serviços.

Um ponto interessante a ser observado pela nova sistemática proporcionada é a possibilidade de geração de créditos de PIS e COFINS como insumo para fins de abatimento.

Como se sabe, PIS e COFINS são contribuições sociais incidentes sobre a receita ou faturamento, nos termos do art. 195, II, da CF.

Como já definido no julgado do STF submetido à sistemática da Repercussão Geral RE nº 574.706, que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, é necessário fazer uma distinção da conceituação de receita, como tudo aquilo que, efetivamente, adentra no faturamento com animus definitivo, do mero ingresso, “receita temporária”, que adentra com data certa para sair, não podendo ser considerada receita.

Antes da conclusão do julgado sobre a constitucionalidade da terceirização da atividade-fim, era proibida a possibilidade de utilização de créditos relacionados à folha de pagamento de pessoa, especificamente, mão de obra paga a pessoa física, para fins de abatimento de PIS e COFINS.

Agora, mesmo com a vedação ainda existindo, abriu-se uma “brecha” na legislação permitindo tal operação de abatimento de crédito.

No regime de PIS e COFINS não cumulativos, a própria legislação permite a utilização de créditos para fins de abatimento do montante devido das referidas contribuições sobre determinados bens, insumos, custos e despesas de produção incorrida e paga a pessoa jurídica domiciliada no País.

Com a substituição do empregado, pessoa física, pela empresa de terceirização e a cessão de mão de obra na atividade-fim, não existindo mais relação trabalhista/empregatícia entre empregador e empregado, mas sim uma relação estritamente contratual entre duas pessoas jurídicas, o valor do contrato para fins de pagamento do salário dos empregados terceirizados continuará sendo considerado uma despesa, porém, agora, será classificado como um serviço essencial para o negócio, ou seja, um insumo, hábil para dedução.

Nesse sentido é o disposto no art. 3º da Lei 10.83/2003 (COFINS):

Art. 3o Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:

I - bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos:

a) no inciso III do § 3o do art. 1o desta Lei; e 

b) nos §§ 1o e 1o-A do art. 2o desta Lei;    

II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2o da Lei no 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da Tipi;

(...)

§ 2o Não dará direito a crédito o valor:    

I - de mão-de-obra paga a pessoa física; e      

II - da aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição, inclusive no caso de isenção, esse último quando revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou serviços sujeitos à alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela contribuição.     

§ 3o O direito ao crédito aplica-se, exclusivamente, em relação:

I - aos bens e serviços adquiridos de pessoa jurídica domiciliada no País;

II - aos custos e despesas incorridos, pagos ou creditados a pessoa jurídica domiciliada no País;

III - aos bens e serviços adquiridos e aos custos e despesas incorridos a partir do mês em que se iniciar a aplicação do disposto nesta Lei.

Como também no art. 3º da Lei nº 10.637/2002 (PIS):

Art. 3o Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:  

I - bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos:

1.no inciso III do § 3o do art. 1o desta Lei; e

2.nos §§ 1o e 1o-A do art. 2o desta Lei;

II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2o da Lei no 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI; (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)

(...)

§ 2o Não dará direito a crédito o valor:   

I - de mão-de-obra paga a pessoa física; e    

II - da aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição, inclusive no caso de isenção, esse último quando revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou serviços sujeitos à alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela contribuição.      

§ 3o O direito ao crédito aplica-se, exclusivamente, em relação:

- aos bens e serviços adquiridos de pessoa jurídica domiciliada no País;

II - aos custos e despesas incorridos, pagos ou creditados a pessoa jurídica domiciliada no País;

III - aos bens e serviços adquiridos e aos custos e despesas incorridos a partir do mês em que se iniciar a aplicação do disposto nesta Lei.

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Sendo um insumo, pode gerar crédito para o PIS e COFINS através de nota fiscal emitida pelo serviço prestado, o que faz com que a terceirização torne a carga tributária mais vantajosa para o negócio.

Interessante mencionar que o referido entendimento se alinha com a jurisprudência do colendo STJ que fixou o conceito de insumo para fins de crédito de PIS e COFINS, no REsp 1.221.170/PR, submetido a sistemática dos recursos repetitivos, com acórdão publicado em 24/04/2018 assim ementado:

TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. NÃO-CUMULATIVIDADE. CREDITAMENTO. CONCEITO DE INSUMOS. DEFINIÇÃO ADMINISTRATIVA PELAS INSTRUÇÕES NORMATIVAS 247/2002 E 404/2004, DA SRF, QUE TRADUZ PROPÓSITO RESTRITIVO E DESVIRTUADOR DO SEU ALCANCE LEGAL. DESCABIMENTO. DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE INSUMOS À LUZ DOS CRITÉRIOS DA ESSENCIALIDADE OU RELEVÂNCIA. RECURSO ESPECIAL DA CONTRIBUINTE PARCIALMENTE CONHECIDO, E, NESTA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO, SOB O RITO  DO ART. 543-C DO CPC/1973 (ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015).

1.   Para efeito do creditamento relativo às contribuições denominadas PIS e COFINS, a definição restritiva da compreensão de insumo, proposta na IN 247/2002 e na IN 404/2004, ambas da SRF, efetivamente desrespeita o comando contido no art. 3o., II, da Lei 10.637/2002 e da Lei 10.833/2003, que contém rol exemplificativo.

2.   O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.

3.   Recurso Especial representativo da controvérsia parcialmente conhecido e, nesta extensão, parcialmente provido, para determinar o retorno dos autos à instância de origem, a fim de que se aprecie, em cotejo com o objeto social da empresa, a possibilidade de dedução dos créditos realtivos a custo e  despesas com: água, combustíveis e lubrificantes, materiais e exames laboratoriais, materiais de limpeza e equipamentos de proteção individual-EPI.

4.   Sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 (arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015), assentam-se as seguintes teses: (a)  é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003; e (b)  o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de terminado item - bem ou serviço - para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte.

Dessa forma, sabendo da importância e necessidade que há na mão-de-obra terceirizada da atividade-fim para a empresa, englobando, basicamente, toda sua essencialidade, nada mais correto e devido do que a manutenção do direito de crédito para abatimento das contribuições como insumo.

Tal possibilidade, infelizmente, não poderá ser aplicada para as microempresas e empresas de pequeno porte submetidas ao regime do Simples Nacional, uma vez que recolhem numa guia única todos os impostos com seus valores já pré-definidos com base na Lei Complementar nº 123/2006, não havendo margens para tais abatimentos.

Apesar das hipóteses aqui apresentadas se mostrarem positivas no âmbito tributário e econômico nacional, por si só não são suficientes para alavancar o crescimento do País, necessitando de outras reformulações tributárias para facilitação das negociações empresariais.

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Sobre o autor
Filipe Reis Caldas

Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pela Faculdade Marista. Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF. Pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/PE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALDAS, Filipe Reis. A constitucionalidade da terceirização da atividade-fim declarada pelo STF e suas consequências no cenário tributário e econômico nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5543, 4 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68732. Acesso em: 20 abr. 2024.

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