4. A PROTEÇÃO SOCIAL, A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS E OS SEUS LIMITES
Os principais marcos de evolução da proteção social no mundo demonstram sua íntima ligação com condições fáticas perturbadoras do bem-estar social. É fácil notar que todos os grandes marcos evolutivos da cadeia histórica da proteção social vieram precedidos de enormes conturbações sociais, que culminaram, em maior ou menor intensidade, na alteração da postura do Estado em relação a condução das políticas públicas.
Cabe verificar, assim, a importância das condições fáticas na aplicação e concreção dos mecanismos de proteção social e, também, se de alguma forma existem limites aplicáveis aos direitos sociais.
4.1. A EVOLUÇÃO/CLASSIFICAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS (OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PRIMEIRA, SEGUNDA E TERCEIRA GERAÇÕES)
Os direitos humanos fundamentais também permearam uma difícil marcha histórica, tanto que a doutrina moderna, classifica-os em direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações, baseando-se na ordem cronológica em que passaram a ser constitucionalmente reconhecidos.
Esse enquadrar histórico dos direitos fundamentais há de servir como bom referencial para que se possa aquilatar o desenvolvimento dos mecanismos de proteção social, sobretudo os regimes de previdência social, já que se fixou, superficialmente é claro, qual o ideal a que reclama sua evolução, qual seja, um sistema de seguridade social.
Segundo a classificação da ordem histórica cronológica dos direitos fundamentais reconhecidos constitucionalmente, os de primeira geração foram aqueles inicialmente contemplados na Magna Charta de João Sem-terra, de 1215. São os direitos e garantias individuais e políticos clássicos (liberdades públicas), que realçam o princípio da liberdade, cujo desenvolvimento já foi realçado.
Os direitos fundamentais de segunda geração são justamente os direitos sociais, econômicos e culturais, surgidos no início do século, a partir do constitucionalismo social. Incluem-se aqui os direitos relacionados ao trabalho, o seguro social, a subsistência, o amparo à doença, velhice etc.
Por derradeiro, os direitos fundamentais de terceira geração abrangendo os direitos de solidariedade ou fraternidade, que abarcam o direito a um meio ambiente equilibrado, a uma saudável qualidade de vida, ao progresso etc.
É de se ressaltar, mais uma vez, que essa classificação não implica em qualquer tipo de hierarquia entre os direitos fundamentais. Trata-se na verdade de direitos que se encontram no mesmo nível, servindo apenas para descortinar os avanços galgados em cada passo da história do nosso constitucionalismo. Paulo Bonavides já faz referência até a existência de direitos fundamentais de quarta geração 31.
4.2. A IMPORTÂNCIA DO CONSTITUCIONALISMO SOCIAL E O SEU NÚCLEO ESSENCIAL DE PROTEÇÃO.
Volvendo para os direitos fundamentais de segunda geração, onde se inserem os direitos sociais, considerando essa cisão apenas sob o aspecto cronológico, pois não há como separar em formas estanques os direitos fundamentais senão quanto a sua cronologia histórica, avulta em mérito o constitucionalismo social.
É certo que tiveram como precursoras a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919, tendo, decerto se alastrado e firmado suas raízes somente após a II Grande Guerra Mundial, quando efetivamente ganharam juridicidade.
Aqui, cabe socorrer-se da lição de Paulo Bonavides 32 por ser bastante explicativa:
Da mesma maneira que os da primeira geração, esses direitos foram inicialmente objeto de uma formulação especulativa em esferas filosóficas e políticas de acentuado cunho ideológico; uma vez proclamados nas Declarações solenes das Constituições marxistas e também de maneira clássica no constitucionalismo da social-democracia (a de Weimar, sobretudo) dominaram por inteiro as Constituições do segundo pós-guerra.
Mas passaram primeiro por um ciclo de baixa normatividade ou tiveram eficácia duvidosa, em virtude de sua própria natureza de direitos que exigem do Estado determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exigüidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos.
De juridicidade questionada nesta fase, foram eles remetidos à chamada esfera programática, em virtude de não conterem para sua concretização aquelas garantidas habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de proteção aos direitos de liberdade. Atrevessaram, a seguir, uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes Constituições, inclusive a do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.
A passagem acima transcrita, desse brilhante mestre constitucionalista nordestino, reforça as linhas lançadas atrás acerca da falta de exigibilidade das normas constitucionais do início do século quanto aos direitos sociais, incluídos, evidentemente, as normas relativas à previdência social.
De todo modo, como parte integrante de um processo de amadurecimento, o constitucionalismo social teve deveras importância na evolução da previdência social, pois embora tenha nascido sem grande efetividade normativa, logo após a segunda grande guerra assumiu notável papel, tendo nada menos que cinqüenta Estados elaborados novas constituições, nas quais os direitos sociais ganharam status de direitos fundamentais. 33
A toda evidência, a aceitação desse novo conceito de direitos fundamentais, que não se contentam mais com a atuação negativa do Estado, pelo contrário, estando vinculados materialmente e de forma indissociáveis a criação de pressupostos fáticos para a sua concretização, torna o Estado agente central para sua concretização.
A universalidade desses direitos fundamentais de segunda geração depende exclusivamente desses pressupostos fáticos, que, como dito alhures, no que tange à Previdência Social é imprescindível o planejamento e o engajamento de todos os atores sociais para a construção de um sistema de seguridade social.
Com efeito, enquanto não se atingem por completo todos os pressupostos fáticos para a consagração e eficiência desejadas da Previdência Social, num modelo de Seguridade Social, deve-se buscar a conformação dos direitos fundamentais de molde a preservar o núcleo essencial que circunda o fim a que se destina a proteção social, inclusive a de natureza previdenciária.
Sob esse prisma, inexistentes todos os pressupostos fáticos garantidores de um sistema de seguridade social ideal, o fim dos instrumentos de proteção social não pode perder-se em devaneios utópicos, reclamando a mais alta proteção e a mais luxuosa qualidade de vida, deve sim garantir a seus membros um nível mínimo de condições de vida. Quando se diz mínimo, faz-se referência ao que assegura o essencial à dignidade da pessoa humana.
Esse é o núcleo essencial dos direitos fundamentais de segunda geração, garantir um nível de vida mínimo que traga uma vida digna a pessoa.
4.3. OS LIMITES DA CONCREÇÃO DAS PRESTAÇÕES POSITIVAS PELO ESTADO
A moderna concepção dos direitos fundamentais discute a possibilidade e o dever de o Estado vir a ser obrigado a criar os pressupostos fáticos necessários ao exercício dos direitos constitucionalmente garantidos e a possibilidade do titular desse direito subjetivo debelar sua pretensão frente ao Estado, independentemente da existência desses pressupostos.
Ora, como os direitos inerentes à Previdência Social concretizam-se por intermédio de prestações, seu objeto precípuo exige condutas positivas do Estado, surgindo uma dimensão econômica extremamente relevante. E aqui cabe lembrar, justamente, a antinomia da concreção dos instrumentos de proteção social, pois quanto mais subdesenvolvido economicamente o Estado mais abundante de necessidades sociais.
Não se tem dúvida em afirmar que as prestações positivas inerentes aos direitos sociais devem ser submetidas ao que a doutrina constitucional denomina de princípio da "reserva do possível". Hodiernamente, é certo que os indivíduos têm pleno acesso aos mecanismos de proteção judicial de seus direitos subjetivos, bem como já se tem como consagrados os direitos sociais como direitos humanos fundamentais.
As ações com o propósito de satisfazer tais prestações podem deixar de ser juridicizadas, pois submetidas a uma série de pressupostos de ordem econômica, política e jurídica. A submissão incondicional dessas posições "a regras jurídicas opera o fenômeno de transmudação, convertendo situações tradicionalmente consideradas de natureza política em situações jurídicas. Tem-se, pois, a juridicização do processo decisório, acentuando-se a tensão entre direito e política". 34
É por conta disso, que se afirma que a efetivação de certas prestações decorrentes de direitos sociais, incluídos as de natureza previdenciária, estão submetidas, dentre outras condicionantes, à reserva do financeiramente possível.
Frise-se, por oportuno, que não se está a defender que os poderes públicos possam furtar-se do cumprimento de suas obrigações, sempre que houver deficiência ou falta de recursos disponíveis, definitivamente não, simplesmente sustenta-se que há limites para a implementação das prestações oriundas dos direitos sociais, ou seja, o ideal disciplinado pelas normas constitucionais, sobretudo das programáticas, embora dotadas de um conteúdo mínimo de eficácia, não podem conduzir ao cumprimento de uma pretensão do que seja o ideal, sem a presença dos pressupostos fáticos.
Lembre-se que, em qualquer caso, o núcleo essencial direito fundamental, seja exigente de prestação negativa ou positiva, deve ser preservado, direcionando-se para a dignidade da pessoa humana.
No que se refere especificamente à Previdência Social, acredita-se que a regra da contrapartida, estatuída ao posto de norma constitucional desde a Emenda Constitucional n° 11, de 31 de março de 1965, constitui-se do seguro limitador para o atendimento das prestações de natureza previdenciária, já que o "sistema de seguridade social somente poderá cumprir suas finalidades se estiver calcado em rígido equilíbrio econômico e financeiro", sem que se necessite socorrer ao argumento da reserva do financeiramente possível.
5. A PROTEÇÃO SOCIAL NO BRASIL
No Brasil a evolução da proteção social não seguiu um caminho diferente, tendo primeiramente passado pela simples caridade, após pelo mutualismo de caráter privado e facultativo, depois pelo seguro social e, atualmente, tenta-se implementar o sistema de seguridade social, como consagrado na Constituição de 1988.
Da beneficência, inspirada pela caridade e pelo sentimento cristão, é exemplo a fundação das Santas Casas de Misericórdia no século XVI, pelo Padre José de Anchieta. Ruy Carlos Machado Alvim nos dá conta da fundação da Santa Casa de Misericórdia de Santos, por Brás Cubas, em 1543, e da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro de 1584, cuja finalidade era a de prestar atendimento hospitalar aos pobres. 35
A transição da simples beneficência, por força de deveres meramente morais e religiosos, para a assistência pública no Brasil demorou aproximadamente quase três séculos, pois a primeira manifestação normativa sobre assistência social, veio imprimida na Constituição de 1824.
5.1. A Constituição Imperial de 1824
A Constituição Imperial de 1824, como primeira manifestação legislativa brasileira sobre assistência social, rendeu homenagem à proteção social em apenas um dos seus artigos, especificamente no art. 179, inciso nº XXXI, com a seguinte redação:
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte.
...
XXXI. A Constituição também garante os soccorros públicos.
Denota-se do corpo do dispositivo da Constituição Imperial de 1824, notadamente do caput do art. 179, a preocupação excessiva com as liberdades públicas, com a proteção aos indivíduos contra as eventuais investidas do Estado. A concepção estritamente liberal mostra-se evidente, inaugurando-se, em nível normativo constitucional, a assistência social pública, totalmente insipiente, já que nada de concreto assegurava-se aos cidadãos. No velho mundo, por sua vez, já se assegurava tal medida, ao menos em nível normativo, desde a lei dos pobres londrina do século XVII.
A proteção social inserta no bojo da Constituição de 1824, como dito, e reforçada pela lição de Ruy Carlos Machado Alvim "não teve maiores conseqüências práticas, sendo apenas um reflexo do preceito semelhante contido na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1793, a qual, o art. 23, qualificava estes "socorros públicos" como "dívida sagrada" [...]. 36
De toda sorte, há que se reconhecer seu valor histórico, vez que se coloca a proteção social como um dos direitos humanos cuja garantia é a Lei Maior, sem olvidar, porém, que "não vinha acompanhado do requisito fundamental: a exigibilidade". 37 Não existiam os instrumentais jurídicos para a concreção do direito.
Lembre-se, por deveras oportuno, que os direitos fundamentais restringiam-se as liberdades públicas que não exigiam prestações positivas por parte do Estado. Não havia, então, exigibilidade nesse estágio primitivo que, como já ressalvado, não destoava no restante do mundo.
A Constituição Imperial seguia-se fiel aos traços liberais de sua época, sem nada avançar em relação aos demais países.
5.2. A Constituição Republicana de 1891
Pouco antes da promulgação da Constituição Republicana de 1891 surge a primeira lei de conteúdo previdenciário, qual seja, a Lei nº 3.397, de 24 de novembro de 1888, que prevê a criação de uma Caixa de Socorros para os trabalhadores das estradas de ferro de propriedade do Estado, acompanhadas no ano seguinte de normas que criam seguros sociais obrigatórios para os empregados dos correios, das oficinas da Imprensa Régia e o montepio dos empregados do Ministério da Fazenda.
Sobrevém a Constituição Republicana de 1891 que, timidamente, apenas inseriu dois artigos nas suas disposições constitucionais acerca da proteção social, descritos nos artigos 5º e 75, a saber:
Art 5º - Incumbe a cada Estado prover, a expensas próprias, as necessidades de seu Governo e administração; a União, porém, prestará socorros ao Estado que, em caso de calamidade pública, os solicitar.
...
Art 75 - A aposentadoria só poderá ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez no serviço da Nação.
...
Constata-se que a Carta Magna Republicana inaugura em seu art. 75, a proteção social vinculada a uma categoria de trabalhadores, assegurando uma das principais prestações concedidas pela previdência social até hoje, que é a aposentadoria. Deve-se ressaltar que a maioria da doutrina não verifica qualquer regra de Previdência Social no texto Republicano, enaltecendo apenas o seu valor histórico quanto a previsão da possibilidade de aposentadoria aos funcionários. Anote-se, ainda, que tal benefício era concedido aos funcionários públicos independentemente de contribuição, ou seja, a prestação era custeada integralmente pelo Estado.
De toda sorte, a Constituição de 1981 relegou ao plano legislativo infraconstitucional a matéria relacionada com a proteção social. Tal fato veio a ser confirmado pela edição da Emenda Constitucional de 1926 que conferia ao Congresso Nacional competência para legislar sobre aposentadoria e reformas.
Foi, no entanto, no período de vigência da Constituição Republicana que se propalou toda a legislação previdenciária que veio a preparar a evolução dos regimes de previdência social existentes no Brasil.
De início, legislava-se de forma esparsa, atendendo, quando possível, a determinados setores predeterminados, prevalecendo, como afirma Ruy Carlos Machado Alvim, o favorecimento aos servidores públicos, já que se constituíam da grande massa de trabalhadores da época, apresentando-se o Brasil como um país essencialmente agrícola. A única exceção diz respeito aos ferroviários, justamente em razão de seu poder de organização, capazes de deflagrar greves e, também, pelo fato de exercerem atividade extremamente importante para a economia. 38
Assim, após inúmeros instrumentos legislativos instituindo seguros sociais a diversas categorias de funcionários públicos, iniciou-se a industrialização das grandes cidades, especialmente São Paulo e o Rio de Janeiro e, por conseguinte, passaram a vigorar as escorchantes condições de trabalho, como ocorrido no velho mundo, que resultaram em inúmeros acidentes do trabalho. Sobrevém, em razão disso, o Decreto Legislativo n° 3.724, de 15 de janeiro de 1919, tratando da proteção aos acidentes do trabalho, logo acompanhado da edição da Lei n° 4.682, de 24 de janeiro de 1923, chamada "Lei Eloy Chaves", tendo esse último ato legislativo criado as Caixas de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários, que funcionaram, em todo o território nacional, por muitos anos.
A grande parte da doutrina nacional situa a Lei Eloy Chaves como o extremo inicial da história da Previdência Social em nosso país. Esse fato não passa imune a crítica do saudoso prof. Aníbal Fernandes 39, asseverando que tal marco tem um forte conteúdo ideológico, a saber:
Tivemos o mutualismo como forma organizatória e como precedente precioso da Previdência Oficial. Sob tal prisma, os festejos oficiais que situam na Lei Elói Chaves (1923) o nascimento da Previdência brasileira têm caráter ideológico que deve ser desvendado: buscam transformar as conquistas sociais, logradas com lutas e a partir das bases, em benesses estatais. Sobre ser ainda, a afirmativa relativa ao surgimento da Previdência em 1923, uma inverdade histórica, seja pelos apontamentos, seja porque outras leis previdenciárias são anteriores a esta data (como nossa primeira lei acidentária que data de 1919).
Apesar disso, a Lei Eloy Chaves inaugurou o período de grande evolução da previdência social de nosso país, já que foi responsável pela instituição das Caixas de Aposentadorias e Pensões.
5.2.1. AS CAIXAS E OS INSTITUTOS DE APOSENTADORIAS E PENSÕES
Em seguida ao surgimento da Lei Eloy Chaves, criaram-se outras Caixas em empresas de diversos ramos da atividade econômica. A vinculação ao regime previdenciário das Caixas era determinado por empresa, ou seja, apenas diversas empresas tinham acesso ao regime previdenciário reinante à época.
A proliferação do regime de Caixa por empresas criou pequenos regimes de Previdência que tinham por inconveniente o número mínimo de segurados indispensáveis ao funcionamento em bases securitárias. Sem contar o grande número de trabalhadores que permaneciam à margem da proteção previdenciária, por não ocuparem postos de trabalhos em empresas protegidas.
Pouco a pouco, abandonou-se a criação das Caixas de Aposentadoria e Pensões, passando pelo momento da criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões, tendo como principal diferencial a criação de institutos especializados, em função da atividade profissional de seus segurados e não mais por determinadas empresas.
Ademais, o fortalecimento dos mecanismos de proteção social era comprimido pela emergente e estável industrialização, exigindo uma nova leitura da legislação social, em razão da atuação de novos atores sociais, especialmente da classe trabalhadora.
Contudo, na década de 1930, passou a vigorar o regime dos Institutos, de contribuição tripartide – Estado, empregador e empregado – pelo qual o custeio vinculava-se, obrigatoriamente, as três fontes. Princípio, que, posteriormente foi erigido em norma constitucional, em 1934. Os recursos do Estado advinham das taxas de importação.
O primeiro instituto de previdência de âmbito nacional, com base na atividade econômica, foi o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, criado em 1933, pelo Decreto n° 22.872, de 29 de junho de 1933.
Assim, o diferencial existente entre as Caixas e os Institutos consistia principalmente no espectro de abrangência dos segurados protegidos, pois enquanto as Caixas restringiam-se aos trabalhadores de determinadas empresas os Institutos abarcavam categorias profissionais conexas, embora distintas, pela formação de grandes grupos de beneficiários. Outro ponto, dizia respeito ao aspecto espacial, já que os Institutos tinham abrangência nacional, o que não acontecia com as Caixas.
Acrescenta-se, ainda, como outro ponto relevante na criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões é a vinculação dessas entidades a órgãos do governo federal, submetidos ao controle financeiro, administrativo e diretivo do Estado. 40
Careciam, tanto as Caixas como os Institutos, de normas uniformes, sendo corriqueiro encontrar disposições divergentes ou conflitantes, coexistindo, assim, um emaranhado de leis em total desequilíbrio. Caminhou-se, então, para a uniformização das leis previdenciárias, vindo, antes disso a Constituição de 1934.
5.3. As Constituições de 1934 e 1937
A Constituição de 1934 teve como ponto marcante a consagração do modelo tripartide de financiamento do sistema de previdência social. Os recursos deveriam advir da União, dos empregadores e dos empregadores. Sistema contributivo que se encontra inserto na vigente Constituição Federal (art. 195, caput).
Assinala Wagner Balera que "com a Constituição de 1934, a proteção social é um seguro para o qual contribuem tanto o trabalhador como o empregador e, em igualdade de condições com essas categorias, o próprio Poder Público". 41
No plano constitucional, deixava-se o estágio da assistência pública para adentrar na era do seguro social. Não poderia ser diferente, vez que em todo o mundo, mesmo em sociedades industriais mais avançadas, não se tinha afastado a concepção do seguro social. Nem mesmo o Social Security Act norte-americano, impulsionador da mudança da concepção do seguro social, havia sido concebido, já que data de 1935.
Além disso, a Carta de 1934 foi a primeira a utilizar o termo "Previdência", sem o adjetivo social, referindo-se ao tema proteção social em outros dispositivos, dentre os quais, o art. 5° , XIX, c, que dá competência legislativa a União em matéria de proteção social, o art.10, que atribui responsabilidade aos Estados na execução dos serviços de saúde e assistências públicas, art. 121, § 1° , h, que enumera os riscos protegidos e, também, institui a contribuição tripartide, e, por derradeiro, o art. 170, § 3° .
As prestações de assistência médico-sanitária e de previdência foram concebidas como direitos subjetivos públicos dos trabalhadores brasileiros. Wagner Balera 42 bem exalta os benefícios conferidos pela Carta Magna de 1934, assim se referindo:
Os limites amplos da proteção social conferidos por aquela Lei Magna, aliados ao perfeito comando a respeito do custeio, fizeram da Constituição de 16 de julho o melhor de nossos modelos constitucionais. As conquistas sociais posteriores só vieram a reforçar as diretrizes traçadas por este Estatuto Fundamental.
A Constituição outorgada de 1937, marcadamente autoritária, não se harmonizou com a avançada ordem instituída pela Constituição de 1934.
Apesar disso, a Ordem Suprema de 1937 não deixou de enumerar os riscos sociais cobertos pelo seguro social. Porém, não disciplinou a forma de custeio do sistema, muito menos se cogitou sobre a possibilidade de aporte de recursos advindos dos cofres da União.
Sob a égide da Constituição de 1937, foi editado o Decreto-lei n° 7.526, de 07 maio de 1945, que determinou a criação de um só Instituto de Previdência, denominado de Instituto dos Seguros Sociais do Brasil – ISSB, que não chegou a se instalado em virtude de desinteresse político.
5.4. A Constituição de 1946
Seguindo movimento mundial influenciado pelo pós-guerra, foi promulgada a Constituição de 1946, que foi a primeira constituição brasileira a trazer a expressão "Previdência Social" em substituição do termo "Seguro Social".
Trouxe as normas sobre Previdência Social no capítulo que versava sobre os Direitos Sociais, cujos riscos protegidos foram elencados nos incisos do art. 157.
Nada de substancialmente novo foi incorporado ao novo texto constitucional, valendo lembrar apenas a imposição aos empregadores de manterem seguro de acidente de trabalho em prol de seus empregados.
Por outro lado, no que toca a legislação infraconstitucional não se pode dizer o mesmo, já que houve significativos avanços sob a égide da Carta de 1946.
Já em 1947 o Dep. Aluízio Alves apresentou projeto de lei que previa a proteção social a toda a população, que após longo período de tramitação, em virtude dos debates e estudos realizados, resultou na edição da Lei n° 3.807, de 26 de agosto de 1960, denominada de Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS). 43
Em 1953 foi editado o Decreto n° 34.586, de 12 de novembro, determinando a fusão de todas as Caixas em única entidade, justamente, no intuito de unificar o sistema, tanto do ponto de vista legislativo como administrativa.
A edição da LOPS veio a uniformizar todo o emaranhado de normas existentes sobre Previdência Social, uniformização legislativa essa que já se buscava de longa data. No entanto, a unificação administrativa, que também consistia num reclamo, só veio mais tarde, com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), pelo Decreto-lei n° 72, de 21 de novembro de 1966.
Decerto que a LOPS foi o maior passo dado ao rumo da universalidade da Previdência Social, embora não se desconheça que alguns trabalhadores (domésticos e rurais) não foram contemplados pela nova norma, pois teve o condão de padronizar o sistema, aumentar as prestações ofertadas (auxílio-natalidade, funeral, reclusão e a aposentadoria especial) e servir de norte no percurso ao sistema de seguridade social. 44
Ressalte-se, também, a incorporação da regra de contrapartida pela Emenda Constitucional n° 11, de 1965, pela qual se exige uma indissociável contrapartida entre as contribuições e as prestações, não se podendo, portanto, criar qualquer prestação sem a respectiva fonte de custeio e vice-versa.
Esses foram os principais marcos a que deve fazer menção, reconhecendo-se a existência de outras ocorrências legislativas, como a criação do Serviço Social Rural, em 1955, destinado à proteção de serviços sociais no meio rural, que pouco realizou, mas teve o mérito de servir de marco inicial da preocupação com os problemas dos homens ligados à atividade agrícola. Posteriormente, surgia o FUNRURAL aperfeiçoado e implementado pelas Leis Complementares n° 11, de 25 de maio de 1971, e 16, de 30 de outubro de 1973.
O vigor legislativo em matéria de Previdência Social nessa época crescia, pois tinha a LOPS como ponto de referência, sendo impulsionado cada vez mais pelos anseios e expectativas de toda a população.
5.5. A Constituição de 1967, com a Emenda n° 1, de 1969
A Carta de 1967, com a Emenda n° 1, de 1969, pouco inovou, tendo como virtude trazer o sistema de seguro de acidente do trabalho para os auspícios do sistema previdenciário público, nos mesmos moldes de financiamento.
Em essência, a matéria previdenciária na Carta de 1967, com a Emenda n° 1, de 1969, não destoa das demais que lhe antecederam, tendo sido previstos os mesmos riscos sociais arrolados desde a Constituição de 1934. É de se ressaltar a inclusão do salário-família, que fora instituído em norma infraconstitucional, no texto fundamental.
Em 1° de setembro de 1977, criou-se o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social – SINPAS – com a finalidade de integrar todas as atribuições ligadas à previdência social rural e urbana, tanto a dos servidores públicos federais quanto os das empresas privas, composto de sete entidades: INPS, IAPAS, INAMPS, LBA, FUNABEM, DATAPREV e CEME.
As Emendas n° s 7 e 8, de 1977, respectivamente, alteraram o quadro normativo constitucional, para o fim de autorizar a criação de contencioso administrativo destinado a resolver questões previdenciárias e disciplinar a questão do custeio do sistema previdenciário, respectivamente.
A Emenda n° 18, de 1981, por sua vez, acrescentou preceito que constitucionalizava a aposentadoria especial do professor aos 30 anos, e da professora aos 25 de tempo de serviço.
De outro lado, o vigor legislativo infraconstitucional continuava efervescente em matéria de previdência social, dispensando-se a enumeração cansativa das disposições legais pertinentes, bastando ressaltar a constante ampliação do rol de beneficiários e de qualidade das prestações, traçando o caminho para a construção de um sistema de seguridade social, como pretendido pela Constituição de 1988.