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Evolução histórica da Previdência Social e os direitos fundamentais

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12/06/2005 às 00:00
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6. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O FIM DELINEADO À PREVIDENCIA SOCIAL.

A nova Carta Magna de 1988 surge como ponto culminante da restauração do Estado democrático de direito, rompendo com o autoritarismo do regime militar.

O reflexo direito da participação de toda a sociedade civil brasileira, caracterizada pelo passado de exclusão das decisões políticas e econômicas da Nação, levou a um produto final extremamente heterogêneo e delineado por certas proteções corporativas.

Aliás, nesse ponto, vale transcrever a lapidar manifestação de Luís Roberto Barroso [45], a saber:

Na euforia – saudável euforia – de recuperação das liberdades públicas, a constituinte foi um amplo exercício de participação popular. Neste sentido, é inegável o seu caráter democrático. Mas, paradoxalmente, foi este mesmo caráter democrático que fez com que o texto final expressasse uma vasta mistura de interesses legítimos de trabalhadores e categorias econômicas, cumulados com interesses cartoriais, corporativos, ambições pessoais, etc.

Assim, ante ao marcante caráter heterogêneo da Constituição Federal de 1988, o seu texto não apresenta um predomínio político dominante.

Além disso, ao tentar afastar-se da experiência passada, e até por influência do constitucionalismo moderno, descreve com um grau de sutileza, miudezas casuísticas, prolixas, vindo gravada com várias inserções programáticas, com a intenção de balizar a atuação legiferante e da administração, culminando na construção de um corpo altamente analítico, compromissório e dirigente.

Em razão disso, é indispensável que sejam concretizadas as pretensões do constituinte por intermédio do instrumento da lei, em ação concreta do Estado Democrático de Direito. "Se inegavelmente a Constituição jurídica é condicionada pela realidade histórica, graças à sua força normativa, ela pode ordenar e conformar a realidade social e política, desde que não se proponha a implementar o irrealizável". [46]

Na realidade, como ensina Wagner Balera, a nova Carta Magna de 1988 instituiu um autêntico Sistema Nacional de Seguridade Social, o qual configura um conjunto normativo integrado de um sem-número de preceitos de diferentes hierarquia e configuração. [47]

O Sistema de Seguridade Social a que se propõe construir a Carta Magna de 1988 está assentado no trabalho como força motriz da Ordem, cuja finalidade deve ser o bem-estar e a justiça sociais, a fim de garantir a todos um mínimo quando submetidos a situações geradoras de necessidades sociais.

A universalidade de cobertura e do atendimento foi consagrada como princípio constitucional vetor do sistema de seguridade social. Inúmeros, aliás, são os princípios consagrados no texto constitucional que estão a indicar o ideário do sistema de seguridade social.

A Seguridade Social é uma técnica moderna de proteção social, que se busca implementar em prol da dignidade da pessoa humana. As suas diversas facetas, quais sejam, a assistência, a saúde e a Previdência Social, no sistema de Seguridade Social, deveriam atuar de articulada e integradas, mas percebe-se a existência de uma nítida separação no respectivo campo de atuação extraída do próprio texto constitucional.

Sobreleva referir que as prestações de saúde acabaram estendidas a toda a população, deixando de estar condicionadas ao cumprimento de obrigações precedentes. A assistência social, igualmente, não exige dos seus beneficiários a exigência do custeio, sendo devidas suas prestações a todos aqueles que se encontrem em situação de indigência.

Já as prestações de Previdência Social, em que pese o ideário constitucional de se vincular a um regime de seguridade social, continuam atreladas ao custeio prévio (art. 195, caput), limitando algumas espécies de prestações a certas categorias de trabalhadores, com prevalência dos trabalhadores empregados.

A separação das áreas que compõem o sistema de seguridade social, entre previdência, saúde e assistência é evidente, tendo como marco diferenciador principal justamente o espectro de abrangência das camadas de proteção, pois enquanto a saúde e a assistência social estão focadas para o atendimento do que se convencionou chamar de mínimos sociais, a previdência social busca "assegurar níveis economicamente mais elevados de subsistência, limitados, porém, a certo valor". [48]

Em razão disso, assevera-se que a existência de regras jurídicas destacadas sobre previdência – sobretudo de origem constitucional – é reveladora de uma estrutura modeladora da previdência social brasileira dotada de "especificidades capazes de conformar um sistema próprio (um subsistema), um regime jurídico-previdenciário, dentro da totalidade do sistema de seguridade social". [49]

Dentre as especificidades mais aparentes e manifestas do regime jurídico-constitucional-previdenciário está a sua organização em "caráter contributivo".

Assim, no que toca a Previdência Social, ainda que tenha experimentado uma enorme evolução nos últimos tempos, não conseguiu afastar-se por completo do regime de seguro social, porquanto tem como pressuposto para a concessão de suas prestações a necessidade de prévia contribuição por parte dos trabalhadores expostos aos riscos sociais, mesmo vigorando a contribuição tripartide. Isso não quer dizer que o princípio a solidariedade não seja um dos esteios do regime protetivo da previdência social (arts. 3° , I, e 195, caput).

A universalidade de cobertura e atendimento não se concretizou por completo, sendo um ideário a ser buscado pela Previdência Social brasileira.

Com efeito, a proteção social conferida pela previdenciária, na Carta Magna de 1988, recai diretamente e, preponderantemente, sobre a figura do trabalhador e seus dependentes, sejam do setor privado sejam do público.

Quanto ao fim da Previdência Social, Daniel Pulino afirma que:

[...] garantir condições básicas de vida, de subsistência, para seus participantes, de acordo, justamente, com o padrão econômico de cada um dos sujeitos. São, portanto, duas idéias centrais que conformam esta característica essencial da previdência social brasileira: primeiro, a de que a proteção, em geral, guarda relação com o padrão-econômico do sujeito protegido; a segunda consiste em que, apesar daquela proporção, somente as necessidades tidas como básicas, isto é, essenciais – e portanto compreendidas dentro de certo patamar de cobertura, previamente estabelecido pela ordem jurídica – é que merecerão proteção do sistema. Pode-se dizer, assim, que as situações de necessidade social que interessam à proteção previdenciária dizem respeito sempre à manutenção, dentro de limites econômicos previamente estabelecidos, do nível de vida dos sujeitos filiados. [50]

Da preciosa lição acima se pode extrair qual a efetiva finalidade da previdência social, cujo deslinde deve obediência aos limites econômicos, é a manutenção do nível de vida dos sujeitos filiados.

Não se separa a realidade econômica da realidade jurídica, pois não se pode pretender concretizar o irrealizável, daqui porque se deve obediência aos limites econômicos, na forma da lei. Aliás, as reformas constitucionais do texto original de 1988 caminham nesse sentido, especialmente a EC nº 20, de 1998, que veio para reforçar o regime previdenciário contributivo e de cobertura limitada a certo valor, dando ênfase, por outro lado, aos regimes de previdência social complementares, em que vigora a vinculação facultativa e sem limite de cobertura.

De outro lado, não há como negar que o texto constitucional original nasceu impregnado com uma proteção excessiva aos servidores públicos, que ensejou, inclusive, a configuração jurídica de um regime próprio de Previdência Social, muito mais benevolente que o regime dos demais trabalhadores da iniciativa. Decerto que tal contorno jurídico constitucional decorre da força corporativa dos servidores públicos que, como visto, desde o limiar da história da Previdência Social têm colhido vantagens de tal posição.

É tão evidente o poder de manobra dos servidores públicos que a recente reforma constitucional promovida pela Emenda nº 41, de 2003, sofreu diversos ataques, mesmo sendo de plena consciência de todos que não existe motivo, seja técnico, jurídico ou político, para se manter o disparate entre o Regime Geral de Previdência Social e o Regime Próprio dos Servidores Públicos. Contudo, aos poucos as barreiras corporativas vão sendo batidas.

De toda sorte, não obstante às críticas à Constituição Brasileira de 1988, perdida em minúcias desarrazoadas e marcada por opções políticas de contornos corporativistas, é evidente que maiores são seus méritos que os deméritos.

A Carta Magna de 1988, em nenhum momento, nega eficácia aos valores fundamentais conquistados a custa de duras penas ao longo da história da humanidade, protegendo todos os cidadãos contra eventuais abusos e garantindo-lhes, nem que seja o mínimo necessário para preservação de uma vida digna, elevando, inclusive, tais preceitos ao status de cláusulas pétreas (art. 60, §4º, II, da CRFB/88).


7. CONCLUSÃO

O ordenamento normativo constitucional não é perfeito, mas certamente representa um grande avanço em termos de Constituição de um Brasil moderno, já que se adota como ideário um modelo de proteção social assentado na proposta da Seguridade Social.

O constituinte de 1988, ao fazer esta opção, ao definir este conceito e torná-lo parte integrante da Constituição, fez uma opção radical pela modernidade, exatamente naquilo que temos de mais atrasado neste país, que são as relações entre o capital e o trabalho. [51]

Assim, grandes foram as conquistas do povo brasileiro em termos de proteção social no decorrer de sua evolução histórica, pois há menos de um século não se tinha sequer a garantia efetiva do Estado quanto às prestações de assistência social, enquanto que hoje caminha-se, a passos largos, para o ideário da Seguridade Social, assentada no bem-estar e na justiça sociais, esbarrando apenas em pressupostos fáticos, que decerto com muito luta e afinco serão batidos.

A Previdência Social, como uma das facetas desse sistema de seguridade social, por seu turno, ainda que não arraigada com técnicas do seguro social, também delineou substancial evolução, abarcando o maior número possível de protegidos, independentemente da sua força de trabalho, bem como selecionando e distribuindo suas prestações de forma a atingir o ideário do sistema de seguridade social.

Contudo, todo esse processo evolutivo pelo que passou e passa a Previdência Social é fruto de muita luta das classes sociais menos favorecidas, que sempre estiveram à mercê dos riscos sociais, como, também, do desenvolvimento da solidariedade que amadurece e ganha destaque na consciência dos homens.

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Sobre o autor
Aécio Pereira Júnior

Procurador Federal em Brasília, Mestrando em Direito pela PUC-SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA JÚNIOR, Aécio. Evolução histórica da Previdência Social e os direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 707, 12 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6881. Acesso em: 28 mar. 2024.

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