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O dízimo dos partidos políticos

13/06/2005 às 00:00
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Determinada conduta, que para uma parcela ponderável da população seria motivo de indignação e reprovação moral, para outras pessoas seria uma conduta absolutamente normal, dentro dos padrões éticos da sociedade em que vivem. Referimo-nos à cobrança de dízimos pelos partidos políticos.

Ninguém ignora que a finalidade última de um partido político é a tomada do poder, exatamente para poder implementar o seu programa de governo. Quanto a isso, nenhuma dúvida, nenhuma condenação.

O que nos espanta é a política do ´fim justifica o meio´, adotada pelo conhecido estadista florentino, que pregava o emprego da violência e da fraude para manutenção de um governo forte.

Certamente, instituir no estatuto partidário a cobrança de seus filiados de uma parcela de vencimentos de exercentes de cargos em comissão não será um meio ético, nem regular de ascensão ao poder. Pouco importa se essa cobrança é feita em folha ou fora dela. A vedação legal do desconto na fonte jamais poderia implicar licitude ou moralidade de sua cobrança fora da folha, em se tratando de exercente de cargo em comissão, o qual, não teria como manifestar, livremente, a sua opção pelo pagamento ou não dessa contribuição.

Mas, o mais grave defeito da disposição estatutária da espécie é que afronta diretamente o princípio moralizador do ingresso no serviço público mediante concurso público de provas ou de títulos e provas, que vem sendo inscrito desde a primeira Constituição Republicana até a atual Carta Política. O cargo em comissão floresceu no regime de exceção em 1964. Com a retomada da normalidade democrática, a partir do advento da Constituição de 1988 era de se esperar que o mal fosse extirpado. Pelo contrário, os cargos em comissão proliferaram de tal forma que aos servidores efetivos só lhes restaram os cargos e funções menos relevante do 4º ou 5º escalões, ainda que dedicados e experientes servidores com mais de 20 ou 30 anos de serviços prestados. Resultado: a morosidade e a incompetência passaram a imperar na administração pública, tomada por burocratas de plantão.

Daí o inchaço do quadro de servidores, que levou o criativo e inteligente legislador constituinte derivado a instituir a figura da demissão do servidor efetivo, quando necessária para adequar as despesas de pessoal aos limites constitucionais e legais. O certo seria não continuar criando tantos cargos em comissão, ao sabor dos interesses políticos do momento.

Em suma, a cobrança do dízimo, não importa, se de forma compulsória ou voluntária, mesmo porque ninguém é obrigado a aceitar cargo em comissão, representa um mecanismo indireto de ascensão do partido ao poder, que contém, necessariamente, o gérmen do enfraquecimento da burocracia estável, permanente, competente, profissionalizada, disciplinada e submetida ao rígido princípio da hierarquia funcional, semelhante àquele que mantém a disciplina e a coesão dos membros das Forças Armadas. Já imaginou como ficariam as Forças Armadas se começassem a nomear em comissão generais e coronéis estranhos às carreiras militares?

A insubmissão ao princípio da hierarquia funcional conduz ao terreno fértil dos desvios administrativos. Todo servidor público há de ter um chefe imediato a quem responder diuturnamente, nunca um chefe político que o nomeou. Um estranho aos quadros funcionais, que assume posição de mando, sem conhecer as atribuições do cargo, acaba constrangendo experimentados servidores de carreira alijados de suas atribuições, por razões puramente políticas. Isso gera insatisfação, indisciplina, indiferença, confusão e ineficiência crônica no seio do funcionalismo público.

Por isso, no nosso entender, os cargos em comissão deveriam limitar-se à chefia de gabinete ministerial, à Secretaria-Geral do Ministério e um ou dois assessores diretos do ministro. Os exercentes desses cargos poderiam, a título de colaboração, contribuir para os partidos políticos a que pertencerem. Os demais cargos deveriam ser preenchidos por servidores do quadro permanente, submetidos ao rigor da hierarquia funcional. Com isso, os conhecidos desvios administrativos cessariam.

Enfim, todo aquele que deseja sanear a administração pública, devolvendo ao servidor público efetivo o ´status´ que a Constituição lhe conferiu, não pode concordar com a previsão estatutária de partidos políticos para a cobrança de comissão de seus filiados, quando investido em cargo público.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. O dízimo dos partidos políticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 708, 13 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6886. Acesso em: 23 abr. 2024.

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