Roma republicana

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10/09/2018 às 11:23
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Explora-se algumas questões da Roma republicana e os vários conflitos que estiveram sempre presentes, ao longo da história romana. Da-se ênfase à disputa pelo poder político que moldou toda a narração e o desfecho de um grande império.

1.Introdução 

A fundação de Roma é um assunto não liquidado pelos historiadores até os dias de hoje. Explora-se algumas possibilidades, dentre as quais, pode-se citar as histórias mitológicas, que tinham um significado político para os romanos: a lenda de Rômulo e Remo, e a fundação troiana por Enéias. A última é tratada por Coulanges (2009, p.114), que escreveu: "Sabe-se ter Enéias fundado Lavínio, de onde provieram os albanos e os romanos e, por consequência, consideraram-no como o fundador de Roma." Considerar que tinham certa relação com os deuses era a sua legitimação do poder para com os outros povos, além do que, era uma ótima propaganda de seus atributos. 

 De forma segura, foi em meados do século VIII a.C. que surgiu a cidade de Roma, por meio do contato entre latinos e etruscos, na região do Lácio. Era uma cidade totalmente diferente das impressões romantizadas que se vê espalhar, caracterizada pela desigualdade, contrastes e instabilidade política e social. É relevante destacar o talento dos romanos para com as conquistas dos povos, o que gerou o tão admirável Império Romano. 

O seriado Roma retrata com fidelidade muito aproximada a realidade, não só do conteúdo histórico e o desenrolar dos conflitos, mas também do cenário em que se desenvolveu o período da República. As ruas são sujas, com sem tetos espalhados, paredes com escritos e desenhos, e há a convivência conflituosa entre os vários estratos da sociedade, que sempre buscam a ascensão social. Como curiosidade, em Roma, sempre houve a flexibilidade na mobilidade social, conquanto, sempre existiu os dois grandes grupos contrastantes: classes baixas e classes altas. Nota-se essa característica no momento que se analisa a família da nobre Atia (sobrinha de César)em contraste com a realidade de Lúcio Voreno (centurião). Todavia, a mobilidade era mais fácil para os plebeus em contato com a nobreza. Esse foi o caso de Voreno, que foi nomeado senador por Caio Júlio César, na produção do diretor Michael Apted (2005). 

Roma teve três grandes regimes: Monarquia (753 a.C. - 509 a.C.), República (509 a.C. - 27 a.C.) e o Império (27 a.C. - 395 d.C.). A Monarquia teve como seu primeiro rei, Rômulo, a figura "mítica" da lenda da criação de Roma. A República, objeto de destaque do presente trabalho, foi um período rico, em que ocorreram fatos que determinaram a história romana, grandes disputas pelo poderio e, também foi o grande modelo de experiência política. No Império, continuou-se a saga em busca do poder, e por consequência, todo o temor dos romanos, em relação ao exercício do mesmo, se concretizou. O comando passou a pertencer, exclusivamente, ao Imperador -Augusto foi o primeiro deles.  


2. República Romana 

Consoante A. H. McDonald (1971), o fim da Monarquia dá-se com Roma expulsando a família real dos Tarquínios, e em 474 a.C. Hierão de Siracusa derrotando os etruscos. O último Rei romano foi o tirano Tarquínio, este foi expulso devido a um escândalo envolvendo o filho e sua mulher, em que os cidadãos romanos decidiram desterrar, de forma perpétua, os Tarquínios.   

Para o autor (1971), a República romana não teria sido implantada necessariamente em 509 a.C. Somente em 470 a.C. que se poderia afirmar, com certeza, que haveria uma República romana definida. Defende também, a ideia de que, como toda transformação, "A República não se isolou a si própria antes de se aventurar no seu destino imperial.'' (MCDONALD, 1971, p.36).  

O período romano mais promissor foi este, no ponto que se desenvolveu a expansão Romana. Ela foi instaurada devido a uma revolta contra os reis etruscos, liderada por Lúcio Júnio Bruto, o primeiro magistrado (cônsul) republicano. A partir desse momento, Roma passou a ser governada por Cônsules. "[...] não há dúvidas de que dois magistrados anuais, os cônsules, se apoderaram da autoridade executiva do rei." (MCDONALD, 1971, p.41). 

Essa era foi marcada pela grande diferença que havia entre os patrícios (nobres, chefes de famílias poderosas, proprietários de terras) e os plebeus (a massa que não se encaixava dentre os patrícios). Somente aqueles dispunham de direitos políticos e do exercício -arbitrário- do poder, eles dominavam e governavam a cidade de acordo com o que lhes interessassem. No cenário retratado, no episódio da série romana, aborda-se uma plebe sempre ignorada pelos patrícios, que por consequência, mantinha-se sempre revoltada. A questão social coerente com a realidade, que traz uma elite aristocrática indiferente aos não-patrícios. 

A aristocracia concentrava inquestionavelmente o poder político, detinha a grande parte das terras (principalmente a exploração do ager publicus), monopolizava o acesso a e o conhecimento do Direito e exercia o brutal instituto do nexum, a servidão forçada por inadimplemento de dívidas. (Menezes, 2012, p.23). 

Na produção de Michael Apted (2005), uma cena marca a distância que havia entre patrícios e plebeus, na Roma antiga. Ao chegar em Roma, Voreno (centurião) e Titus Pullo (soldado) conduzem Otávio a casa de sua mãe -Átia (sobrinha de César). Como forma de gratidão aos amigos, Otávio sugere à mãe que os plebeus comam com eles. Átia, como uma típica nobre, propõe servir pão e vinho (comida tida como plebeia) para os "convidados" de seu filho, mas este a repreende e declara que os homens devem se juntar a eles. Por fim, a frase que a nobre Átia exprime, ratifica o abismo que havia entre essas classes: "devemos comer como se fôssemos iguais." 

Sob a perspectiva das moradias, a distância era vultosa. Enquanto os nobres (como Átia) viviam em casas enormes, os plebeus (como Voreno) (sobre)viviam em espécies de apartamentos, em que o cenário era confuso e acanhado. Sobre este assunto, tratou Funari (2002, p.110): "Os romanos da cidade viviam em casas ou prédios de apartamentos. Isso mesmo, havia prédios de apartamentos chamados de insulae, "ilhas", onde viviam as pessoas de menos posses nas cidades grandes." 

Essa distinção acentuada entre as classes gerou conflitos, em que ocorreram cinco secessões da plebe. A primeira, em 494 a.C. Secessio plebis foi de suma importância para a criação de órgãos e cargos exclusivos da plebe, dentre eles, a Assembleia da Plebe, os tribunos e dois edis. O cargo de tribuno foi criado para que se pudesse dar ouvidos ao povo romano, protegendo-os e impedindo que se fossem tomadas decisões que os prejudicassem.  

No mesmo sentido, retrata McDonald (1971, p. 41): 

Dentro do Estado Romano, as famílias plebeias deixaram de ter acesso à função pública mais elevada, mas conseguiram constituir a sua própria assembleia, com os seus funcionários, os tribunos da plebe, a fim de protegerem os direitos da generalidade do povo, como os nobres defendiam as pessoas de si dependentes. 

Ao contrário das cidades antigas (como a Grécia), em Roma, as mulheres apesar de não serem cidadãs, não eram totalmente isoladas. Fácil é a identificação do poder, influencia e manipulação que a sobrinha de César -Átia- tem no seriado Roma. A todo momento ela aparece a par da situação, com articulações e reflexões políticas, a ponto de requerer participação em uma reunião dos membros do Senado, em que o assunto principal era a moção contra César. Essa característica também pode ser notada em Niobe (esposa de Voreno), que apesar de ser repreendida pelo marido, possui certa autonomia e chega, até mesmo, a receber um pedido de desculpas, de seu companheiro, por uma ofensa.  

Após a secessio a experiência mais marcante foi a que deu origem à Lei das XII Tábuas (450 a.C.). A primeira compilação de leis consuetudinárias escritas em Roma, resultado da luta dos plebeus para que tivessem seus direitos escritos, a fim de evitar os arbítrios cometidos pelos patrícios, na administração da justiça. Era um sistema de ação com um formalismo rigoroso na prática legal, donde desaparece o aspecto religioso e ritualístico, que tem por princípio o interesse do homem (e não do sagrado). "Um tal processo pode permitir uma justiça rígida enquanto as condições sociais permanecem constantes, mas o pretor da cidade (praetor urbanus) podia alargar a sua aplicação por meio de Édito." (MCDONALD, 1971, p.148). Ela possibilitou que os cidadãos (que soubessem ler) pudessem ter conhecimento do Direito, que era antes, "ocultado" pela classe alta. As conquistas da plebe só aumentaram a partir daí, assim como declara Eduardo Vita Marchi (2005, p.16): 

De outro, na vida político-administrativa, consegue, primeiro, a equiparação de suas leis (plebiscitum) àquelas dos patrícios (lex), e em seguida, o acesso ao Senado e ao poder executivo, mediante sua admissão pouco a pouco nas várias Magistraturas (Consulado e Questura, a partir de 367 a.C.; Edilidade, desde 366; Ditadura, a partir de 356 a.C.; Censura, desde 351 a.C.; Pretura, a partir de 337 a.C.; por fim, e fora das Magistraturas, o Sacerdócio, desde 300 a.C.).  

Ora, as novas práticas sociais que se esboçaram a partir das práxis plebeias geraram transições no cenário. Da mesma forma, delas nascem novos saberes, assim como relata Foucault (1999), em uma obra posterior ao período tratado, mas que dialoga com a conjuntura: "práticas sociais podem chegar a engendrar domínios de saber que fazem aparecer novos objetos, novos conceitos, novas técnicas [...]". (FOUCAULT, 1999, p.8). Temos assim, um novo direito, uma nova configuração social, fruto de ações populares, que chega a construir novos sujeitos. Prova disto, se dá na comparação de um Direito antes do agir plebeu, e pós o engrandecimento dessa plebe. Como retrata Coulanges (2009, p. 246):  

Essa revolução no estado social devia modificar também o direito. 

Se nos colocarmos na época em que a plebe se engradeceu e começou a fazer parte do corpo político, se comparamos o direito dessa época com o direito primitivo, grandes alterações nos surgem à primeira vista.  

A república romana nunca teve como pilar a democracia, dado que nunca existiu uma democracia tal como a dos gregos. Embora o autor McDonald (1971, p.89) afirme que "[...]na prática, existia uma democracia [...]", baseado nos relatos de Políbio. As famílias aristocráticas detentoras do poder político nunca perderam o controle de tal, somente realizaram algumas concessões à plebe. A lógica do período republicano era evitar que o poder fosse concentrado nas mãos de uma só pessoa. Reflexo disso, eram os cargos anuais, com mais de um ocupante: Cônsul, pretor, censor, edis, questor. Como dito, o cargo de tribuno da plebe trouxe diferenças significativas ao modo de exercício do poder em Roma. Assim como pontuado, na série Roma (2005), no momento em que o escravo de César descreve o cargo de tribuno como sagrado, de grande dignidade e muito sério, quando questiona a atitude de seu superior -que comprara votos para eleger Marco Antônio. Observava-se que nos discursos, sempre se falava em nome do Senado e do povo de Roma (Senatus populusque Romantis) -não era para menos que o tribuno da plebe tinha poder de vetar as decisões do Senado.  

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A estrutura das instituições políticas, da república, era organizada pelo Senado, as magistraturas, e as assembleias. O Senado era o principal órgão, com o maior poder, constituído somente por patrícios. As magistraturas eram compostas pelos cargos de Cônsules (poder executivo), Pretores (ministravam a justiça), Censores (faziam o censo dos cidadãos), Questores (lidavam com a economia, tributos), o tribuno da plebe (representante da plebe) e os Edis (cuidavam da conservação da cidade). -A figura do Rei foi substituída, no âmbito religioso, pelo Pontífice Máximo, e no âmbito administrativo e militar, pelos dois Cônsules.- Quanto às Assembleias, de origem ainda monárquica, a comitia curiata tratava de assuntos religiosos, e perdeu bastante sua força na República. A comitia centuriata era a mais importante, de origem militar, composta por homens de todas as classes sociais, mas com a prevalência dos patrícios, o que garantia a soberania da classe alta. A comitia tributa, uma divisão de grupos por territórios em que residiam. Por fim, o concilium plebe, que era a assembleia da plebe.  

Essas magistraturas republicanas possuíam amplos poderes político-constitucionais. Havia a potestas  e o imperium. Essa estava baseada na representação do Estado, que garantia direitos e obrigações. Já o imperium era a personificação do poder do Estado em relação aos cidadãos. Existia também a intercessio, um poder de veto recíproco entre os magistrados, em qualquer assunto, o que forçava acordos ou colaborações entre eles no exercício do poder. Além disso, havia a provocatio e populum, uma espécie de recurso que os cidadãos poderiam levar à Assembleia Popular, contra sentença proferida por qualquer magistrado. Era uma "constituição'' em que havia o objetivo de balancear os poderes, visto que, havia a possibilidade de veto entre os magistrados, e o recurso advindo de qualquer cidadão à Assembleia do povo. 

O Direito vigente no decurso da república foi Direito Romano Antigo, que tinha como sua base os costumes, que convivia com algumas leis aprovadas pelas assembleias. Importante pontuar que a religião tinha uma influência enorme na política. Um ponto bem trabalhado pela série Roma (2005), a qual pode-se apreciar em vários diálogos em que se invoca o sagrado -como nas reuniões do Senado.  

Segundo Funari (2002), os romanos se preocupavam em tornar público o que se referia à vida em sociedade, e a importância do Direito era crucial e fácil de se notar pelas práxis romanas. 

O fato de ser pública foi muito importante, pois, assim, todos eram capazes de saber exatamente o que se podia ou não fazer e quais as punições previstas para os desobedientes. Por muitos séculos, as crianças deviam copiar e decorar Lei das Doze Tábuas, tarefa difícil, mas que demonstra valor atribuído pelos romanos ao conhecimento da lei. As crianças aprendiam, desde cedo, que o "direito conduz os que querem e arrasta os que não querem" (ius uolentes ducit et nolentes trahit). (FUNARI, 2002, p.119). 

Na perspectiva do autor McDonald (1971), havia um direito romano privado nas cidades romanas. Além do pretor da cidade, haveria também o praetor peregrinus, que julgava casos de indivíduos, considerados como não cidadãos envolvidos em assuntos romanos. Notava-se também uma Lei civil que, por mais rígida que fosse, atingiu um momento em que se fez necessário estender sua interpretação. Nesse sentido, a Lex Aebutia inseriu um sistema em que autorizava as autoridades a levar em consideração fatores que ultrapassavam a lei estrita.  

O Direito Romano, ao qual é usado como referência nos dias de hoje, não é o Direito aqui tratado. Segundo o Prof. Dr. Cristiano Paixão, em suas aulas ministradas na Faculdade de Direito, na Universidade de Brasília (UnB), muita coisa se perdeu com o fim do Império Romano do Ocidente, e o que chegou a nossa geração foi o Direito redescoberto na Idade Média. Em relação a isso, desenvolveu Funari (2002, p.120):  

O Direito romano começou verdadeiramente a se organizar nos séculos I e II da nossa era, reunindo todas as leis e todos os textos que existiam em Roma em matéria de julgamentos, procurando fazer um levantamento das regras gerais. Estas tentativas de Roma para estabelecer uma ciência jurídica foram muito importantes, pois nenhum outro povo da antiguidade fez com relação a isso nada comparável aos romanos.   

"Roma não era uma simples cidade-estado. Expandira-se a sua ambição política até à inclusão, inicialmente, do Lácio e, depois, do resto da Itália, e à coordenação dos respectivos potencial humano e recursos." (MCDONALD, 1971, p. 147). Com base nesse trecho observa-se que os romanos foram muito inteligentes e estrategistas na expansão de seu Império. A ideia de universalização e incorporação era muito grande, não é à toa que conseguiram ser considerados como o centro do mundo. Nessa linha, Coulanges (2009, p.285), em uma breve passagem declara sobre Roma: "Parece à primeira vista surpreendente que, entre as mil cidades da Grécia e da Itália, tenha se encontrado apenas uma capaz de subjugar as demais". É possível observar algumas práticas romanas que facilitaram a sua propagação: os romanos conseguiam lidar muito bem com as diferenças, o que foi muito importante na conquista de povos, como também para evitar inimigos; a cidadania romana era flexível, outro ponto positivo para que se pudesse usar, a favor, para conquistar mais aliados. A concessão de direitos de cidadania era usada como método de "recompensa" a quem se aliasse aos romanos. 

Sob a ótica de Coulanges (2009), a expansão romana deu-se, de modo salientado, a partir da religião. Ele sustenta essa tese com o argumento da incorporação dos vencidos, junto aos seus cultos. À medida com que conquistava os povos, os romanos filiavam os vencidos -o que gerou o aumento da população em Roma. O fato que se sobressaiu na política romana foi a adoção de diversos cultos, das cidades ao redor (e dos vencidos), o que veio a ocasionar vínculos entre os romanos e os povos conquistados. 

Como todas as cidades, Roma tinha sua religião municipal, fonte de seu patrotismo, mas foi também a única cidade que se serviu dessa religião para seu engradecimento. [...] Roma teve a habilidade ou a boa sorte de usá-la para atrair e dominar tudo. (COULANGES, 2009, p.289). 

Conforme as conquistas foram ocorrendo, aumentou-se, de forma significativa, o número de escravos. Com o passar do tempo, notou-se que esse fato estava causando certas discrepâncias que não eram presentes até então. Os escravos, adquiridos por meio da conquista de povos, ocuparam todos os cargos, que antes eram dos cidadãos romanos, deixando-os sem trabalho. "Em 167 a.C., a escravidão de 150 000 epirotas deve ter dado origem a uma superabundância de escravos no mercado." (MCDONALD, 1971, p.80). O cenário era de miséria para com a sociedade, que não tinha nada, pelo fato de os nobres possuírem toda a terra, e os escravos, todo o trabalho. Assim, McDonald (1971, p.82) traz uma passagem: 

Os escritos romanos mais recentes correlacionaram o desenvolvimento das grandes propriedades e o trabalho escravo com a decadência social da Itália: os camponeses livres desapareceram e as condições de vida nos campos tornaram-se mais rudes, especialmente nas regiões em que o número das propriedades permitia a utilização de grande quantidade de escravos. As guerras dos escravos na Silícia, durante o período final do século II a.C., servem de exemplo quanto às consequências de tal situação. 

A cinegrafia, objeto de análise neste escrito, trata em algumas passagens, do excedente número de escravos. Otávio (em uma conversa com sua mãe, Voreno e Titus Pullo) relata –inconformado- que a quantidade de escravos em Roma, estava a tomar todo o trabalho dos cidadãos romanos. Em outra tomada, tratou-se das vendas de escravos nas ruas romanas, como algo cotidiano àquela realidade. 

Foi necessário criar uma medida subsidiária, para que a população romana não se revoltasse, conhecida como política do pão e circo, implantada somente no Império. Ela serviu como forma de manter a plebe sobre controle e submissa ao Estado romano, fornecendo comida e diversão.  Essa política apaziguou as demandas sociais, em comparação à República. De acordo com as palavras de Funari (2002, p.114): 

O fato novo que caracterizou então a vida da plebe que vivia na cidade de Roma no tempo do Império foi a sua neutralização política (aquietação das insatisfações sociais, reinvindicações e revoltas) dos pobres, por meio de subsídios alimentares e diversões públicas. 

 O exército era crucial para os romanos, composto por todos os cidadãos -obrigatoriamente-, havendo também exércitos de povos conquistados. A infantaria, presente no exército romano, o tornou mais forte do que os outros, favorecendo as conquistas. Desde a educação, na infância, os meninos eram treinados para o exército, esse fato contribuiu para a expansão, pois gerou bons militares. A importância do exército não esteve só na conquista de mais territórios e na defesa interna do Império, era mais forte ainda na repressão dos conflitos internos, que garantia que o poder romano fosse presente no interior das fronteiras.  

À medida em que se conquistava territórios longínquos, o exército se ausentava por mais tempo, assim "[...] tornavam cada vez mais difícil a participação dos camponeses na infantaria, o que acabou levando o general romano Mário, em 111 a.C., a recrutar, pela primeira vez, soldados voluntários que recebiam salários." (FUNARI, 2002, p.88). Essa medida teve como consequência rivalidade desses generais na disputa pelo poder. É nesse cenário que se desenvolve a série Roma (2005), que tem por conteúdo os conflitos e disputas, por poder, entre os generais -começando no ano 52 a.C. quando Caio Júlio César se prepara para tomar a frente em Roma.  

O seriado dialoga muito bem com o contexto histórico real. Durante as cenas, observa-se o povo romano fragilizado, devido ao excesso de escravos conquistados, exercendo todo o trabalho da cidade, somado ao fato de a camada alta da sociedade ter acumulado muitas terras. O recorte de análise se reduz ao período em que a república começa a entrar em colapso, trabalhado no segundo episódio do seriado. A esta altura, já estava presente a rivalidade entre os líderes militares, fator que vai findar a república mais tarde.  

Esse cenário foi fruto do Triunvirato entre César, Pompeu e Crasso, uma aliança política que aspirava atender as ambições individuais dos três, e evitar que houvesse obstruções oligárquicas porvir. Algumas circunstâncias enfraqueceram essa aliança, como a morte da esposa de Pompeu -irmã de Júlio César-, que desfez um "laço familiar" entre os dois, e a morte de Crasso. Por conseguinte, começou-se essa luta por poder entre dois grandes líderes: César -comandante de Gália-, e Pompeu -único cônsul e governador de Hispânia-.   

 A causa desse conflito é o fato de que as conquistas militares de territórios e povos se tornaram cada vez mais importantes. Com isso, alguns desses líderes militares chegaram a um poder político que se expandiu de tal forma, que eles queriam contê-lo. É marcante a forma com que esses homens se apoiaram nas tradições, em benefício de seus interesses políticos. "Devemos voltar às condições inflexíveis da política romana, em que o prestigio militar e o apoio dos veteranos –sob o regime da clientela militar- pesavam mais do que a mais bela retórica, verificando-se isso muito especialmente na carreira de Pompeu, o Grande." (MCDONALD, 1971, p.181-182). 

 Caio Júlio César foi um desses militares, conquistou a região da Gália, mas a certo ponto da história, o Senado quis impedir César que continuasse no comando. Começou-se o jogo político, de um lado César nomeia Marco Antônio como tribuno da plebe, e de outro, o Senado trama para reunir votos suficientes para aprovar a moção contra César. A nomeação de Marco Antônio foi uma estratégia de César, que já sabia o que estava por vir, colocando um aliado em um cargo, que dispõe do poder para vetar as decisões do Senado. O início do segundo episódio da série Roma (2005) marca a chegada do novo tribuno da plebe à Roma, recebido calorosamente pela população, e desde já, gerando desconforto ao Senado –que a essa altura já tramava uma conspiração. 

 Pompeu era o principal cônsul no Senado na questão contra César. Aquele tinha uma grande influência em Roma, mesmo que silenciosa, era muito forte, além do que, era fiel à República -mas uma República de privilégios tradicionais. Por esse ângulo, o cônsul põe-se contra César, por acreditar que este era uma ameaça a República e, portanto, ameaça à "[...] a autoridade que considerava caber-lhe na República." (MCDONALD, 1971, p.183). 

O Senado era o órgão que controlava as magistraturas e os outros órgãos políticos em Roma, mas não tinha o poder de legislar. Gozavam do apoio dos patrícios, até porque era composto somente pela classe alta da sociedade. Era a partir do Senado e dos cônsules que se exercia a autoridade aristocrática. O contexto político em que se passa a Roma republicana é de um sistema representativo, mas não responsável. Nesse ponto de vista, segundo McDonald (1971), é que os nobres poderiam usar sua influência pessoal para impor sua vontade ao Estado. É o que se observa no jogo político de rivalidade contra César -que tinha o apoio do povo-, em que os magistrados (com destaque para Pompeu) se reúnem para conseguir votos em desfavor daquele -com o apoio dos patrícios. Indispensável destacar um César com o apoio popular, mas que está em busca do Império, e um Pompeu dotado do apoio da elite, que busca manter a República -coisa pública-. Um fato um tanto quanto contraditório. 

O temor à volta da tirania em Roma era constante, e foi esse o motivo para se querer tirar César do poder, pois havia a desconfiança de que o general fomentava a tirania. A suspeita era real e disseminada, a ponto de o próprio descendente de César -Otávio-, em uma de suas falas, na produção cinematográfica, proferir que Caio Júlio César planejava invadir Roma e tomar o poder.  Esta desconfiança que é liquidada por A. H. McDonald (1971, p. 187), em um trecho de seu livro: 

Não temos necessidade de nos convencer de que César pretenderia estabelecer uma autocracia logo desde o princípio da sua carreira política: segundo os antigos testemunhos e as modernas concepções, isso constituiria uma argumentação depois da verificação do acontecimento; mas não há dúvida de que tinha a sua penetrante atenção fixada nos caminhos políticos conducentos ao poder dominante na República.  

O autor descreve ainda, um César que, desde os primórdios de sua atuação, já dava indícios do que era sua pretensão. Era popular, e agia com prudência. Sempre buscara conquistar a população, e passar uma boa imagem, tanto que foi eleito Pontífice Máximo -um cargo religioso muito importante. Tudo isso preparava o terreno para que ele pudesse realizar seus objetivos: destruir a República.   

Com a chegada de Marco Antônio, em Roma, o Senado apressou seus planos. O tribuno, também estava com pressa em cumprir sua missão, e vai à procura do Senado, assim que se encontra livre para isso. Dessa forma, ele vai ao encontro de Pompeu e os seus, e aproveita para defender os interesses de César, que requere uma província para governar e ter imunidade para com as caçadas do Senado. A contraproposta, porém, vai de encontro ao que o superior de Marco Antônio propunha. A única e real intenção do Senado era "demitir" César e caça-lo por supostos crimes, e a negociação só se daria se César aceitasse ser banido por alguns anos, livrando-se da acusação dos tais crimes. 

Chegou-se o momento em que o Senado se reuniu oficialmente, para decidir a proposta que iria tirar César do poder, e julga-lo por crimes que ele teria "supostamente" cometido, contra a República. Eles se reuniram, mesmo sabendo que a proposta não seria aprovada, porquanto, Marco Antônio tinha o poder para veta-la. O real objetivo era fazer com que César tivesse noção de que o Senado estava contra ele, e não o apoiaria caso ele tentasse seguir adiante com seu "suposto" plano de tomar as rédeas em Roma. Havia a consciência de que caso a moção fosse aprovada, César seria uma grande ameaça, pois certamente iria sair de Gália para tomar Roma.  

No concílio, o Senado conseguiu votos suficientes a favor da moção, e nesse momento, houve uma confusão tão grande que impediu que Marco Antônio vetasse a decisão do Senado. Mas não havia nada decidido ainda, pois a sessão não teria sido encerrada corretamente. O Senado, então, convocou outra reunião para que se pudesse decidir. Quando Marco Antônio estava retornando ao Senado, ocorreu uma confusão, que acreditou-se ser um ataque ao tribuno, o que mudou totalmente o rumo da situação. Diante aquela situação, foi declarado, oficialmente, em nome do Senado e do povo de Roma, que César era inimigo de Roma.  Note-se que, mesmo havendo uma divisão de poder entre o Senado e o povo de Roma (fato que fica claro nos discursos em que sempre se falava em nome do Senado e do povo de Roma), o primeiro sempre manteve uma influência maior.  

Marco Antônio seguiu rumo a Gália para deixar seu amigo Júlio César à par da situação. Destarte, César convocou seu exército e partiu para Roma, como temido pelo Senado. A esse ponto, sabia-se que uma guerra estava por vir, e o temor em Roma já se alastrava.  

O caminho para o fim da República já estava traçado. A rivalidade entre César e Pompeu gerou a Guerra Civil (49-45 a.C.). Com isso, César alcança a vitória almejada, e se transforma no ditador vitalício de Roma. Dentre as suas prerrogativas, o ditador trabalhou na unificação do país. Assim disse McDonald (1971, p. 190): 

[...] César pretendia fazer de Roma uma Capital ao nível de sua posição imperial e delineou a necessária regulamentação para auxiliar o desenvolvimento municipal da Itália, já bastante avançado, de modo a unificar o país. Suavizou a diferenciação entre a Itália e as províncias, especialmente quando planejou o estabelecimento no ultramar dos seus veteranos e dos cidadãos necessitados [...]. 

Mas todos os esforços de César esvaíram-se, em 44 a.C., quando foi morto por um grupo de senadores. A morte de César resultou em uma instabilidade política, que teve por consequência, o fim da República, propiciando a fragmentação do poder e a disputa por ele, como já visto antes. Desta vez, a rivalidade deu origem ao segundo Triunvirato, entre Marco Antônio, Otávio e Lépido, em que visavam o exercício da autoridade suprema. O desenrolar dessa disputa resultou na divisão do mundo romano e, por fim, na vitória de Otávio em cima de Marco Antônio.  

Otávio tornou-se o Primeiro Imperador romano (27 a.C.), o grande responsável pelo famoso período da Pax Romana. Ele era o único general, reconhecido pelo Senado, nomeado como Príncipe (motivo pelo qual o novo período ficou reconhecido como principado, em que Otávio foi nomeado Augusto). Nesse cenário, já não existia mais a República. inaugurou-se um regime em que o poder era centralizado nas mãos do Imperador, fato que prolongou o que Pompeu tentara evitar em suas ações contra Júlio César -o poder exercido por um. 

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Trabalho final obrigatório da disciplina de História do Direito, do segundo semestre do curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.

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