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A inconstitucionalidade material do regime trabalhista para os servidores do Judiciário

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30/06/2005 às 00:00
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A

CONSTITUIÇÃO ESTADUAL COMO PARÂMETRO PARA A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

Caso se queira ajuizar AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, há que se lembrar que esse tipo de demanda, ajuizada perante o Tribunal de Justiça Estadual, em que se questiona a validade de lei estadual, deve adotar como parâmetro a Constituição Estadual, como revela a Constituição Federal (§ 2º do art. 125), a Constituição Estadual (parte final do "caput" do art. 123) e o Regimento Interno do TJ/MS (art. 596), sendo cabível o controle concentrado ainda quando a norma da Carta estadual seja idêntica à da Carta nacional (na doutrina: RODRIGO LOPES LOURENÇO, "Controle de constitucionalidade à luz da jurisprudência do STF", Forense, 1998, p. 127; na jurisprudência: RTJ 147/404, 152/371 e 155/699).

É inconstitucional, portanto, a Lei 1.974/99, porque a Constituição Estadual, interpretada de modo global e sistemático ("...somente a compreensão sistemática poderá conduzir a resultados seguros" – GERALDO ATALIBA, "República e Constituição", RT, 1985, p. 152), não autoriza que se adote (como regra geral) o regime trabalhista para os servidores do Judiciário.

A esta conclusão se aporta em razão de que:

a) toda a literatura jurídica acima citada, reveladora da impossibilidade da adoção do regime de emprego público para atividade essencial do Estado (baseada em noções extraídas da Constituição Federal), certamente também se aplica ao que está previsto na Constituição Estadual, ainda que por mera repetição. Ou seja: lido globalmente o texto da Constituição Estadual, este não empresta validade jurídica ao regime jurídico veiculado pela lei questionada;

b) o que se sustenta conta com precedente do STF (ADIn 2.310/DF, Rel. Min. Carlos Velloso), sendo que os fundamento ali contidos também se aplicam ao que exsurge da leitura global e sistemática da Constituição Estadual, quanto ao tema do regime jurídico dos servidores do Judiciário;

c) a Constituição Estadual, especialmente o que se encontra nos capítulos iniciados pelos arts. 25 e 29 (art. 27, I, II, VIII, XVI e § 8º; art. 29, "caput" e art. 33), que em grande parte repetem o que está na CF/88 (nos capítulos iniciados pelos arts. 37 e 39), cuidou sim de traçar os caracteres básicos de um regime específico para os servidores, distinto do trabalhista e tratado com amplitude (o que também se fez pela redação dada aos arts. 62, IV, e 89, X, da Constituição Estadual), daí não se poder adotar um regime tido como EXCEPCIONAL (para poucas situações, como, por exemplo, no âmbito do Judiciário, serviços de limpeza, ascensorista, copa, segurança, reprografia etc.) como a REGRA GERAL da vinculação dos servidores ao Judiciário estadual, especialmente quando é considerado que a lei questionada colocou em extinção o regime estatutário;

d) a eliminação da regra do "regime jurídico único" (ainda não alterada na Constituição Estadual, art. 29), pela EC 19/98, não autoriza se adote o regime da CLT para atividade essencial do Estado, no caso a jurisdicional. A leitura conjugada da Constituição Estadual, no ponto, somente autoriza aquele regime – ainda mais quando adotado de forma geral e exclusiva – para funções materiais subalternas, em razão mesmo das proteções e garantias (inexistentes para os empregados) inerentes a uma atuação imparcial, técnica e eficiente, que se exige daqueles que atuam como instrumentos da prestação jurisdicional;

e) a Constituição Estadual não conferiu ao legislador liberdade absoluta e desregrada quanto à adoção do regime jurídico dos servidores estaduais, impondo, na verdade, a adoção do regime estatutário como o regime NORMAL, CORRENTE e DOMINANTE, o que prevalece no âmbito do Judiciário, que exerce competência essencial do Estado Democrático de Direito;

f) o regime trabalhista é o regime único e geral das empresas estatais (sociedades de economista mista e empresas públicas), como decorre da interpretação do parágrafo único do art. 168 da Constituição Estadual (por correspondência com o art. 173, § 1º, II, da CF/88). Como querer adotar regime típico de pessoas de DIREITO PRIVADO para pessoas ou entidades de DIREITO PÚBLICO ?

g) da mesma forma que a Constituição Federal (no art. 96, II, "b"), no capítulo dedicado ao Judiciário, não trata do regime de "emprego", mas somente do regime de "cargo", a Constituição Estadual, também no capítulo do Judiciário, somente trata do tema do regime estatutário, ao fazer menção, repetidas vezes (art. 107, III; art. 114, "b" e "g") apenas a "cargos" e não a "empregos", tudo a revelar, com o apoio da literatura jurídica mais autorizada, que o regime da CLT – precisamente nesse domínio estatal – é a exceção e não a regra. Aqui não parece demais lembrar de vetusto (mas atual) brocardo jurídico: "EXCEPTIONES SUNT STRICTISSIMOE INTERPRETATIONIS" [1], a revelar que situação tão absolutamente excepcional como a do regime da CLT para servidores públicos não poderia passar a ser adotado (como no caso da lei questionada) como regime jurídico ÚNICO e GERAL para os servidores do Judiciário, porque a tanto não autorizou a Constituição Estadual.

Daí se pode pleitear a invalidação da referida Lei Estadual, porque "A superioridade normativa da Constituição traz, ínsita, em sua noção conceitual, a idéia de um estatuto fundamental, de uma ‘fundamental law’, cujo incontrastável valor jurídico atua como pressuposto de validade de toda a ordem positiva instituída pelo Estado" (RTJ 140/954, RE 107.869, Rel. Min. CÉLIO BORJA).

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O EFEITO QUE SE PRETENDE SEJA DADO À DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

Há tempos vêm sendo abrandada, pela doutrina e jurisprudência, a tese da nulidade absoluta da norma inconstitucional (por todos: LUÍS ROBERTO BARROSO, "O controle de constitucionalidade no direito brasileiro", Saraiva, 2004, p. 19 e seguintes; a evolução da jurisprudência do STF é revelada por JULIANO TAVEIRA BERNARDES, "Controle abstrato de constitucionalidade", Saraiva, 2004, p. 350).

Atualmente, com a edição da Lei Federal 9.868/99, especialmente em decorrência da redação do seu art. 27, é possível a declaração de inconstitucionalidade de lei com efeito "ex nunc", o que se pode requerer para o caso de eventual ADIn, dado ser impensável tudo declarar nulo, riscando do mundo jurídico todas as centenas de contratações já havidas por força da Lei estadual 1.974/99, com imensos prejuízos à prestação jurisdicional e aos servidores que, de boa-fé, submeteram-se a concursos públicos e se vincularam ao Judiciário, ainda que sob regime jurídico inválido.

Visando proteger a boa-fé, a segurança jurídica e o interesse público em questão, correta será a declaração de inconstitucionalidade com efeito "ex nunc", colocando-se em regime de extinção, à medida em que forem vagando, os empregos públicos do Judiciário local.

A propósito, já se decidiu:

"A natureza dos efeitos da decisão judicial que declara a inconstitucionalidade de uma lei – ‘ex tunc’ ou ‘ex nunc’ – não emerge de princípio ou de preceito sediado na Constituição, configurando, isto sim, uma questão de política judicial, desse modo, sejeita à livre valoração judicial a ser feita em cada caso concreto, segundo os reclamos de justiça e razoabilidade em cada espécie litigiosa. Destarte, pode o Tribunal dar efeito ‘ex nunc’ à declaração de inconstitucionalidade em homenagem à boa-fé dos destinatários da norma, decorrente do princípio da presunção de constitucionalidade das leis" (RF 366/248).


CONCLUSÃO

É inconstitucional, portanto, a adoção do regime trabalhista (emprego público) para os servidores do Judiciário sul-mato-grossense, podendo-se questionar o tema, dentre outras medidas, pela via da ação direta de inconstitucionalidade.


NOTAS

1 Segundo CARLOS MAXIMILIANO ("Hermenêutica e Aplicação do Direito", Forense, 10ª ed., 1988, p. 225), "o princípio entronca nos institutos jurídicos de Roma, que proibiam estender disposições excepcionais, e assim denominavam as do Direito exorbitante, anormal ou anômalo, isto é, os preceitos estabelecidos contra a razão do Direito; limitava-lhes o alcance, por serem um mal, embora mal necessário".

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Sobre o autor
André Luiz Borges Netto

advogado constitucionalista em Campo Grande (MS), professor universitário, mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES NETTO, André Luiz. A inconstitucionalidade material do regime trabalhista para os servidores do Judiciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 725, 30 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6904. Acesso em: 16 abr. 2024.

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