Contrato público e o dever de fiscalização como meio de mitigar prejuízos para Administração Pública

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20/09/2018 às 10:31
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3 -  A FISCALIZAÇÃO DO CONTRATO

A fiscalização do contrato público é um tema relevante sob a perspectiva jurídica, administrativa e social, pois se reflete no interesse público, uma vez que o Gestor assume a responsabilidade de fazer o correto uso do recurso público. Tal obrigação está prevista no artigo 58 inciso III da lei nº. 8666 (BRASIL, 1993a) e quando a fiscalização não ocorre devidamente torna-se um ato falho da gestão, pelo descumprimento da lei, bem como dos princípios norteadores da administração pública. Fiscalização indevida ou a inexistência da mesma pode ensejar prejuízo ao erário, podendo também trazer a responsabilização de pessoas, sejam elas pertencentes ao quadro direto ou de terceiro na relação contratual. Como consequência final, a falta de fiscalização dos contratos pode refletir direta ou indiretamente na qualidade dos serviços prestados à sociedade.  A Administração pública tem o dever de fiscalizar a execução dos contratos por ela firmados, e, face a esse poder/dever, tem por obrigação designar um agente para promover esse acompanhamento, nos termos do artigo 67 da lei de licitações (FURTADO, 2015)

3.1 Controle do Contrato

A Administração Pública está sujeita à observância de princípios expressos no art. 37 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), estando sua atuação atrelada também ao Direito Público e ao Direito Administrativo. Não obstante, está sujeita a regras de controle, conforme previsto no art. 70 e 71 da Carta Magna (BRASIL, 1988). Esse controle pode ocorrer de forma interna ou externa. A Lei nº 4320 (BRASIL, 1964) prevê dois sistemas de controle. O controle, de forma geral, é o somatório das ações do controle externo e o sistema de controle interno, tendo como exemplos deste último: Auditoria, Ouvidoria e o parecer da Procuradoria. Sendo assim, quanto mais eficiente for o controle interno e quanto maior for sua interação com o controle externo, mais garantido será o controle dos atos da administração pública. Por sua vez, o controle externo é exercido pelo Poder Judiciário e Legislativo; pelos Tribunais de contas do Estado e da União, em casos que envolver recursos federais também poderá ser exercido pela Controladoria Geral da União (CGU). Também se possibilita o controle a partir da publicação dos atos da administração em meios eletrônicos, como o portal da transparência para que a sociedade tome conhecimento do que foi gasto e no que foi gasto, denominado de Controle Social. Tendo em vista a obrigatoriedade e a necessidade de controle dos contratos, a Administração Pública pode ensejar auxílio ou ser submetida aos órgãos de controle, que tem papel fiscalizatório na execução de contratos, na prestação de serviços e no uso correto de recursos públicos, sendo estes próprios ou por meio de repasse da União. A submissão do ente público à fiscalização é determinada a partir da competência de cada órgão fiscalizador.

Desta forma, orienta o Acórdão nº 1.450/11 do TCU: “Sumário: 1. É dever do Gestor Público responsável pela condução e fiscalização de contrato administrativo a adoção de providências tempestivas a fim de suspender pagamentos ao primeiro sinal de incompatibilidade entre os produtos e serviços entregues pelo contratado e o objeto do contrato, cabendo-lhe ainda propor a formalização de alterações qualitativas quando  do interesse da Administração, ou a rescisão da avença, nos termos estabelecidos na lei nº 8.666/93 [...]”. O controle do contrato está inserido na obrigação constitucional do controle administrativo, trata-se então da aplicação do autocontrole, também denominado de autotutela, na qual possui a administração pública o poder/dever de criar, revogar, anular e rever de ofício seus atos. Esse poder encontra amparo na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal, podendo assim, exercitar o referido controle por meio de seus órgãos internos. Para que haja a certeza do cumprimento de tal obrigação contratual, existe na lei de licitações (BRASIL, 1993a), que vem regulamentar o art. 37, XXI da CFB (BRASIL, 1988) de forma expressa, o dever da Administração Pública de acompanhar sua execução. Tal situação está prevista no art. 58, inciso I da referida Lei (BRASIL, 1993a), de forma a promover a segurança da utilização do recurso de acordo com a finalidade, bem como do contratado cumprir suas obrigações perante o ente público. Faz-se como exemplo o controle financeiro, previsto no art. 74 da Constituição Federal do Brasil (BRASIL, 1988), no tocante à União, para o qual trazemos a lição de Rosa (2007, p. 244), afirmando que a determinação constitucional aos Poderes tem o sentido de manter um sistema de controle interno com a finalidade de: [...] “avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência. Essa imposição se refere à gestão orçamentária, financeira e patrimonial.”

3.2 Gestor do Contrato e o Fiscal do Contrato

O acompanhamento do contrato se trata de imposição legal, prevista no art. 58, inciso III, combinado com art. 67 da lei de licitações (BRASIL, 1993a). A referida lei faz menção que a execução contratual deve ser acompanhada e fiscalizada por representante da Administração, especialmente designado para a função de Gestor, devendo tomar as providências que couber para que haja o fiel cumprimento do contrato. Pode o contrato ser acompanhado pela própria administração ou por terceiro, conforme preconizado no art. 9º, III, § 1º e art. 13, IV, da mencionada lei.

 Não obstante a esse dever, faz-se necessário diferenciar os papéis do Gestor e do Fiscal do contrato. Ambos parecem similares ao primeiro olhar, todavia existe distinção entre eles. O Gestor é considerado o ordenador da despesa. É de sua responsabilidade a relação com o contratado, ou seja, tratar e exigir que cumpra o que foi pactuado, além de sugerir as alterações contratuais necessárias. Tem ainda a incumbência de rejeitar objeto ou material em desacordo com o que deveria ser fornecido, ou de recusar o serviço, bem como realizar a aplicação da multa quando o caso ensejar. Por sua vez, o Fiscal é o agente designado pela Gestão, que terá papel fundamental de acompanhar a execução do contrato, fazendo o devido monitoramento e os registros que se fizerem necessários ao seu cumprimento. Tem o dever de reparar não só a execução, mas também quando ocorrerem falhas e irregularidades na execução. Ambos, o gestor e o fiscal, possuem responsabilidade sobre a avença, cada um na sua proporção, não devendo, portanto, serem confundidos. No que se refere ao Fiscal do contrato, deve o Gestor atentar-se para a qualificação, pelo fato de que este poderá invocar desconhecimento para acompanhar a execução do contrato.

Assim se posiciona o Tribunal de Contas da União (TCU), que exarou acórdão no qual afasta a responsabilidade do fiscal ao uso do argumento de que não possui condições apropriadas para o desempenho de suas atribuições. (Informativo de Jurisprudência sobre licitações e Contratos do TCU n. 57/11). Cabe ao Fiscal o papel de atestar se o contratado está cumprindo suas obrigações e com base nessa informação será autorizado o pagamento. Ressalte-se que a fiscalização do contrato pode ser exercida por terceiro, ou seja, por alguém estranho ao quadro de pessoal da administração pública.

A terceirização desta atividade deve ser precedida de licitação, salvo quando se tratar do acompanhamento de contratos de grande vulto ou que apresente relevante complexidade, sendo admitido na Lei nº. 8666 (BRASIL, 1993a), a contratação direta, a qual está prevista no art. 25, inciso II. Neste caso devem estar presentes os requisitos indispensáveis como: a inviabilidade da competição; serviço executado por pessoa ou empresa de notória especialização; profissional do setor artístico reconhecido pela crítica e pela opinião pública. Nestas situações também respondem por dano causado, caso haja superfaturamento, o fornecedor, o prestador e o agente público. Responde o Fiscal por ação ou omissão à fazenda pública, sem que haja prejuízo de outras penalidades.

Assume situação semelhante a da administração pública, o contratado. Que de acordo com o estipulado no art. 68 da lei de licitação (BRASIL, 1993a), deve manter preposto, que sendo aceito pelo ente público, deve estar presente onde for executada a obra ou serviço, desta forma representando-o na execução do contrato. Outro ponto relevante para que haja a validade do contrato de forma plena sem prejuízo ao erário é o cumprimento do disposto no art. 7º, § 2º, inciso III, da lei nº. 8666 (BRASIL, 1993a). Este dispositivo trata da previsão orçamentária, que vem assegurar o pagamento da obrigação decorrente do contrato. Nesta perspectiva, passamos a discorrer sobre orçamento público, conceituando e analisando sua limitação e aplicabilidade, que em caso de violações pode restar em responsabilização. Por ter a administração pública como prerrogativa o atendimento ao interesse público, deve agir de modo a impedir ou mitigar a ocorrência do comprometimento do orçamento. Este deve ser planejado para atender com responsabilidade as necessidades da coletividade, manter os contratos firmados e o pleno funcionamento da estrutura administrativa, pois via de regra, o sujeito passivo da relação jurídica é a administração pública e, em lato sensu, toda a sociedade.


4 ORÇAMENTO PÚBLICO

Para que os recursos públicos sejam utilizados de forma responsável, o art. 165 da CFB (BRASIL, 1988) prevê as seguintes leis orçamentárias: o Plano Plurianual (PPA), cujo planejamento é de médio prazo, abrangendo mais de uma gestão pública; a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), as quais dão forma ao planejamento e execução dos gastos públicos. O orçamento é, portanto, um dos meios de controle dos gastos públicos. A Lei de Responsabilidade Fiscal (BRASIL, 2000) impõe ainda para a administração pública que junte ao processo de licitação a estimativa do impacto orçamentário-financeiro, estando assim preconizado: Art. 16 - A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:  I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes;  § 4º - As normas do caput constituem condição prévia para:  I - empenho e licitação de serviços, fornecimento de bens ou execução de obras. 

Na elaboração do orçamento serão definidas as políticas públicas eleitas como prioridade a serem instituídas e, cabe a Gestão definir quanto, como e para aonde serão destinados recursos. Assim definido o orçamento, este deverá ser rigorosamente seguido. Trata-se muitas vezes de uma decisão mais política do que técnica. Podemos dizer que o orçamento público é o guia da administração, que deve ser elaborado levando em consideração a necessidade do serviço a ser implantado, para que venha ao encontro do interesse público e às normas constitucionais e infraconstitucionais. O Gestor público assume a condição de administrador do orçamento e deve ter por escopo o compromisso moral de fazer bom uso dos recursos e sua correta aplicação, utilizando-se de todos os meios para elaborar uma boa gestão, que venha agir de modo eficaz e dentro da legalidade, atendendo aos anseios da sociedade que necessita dos serviços prestados, sejam estes direta ou indiretamente. Deste modo manifesta-se a doutrina quanto a obrigação da apresentação do ordenador da despesa: Além da estimativa do impacto orçamentário-financeiro, deve constar dos autos do processo de licitação ou de contratação direta a declaração do ordenador de despesa, ou seja, daquela “autoridade de cujos atos resultem a emissão do empenho, autorização de pagamento, suprimento ou do dispêndio do recurso. (FURTADO, 2015, p.287).

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4.1 Cumprimento da Finalidade do Recurso Público

Sabe-se que o ente público possui um recurso finito e que se mal gerido, se tornará insuficiente para que cumpra com o compromisso de fazer uma administração responsável, justa e de qualidade, respeitando os limites da eficiência e a eficácia acima de tudo as prerrogativas legais. A fim de dar conta do cumprimento no uso do recurso público, o gestor deve lançar mão da fiscalização dos contratos por ele firmados.

A fiscalização traz consigo finalidade específica de averiguar a perfeita execução do contrato, admitindo-se aqui, a verificação do material, produto ou serviço, por meio de testes e exame de qualidade. Destarte, existe a vinculação do dever de fiscalização com a prerrogativa do controle interno exercido pela Administração Pública.

Segundo Di Pietro (2015), trata-se de uma prerrogativa do poder público, também prevista no artigo 58, inciso III, e disciplinada mais especificamente no artigo 67, da lei de licitação (BRASIL, 1993a), que exige a execução do contrato acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração, especificamente designado. Outro aspecto a ser considerado pelo Gestor Público é a imposição legal da compatibilidade entre a licitação para aquisição de bens ou serviços e os limites vertentes da Lei de Responsabilidade Fiscal nº 101/00 (BRASIL, 2000), devendo atrelar as despesas das futuras licitações à lei orçamentária anual, indicando ainda quem é o ordenador da despesa, quais despesas serão constituídas, além da necessidade de estarem previstas e a compatibilidade com a dotação orçamentária.

Anterior a Lei da Responsabilidade Fiscal (BRASIL, 2000) havia falta de controle das finanças públicas. Os Gestores públicos acabavam por gastar mais do que arrecadavam, gerando vários efeitos insatisfatórios, tanto no que se refere ao uso do recurso, como também para toda coletividade, como afirma Vasconcelos (2009, p, 153), “as consequências disso para a sociedade foram bastante negativas, refletindo-se em inflação descontrolada, redução de investimento, baixa taxa de crescimento econômico e perda de bem estar social”.

A referida lei é um dos principais instrumentos reguladores das contas públicas, determinando metas e limites para gerência das receitas e das despesas, criando obrigações para a administração pública, personificada na figura do Gestor. O dispositivo legal trouxe modificações na conduta dos gestores que por muitas vezes utilizaram-se dos recursos públicos de forma irresponsável, não respeitando sua finalidade principal, qual seja, atender ao principio da supremacia do interesse público, pela mera expectativa da impunidade. Essa situação vem mudando também face aos movimentos sociais e a atuação mais eficaz dos órgãos de controle. Vale ressaltar que a falta do cumprimento legal, qual seja o de monitorar e fiscalizar o contrato pode ensejar o mau uso do recurso. Isso traz o comprometimento do orçamento e por consequência gastos desnecessários, onerando sobremaneira o orçamento, bem como, podendo ensejar na responsabilidade daquele que deixar de cumprir com sua obrigação. Entre essas responsabilidades podem estar presente a improbidade administrativa e o crime contra a administração pública.

 4.1.1 Da Responsabilidade

A Constituição Federal (BRASIL, 1988), no seu art. 175, incumbe ao Poder Público o dever de prestar os serviços públicos, de modo direto ou indireto. Combinando com as conceituações doutrinárias, tem-se: “que o serviço público corresponde a toda atividade desempenhada direta ou indiretamente pelo Estado, visando solver as necessidades essenciais do cidadão, da coletividade ou do próprio Estado” (ROSA, 2007, p. 172).        Diapasão o art. 70 § único, da referida norma (BRASIL, 1988), que não se restringe somente ao dever de fiscalização ao “controle financeiro”, mas inclui a fiscalização contábil, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública direta e indireta, bem como de qualquer pessoa física ou jurídica que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos. Assim sendo, os recursos públicos, devem ser utilizados com a máxima responsabilidade. Por se tratar de obrigação da Administração Pública, devem existir análises que permitam discutir a constituição e consequente aplicação dos recursos, os quais devem estar previamente definidos, tendo por finalidade o atendimento das necessidades coletivas. O Gestor público é o ordenador principal da receita/despesa, devendo, portanto, ter critérios na sua organização, modificações e acima de tudo para seu cumprimento.

Não obstante, existe a necessidade da disponibilidade do recurso para a realização de licitação estar atrelada ao orçamento, assim previsto no art. 7º, § 2º, inciso III, da Lei nº 8.666 (BRASIL, 1993a). Não agindo dessa forma, estará a Administração Pública violando a regra prevista, que neste sentido tende a garantir o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executados no exercício financeiro em curso, conforme o cronograma. Anterior ao surgimento da lei de licitações era utilizado tão somente o denominado Código de Contabilidade da União (BRASIL 1922), aplicado somente a essa esfera de governo. Decorridas interpretações jurisprudenciais, assim como por entendimento dos Tribunais de Contas, passou a ser aplicada também às outras unidades da federação, ou seja, estados e municípios, em virtude do princípio da moralidade administrativa. De acordo com Batista (2011, p. 179), num breve relato histórico, podemos observar que o comportamento da administração pública em relação à licitação vem se modificando com o tempo. Em 1967 houve a edição do Decreto Lei nº. 200, onde foram estabelecidos os princípios da reforma administrativa federal e as modalidades de licitação, casos de dispensa e normas para a realização de contratos administrativos. Houve neste período a edição de leis 17 próprias por alguns Estados e Municípios. Por sua vez, em 25 de fevereiro de 1967 o Decreto Lei nº 200 (BRASIL, 1967) veio estabelecer a reforma administrativa, normas para licitação, vigorando como norma nacional até 1993, com o surgimento da Lei nº. 8.666 (BRASIL, 1993a) a então, Lei de Licitações. Não obstante, é a previsão constitucional de competência da União para legislar a respeito da matéria e tendo sua aplicabilidade em todos os níveis da administração pública. Assim sendo, a inobservância dos preceitos legais da lei de licitações concomitante ao art. 37 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) sujeita tanto o agente público, como a pessoa jurídica a responder pelo dano causado ao erário, seja por ação ou por omissão. Isso por ser o dever da Administração Pública, agir atendendo aos princípios determinados na Carta Magna, entre eles estando os da legalidade; eficiência; continuidade; economicidade e a supremacia do interesse público.

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Lia

Especialista em Direito Público

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