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Exercício de funções eleitorais, pelos promotores de Justiça, perante os juízes e juntas eleitorais

26/06/2005 às 00:00

Resumo:


  • A Constituição garante ao Ministério Público autonomia funcional e administrativa, assegurando sua identidade e afastando ingerências externas.

  • A autonomia funcional resguarda o livre exercício da atividade finalística, enquanto a autonomia administrativa permite a prática de atos administrativos auto-executórios.

  • A Lei Complementar nº 75/93, ao conferir ao Procurador-Regional Eleitoral o poder de designar membros do Ministério Público para funções eleitorais, é considerada inconstitucional por violar a autonomia administrativa dos MPs estaduais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Ainda que o exercício das funções eleitorais seja inerente ao Ministério Público Federal, é do Procurador-Geral de Justiça a atribuição de designar os Promotores de Justiça que as exercerão perante os Juízes e Juntas Eleitorais.

Sumário: I. Introdução. II. A Autonomia do Ministério Público. III. A Autonomia Funcional do Ministério Público. IV. A Autonomia Administrativa do Ministério Público. V. Designação de Membros do Ministério Público para o Exercício de Funções Eleitorais. VI. Conclusões.


Síntese Dogmática: A Constituição da República, arejada pelos influxos democráticos que se espraiaram pelo País com a derrocada do último período autoritário, outorgou ao Ministério Público relevantes atribuições, dentre as quais a de defesa do regime democrático.

Além dos instrumentos diretamente relacionados à consecução da atividade finalística da Instituição, foi ela circundada de garantias que, a um só tempo, buscam assegurar sua identidade existencial e afastar a ingerência de fatores exógenos em sua operacionalização, o que, em última ratio, visa a assegurar o livre exercício de suas funções. Dentre essas garantias, merecem ser mencionadas a autonomia administrativa e a autonomia funcional da Instituição, asseguradas pelo art. 127, § 2º, da Carta de 1988.

Autonomia, em essência, é o designativo que indica a prerrogativa de estabelecer a própria normatização a ser seguida, observados os balizamentos traçados pela norma superior que a instituiu. A autonomia funcional resguarda o livre exercício da atividade finalística, enquanto a autonomia administrativa assegura ao Ministério Público a prerrogativa de praticar atos administrativos auto-executórios relacionados à administração, à aquisição de bens e à gestão dos seus quadros de pessoal. Sob essa última epígrafe, por evidente, se inclui o poder de designar os agentes que exercerão as distintas funções previstas no ordenamento.

Identificadas essas duas dimensões da autonomia outorgada ao Ministério Público, é possível concluir pela inconstitucionalidade do art. 79, parágrafo único, da Lei Complementar nº 75/93, que assegurou ao Procurador-Regional Eleitoral, membro do Ministério Público Federal, o poder de realizar as designações dos Promotores de Justiça que exercerão funções eleitorais.

À míngua de qualquer restrição no texto constitucional, não se questiona a legitimidade do referido diploma legal ao atribuir ao Ministério Público da União o exercício da função eleitoral. A Carta de 1988 não previu a existência de uma Instituição dotada de individualidade própria com a atribuição, única e exclusiva, de exercer a função eleitoral, o que permitiu fosse ele inserida, pela Lei Complementar nº 75/93, no rol de atribuições do Ministério Público Federal. Apesar disso, não se pode confundir o exercício de uma função com o poder de estruturar, organizar e comandar os serviços necessários à sua execução, o que é abrangido pelo espectro da autonomia administrativa. Essa conclusão é robustecida ao constatarmos que, perante os órgãos jurisdicionais de primeira instância, a função eleitoral será exercida por integrantes dos Ministérios Públicos Estaduais. Considerando que tanto o Ministério Público da União como os congêneres estaduais auferem a sua autonomia administrativa na Constituição, não poderia ser ela restringida por uma norma infraconstitucional, que deveria ficar adstrita à regulamentação do exercício funcional.

Além do vício material, o preceito analisado é formalmente inconstitucional, pois, ao imiscuir-se no poder de designação dos membros dos Ministérios Públicos estaduais, adentrou em seara que deveria ser objeto de regulamentação pela Lei Orgânica Nacional, diploma que veicula as normas gerais a serem observadas pelas leis estaduais. Tendo a Lei Complementar nº 75/93 se originado de projeto encaminhado pelo Procurador-Geral da República, está ela dissonante do art. 61, § 1º, I, d, da Constituição, que dispõe tratar-se de matéria de iniciativa privativa do Presidente da República.

Pelas razões expostas, as designações eleitorais devem ser realizadas em harmonia com o previsto nos arts. 10, IX, h e 73 da Lei nº 8.625/93, que concentra esse poder nos Procuradores-Gerais de Justiça, agentes que exercem as respectivas chefias dos Ministérios Públicos Estaduais.


I. Introdução

Na dicção do art. 1º, caput, da Constituição da República, a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito. A democracia, princípio fundamental do Estado brasileiro, se efetiva a partir da concreção dos mecanismos destinados a assegurar o liberalismo político, permitindo a participação do verdadeiro detentor do poder nos destinos do Estado. Além de versar sobre os instrumentos implicitamente destinados à preservação da democracia, a Constituição da República, em seu art. 127, caput, dispôs, de forma expressa, que ao Ministério Público incumbe a defesa do regime democrático. Esse mandamento, aliás, foi repetido pelo art. 1º da Lei nº 8.625/93. Uma das formas mais basilares de cumprimento desse dever institucional, estando nele implícita, reside na utilização de todos os meios necessários para assegurar a normalidade e a legitimidade do procedimento eletivo. Nesse sentido, é expresso o art. 72, caput, da Lei Complementar nº 75/93: "Compete ao Ministério Público Federal exercer, no que couber, junto à Justiça Eleitoral, as funções do Ministério Público, atuando em todas as fases e instâncias do processo eleitoral". Apesar de inerente ao Ministério Público Federal, o exercício da função eleitoral, perante os Juízes e Juntas Eleitorais, é outorgado aos Promotores de Justiça, na condição de Promotores Eleitorais (art. 78 da Lei Complementar nº 75/93).

Em linhas gerais, o objetivo dessas breves linhas é identificar, à luz da aparente antinomia verificada entre a Lei Orgânica do Ministério Público da União e a Lei Orgânica Nacional dos Ministérios Públicos dos Estados, o órgão responsável pela realização das designações dos Promotores de Justiça para o exercício das funções eleitorais. Nessa perspectiva, será analisado o alcance da autonomia administrativa outorgada ao Ministério Público pela Constituição da República e a compatibilidade desta com o art. 79, parágrafo único, da Lei Complementar nº 75/93, que concentra o poder de designação no Procurador-Regional Eleitoral.


II. A Autonomia do Ministério Público

Etimologicamente, autonomia deriva da união das palavras gregas auto, que indica aquilo que é próprio, e nomia, que significa regra, norma. Em termos gerais, entende-se por autonomia a prerrogativa de estabelecer as próprias normas que devem ser seguidas. Autonomia, por certo, não se confunde com soberania.

A idéia de soberania indica o poder de estabelecer a normatização a ser seguida em determinado território, sem que haja qualquer relação de subordinação a um estamento superior, bem como a aptidão do Estado em se relacionar com os demais na esfera internacional em uma posição de igualdade - ao menos jurídica. A soberania, em seu conceito clássico, que pouco a pouco vem sendo atenuado com a globalização e o imperativo respeito aos direitos fundamentais do homem, era qualificada como absoluta, originária, perpétua, inalienável, imprescritível e indivisível. Diversamente da soberania, a autonomia não apresenta qualquer característica de originariedade, tendo os seus limites traçados pelo próprio poder soberano, no qual encontra o seu fundamento de validade. A autonomia interage com a soberania em uma relação de continência, sendo por ela abrangida.

Em alguns casos, o próprio Constituinte Originário confere autonomia a determinadas estruturas organizacionais: os Poderes, os Entes da Federação, o Ministério Público, as Cortes de Contas, as Universidades etc. Em outros, a autonomia é assegurada pelos organismos que receberam a sua autonomia da Constituição, não existindo qualquer óbice ao surgimento de novas autonomias - desde que observados o procedimento previsto em lei e os limites já traçados para aquele. Nesses casos, ter-se-á uma autonomia "derivada", que será necessariamente mais restrita que aquela possuída pelo ente que a concedeu, o qual já fora limitado pelo Constituinte originário. Como exemplo de autonomia derivada, pode ser mencionada a situação dos órgãos administrativos que, por deliberação do ente federativo, passam a gozar de autonomia.

Constantino Mortati,(1) discorrendo sobre as características intrínsecas e a ratio da autonomia, afirma que "tal termo, segundo o seu significado (do grego: autos - si próprio, nemein - governar), quer significar a liberdade de determinação consentida para um sujeito, traduzindo-se no poder de estabelecer para si a lei reguladora da própria ação, ou, mais compreensivamente, o poder de prover os interesses próprios e, portanto, de gozar e dispor dos meios necessários para obter uma harmônica e coordenada satisfação dos mesmos interesses".

Tratando-se de entes públicos, que devem necessariamente observar as características inatas de um Estado de Direito, dentre as quais avulta o princípio da legalidade, o alcance da autonomia, que encerra um conceito nitidamente polissêmico, haverá de estar delineado na norma. A autonomia, assim, poderá variar em distintos graus, cujo patamar mínimo será a mera autonomia administrativa e o limite máximo a própria soberania.

Especificamente, em relação ao Ministério Público, a Constituição da República lhe assegurou, de forma expressa, autonomia funcional e administrativa (art. 127, § 2º), e, implicitamente, lhe garantiu autonomia financeira (art. 127, § 3º). A Lei nº 8.625/93, em seu art. 3º, fez referência expressa à autonomia nessas três vertentes. Como se vê, à Instituição foi outorgada uma autonomia extremamente elevada, praticamente inviabilizando qualquer ingerência exterior em sua organização. A exceção, por óbvias razões, se situa na ausência de uma ampla autonomia normativa, pois, em um Estado de Direito, é de todo desaconselhável que um órgão, sem a influência de qualquer outro, possa editar toda a normatização que deverá seguir. Evitar esse tipo de inconveniente, aliás, é uma das justificativas do sistema dos freios e contrapesos.

O Ministério Público, no entanto, não foi alijado do processo legislativo, já que o Procurador-Geral detém a iniciativa legislativa em relação à respectiva lei complementar da Instituição.(2) Frise-se, ainda, que o próprio exercício das parcelas de autonomia que lhe foram outorgadas exige que o Ministério Público expeça atos normativos com eficácia interna corporis, o que está implícito em sua autonomia (v.g.: definição dos procedimentos a serem observados pelos órgãos administrativos, da data de pagamento das férias, dos vencimentos, etc.). A própria Lei nº 8.625/93, em seu art. 23, §§ 2º e 3º, autoriza que as atribuições das Promotorias de Justiça sejam fixadas pelo Colégio de Procuradores, após proposta do Procurador-Geral. É importante observar que essa norma não apresenta qualquer incompatibilidade com o art. 128, § 5º, da Constituição da República, pois somente é delegada à lei complementar a fixação das atribuições do Ministério Público, não de seus órgãos de execução.


III.

A Autonomia Funcional do Ministério Público.

A autonomia funcional do Ministério Público, prevista no art. 3º da Lei nº 8.625/93, indica que a Instituição está imune a qualquer influência externa no exercício de sua atividade finalística. Assim, poderá adotar as medidas contempladas no ordenamento jurídico, em face de quaisquer agentes, órgãos ou Instituições, de caráter público ou privado, sempre que tal se fizer necessário.

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A autonomia funcional do Ministério Público coexiste com a independência funcional de seus membros, que é oponível aos próprios órgãos da Administração Superior. Nesse particular, cumpre ressaltar que independência e autonomia não são designativos de noções idênticas. Na síntese de Hely Lopes Meirelles,(3) "independência e autonomia, do ponto de vista jurídico-administrativo, são conceitos diversos e com efeitos diferentes. A independência é de caráter absoluto; a autonomia é relativa a outro órgão, agente ou Poder. Ora, no que concerne ao desempenho da função ministerial, pelo órgão (Ministério Público) e seus agentes (Promotores, Procuradores), há independência de atuação e não apenas ´´autonomia funcional´´. Os membros do Ministério Público quando desempenham as suas atribuições institucionais não estão sujeitos a qualquer subordinação hierárquica ou supervisão orgânica do Estado a que pertencem. Seus atos funcionais só se submetem ao controle do Poder Judiciário, quando praticados com excesso ou abuso de poder, lesivo de direito individual ou infringente das normas legais que regem a sua conduta. Essa submissão ao controle judicial não descaracteriza a sua independência funcional, pois tem sede constitucional no mandamento universal do artigo 153, § 4º, da Lei Maior (EC nº 1/69), abrangente de toda conduta humana abusiva ou ilegal".

Não obstante a opção da Lei nº 8.625/93 pela coexistência da autonomia funcional do Ministério Público com a independência funcional de seus membros, deve-se observar que, sob esse prisma específico, vale dizer, sob a ótica funcional, a atividade da Instituição, que é presentada por seus membros, é incontrastável. Talvez a utilização do vocábulo autonomia tenha buscado ressaltar, de forma implícita, que o Ministério Público coexiste com outros organismos estatais, não sendo um órgão dissociado das características comuns aos demais e com poderes ilimitados, estando todos submetidos à soberania estatal. Essa preocupação efetivamente possui algum fundamento em relação às vertentes administrativa e financeira, não quanto ao exercício funcional. Neste caso, é importante repetir, a atividade do Ministério Público é, efetivamente, incontrastável, conclusão que encontra esteio no art. 127, § 1º, da Constituição da República, que consagrou a independência funcional como princípio institucional do Ministério Público.


IV. A Autonomia Administrativa do Ministério Público

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A autonomia administrativa, em linha de princípio, assegura ao Ministério Público a prerrogativa de editar atos relacionados à gestão dos seus quadros de pessoal (v.g..: admissão, designação, exoneração, aposentadoria, disponibilidade etc.), à administração, à aquisição de bens etc.(4) Os atos administrativos praticados pela Instituição são auto-executórios, não estando sujeitos a um juízo de prelibação por parte de qualquer outro órgão ou Poder. Devem obediência, unicamente, aos parâmetros constitucionais e legais que regem a matéria e delimitam o espectro de ação. Com isto, é assegurada maior mobilidade à Instituição, em muito contribuindo para a efetividade de sua própria atividade finalística.

Como observou Eurico de Andrade Azevedo,(5) "autonomia administrativa de um órgão ou entidade é precisamente sua capacidade efetiva de assumir e conduzir por si mesmo, integralmente, a gestão de seus negócios e interesses, respeitados seus objetivos e observadas as normas legais a que estão subordinados. A autonomia administrativa é, pois, incompatível com toda e qualquer espécie de interferência externa na direção e condução dos assuntos e questões do órgão ou entidade e exclui toda subordinação, hierarquização ou submissão. Ela não é autonomia política, claro, de que gozam apenas as entidades estatais, mas é independência, no sentido rigoroso do termo, no campo que lhe é próprio e já definido por lei".

A Constituição da República, no entanto, ao mesmo tempo em que consagrou a autonomia administrativa da Instituição, estabeleceu três exceções a ela: a) a nomeação do Procurador-Geral de Justiça é realizada pelo Chefe do Executivo (art. 128, § 3º); b) o Procurador-Geral de Justiça pode ser destituído por deliberação do Poder Legislativo (art. 128, § 4º); e c) os membros vitalícios somente podem perder o cargo por força de sentença judicial transitada em julgado (art. 128, § 5º, I, a).

Como desdobramento da autonomia administrativa que a Constituição da República lhe outorgou, pode o Ministério Público, por sua Administração Superior, exercer o poder regulamentar sempre que a lei o exigir. A uma administração autônoma está atrelado o poder de regular a rotina administrativa, sendo defeso a qualquer outro órgão, que não aquele que detém a autonomia, editar atos dessa natureza.


V. Designação de Membros do Ministério Público para o Exercício de Funções Eleitorais

Segundo o art. 10, IX, h, da Lei nº 8.625/93, é atribuição do Procurador-Geral designar membros do Ministério Público para oficiar perante os Juízes e Juntas Eleitorais ou junto ao Procurador Regional Eleitoral, em havendo solicitação deste. Como se vê, o preceito contempla duas possibilidades distintas para as designações: a) o exercício da função eleitoral perante os órgãos jurisdicionais; b) o auxílio ao Procurador Regional Eleitoral. Nesse último caso, a designação estará sujeita à disponibilidade de pessoal do Ministério Público Estadual, não sendo demais lembrar que por solicitação não se deve entender um comando cogente, sendo ela passível de valoração, do que poderá resultar, ou não, o deferimento do que fora postulado. E ainda, o art. 77, parágrafo único, da Lei Complementar nº 75/93 prevê a possibilidade de o Procurador-Geral da República "designar, por necessidade do serviço, outros membros do Ministério Público Federal para oficiar, sob a coordenação do Procurador-Regional, perante os Tribunais Regionais Eleitorais". Essa última solução nos parece ser mais consentânea com a autonomia do Ministério Público Estadual, pois não cabe aos seus membros a preeminência na prestação de auxílio a um órgão do Ministério Público Federal, mas, sim, aos demais integrantes deste.

O art. 10, IX, g, é complementado pelo art. 73 da Lei nº 8.625/93, o qual dispõe que o Procurador-Geral da República poderá solicitar ao Chefe do Ministério Público Estadual a designação de agentes para o exercício da função eleitoral junto aos órgãos jurisdicionais, o que não chega a configurar um requisito necessário às designações, pois o Chefe do Ministério Público Estadual tem o dever de velar pelo regular funcionamento da atividade ministerial, ainda que não haja qualquer "solicitação" nesse sentido. Caso haja omissão do Procurador-Geral de Justiça, não realizando as designações necessárias, "o Promotor Eleitoral será o membro do Ministério Público local que oficie perante o juízo incumbido daqueles serviços" (art. 73, 1º). "Havendo impedimento ou recusa justificável, o Procurador-Geral de Justiça designará o substituto" (art. 73, § 2º). É importante observar que a regra do art. 73, § 1º, da Lei nº 8.625/93 veicula uma providência excepcional que não pode legitimar conclusões absurdas, como a afirmação de que, substituído o Juiz de Direito no curso do mês (v.g.: em razão de licença médica), o Promotor que junto a ele exerça suas funções deverá ser igualmente substituído pelo agente que oficie perante o Juiz substituto. Tal importaria em uma injustificável vinculação das carreiras do Ministério Público e da Magistratura, o que demonstra que o critério ora examinado somente deve ser aplicado em caráter secundário e, além disso, uma vez realizada a designação, permanecerá ela inalterada durante o lapso que fora previamente fixado, ainda que haja alteração dos respectivos Juízes durante ele.

O sistema da Lei nº 8.625/93 assegura a autonomia do Ministério Público Estadual, pois, além de preservar o regular exercício das funções eleitorais, concentra no Procurador-Geral de Justiça o poder de realizar as designações. Curiosamente, a Lei Complementar nº 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), além de conferir ao Procurador-Regional Eleitoral - cargo ocupado por um membro do Ministério Público Federal designado pelo Procurador-Geral da República (art. 76 da LC nº 75/93) - a atribuição de designar os membros do Ministério Público Estadual que atuarão junto à Justiça Eleitoral, inverteu a regra da Lei nº 8.625/93. Com efeito, por esse novo sistema, "o Promotor Eleitoral será o membro do Ministério Público local que oficie junto ao Juízo incumbido do serviço eleitoral de cada Zona" (art. 79, caput, da LC nº 75/93). No caso de inexistência de Promotor que oficie junto ao Juízo, bem como nos casos de impedimento ou recusa justificada, "o Chefe do Ministério Público local indicará ao Procurador Regional Eleitoral o substituto a ser designado" (art. 79, parágrafo único, da LC nº 75/93). Essa norma, ao nosso ver, é flagrantemente inconstitucional. Ainda que a legislação infraconstitucional possa outorgar ao Ministério Público Federal o exercício da função eleitoral, pois a Constituição da República nada dispôs a respeito, essa normatização deve se restringir à disciplina da referida função, sendo inconcebível que, fazendo tábula rasa à autonomia administrativa dos Ministérios Públicos Estaduais (art. 127, § 2º, da CR/88), confira a um agente estranho aos seus quadros o poder de realizar designações. Além disso, é formalmente inconstitucional, já que o respectivo projeto foi apresentado pelo Procurador-Geral da República, o qual não detém o poder de iniciativa de projetos que disponham sobre a organização e as atribuições do Ministério Público Estadual, máxime quando contrariam o texto expresso da Lei Orgânica Nacional. Em relação à edição de normas gerais, essa iniciativa é privativa do Presidente da República (art. 61, § 1º, I, d, da CR/88), sendo dos Procuradores-Gerais de Justiça quanto às respectivas leis estaduais (art. 128, § 5º, da CR/88).

O sistema instituído pela Lei Complementar nº 75/93 já fora utilizado ao tempo da Lei nº 1.341/51, cujo art. 77, § 1º atribuía ao Procurador Regional Eleitoral o poder de realizar as designações sempre que houvesse mais de um Promotor na Comarca. Com o advento da Lei Complementar nº 40/81, as designações passaram a ser realizadas pelo Procurador-Geral de Justiça, por solicitação do Ministério Público Federal.

Inconstitucionalidade à parte, há quem procure sustentar que o sistema da Lei Complementar nº 75/93 é correto por assegurar a "autonomia" do Ministério Público Eleitoral, do qual são integrantes os Promotores de Justiça. Ora, como é possível assegurar a autonomia de uma Instituição que não existe, quer seja no plano constitucional ou infraconstitucional, já que a Lei Complementar nº 75/93 a ela se refere como "função"? E o pior, como prestigiar a autonomia de uma função (?!) em detrimento da autonomia de Instituições expressamente contempladas na Constituição da República, como é o caso dos Ministérios Públicos Estaduais? As respostas, por certo, serão negativas.

Nesse passo, cumpre relembrar a distinção entre as noções de autonomia administrativa e de autonomia funcional. Sendo a função eleitoral ínsita ao Ministério Público Federal, os agentes que venham a exercê-la gozarão de total autonomia (rectius: independência) funcional, o que torna possível, inclusive, que o Procurador-Regional Eleitoral expeça recomendações aos membros do Ministério Público Estadual que desempenhem tais funções junto aos Juízes e Juntas Eleitorais. Sob outra vertente, abstraindo a questão funcional, não poderá o Procurador-Regional Eleitoral imiscuir-se em qualquer matéria que tenha reflexos na estrutura organizacional do Ministério Público Estadual, já que coberta pela autonomia administrativa deste. Na doutrina, Joel José Cândido(6) também sustenta que as designações devem ser realizadas pelo Procurador-Geral de Justiça, não estando sua iniciativa condicionada à solicitação de qualquer órgão do Ministério Público Federal.

É importante observar que a função eleitoral desempenhada pelos membros do Ministério Público em nada se confunde com a situação jurídica dos magistrados que desempenham funções de igual natureza. Os últimos, ainda que exerçam suas funções regulares no âmbito estadual, podem e devem ser designados pelos tribunais eleitorais, isto porque a Constituição da República conferiu características existenciais próprias a esse ramo do Poder Judiciário. Essas designações, assim, longe de macular a autonomia administrativa do Poder Judiciário Estadual, terminam por consolidar a autonomia administrativa da Justiça Eleitoral.

Em norte contrário ao exposto, o Tribunal Superior Eleitoral, respondendo consulta do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo, proferiu decisão do seguinte teor: "Ministério Público Eleitoral. Designação de Promotor Eleitoral. Gratificação Eleitoral. Pagamento. 1. Impossibilidade de designação de Promotor de Justiça por ato unilateral do Procurador-Geral de Justiça Estadual para atuar na Justiça Eleitoral (art. 79, caput, da LC 75/93). 2. A gratificação eleitoral prevista pelo art. 70 da Lei 8.625/93 não pode ser paga a membro do Ministério Público local que não o Promotor Eleitoral, nos termos do art. 79, caput, da LC nº 75/93. Precedentes: Resoluções/TSE 14.442/94, 20.447/99, REsp. 16.038/99 e RMS 1".(7)

Na senda dos precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, o Tribunal de Contas da União, em 20 de março de 2002, julgando a Representação nº 007.624/2000, formulada contra o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, que vinha recepcionando as designações realizadas pelo Procurador-Geral de Justiça, proferiu a Decisão nº 238/2002: "8.1. com fundamento no art. 69, inciso I, da Resolução 136/2000-TCU, c/c o art. 213 do Regimento Interno, conhecer da presente Representação para, no mérito, considerá-la procedente. 8.2. determinar ao Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro a adoção de providências, sob pena de co-responsabilidade, visando a certificar, como condição para o pagamento da gratificação de que trata o art. 70 da Lei 8.625/93, se os beneficiários dela atendem aos requisitos exigidos pelo artigo 79, caput, e parágrafo único, da Lei Complementar nº 75/93, nos termos em que foram fixados nas deliberações do Tribunal Superior Eleitoral (Resoluções 14.442/1994 e 20.842/2001, entre outras), no sentido de que "não pode haver pagamento da gratificação prevista no art. 70, da Lei 8.625 ao membro do Ministério Público local que não seja o Promotor Eleitoral a que se refere o art. 79, caput, da Lei Complementar nº 75/93 ou ao que não tenha sido designado pelo Procurador Regional Eleitoral na forma do parágrafo único do art. 79, da referida Lei Complementar". 8.3. fixar o prazo de 60 (sessenta dias) para que o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro informe ao Tribunal as medidas efetivamente adotadas para cumprimento da determinação constante no sub-item anterior. 8.4. determinar à Secex/RJ o acompanhamento do cumprimento dessa determinação, com vista à futura instrução das contas do Órgão...".

Esse entendimento, com a devida vênia de seus artífices, termina por adequar a Constituição da República às prescrições da legislação infraconstitucional, ensejando um grave equívoco no processo de hermenêutica constitucional.


VI. Conclusões

1. Ainda que o exercício das funções eleitorais seja inerente ao Ministério Público Federal, é do Procurador-Geral de Justiça a atribuição de realizar as designações dos Promotores de Justiça que as exercerão perante os Juízes e Juntas Eleitorais, o que é mera derivação da autonomia administrativa do Ministério Público Estadual.

2. O art. 79, parágrafo único, da Lei Complementar nº 75/93, que confere ao Procurador-Regional Eleitoral o poder de designar os membros do Ministério Público que exercerão funções eleitorais junto aos Juízes e Juntas Eleitorais é inconstitucional. É formalmente inconstitucional por versar sobre matéria inerente à organização do Ministério Público Estadual e ter se originado de anteprojeto apresentando pelo Procurador-Geral da República, agente que não detém o poder de iniciativa legislativa em casos tais. É materialmente inconstitucional por violar a autonomia administrativa assegurada ao Ministério Público Estadual pelo Constituinte Originário.


Notas

1 Istituzioni di Diritto Pubblico, tomo II, 7ª ed., Pádua: Cedam, 1967, p. 694.

2 Sobre a iniciativa exclusiva do Ministério Público em relação às leis que fixem ou aumentem os vencimentos dos seus membros ou de seus serviços auxiliares, o que deriva do art. 127, § 2º, da Constituição da República, vide Fábio Konder Comparato, Autonomia do Ministério Público: iniciativa do processo legislativo, in Justitia 60 anos, 1999, p. 1120.

3 Parecer sobre o Ministério Público, in Justitia nº 123/185.

4 O STF já reconheceu a constitucionalidade de preceito de Constituição Estadual - com redação semelhante a do art. 3º, IV, da Lei nº 8.625/93 - que assegurava à Instituição a atribuição de "adquirir bens e serviços e efetuar a respectiva contabilização", o que seria "corolário inafastável da autonomia administrativa e financeira de que é dotado o Ministério Público" (Pleno, ADI nº 132/RO, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 30/04/2003, Inf. nº 307).

5 Autonomia administrativa e financeira do Ministério Público, in Justitia 60 anos, 1999, p. 1011.

6 Direito Eleitoral Brasileiro, 7ª ed., São Paulo: Editora Edipro, 1998, pp. 58/61.

7 Resolução nº 20.842, Processo Administrativo nº 18.623, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 07/08/2001.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Emerson Garcia

Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Emerson. Exercício de funções eleitorais, pelos promotores de Justiça, perante os juízes e juntas eleitorais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 721, 26 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6911. Acesso em: 23 dez. 2024.

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