Capa da publicação Síntese analítica da obra 'Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo', de Lourival Vilanova
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Síntese analítica da obra 'Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo', de Lourival Vilanova

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CAPÍTULO V

Norma primária e norma secundária

Vilanova revela neste tópico que segue a teoria da estrutura dual da norma jurídica: consta de duas partes, que se denominam norma primária e norma secundária. Naquela, estatuem-se as relações deônticas direitos/deveres, como conseqüência da verificação de pressupostos, fixados na proposição descritiva de situações fáticas ou situações já juridicamente qualificadas; nesta, preceituam-se as conseqüências sancionadoras, no pressuposto do não-cumprimento do estatuído na norma determinante da conduta juridicamente devida. Dizemos que há uma relação-de-ordem não simétrica, a norma sancionadora pressupõe, primeiramente, a norma definidora da conduta exigida. As denominações adjetivas “primária” e “secundária” não exprimem relações de ordem temporal ou causal, mas de antecedente lógico para conseqüente lógico.

As categorias modais

Os modos lógicos não se confundem com os modos ontológicos, ainda que possa haver correspondência entre os dois planos. Podemos dizer que o modo deôntico, em nível da proposição, em nível lógico-formal, pois, encontra a correspondência no nível objetivo da conduta normativamente estruturada. Podemos exprimir em proposição alética (necessidade, contingência, impossibilidade) conduta juridicamente ou moralmente qualificada. As proposições do conhecimento sociológico exprimem em forma modal não-deôntica o fato da conduta efetivamente normada. O modo da proposição sociológica é alético; o da proposição normativa é deôntico.

Modos alético e deôntico

A relação de condicionalidade que a lei natural exprime em plano proposicional pode ser afeta de prefixo modal alético (ou, digamos, ontológico): “necessariamente, possivelmente, se o metal é aquecido, o metal dilata-se”. A relação de condicionalidade que se exprime na proposição jurídica, entre a proposição-hipótese e a proposição-tese contém um conectivo de ligação e sobre esse conectivo incide o modal deontológico: “deve-ser que se o vendedor dá a coisa vendida, então o comprador dá o preço”. O conectivo incide sobre o vínculo “se..., então” (→)– além de constituir a estrutura interna das proposições relacionais, onde um sujeito tem direito face a outro sujeito que tem dever.

Substrato objetivo da distinção modal

Vilanova ressalta que o fato juridiciza-se, ingressa no conjunto-Direito por incidência do dever-ser. Num corte abstrato: é mera facticidade, indiferente à forma deôntica de qualificação do dever-ser. A necessidade deôntica reside em nível de proposição normativa: aqui a conseqüência resulta necessariamente devida pelo antecedente. Em nível da proposição normativa, o fato tipificado como antecedente acarreta o comportamento tipificado como conseqüente, ainda que na ordem do real dê-se o fato concreto que corresponda ao fato típico esquematizado como fato jurídico, e o comportamento preceituado efetivamente deixa de acontecer. A proposição jurídica não vem para reproduzir o mundo, porém para alterar a circunstância (Ortega) segundo pautas valorativas; digamos, não como representação, mas como vontade.

Conexão entre norma primária e norma secundária

Vilanova ensina que as normas primária e secundária não estão simplesmente justapostas ou tão-somente ligadas por conectivos gramaticais sem relevância lógica de operadores. Pois bem, as proposições normativas primária e secundária relacionam-se por conectivos com função lógica. Se é certo que, temporariamente, primeiro os fatos verificam ou não verificam o delineado na norma primária, para, em seguida, incluírem-se na norma secundária, se é certo que há sucessividade temporal na ocorrência efetiva do fato jurídico para a conseqüência jurídica; depois, da inobservância da prestação para a conseqüência sancionadora, o relacionamento entre as proposições normativas primária e secundária é de ordem lógico-formal (onde a temporalidade é irelevante).

O conectivo e

Poderíamos experimentar-se o conectivo e, em sua função lógica de multiplicador, poderia estar ligando as proposições normativas de estrutura implicativa (ou condicional). Seria assim: “(p → q) ^ (q → r)”, que se leria: p implica q e não-q implica r.

Generalidade da proposição

Vilanova explica que as normas jurídicas são generalizadoras. Com exceção da regra individual (em nível de lei constitucional, de lei ordinária, de decreto) as normas de direito delineiam conjuntos de indivíduos (os funcionários públicos) ou conjuntos de ações e omissões (pagar o preço, não impedir o ir-e-vir de outrem, se existe servidão de passagem). Rupert Schreiber observa que as proposições gerais ou universais comportam-se, face às correspondentes individuais, como funções proposicionais, isto é, sentenças abertas que se convertem em verdadeiras pela substituição de suas variáveis por constantes individuais de seu domínio.

O conectivo ou

Vilanova observa que existe uma distinção na Lógica simbólica entre o ou-includente e o ou-excludente. A regra sintática do emprego do “ou includente” exige que pelo menos uma das proposições relacionadas seja verdadeira, podendo, pois, serem ambas. Em paralelo, no campo das proposições normativas, que pelo menos uma seja válida, podendo ambas serem válidas. Diz-se “ou-inclusivo” porque ele permite a conjuntividade, isto é, a verdade conjunta (e a validade conjunta) de enunciados.

O nexo “se..., então”

A relação interproposicional “se..., então” intercala-se entre enunciados susceptíveis de valores veritativos no domínio das proposições descritivas. Contrói as chamadas proposições condicionais (hipotéticas ou implicacionais), formadas de antecedente e conseqüente. Internamente, as proposições normativas do direito articulam-se em antecedente e conseqüente.

Cabe observar, além de estruturar o interior da proposição normativa primária e o interior da proposição normativa secundária, a relação se-então as vincula externamente.

Confronto dos operadores

Vilanova frisa que se tanto a norma primária P como a norma secundária S são válidas não proposição jurídica completa, podemos indiferentemente uni-las pelos operadores (conectivos) ou, e, bem como “se..., então”. Na proposição normativa do Direito, em sua total estruura, que é bimembre dá-se a validade de ambas. O valor global do todo proposicional, em sua bimembralidade, é positivo, isto é, válido.

Segundo a impressão de Vilanova, o conectivo para relacionar a proposição primária com a secundária é o ou-includente. Pois dá-se o caso de tanto a proposição normativa primária quanto a proposição normativa secundária serem ambas válidas. Se tanto a proposição normativa primária quanto a proposição normativa secundária são válidas, bem caberia interrelacioná-las pelo conectivo de implicação.

E sintetiza: dado o fato de, numa proposição jurídica completa, tanto a norma primária quanto a norma secundária serem ambas válidas, é possível relacionar as duas normas-partes com os seguintes conectivos: e, ou-(ou-includente), “se..., então”.


CAPÍTULO VI

Interdefinibilidade dos conectivos

Vilanova ressalta que a questão acerca do conector que interliga a proposição normativa primária à proposição normativa secundária relativiza-se do ponto de vista lógico-formal quando pensamos que os conectivos interdefinem-se. Com isso ele diz que com a negação (functor irredutível e primitivo) mais a disjunção tem o equivalente da conjunção, ou seja, p˄q = ~(~p v ~q), que se lê: afirmar que p e q são ambos verdadeiros é equivalente a afirmar-se que pelo menos um dos argumentos é falso.

Assim, onde se diz verdadeiro e falso, na interpretação deôntica se ponha válido/não-válido, que são as qualificações sintática e semântica das proposições normativas, uma cuja subclasses representa as proposições em que se exprimem as normas jurídicas. Neste contexto, verifica-se que quando se fala de proposições normativas, proposições deônticas, proposições prescritivas alude-se às proposições cujas significações são normas de Direito.

Desta forma, poderíamos tomar a proposição normativa primária e a proposição normativa secundária ligando-as mediante um e, um ou, um “se..., então”, procedendo à alteração na estrutura interna das referidas proposições, de conformidade com as relações sociais adequadas.

A via para escolha do conectivo

Vilanova assevera que existe um mínimo denominador comum para emprego indiferente dos conectivos (operadores, functores, constantes lógicas, como quer que se denomine) ou, e, “se..., então”: as proposições normativas primária e secundária são válidas ambas. Cada uma delas, em seu interior, composta, implicacionalmente, pode ser interligada assim: “(P) ou (S)”; “(P) e (S)” “se (P) então (S)”. As letras P e S são abreviaturas das proposições que enchem o espaço dos parênteses. Desta forma, se logicamente é indiferente o emprego dos três operadores, temos que decidir, não com respaldo na lógica, que apenas delimita o formalmente possível, qual dos três corresponde à norma de direito positivo, em sua bimembralidade de norma primária e norma secundária, formulada, logicamente, em proposição deôntica primária e proposição deôntica secundária.

A situação objetiva deôntica

Vilanova destaca aqui que nenhum fato natural entra no universo social sem a experiência (científica, religiosa, estética) de uma valoração. São fatos qualificados como constitutivos ou desconstitutivos de relações jurídicas, ou situações jurídicas, fatos que recebem qualificações como lícitos, ilícitos, proibidos, obrigatórios, nulos, anuláveis etc.

E destaca ainda que o correlato de referência da norma, em sua integridade, em seu valor semântico, está na conduta humana e nos fatos naturais que têm alguma relação, valorativamente relevante, para a conduta (humana). A conduta humana é constitutivamente um poder-ser, uma possibilidade de ser isto ou aquilo, por maior que seja o cerco restritivo no campo das possibilidades.

Vilanova esclarece que se uma norma foi posta, para ser norma jurídica, constituir-se-á de duas proposições: a primeira fixa as relações jurídicas ou situações jurídicas decorrentes da verificação ou não-verificação de fatos que são jurídicos; a segunda, fixa as conseqüências para os sujeitos no caso de não seguirem o que está preceituado na norma antecedente.

Quer se apresentem como contrárias ou como contraditórias ou simplesmente diversas, as condutas prescritas, ontologicamente, não se verificam a um só tempo, satisfazendo a norma primária e a norma secundária. Se as proposições deônticas primária e secundária são válidas, podem ser unidas pelas constantes lógicas e, ou, “se..., então”. Logicamente, indiferente nesse caso de validade positiva simultânea.

Uso do ou-includente

Aqui Vilanova ensina com clareza que se a proposição deôntica primária e a proposição deôntica secundária são ambas válidas na proposição jurídica total, o conectivo ou é usado em sua função includente. Nesta função, os membros da alternativa podem coincidir em valência positiva.

Vilanova destaca ainda que a validade simultânea dá-se no plano das normas. No plano dos fatos, há excludência. Para ele “Os fatos é que ora se incluem na primeira proposição normativa, ora se inserem na segunda proposição normativa”.

Neste sentido, Vilanova relembra os ensinamentos de Kelsen, quando este observou que o criminoso pode, de fato, não ser punido, mas deve sê-lo; é obrigatório que o órgão estatal aplique a sanção, ainda que no caso concreto deixe de fazê-lo.

Por outra parte, Vilanova aduz que o descumprimento da norma primária ou a desaplicação da norma secundária não afetam o valer de cada norma constituinte da norma total. São ocorrências que se passam na ordem existencial.

E conclui afirmando que a conduta dos membros do grupo penetra em dois estatutos, isto é, em dois sistemas normativos, que se excluem. A validade objetiva do dever-ser é dada pelo sistema normativo estatal.

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Tese de F. Kaufmann

Kaufmann rechaça a tese de que o conectivo ou represente a justa tradução formal da partícula que interliga norma primária e norma secundária. Para Kaufmann a proposição jurídica constitui-se como norma dupla, sendo do seguinte teor: Um sujeito A deve cumprir uma conduta V1; se não o faz, então deve realizar-se contra o mesmo a conduta.

Tanto a conjunção como a disjunção de duas proposições não se alteram se permutarmos as posições ocupadas pelas proposições constituintes da conjunção e da disjunção. O que Kaufmann diz da propriedade relacional simétrica é, propriamente, a comutabilidade das proposições constituintes de uma conjunção ou de uma disjunção lógicas.

Logicamente, proposição jurídica primária e proposição jurídica secundária são reversíveis, quer no caso do conjuntivo, quer no caso do disjuntivo. Formalmente, a lei de comutação aplica-se-lhes. Inexiste direção ou vetor interproposicional cuja reversão alterasse o valor da proposição originária em sua integralidade constitutiva.

A disjuntividade proposicional em Cossio

Vilanova destaca que na teoria egológica, a norma jurídica completa consta de duas estruturas proposicionais, a endonorma e a perinorma, respectivamente, norma primária e norma secundária. Reduzindo-se a norma de direito positivo à forma lógica (formalização), tem-se, na teoria egológica da norma, em um esquema mínimo: “dado A deve-ser B, ou dado não-B, deve ser S”.

Cossio adverte de pronto a função meramente lógica do conectivo proposicional, mas completa o papel sintático desse sincategorema com a referência ao substrato ontológico da conduta. A norma, diz Cossio, menta a liberdade da conduta na totalidade de suas possibilidades, pois considera o que ocorre como dever e também o que, ocorrendo, não ocorre como dever, captando, assim, plenamente o fato da liberdade que consiste em ser possibilidade.

Dada a estrutura disjuntiva, a norma não é violada pela conduta: ou ingressa no âmbito endonormativo ou no âmbito perinormativo. Não se pode colocar antes a perinorma, e depois a endonorma. A realização das possibilidades de conduta dá-se temporalmente, numa relação de ordem irreversível.

Juízo disjuntivo e juízo hipotético

Vilanova explica que a teoria egológica opõe-se à teoria pura do Direito no que cncerne à estrutura da norma do Direito. Para Kelsen, a forma lógica desta é a de um “juízo hipotético”; para Cossio, a de um “juízo disjuntivo”. No entanto, considerando-se bem a teoria egológica, ela não recusa a estrutura hipotética, pois na fórmula “dado A deve-ser B, ou dado não-B deve-ser S” encontra-se a relação de antecedente para conseqüente, característica da conexão hipótese/tese (ou prótase e apódose).

Em relação à teoria pura do Direito, caracteriza logicamente a norma como juízo hipotético (dado A, deve-ser B) (dado não-B, deve ser C); logo, elimina a primeira norma, que denomina norma secundária (a endonorma). Depois, acentuando que o caráter propriamente jurídico reside na segunda norma, a norma primária, que estatui o pressuposto da sanção (a perinorma), tem em conta somente esta.

Por fim, Vilanova frisa que Kelsen, ao reduzir a norma à proposição primária, deixou de perceber que havia, na estrutura formal da proposição jurídica integral, uma disjunção de duas implicações, ou seja, de duas estruturas hipotéticas relacionadas disjuntivamente.

Funções do dever-ser

Vilanova esclarece que a estrutura da proposição jurídica completa é dada assim: D (p→q) ou (não-q→r). O dever-ser, simbolizado por D, incide sobre a estrutura implicacional interna da primeira proposição, da segunda proposição e sobre o operador disjuntivo ou.

O dever-ser, como functor deôntico, incidindo na estrutura total da proposição, exerce papel sintático diferente do dever-ser no interior da estrutura proposicional. Dentro da proposição jurídica é um relacional R que toma os valores modais V (proibido), O (obrigatório) e P (permitido).

Quando Kelsen contrapõe o dever-ser ao ser, alude a dois modos de relacionar os dados da experiência. O que se me dá na experiência, posso relacionar na forma “se A é, então B é”, ou “se A é, então B deve-ser”. Ser e dever-ser são formas categorais, métodos de síntese dos dados empíricos para elaborar os juízos sintéticos, com os quais ponho gnosiologicamente ordem no mundo.

Como categoria ou modo fundamental do conhecimento, o dever-ser é axiologicamente neutro. Nem valioso nem desvalioso é o nexo que estabelece entre os dados-da-experiência. Além desse uso como categoria transcendental de relacionameno dos dados-da-experiência, coordenada mais irredutível à categoria da causalidade, o dever-ser em Kelsen é tomado como functor ou operador deôntico, interligando não só pressuposto e conseqüência, mas os sujeitos da relação jurídica, qualificando as condutas em proibidas, em obrigatórias e em permitidas.

Em síntese, segundo Vilanova, a terminologia kelseniana não é exata: tanto a norma jurídica quanto o enunciado com que a ciência dogmática descreve a norma, logicamente, são proposições.

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Sobre o autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Carlos Sérgio Gurgel. Síntese analítica da obra 'Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo', de Lourival Vilanova. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5598, 29 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69162. Acesso em: 26 abr. 2024.

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