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Síntese analítica da obra 'Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo', de Lourival Vilanova

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Resumo:


  • O sistema jurídico é um sistema de normas que se inter-relacionam de forma não contraditória e é relativamente suficiente para abranger uma seção da realidade físico-social, consciente de seus limites.

  • As normas jurídicas são formuladas em proposições deônticas que tipificam as condutas e os conteúdos, inserindo-os nas modalidades deônticas do obrigatório, proibido e permitido, dividindo as condutas com sinais positivos de licitude ou sinais negativos de ilicitude.

  • A ciência do Direito, como um sistema formal que visa aplicar normas, deve ter consistência interna e adequação à experiência do Direito positivo, garantindo a não contradição e a completude para abranger efetivamente a realidade regulada pelas normas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

CAPÍTULO VII

Funções sintáticas da negação

Para Vilanova, basta que se enumere, sem pretensão exaustiva, que o não: i) é um functor veritativo que muda a valência da proposição à qual vem prefixo, isto é, se p era verdadeiro, “não-p” fica falso e inversamente; ii) é um functor nominal, ou seja, dada a classe A, não-A é a classe complementar; iii) é um functor-de-functor, e assim temos: “não-é”, “não deve-ser”, “não-necessariamente”, “não possivelmente”; iv) no interior da estrutura proposicional, pode afetar o sujeito; v) ora é prefixo de contrariedade: proibido, não-proibido (não exaustivo do universo, pois entre proibido e não-proibido há a porção de permitido em que se triparte o universo-da-conduta juridicamente regulada), ora de contraditoriedade (verdadeiro, não verdadeiro, divide exaustivamente o universo de valores-de-verdade: tertium non datur).

Teoria de Pfaender

Pfaender interpreta a negação como variação na função referencial do functor copulativo é. É uma teoria da negação intraproposicional, tomando a negação como parte constituinte na estrutura apofântica. Por si mesma, não dá direção veritativa ao enunciado. Na segunda função da cópula lógica, a enunciativa, está a pretensão-de-verdade.

A negação da norma secundária

Vilanova assevera que existe negação na proposição deôntica secundária. Estabelece-se uma primeira relação deôntica R, (de obrigação, de proibição ou de permissão de fazer ou não-fazer) na norma primária, sob a condição de se verificar certo fato, relação entre o sujeito S’ e o sujeito S’’. Cada sujeito põe-se de tal modo que deve adotar condutas (comissiva ou omissiva), respectivamente, C’ e C’’. Na segunda relação deôntica, R’’, posta pela norma secundária, firma-se que se não ocorrer o previsto normativamente na primeira relação, deve ocorrer uma terceira rlação R’’’, substituinte e reparadora da relação inobservada pelo sujeito passivo da relação, aquele que deve suportar o ônus de fazer ou de omitir certa conduta.

O antecedente ou a proposição implicante na composição da proposição normativa secundária é a negação da proposição relacional deôntica que figura como implicada na proposição normativa primária.

Negar uma relação, em seu todo equivale a afirmar que nem a relação R, direta, nem a relação R, conversa, valem. No domínio deôntico-jurídico, equivale a declarar que nem o credor exerce seu direito, correlato do dever do outro sujeito obrigado, nem o devedor satisfaz ou cumpre a pretensão a que se obrigou, correlacionada ao direito do sujeito pretensor.

Caráter neutral da negação

Tem-se como certo que a negação na proposição secundária não altera a valência: a proposição normativa secundária é tão válida no sistema jurídico como o é a proposição normativa primária. Essa validade simultânea é o que está de acordo com o Direito positivo.

Nem sempre o uso interno de negação equivale a um modificador de valência: “é falso que” nas proposições descritivas, ou “é juridicamente não-válido que” nas proposições normativas do Direito positivo.

Um juízo negativo é verdadeiro quando a exclusão que ele faz no plano lógico, de predicação ao sujeito, corresponde à situação objetiva que é correlato de sua adequação.

Pretensão-de-verdade e pretensão-de-validade

Para E. Garcia Maynez a pretensão-de-validade nas proposições deônticas corresponde à pretensão-de-verdade nas proposições apofânticas. Assim, seguindo os argumentos de Pfaender, quer as proposições deônticas positivas, quer as negativas têm a pretensão-de-validade. A negação da proposição q, que figura como hipótese na proposição normativa secundária, é da classe das chamadas por Alf Ross negação interna, e que Vilanova denomina de negação intraproposicional.

O fáctico e o valor

Vilanova ensina que é através de valoração normativa que se inicia a coleta do fato jurídico, e é a norma que impede a passagem para uma experiência infinita, sempre retificando as proposições empíricas adquiridas, nunca, como Kant vira, adquirindo validade necessária e universal. A verdade entra, em boa parte, no mundo jurídico, mas entra mediante norma, através da valoração que a norma toma como seu fundamento axiológico.

Relação entre modos deônticos

Se forem divididos o universo de possibilidades deônticas em três subuniversos irredutíveis e exaustivos de U, ou seja, em obrigatório, permitido e proibido, então, qualquer conduta juridicamente regulada inserir-se-á numa e somente numa dessas três possibilidades, e não em uma quarta possibilidade.

Nada impede que, formalmente, se possa operar com os três functores, definindo um deles em função do outro. A interdefinibilidade é possível com o uso da negação mais outro modal.

Dada a interdefinibilidade dos modais deônticos explica-se porque as normas de Direito positivo possam ser formuladas ora como obrigações, ora como permissões, ora como proibições, com o aditivo da negação que restabelece a equivalência destes modais seja por ter essa negação o alcance no modal, seja por ter o seu alcance ou âmbito de incidência na variável-de-proposição, como afetando-a externamente, indicando que o modal D, em um de seus valores O, P, V, foi alterado pela negação, muito embora na proposição tomada em bloco, tal composição estrutural interna fique oculta.

Estrutura relacional da proposição jurídica

A estrutura interna de uma proposição jurídica completa articula-se em duas implicações: na norma primária entre o pressuposto ou hipótese; na norma secundária, igualmente entre hipótese e conseqüência.

Convém ressaltar ainda que entre uma proposição relacional e sua conversa há equivalência implicacional. O enunciado “x é maior que y” equivale a “y é menor que x”. O primeiro enunciado implica o segundo e o segundo implica o primeiro.

Entenda-se equivalência como recíproca implicação de duas estruturas relacionais, uma das quais é conversa da anterior. Não no sentido de expressões ou enunciados eqüissignificativos, gramaticalmente sinônimos: as duas proposições relacionais têm por ponto de referência a mesma situação objetiva, vistas sob dois aspectos constituintes.

As relações de equivalência tanto se mostram no cálculo de predicados (ou de funções proposicionais) quanto no cálculo de proposições.

Neutralidade axiológica do functor deôntico

No operador modal dever-ser, D, que sintaticamente opera uma relação R entre termos-sujeitos, descabe injetar conteúdo de valor. É tão neutro axiologicamente como qualquer operador lógico. Une, desune, relaciona, mas sem tomada-de-posição sobre a valia ou desvalia das partículas simbólicas em sua integridade consistencial. O final ponto de apoio dos operadores modais deônticos, logicamente, isto é, sintaticamente, é um modal deôntico. Não um modal alético, como “é necessariamente”, “é possivelmente”.


CAPÍTULO VIII

Do sistema jurídico: continuidade normativa

Sob o ponto de vista formal-jurídico cada Estado é um sistema jurídico. Independente um do outro e uno. A proposição normativa fundamental de um sistema não se transfere para o outro. Se a norma fundamental é a proposição básica, logicamente é um postulado. Começa o sistema proposicional normativo com ela. Não antes. É a proposição-limite. Antes está o meramente factual, que ainda não se juridicizou. O sistema tem sua gênese empírica, não-formal, ali onde um determinado suporte factual (econômico, religioso, político, social) seja elevado a fato jurídico fundamental.

Quando Kelsen observa que o sistema jurídico tem a particularidade de regular a sua própria criação, podemos traduzi-lo em termos de sintaxe: o sistema de proposições normativas contém, como parte integrante de si mesmo, as regras de formação e de transformação de suas proposições.

Não somente a unidade do sistema, mas a unicidade do ponto de partida caracterizam o sistema de Direito positivo. E qualquer forma normativa de relacionar os elementos será sempre mera possibilidade lógica se a forma normativa não pertencer a um sistema.

A unidade do sistema como unidade formal

As proposições normativas integrantes do sistema jurídico têm o mais variado conteúdo. São formas que se “encharcam” com referências a fatos-do-mundo. A unidade do sistema jurídico é formal. Não origina da homogeneidade de uma região de objetos. O que interliga proposições normativas tão variadas em conteúdo é o fundamento-de-validade que cada uma tem do todo.

Na norma fundamental reside o fundamento-limite de validade e dela, por inferência, não se podem sacar as proposições da Constituição positiva, ou as leis ordinárias ditadas com apoio nos preceitos da Constituição.

Vale ressaltar ainda que na decisão normativa de um caso está potencialmente presente todo o sistema. O juiz é órgão em virtude de normas e decide segundo o Direito substantivo e o Direito adjetivo aplicáveis.

O direito como sistema empírico

A forma global de sistema é característica de totalidades formadas de proposições, tal teoria é formal em sentido lógico. O direito não é um sistema formal-lógico. Se o fosse, não constariam no seu vocabulário, constantes factuais referentes ao mundo-de-fatos e condutas. O sistema jurídico carece de aplicabilidade à Física, à Geografia, à Sociologia. As suas proposições são proposições prescritivas sobre a conduta e não proposições quaisquer, aplicáveis aos astros, aos átomos, às células. Por isso dizemos: o sistema jurídico é um sistema empírico, não sistema formal-lógico; é um sistema sobre uma região material.

Dois níveis de sistema

O Direito como experiência, tomado na totalidade integrada de sentido (Reale), é um sistema prescritivo que insere dentro dessa experiência a teoria científica dogmática, que também é um sistema. São dois sistemas: um, cognoscitivo; outro, prescritivo.

A ciência do Direito é um sistema de conhecimento sobre o sistema do Direito positivo meramente reprodutivo dos conteúdos normativos das proposições constituintes desse sistema-objeto. Um projeto de Constituição, de codificação de lei, um texto normativo que carece de vigência, representam direito possível. Não direito real, efetivo, positivo. O texto normativo que não chegou a ter vigência pode ser de interesse do conhecimento dogmático, mas por via indireta; não por si mesmo, e sim em função da realidade que pretendia normar, ou com dado explicativo para o Direito em vigência.

Os dois sistemas, o da ciência do Direito e o do Direito positivo, por isso mesmo que contendo estruturas proposicionais, são formalizáveis. Tanto se formaliza uma proposição descritiva da ciência jurídica, quanto uma proposição normativa pertencente ao Direito positivo.

O conceito de sistema em nível de objetos

No campo do Direito, o termo sistema se emprega em dois planos: no da ciência e no do objeto. Com a particularidade: o Direito-objeto contém as proposições, que são entes lógicos, cujo veículo expressional adequado é a linguagem. Sendo linguagem proposicional, as partes se inter-relacionam na forma superior de sistema, que é, formalmente, um conjunto.

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Quando o real é social – o Direito – compõe-no, como integrante de sua ontologia, o logos, na forma de proposição normativa. Mas ainda aqui não se confunde o proposicional constituinte do Direito positivo e o proposicional do conhecimento jurídico-dogmático.

O sistema de proposições da ciência jurídica não se dirige aos fatos, sem a mediação das proposições jurídicas que qualificam os fatos. Sem as proposições normativas do Direito positivo, nenhum fato do mundo pertence ao universo jurídico. Normas e fatos são Form und Stoff no ser integral do Direito.

A unidade do sistema na ciência e no Direito

Há um sistema sobre outro sistema: um meta-sistema e um sistema-objeto. O que facilmente se compreende, tendo em conta que a linguagem é componente nos dois níveis de sistema. E o princípio da unidade no sistema do Direito positivo é homólogo ao princípio de unidade no conhecimento jurídico-dogmático.

A norma fundamental, como condição da possibilidade de conhecimento dogmático do Direito é, sintaticamente, proposição situada fora do sistema do Direito positivo.

Sistema como categoria gnosiológica

O sistema, sendo forma transcendental-gnosiológica de síntese não se coloca no interior do ordenamento. Não está no nível da linguagem do Direito positivo, mas na linguagem da ciência do Direito e na linguagem da teoria da Ciência-do-Direito, que em léxico kantiano, é a lógica transcendental jurídica.

A sistematização num código, ou no todo do ordenamento (limite típico-ideal) provém de ato-de-vontade, não de ato-de-conhecimento, para usar terminologia kelseniana.

Unicidade do sistema

Kelsen sublinha que existe apenas uma unicidade cognoscitiva: é possível conceber todas as normas positivas como um sistema unitário de normas, e, ainda, como um sistema único, como um todo fechado-em-si. Vilanova reinsiste dizendo que o fechamento do sistema é tão-só do conhecimento específico (dogmático) levado a termo pela Ciência-do-Direito, e acrescenta: o sistema jurídico é sistema aberto, em intercâmbio com os subsistemas sociais (econômicos, políticos, éticos).

A unidade de um sistema de normas é decorrente e um superior fundamento-de-validade desse sistema – a Constituição positiva, ou, em nível epistemológico, a Constituição em sentido lógico-jurídico, ou seja, a norma fundamental.

A unicidade decorre da possibilidade também gnosiológica de se poder conceber todo o material jurídico dado com um só sistema.

Conjuntos e subconjuntos

Em linguagem formal, temos conjuntos e subconjuntos. Um conjunto é membro de outro conjunto, ou está ele, em relação a si mesmo, em relação-de-includência, ou ele se inclui como membro de um conjunto maior no qual figura como parte. Os sistemas jurídicos estatais estão neste caso: excluem-se entre si e incluem-se como partes ou membros do superconjunto que é o Direito internacional público.

O extralógico na relação entre sistemas

Extralógico é o critério-de-validade para fundamentar um sistema de normas. A categoria gnosiológica de unificação tanto pode ser a norma fundamental de um determinado sistema de Direito estatal, quanto a norma fundamental do Direito internacional público, segundo a qual o comportamento uniforme dos Estados é fato gerador do Direito.

Sob um ângulo sociocultural, “Constituição é o conjunto das normas convencionais ou jurídicas que, repousando na estrutura econômico-social e ideológica da sociedade, determina de uma maneira fundamental e permanente o ordenamento do Estado”.

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Sobre o autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Carlos Sérgio Gurgel. Síntese analítica da obra 'Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo', de Lourival Vilanova. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5598, 29 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69162. Acesso em: 23 dez. 2024.

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