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Síntese analítica da obra 'Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo', de Lourival Vilanova

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CAPÍTULO IX

Consistência no sistema da Ciência-do-Direito

Quando traduzimos o sistema da Ciência-do-Direito em nível formal, o sistema formalizado deve, como tipo ideal, apresentar esses três requisitos, como condição de sua cientificidade. Uma ciência jurídica que não disponha de critério que permita decidir se uma proposição pertence ou não ao seu sistema, fica à mercê de proposições proveniente de diversas origens.

Se tomarmos o que se chama ciência dogmática do Direito e nos elevarmos à forma ou sistema formal que lhe corresponde e encontrarmos oposição contraditória entre suas proposições, somente por isso saberemos que de sistema científico não trata.

Se a Ciência-do-Direito aspira se ciência, e não uma ciência por assim dizer, ou um agregado de proposições sem fim cognoscitivo, prescisa: i) delimitação de seu campo de conhecimento; ii) unidade metodológica; iii) teoreticidade em suas finalidaes; iv) sistema ou estrutura formal articulando as proposições construtivas desse setor do conhecimento.

Sistemas não-isomórficos

Se dois sistemas, como o da Ciência-do-Direito e do Direito positivo, diferem entre si apenas pelas significações concretas de seus termos – no caso, as proposições do sistema da ciência denotam entidades que, também, são (em parte) proposições (regras ou normas-de-direito) – mas apresentam a mesma estrutura formal-lógica, diz-se serem isomórficos. Têm a mesma forma lógica. Por isso que são isomórficos, são substituíveis face ao sistema abstrato que os formaliza.

Essas considerações são altamente importantes para evitar que se injete no Direito positivo o que é característica da Ciência-do-Direito ou se confira à Ciência-do-Direito o que pertence ao plano da Lógica do Direito. Evita o cientificismo, num caso; o logicismo, no outro.

Pluralismo das Dogmáticas ou ciências positivas

A dogmática ou ciência positiva do Direito é ciência de conteúdo, e ainda que se eleve ao confronto comparativo dos sistemas positivos, está relacionada com um dado histórico. Não chega a ser ciência geral. Desta forma, tantos sistemas jurídicos, tantas dogmáticas.

Se, apesar da diversificação de sistemas historicamente existentes, houver ciência jurídica uma e, ainda, uma só ciência, então eventuais contradições ocorreriam no interior de uma só ciência. O que faz de cada exposição dogmática de um sistema jurídico historicamente dado ser ciência e uma mesma ciência é a presença de um sistema de conceitos e proposições universais que, funcionam como “conceitos fundamentais”, conceitos estes explicitáveis, postos em evidência através da teoria geral do Direito.

A não-contradição e os sistemas científicos empíricos

Vilanova destaca que um sistema formal requer a coerência formal entre suas proposições. Se houver, dentro dele, demonstráveis ou verdadeiras uma proposição e sua contraditória, torna-se inconsistente e requer a revisão das proposições que funcionam como postulados. Em sistemas empíricos de conhecimentos, sejam ciências naturais, sejam ciências da cultura, a consciência formal é um prius lógico, para alcançar o objeto do conhecimento. Se a ciência dogmática do Direito é ou aspira ser ciência, tem de satisfazer a forma-de-sistema: de um todo isento de contradições.

O sistema da ciência jurídica requer consistência interna como condição formal de ser sistema, mais, sua adequação (verdade material ou gnosiológica) à experiência em que se dá o sistema do Direito positivo.

Contradição no sistema do direito positivo

O que a experiência manifesta é a existência de contradições entre as proposições normativas. Contradições entre normas de um mesmo nível, entre leis constitucionais, entre leis ordinárias, entre regulamentos e entre outros atos normativos. Contradições que só são elimináveis pelo princípio extralógico da norma de nível mais elevado sobre a norma de nível inferior, ou pelo critério da sucessão temporal; da norma geral que admite a contraposição contraditória de uma norma especial, estatuindo para todos os casos compreendidos num conjunto, menos para alguns que se excetuam, mas que pertencem ao conjunto.

Leis lógicas e regras

As normas têm por suporte a linguagem, e por esta razão inserem-se dentro das leis lógicas. A linguagem do Direito positivo procura evitar o sem-sentido. A lógica está no interior mesmo do sistema de proposições do Direito positivo. Se as leis lógicas fundamentais, como a lei de não-contradição, a lei-de-terceiro-excluído, fossem normas, então seriam reconduzíveis à fonte formal última de todas as normas do sistema. Proviriam, assim, as leis lógicas, da norma fundamental. Se as leis lógicas fossem normas, ao lado das normas jurídicas, procedentes de fontes normativas, seriam susceptíveis de serem ab-rogadas por normas de Direito positivo. Enquanto não, seriam normas válidas, vinculantes, providas de reparação sancionadora em caso de inobservância, com a estrutura sintática de toda norma de Direito positivo.

As leis lógicas como metalinguagem

O Direito positivo usa linguagem que nem sempre coincide em seus conteúdos de significação, com o sentido da linguagem da dogmática do Direito. A lógica é uma linguagem sobre essa linguagem legal. Como o é uma linguagem sobre a linguagem da ciência dogmática do Direito. É uma linguagem formalizada. Então tem-se que as leis lógicas são leis formuladas e nível de metalinguagem.

Um aspecto do logicismo

Um sistema normativo não tolera a inconstância, a incompatibilidade contraditória entre seus enunciados. A contraditoriedade arruína-lhe a estrutura. Ainda que Kelsen rechace a existência de contradições lógicas entre normas não pode desatender à experiência. Há conflitos, não digamos os de forma procedimental, mas os de natureza material entre normas: umas permitem, outras vedam a mesma conduta nas mesmas condições de aplicação, como diria Von Wright. São conflitos, não somente os ratione formae – relativos ao processo de feitura das normas – que não são conflitos propriamente lógicos, mas os conflitos ratione materiae.

Contraditoriedade entre normas

Conforme observamos, inexiste contradição lógica entre um enunciado que descreve um actual state-of-affair e outro que estatui o dever-ser, isto é, entre “A é B” e “A não deve-ser B”. Isto não exclui a possível combinação de proposições descritivas (as da ciência jurídica) com as proposições prescritivas do Direito positivo. A norma, no caso, tem o papel de um state-of-affair, de uma situação objetiva, da qual se afirma ou se nega que existe (é válida ou não-válida).

Unidade gnosiológica e unidade empírica do direito

É suficiente pensar que os ordenamentos não se constroem como sistemas de proposições científicas; que as normas, formuladas em proposições, provieram de situações sociais diversas, de fontes normativas distintas, que a racionalização na manifestação do Direito é uma etapa amadurecida nas altas culturas; que nas culturas primitivas tais normas, com outras normas não-jurídicas formam um congérie de normas onde o sistema jurídico não se destaca como relativamente autônomo, como um sistema auto-regulador de sua estrutura interna, etc.

Temos aqui uma diferença entre lei de não-contradição sobre proposições descritivas nos sistemas científicos, e a lei de não-contradição sobre proposições normativas nos sistemas normativos, como o do Direito positivo. Um sistema científico que infringe lei lógica é falso, antes de alcançar o objeto-de-conhecimento.


CAPÍTULO X

Aspectos da completude do sistema jurídico

A completude e a consistência são propriedades formais de um sistema. Um sistema S tem elementos e relações constituintes. Os elementos de um sistema proposicional são as proposições, que têm de satisfazer à consistência no interior do conjunto para pertencerem ao sistema. A consistência repousa na lei de não-contradição.

É problema controvertido decidir se o sistema deôntico, face a uma dada realidade social que lhe serve de modelo, é ou não completo. É a completude semântica. Em outras palavras: qualquer que seja a conduta dada na realidade, encontra essa conduta norma primária ou norma secundária em que se alojar? Admitindo-se sua tripartição deôntica, o sistema seria suficiente ante qualquer possibilidade fática de conduta?

Tipificação do fáctico

O sistema normativo do Direito positivo é-o em direção da realidade social da conduta humana. Ora, o universo-da-conduta humana é série interligada de ações e omissões no contexto do espaço físico e do espaço social: é uma série quantitativamente indeterminável e qualitativamente inexaustiva. Há multiplicidade extensiva e intensiva no mundo social da conduta.

O Direito deixa ingressar dentro do sistema de proposições normativas os fins tipificados que enchem de concreção as formas de conduta. O meu fim individual, a motivação que é só minha, realiza-se através dos tipos objetivados e impessoais de conteúdos de conduta que o sistema do Direito apresenta.

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O Direito tipifica os conteúdos das condutas, como tipifica as mesmas condutas. Insere aqueles e estas nas modalidades deônticas do obrigatório, do proibido e do permitido, repartindo-as com o sinal positivo da licitude e com o sinal negativo da ilicitude.

Substrato sociológico da completude do sistema jurídico

Nada mais legítimo que investigar o subsolo de processos sociais, que estão a sustentar a teoria da completude do ordenamento jurídico. O sociólogo vê larga porção da realidade social excedente ao sistema racionalizado de proposições normativas e o descompasso inevitável entre o sistema e a realidade.

Nada mais procedente do que essa investigação do substrato sociológico da completude do ordenamento jurídico. Mas esse ângulo de investigação não exclui os ângulos sintático e semântico.

Um ângulo analítico da completude

Dada a tripartição deôntica do universo da conduta juridicamente regulada, a conduta alojar-se-ia num dos três segmentos. A tripartição é mutuamnte excludente e conjuntamente exaustiva. Uma mesma conduta, pois, sem tem simultaneamente os três modos deônticos, nem pode se inserir num quarto modo: o princípio da não-incompatibilidade evita o contra-sentido; o princípio de um quarto excluído impediria que a conduta se precipitasse no vácuo do juridicamente não-qualificado, isto é, confere a fermeture ao sistema, a plenitude logicamente hermética, de que fala a teoria egológica.

Esquematização seletiva do fáctico

Nem tudo da realidade física ou social entra no quadro esquemático da hipótese da proposição normativa, que a multiplicidade intensiva e extensiva do real requer a operação conceptual normativa, forçosamente simplificadora, inevitavelmente abstrata, pelo processo de esquematização ou tipificação do fáctico.

Esses níveis terminais mostram que, nem regressivamente, nem progressivamente, o processo vai ad infinitum. Sob este aspecto há uma finitude lógica do sistema deôntico do Direito positivo, sistema que tanto se abre para abranger a realidade, como depois, encerra-se no interior de si mesmo, construindo normas segundo sua dialética interna.

Duas vias para ir à completude do sistema

É possível conceber a integridade de um sistema de normas de Direito seguindo dois caminhos. Pelo primeiro, o sistema está completo, porque nem tudo entrou em sua órbita e nem entra porque seletivamente o sistema separou o jurídico do não-jurídico. O não-jurídico é o juridicamente inexistente, o que não interessou ao mundo das normas. Tomando-se o outro caminho, é possível conceber a completude de um sistema de normas de Direito do seguinte modo: fatos naturais, há os que existem, mas não contam em qualquer uma das hipóteses, como não contam em nenhuma das teses das normas positivas do sistema – assim o fruto ressequido que cai da árvore, na praça pública, com o vento que agita a folhagem está, ou não tem, necessariamente, que estar previsto como fato produtor de conseqüências jurídicas.

Posição de Eugen Ehrlich

O problema que põe Ehrlich é o seguinte: dada uma codificação prefixando os tipos de associações, ou de contratos, ou de manifestação de vontade producentes de efeitos juridicamente preestabelecidos, se há de inferir, de acordo com os sistemas jurídicos racionalizados, que outros tipos, que a vida social e econômica exija para enriquecer a morfologia ou a tipologia legal, estão vedados.

Também, a maior ou menor rigidez da tipologia legal depende do sistema jurídico: se o do Direito legislado continental europeu, se o do common law europeu, se o do common law anglo-americano.

Pontos de vista genético e sistemático

A ciência jurídica não é um ser ilhado, como se fora propriedade dos teóricos do Direito. Está permeando a atividade dos advogados e dos juízes, como saber teorético, projetando-se em saber instrumental visando conhecer para, no final, aplicar normas.

A tese de que o ordenamento jurídico positivo é um sistema de proposições deônticas, inter-relacionadas não contraditoriamente e (relativamente) suficiente para abranger uma seção da realidade físico-social, bem consciente de seus limites, coloca-se na perspectiva sistemática.

A necessidade da construção

A ciência do Direito não pode explicar como a norma de decisão criada pelo juiz, para julgar o caso inédito, tenha validade, sem existir a proposição normativa geral supra-ordenada; que ele contenha até o germe se não fizer a construction: ir ao sistema global e subsumir a norma individual de decisão inovarora, dentro do sistema.

Pressuposto desta criação é que o sistema confira competência ao juiz para criar norma individual sem relação lógica de subalternação a uma proposição normativa geral. Se o juiz julga sem lei, e mesmo contra a lei (lei em sentido amplo), inovando para atender às necessidades emergentes, explícita ou implicitamente o sistema habilitou o juiz. O plano do jurista é posterior à norma, seu objeto de estudo (Celso Antônio Bandeira de Mello, Natureza e Regime Jurídico das Autarquias, pág. 287).

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Sobre o autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Carlos Sérgio Gurgel. Síntese analítica da obra 'Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo', de Lourival Vilanova. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5598, 29 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69162. Acesso em: 10 mai. 2024.

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