Novo cangaço: uma modalidade criminosa cada vez mais organizada

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23/09/2018 às 13:19

Resumo:


  • O estudo aborda a ação das quadrilhas em ataques a instituições financeiras, destacando a evolução do cangaço de Lampião para o novo cangaço.

  • O novo cangaço é uma modalidade criminosa atuante no Brasil, causando prejuízos à sociedade e trazendo terror às populações locais.

  • As quadrilhas especializadas em ataques a instituições financeiras possuem uma divisão de tarefas eficiente, dificultando a ação das forças policiais locais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Entenda de onde surgiu o "novo cangaço" , uma modalidade de assalto a banco que vem se tornando cada vez mais comum no cenário da violência nacional.

Introdução

O presente estudo possui como temática a ação das quadrilhas em ataques a instituições financeiras, principalmente as mais organizadas e atuantes no Brasil, denominadas novo cangaço.

Nesta perspectiva, construiu-se questões que nortearam este trabalho atinentes ao processo evolutivo do cangaço de Lampião até o surgimento do cangaço moderno e por que é tão difícil combater esta modalidade criminosa, mesmo sendo tão frequente em todo território nacional.

O Brasil é mundialmente conhecido pelos seus altos índices de violência e criminalidade. Dados extraídos do Atlas da Violência publicado no Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2018[1], somente no ano de 2016 houve 62.517 homicídios no território nacional. Quanto aos crimes contra o patrimônio, mais especificamente os ataques a instituições financeiras, o país vive uma verdadeira “epidemia” desta modalidade criminosa denominada novo cangaço. Daí a importância de investigar as principais características das quadrilhas atuantes nestes crimes, seu modus operandi e suas adaptações frente aos enfrentamentos das autoridades.

Neste diapasão, há um crescente avanço na atuação de grupos relacionados ao novo cangaço. Atualmente, tal modalidade criminosa é uma das que mais trazem prejuízo à sociedade, não só pelos elevados valores subtraídos, mas principalmente pelo terror impetrado aos moradores dos municípios atacados.

Assim, a temática abordada neste artigo, versa sobre a compreensão e reflexão do novo cangaço, abrangendo seus aspectos mais relevantes, sua atuação, organização, evolução, além da sua expansão para outros países.

A metodologia utilizada foi baseada em uma revisão bibliográfica, por meio de uma análise pormenorizada de materiais já publicados na literatura, como livros e dados estatísticos, além de artigos científicos divulgados no meio eletrônico. 

Espera-se, com isso, fomentar a discussão sobre as condições às quais o novo cangaço implementa suas ações, além de trazer para a pauta das discussões a contextualização de sua expansão e mudança no foco dos ataques, pleiteando, assim, maior dedicação do Estado na busca de melhores estratégias para o combate a esta modalidade criminosa que vem atormentando o Brasil.


Desenvolvimento

Conforme descreve Silva (2011), a violência é um fenômeno social e acompanha o homem desde tempos primitivos. A violência endêmica, pautada em um contexto de desigualdades e em um sistema de relações sociais distintas, e as vezes antagônicas, não é um fenômeno novo.

Como realidade histórica, a violência se manifesta diuturnamente e de diversas maneiras. E a violência social está espalhada por toda parte. O simples fato de haver uma quebra no regramento do convívio social já é capaz de alicerçar o fenômeno da violência entre os indivíduos.

Neste sentido Moraes (2017), narra que a vida em sociedade perpassa por um ambiente de equilíbrio da convivência humana, por meio de um pacto social simples e minimamente eficaz.

Em todo o país, diversos pontos de desequilíbrio são facilmente identificáveis, e com eles surgem graves crises que impactam diretamente sobre o campo econômico e consequentemente no campo da segurança pública, surgindo as variáveis das modalidades criminosas.

O mesmo autor ainda destaca que é consenso entre os doutrinadores a ideia de que, para que qualquer crime obtenha êxito, é necessária uma organização mínima, ainda que ela seja apenas mental.

Hartmann (2011) destaca que uma organização criminosa resulta da reunião de pessoas habilidosas e experientes, e que os crimes planejados necessitam de esforço e dedicação dos seus participantes. Independentemente do local de atuação ou tipo da organização criminosa, pode-se fielmente afirmar que todas têm como seu foco principal a obtenção de poder e riqueza.

Em virtude disso, o crime organizado passou a direcionar suas ações às cidades interioranas, especificamente com foco nos caixas automáticos presentes nas instituições financeiras e comerciais das cidades, fazendo surgir a modalidade criminosa denominada novo cangaço.

Conforme narra Mello (2004), grupos armados saqueadores são evidenciados no país desde meados do século XVI. Destaca-se que o cangaço nordestino, que empregava ações violentas para subtração de altos valores, foi o primeiro fenômeno desta natureza elencado no Brasil.

Ainda segundo o mesmo autor, dentre os mais temidos e conhecidos bandos do cangaço brasileiro, merece destaque o grupo de Virgulino Ferreira da Silva, o “Lâmpião”, conhecido ainda como rei do sertão ou governador do sertão. Este, passou a se envolver com o cangaço após uma confusão em virtude de um furto de gado na propriedade de seu pai. Desde então, acabou desencadeando uma guerra entre famílias. Iniciava ali a história de um dos maiores cangaceiros do Brasil.

Lampião morreu em 1938, em confronto com uma “volante”- grupo de policiais. Junto com ele morreram vários cangaceiros, dentre eles sua companheira “Maria Bonita”.

De acordo com França (2016), com a morte de Lampião e de Corisco (outro importante cangaceiro do bando de Lampião), o “cangaço” chega oficialmente ao fim. No entanto, o banditismo no sertão nunca se findou, uma vez que a cultura naquela região era de resolver os conflitos por meio de violência em forma de vingança. Dessa forma, o cangaço não demora a ser resgatado e a ficar conhecido como cangaço moderno ou novo cangaço. 

As características do novo cangaço, se comparadas com as do bando de Lampião, ficam apenas nas táticas de ataques à pequenas cidades, empregos de arma de fogo e tomada de reféns.

Não existem mais ‘causas nobres e de honra’ como objetivo, mas tão somente o dinheiro pelo dinheiro, a ganância como fim em si mesma, a mais assustadora causa possível. A promiscuidade com outras modalidades criminosas, como o tráfico de drogas, também é latente, visto que se financiam alternadamente, conforme a necessidade” (RODRIGUES, 2018, p. 5).

O Mesmo autor ainda narra que, entre os anos de 1990 e 2000, os assaltos a instituições bancarias, sob a égide do novo cangaço passam a aterrorizar as cidades interioranas do nordeste brasileiro, promovendo uma verdadeira tomada das cidades. Estas invasões se davam em horário bancário, com uso de reféns como escudo humano para evitar reação policial, emprego de veículos de médio porte e de grande potência, como caminhonetes, no intuito de levar o numerário subtraído e evadir com maior rapidez para um ponto de encontro predeterminado.

Conforme relato de Oliveira e Bezerra (2011), as ações do novo cangaço são precedidas da existência de um planejamento prévio, emprego de armamento e equipamento exclusivo das forças policiais e armadas, comoção social em virtude da violência empregada e atuação em cidades com população menor ou igual a 50 mil habitantes.

Atinente à competência da organização criminosa, surge uma evolução desta modalidade delitiva, o cangaço noturno. Trata-se de ações altamente arquitetadas com foco nos caixas eletrônicos e cofres de agências bancarias, geralmente no período noturno e com auxílio de artefatos explosivos.

O intuito da mudança do modus operandi nas ações do cangaço noturno está relacionado à obtenção de lucros maiores e minimizar o risco de enfrentamentos com as forças policiais locais. Além disso, “ao mudarem de tática para evitarem confrontos e consequentes mortes, sejam de reféns, policiais ou deles próprios, os bandidos ainda ganham em eficiência e evitam a configuração do crime de latrocínio” (Rodrigues, 2018, p. 4), garantindo assim penas mais brandas caso sejam presos.

Denota-se que os ataques a caixas automáticos promovem grandes prejuízos à sociedade, uma vez que os terminais bancários de autoatendimento possuem grande utilidade pública, principalmente nas cidades de pequeno porte.

Para que consigam êxito nas ações implementadas, as quadrilhas promovem uma verdadeira divisão de tarefas entre seus integrantes. Há inúmeras funções no bando, dentre eles o explosivista, o arrombador, o segurança, o piloto, o reconhecimento e o responsável pela logística do grupo.

A alta especialização e a eficiente divisão de tarefas de cada integrante das quadrilhas criam um fator dificultador às forças policiais locais, pois ao surpreenderem os infratores, ficam imersos em uma perseguição desfavorável e perigosa.

Previamente ao ataque às instituições financeiras, é realizado um estudo minucioso do local alvo do evento. Particularidades sobre a vulnerabilidade, rotas de fuga, localização das frações policiais, residências dos membros das forças de segurança, rotina de cada policial, mapeamento de rotas de fuga, dia de abastecimento dos terminais eletrônicos, localização de pontos estratégicos para alocação de infratores no perímetro do local a ser atacado e definição de ponto de reunião antes e após o ataque.

As quadrilhas contam com recursos logísticos altamente especializados e que muitas vezes não são encontrados nas forças policiais nacionais, como correntes, e cabos de aço (usados na obstrução de pontes e viadutos), “toucas ninja”, rádios com captação de frequência da PM, armamentos de uso exclusivo das forças de segurança e armadas (inclusive no calibre .50, de alto poder destrutivo), munições e coletes balísticos, telefone celulares e explosivos de diversos tipos.

Nesta seara criminológica, o estado de Minas Gerais vem sofrendo com a ação delituosa do novo cangaço. Nos últimos 5 anos, uma série de ataques a instituições bancárias nas cidades do interior de Minas, vem causando temor aos seus habitantes. 

De acordo com dados da Confederação Nacional dos Trabalhadores de Segurança Privada - CONTRASP, apesar de ter havido uma redução no número de ataques entre os anos de 2014 e 2016, o Estado de Minas Gerais aparece em segundo lugar em número de ocorrências envolvendo ataques a agências bancárias. Somente em 2017 foram 423 ocorrências, sendo que destas, em 199 ocasiões foram utilizados explosivos, tornando Minas Gerais o estado mais afetado pelas explosões a caixas eletrônicos.

Santos (2017), destaca que o cangaço noturno aproveita do pequeno efetivo policial empregado no interior de Minas, além da imprevisibilidade das ações e a complexidade das organizações criminosas, para que tenham êxito nos ataques.

Com a empreitada estatal ao enfrentamento do novo cangaço, em especial ao cangaço noturno, através de ações preventivas e repressivas das forças policiais, associadas à redução no número de agências e correspondentes bancários nas cidades menores, as quadrilhas passaram a focar seus ataques nos carros-fortes das transportadoras de valores.

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  Uma pesquisa nacional de ataques a carros-fortes, também realizada pela CONTRASP, destaca que em 2017 houve um aumento de 68% neste tipo de crime se comparado com 2016. Foram 109 ataques em 2017 contra 65 ocorrências registradas em 2016.

O mesmo órgão destaca que, entre os meses de janeiro a junho de 2018, houve um crescimento de 53% no número de ataques a carros-fortes.

No intuito de minimizar as ações exitosas das quadrilhas, os bancos passaram a operar com um volume menor de dinheiro nos terminais de autoatendimento e nas agências. Assim, o volume excedente de dinheiro é enviado para empresas de custódia e base de valores. Por sua vez, os carros-fortes passaram a transportar quantias menores de valores, objetivando serem menos atrativos às ações criminosas.

Com um numerário aviltante de dinheiro em seu interior, em virtude das medidas anteriormente citadas, as empresas de custódia e transporte passaram a ser alvos dos ataques das quadrilhas.

O mês de novembro de 2015 inaugura uma nova tendência, que hoje é sólida modalidade, de crime contra o patrimônio: invasão a bases de empresas transportadoras de valores. Nada mais impactante do que ocorreu em Campinas/SP – uma das maiores e mais ricas cidades do interior de São Paulo, distante a apenas 100 km da capital – para a largada desse marco criminoso. (RODRIGUES, 2018, p. 6).

O mesmo autor destaca o ataque à base de valores em Campinas/SP, como um novo marco na modalidade do novo cangaço. A astúcia e expertise, cada vez mais apuradas dessas organizações criminosas é cada vez mais evidente. Com características próprias e inovadoras em suas metodologias de ataque, as quadrilhas se fortalecem. Parte dos valores roubados são investindo em tecnologia e armamento para emprego em novas ações.

Conforme dados da Federação Nacional dos Policiais Federais - FENAPEF, entre março de 2015 a fevereiro de 2017, foram registrados 12 ataques a bases de transporte de valores em todo território nacional, sendo que na mais exitosa destas, foram subtraídos 51 milhões de reais, na cidade de Ribeirão Preto/SP.

Apesar do elevado valor roubado na ação no interior paulista, merece destaque o assalto à base de valores na cidade de Recife/PE, ocorrido no final de 2017. É o domínio da primeira capital de um estado brasileiro, deixando autoridades perplexas com tamanha ousadia. A região da transportadora de valores foi completamente dominada. A ação, com características paramilitares, cujo posicionamento, procedimentos, armamento, rapidez, disposição e preparo para eventual enfrentamento com a polícia, tornou o cenário no local um verdadeiro pandemônio. 

 Além de bloquear cinco pontos estratégicos nas redondezas da empresa de custódia de valores, localizada na zona oeste da cidade, a quadrilha impede a progressão de ninguém menos do que os policiais da 1ª Companhia Independente de Operações Especiais (CIOE), considerada a base dos Seals pernambucanos. Acuada em sua própria sede, isolada na mata do bairro do Jiquiá, a tropa de elite do Estado opta por realizar um confronto mais precavido, dado o poderio bélico do oponente (RODRIGUES, 2018, p. 7).

Este novo viés da atuação das quadrilhas demonstra uma nova interpretação do cenário nas ações desta modalidade criminosa.

O aperfeiçoamento nas ações do crime organizado é visualizado em todo o mundo. No Brasil merecem destaque a constância e rápida expansão desenvolvida pelas organizações criminosas. Prova disso, são as ações de integrantes de quadrilhas brasileiras em ataques a bases de valores em cidades de países vizinhos.

Ainda conforme Rodrigues (2018), em meados de 2017 o alvo foi Ciudad del Este, no Paraguai. Utilizando o mesmo modus operandi empregado no domínio das cidades no Brasil, a cidade foi sitiada por mais de três horas. Cerca de 40 milhões de reais foram roubados. No mesmo ano, na cidade de Roboré na Bolívia, criminosos usando fuzis, granadas e emulsões explosivas, atacaram um carro-forte, levando mais de 2 milhões de dólares.

Diante disso, necessário se faz, a percepção da magnitude das ações do crime organizado às instituições financeiras, uma vez com os valores roubados as quadrilhas se fortalecem, por meio de aquisição de tecnologias, armamentos e métodos de ataque. De maneira geral, o novo cangaço é a espinha dorsal de um número maior de crimes secundários. O fomento ao tráfico de drogas, o roubo e clonagem de veículos e alugueis de armas, são apenas alguns tipos penais associados.

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Sobre o autor
Frederico Willian da Cruz

Funcionário Público Estadual do Estado de Minas Gerais, Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Docência do Ensino Superior, Ensino Multimídia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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