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Breve estudo sobre a averiguação e sua legalidade

24/06/2005 às 00:00
Leia nesta página:

I- Introdução

A averiguação não pode ser estudada como "prisão", mas pode e deve ser analisada sob o aspecto da custódia ou retenção, seja para investigação sumaríssima, para averiguação propriamente dita ou em sentido estrito, ou para garantia de incolumidade de pessoas e coisas, cujas diferenças passaremos a examinar. O tema costuma ser evitado pelos juristas. É realidade reconhecida como necessária, mas evitada enquanto assunto a ser teorizado do ponto de vista legal. Resolvemos abordá-lo.

Tudo começou quando ainda não tínhamos lei que regulasse a prisão temporária. Em 1985, Amandio Augusto Malheiros Lopes enfrentava o dilema, citando o Desembargador Vicente de Paula V. de Azevedo, nestes termos: "...a nível de entendimento pessoal entre Juiz, Delegado e Promotor, manter-se-à custodiado o suspeito, enquanto se avança na busca da comprovação da autoria..." Ao final, após criticar a má vontade do legislador para regular a prisão (temporária, no caso), arremata: "...sem prejuízo de eventual responsabilidade da autoridade policial por abuso ou omissão. O mais é farisaísmo ou fantasia." (Da Prisão no Curso da Investigação Policial, Revista da ADPESP nº12, 1985, pp. 31/32).

A prisão temporária foi regulada em lei, permanecendo em aberto a "prisão" para averiguação que, com entendimento ou não entre autoridades, será também de responsabilidade do Delegado ?

A resposta deverá ser positiva se o mundo teórico não a admitir como fato existente e realidade legal. Nosso objetivo é provar que ela existe como fato e com embasamento jurídico, sendo legal com tais fundamentos e melhor definição (não como prisão).


II- Radiografando a restrição da liberdade

Vamos encontrar distinção entre detenção, reclusão e prisão simples, na própria lei: a) na quantidade de pena fixada. b) na qualidade da pena (regime aberto ou semi-aberto, e fechado).

A retenção vem mencionada na Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 7º, item 5) de que o Brasil é signatário. Encontraremos menção para custódia em alguns dispositivos antigos, como o Decreto Estadual 4405-A, de 1928 (Regulamento Policial), Decreto 19903/50 (uso de algemas), e ainda outros mais recentes como a Lei Complementar 207/79 - Orgânica da Polícia), e o Código de Processo Penal. Senão vejamos:

- Art. 7º, item 5 da Convenção Americana de Direitos Humanos: "Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais... Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem sua presença em juízo."

- Art. 126 do D.E. 4405-A/28: "A autoridade policial... que encontrar, ou a quem for apresentado qualquer indivíduo mendigo, vicioso, ébrio ou louco perigoso, o porá em custódia, no posto policial mais próximo, ou na cadeia, em compartimento especial, se for possível, enquanto não aparecer pessoa da família ou considerada, que se encarregue de contê-lo e curá-lo.

- Art. 131 do D.E. 4405/28: "Os turbulentos serão admoestados e, se não quiserem atender a admoestação, serão postos em custódia, procedendo-se para com eles como para com os ébrios e os loucos, ou agindo contra eles na forma legal, como incursos..."

- Art. 2º do Decr. 19903/50: Condução à presença da autoridade dos ébrios, viciosos e turbulentos, recolhidos na prática de infração e que devam ser postos em custódia, nos termos do regulamento policial..."

- Art. 63, XLV da L.C. 207/79: "manter transação ou relacionamento indevido com preso, pessoa em custódia..."

- Art. 290, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal: "Quando as autoridades locais tiverem fundadas razões para duvidar da legitimidade da pessoa do executor ou da legalidade do mandado que apresentar, poderão pôr em custódia o réu, até que fique esclarecida a dúvida."

Ao nosso ver, são hipóteses de averiguação mencionadas em leis, restritivas da liberdade sem atentar contra a mesma, excluindo as incidências da letras "a", do art. 3º, e "a", do art. 4º, da Lei 4898/65 (abuso de autoridade), desde que baseadas nos dispositivos autorizadores elencados, que admitem analogia, S.M.J., para qualquer dúvida a ser solucionada em favor da sociedade, da Administração Pública e da Justiça.

É certo que alguns diplomas legais são antigos, podendo não estar vigentes, mas foram pinçados à guisa de reforço histórico. Mas os dispositivos de leis e tratados vigentes são plenamente invocáveis e não vislumbramos nenhuma inconstitucionalidade neles.


III- Fundamentos Constitucionais

Ao nosso sentir, s.m.j., a custódia ou retenção para averiguação ou investigação sumaríssima visam justamente garantir uma apuração preliminar e rápida que evite uma prisão injusta e ilegal (incisos LXI e LXV, do art. 5º da Constituição Federal) ou garantir a incolumidade de pessoas e coisas (art. 5º, "caput", da C.F.). A custódia ou retenção não tem o significado de prisão.


IV- Diferenças Detectáveis

De todo o analisado, vamos buscar as distinções existentes, a saber:

-Reclusão: condenação a pena rigorosa em regime fechado.

-Detenção: clausura temporária, preventiva, provisória (flagrante/pronúncia), ou condenação a pena leve em regime brando.

-Prisão simples: nos casos previstos em lei (contravenções, etc.) para penas leves.

-Custódia: para averiguação, enquanto se esclarecem dúvidas, ou para garantia da incolumidade de pessoas ou coisas, ou para investigação sumaríssima (ver adiante), mantendo-se o custodiado em cela separada ou sob algemas pelo tempo estritamente necessário.

-Retenção: para averiguação de dúvidas ou garantia de incolumidade (itens de custódia) mas com a diferença de que não se utilizará cela nem algemas, face à não existência de perigo aparente e não gravidade dos fatos a serem esclarecidos.

Ficará à discricionariedade fundamentada da autoridade local competente (policial ou judiciária) o teor das dúvidas (art. 299 do CPP): sobre fato ou direito, fato e direito, quanto ao condutor, conduzido (averiguado), objetos (droga, veículo), documentos (autenticidade); sobre situação anterior, atual ou posterior. Até se a liberação imediata do conduzido pode causar novos acontecimentos, em prejuízo dele ou de outrem. Após a lavratura de um Termo Circunstanciado de ameaça, por exemplo, para evitar agressões no retorno para casa (progressão criminosa em sentido estrito posterior ao procedimento), recomendável reter uma das partes por algum tempo.


V- Investigado e Averiguado

O investigado é aquele submetido a procedimento de persecução penal pré-processual em busca de autoria indiciária, materialidade, adequação típica. O averiguado pode estar em situação preliminar à do investigado ou posterior. Por exemplo, havendo dúvida sobre a "legitimidade da pessoa do executor ou da legalidade do mandado (art. 290, parágrafo 2º, do C.P.P.). Não será investigado por não haver uma prática delituosa, um crime a apurar, mas a averiguação de uma situação.


VI- Averiguação e Investigação Sumaríssima: Diferenças

Toda investigação precisa ser rápida tanto quanto possível para que não se diluam as provas. No entanto, poderá assumir um rito ordinário, sumário ou sumaríssimo. Ordinária é o comum, através de inquérito policial com prazo de trinta dias para conclusão. Sumária é aquela que decorre de autuação em flagrante delito e que se conclui em dez dias, em regra, ou ainda a investigação levada a efeito em função de prisão temporária, que deve estar concluída entre cinco a dez dias. Sumaríssima, aquela que precisa estar concluída em horas, para que a autoridade policial possa decidir pela formalização ou não de um auto de flagrante delito ou de um termo circunstanciado.

Já a averiguação é a perquirição, a diligência, que objetiva colher elementos, em poucas horas, para esclarecer uma situação com implicações jurídico-penais e processuais, mas não exatamente um crime. Aí reside a diferença.

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VII- A prática como corolário da teoria (alguns exemplos)

1- O custodiado, na hipótese do art. 236 do Código Eleitoral, enquanto se aguarda a exibição do título ou consulta ao Tribunal, para se saber se é eleitor. É averiguação.

2- O caso de alvará de soltura, enquanto se consulta a Divisão de Capturas ou Vara de Execuções sobre mandados em aberto (por erro ou para cumprimento), é cautela exigida antes da soltura. Se o carcereiro não conhecer o preso, deverá colher suas digitais para identificação ("legitimação") junto ao I.I.R.G.D. e a resposta poderá demorar horas. Não há crime a investigar, mas o até então reeducando estará custodiado. É averiguação.

3- A hipótese do indivíduo contra quem não consta mandado de prisão, mas há informação fidedigna de que é foragido de presídio de outro Estado da Federação, enquanto se procede à consulta. É averiguação.

4- O embriagado, enquanto conduzido ao IML para constatação. Se não for caso de flagrante (pequenas causas), ele estará retido ou custodiado. Aqui trata-se de investigação sumaríssima, por haver delito a apurar.

5- A ocorrência de entorpecente, enquanto se aguarda laudo de constatação do I.M.L. Se positivo, o conduzido estará preso e será autuado. Se negativo, NÃO será autuado porque NÃO houve crime (atípico penal). Neste caso terá ficado em custódia, mas na qualidade de investigado (trata-se de investigação sumaríssima que não comporta prisão temporária).

6- O caso de tentativa de roubo RECENTE, enquanto se aguarda o comparecimento da vítima para reconhecimento pessoal. Se reconhecer lavra-se o flagrante. Se não reconhecer e não subsistir o flagrante o cidadão terá ficado custodiado ou retido sem estar "preso". É investigação sumaríssima, sendo desnecessária e descabida a prisão temporária porque o resultado da investigação só depende de horas, não de dias (quando seria caso para temporária).


VIII- Conclusão final

Procuramos demonstrar que a custódia ou a retenção são legais, seja para investigação sumaríssima de delito ou averiguação de situação (de pessoas, coisas ou documentos). Neste contexto é que operações como a "tolerância zero" só poderiam ganhar sentido se tivessem um enfoque científico, do ponto de vista jurídico e social, e uma melhor estruturação operacional. Daí apresentarmos uma abordagem diferente do tema. A regulamentação da averiguação em lei nova específica poderá ser mera opção. Conhecendo o legislador penal desta década, verificamos que talvez seja melhor não mexer muito. Ficamos com a precisão dos dispositivos que elencamos, especialmente do Código de Processo Penal e da Constituição Federal. Mas o assunto não foi esgotado e opiniões seriam valiosas, principalmente em contrário.

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Sobre o autor
Wagner Adilson Tonini

Delegado de Polícia. Professor da ACADEPOL em Bauru (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TONINI, Wagner Adilson. Breve estudo sobre a averiguação e sua legalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 719, 24 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6924. Acesso em: 25 abr. 2024.

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