Conclusão
Há uma contradição insuperável em se conceder amplo e livre acesso ao Judiciário e conseguir a efetiva prestação dessa jurisdição, eis que os juízes e o tempo que podem se dedicar à efetiva atividade adjudicatória (decidir as lides que lhes são postas) é limitado (Gico Jr., 2014). Ora, o acesso ao Judiciário não é um fim em si mesmo, mas um meio para se alcançar o objetivo do jurisdicionado, qual seja, a atividade adjudicatória estatal (Gico Jr., 2018).
Desse modo, se as demandas e os anseios dos jurisdicionados são infinitos, mas a capacidade do Judiciário em atendê-las é restrita a limites físicos (horas de trabalho, quantidade de magistrados, recursos orçamentários, etc.), então, seguramente, a ampliação irrestrita do seu acesso importará em congestionamento e sobreutilização. Sobreutilização esta que é agravada com a concessão irrestrita da gratuidade de justiça que não amplia, necessariamente, o acesso ao Judiciário ao juridicamente pobre, mas apenas reduz o risco de sucumbência das ações ajuizadas estimulando o ajuizamento de ações frívolas e temerárias (Arake, et al., 2014), quais sejam, aquelas ações com baixa probabilidade de êxito.
Assim, se a sociedade brasileira escolher manter a política de ampliação irrestrita do acesso à atividade adjudicatória de maneira que embargos financeiros não sejam impeditivos para que os juridicamente pobres sejam alcançados, é imperativo que sejam construídos instrumentos que identifiquem de maneira mais eficiente os pleitos de gratuidade deduzidos de má-fé ou que as consequências de um pedido indevido sejam suficientes para dissuadir aqueles que não necessitem desse benefício, mas apenas o utilizem para reduzir o risco de suas ações frívolas e temerárias.
Bibliografia
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Notas
[1] Por atividade adjudicatória, entenda-se “garantir a aderência do comportamento social ao comando legal em caso de conflito” (Gico Jr., 2018).
[2] Um recurso é considerado comum quando é inclusivo (não excludente), mas rival, ou seja, é muito difícil excluir usuários não autorizados, o que pode levar ao livre acesso, e a utilização do recurso por um indivíduo diminui a utilidade para os outros usuários (Gico Jr., 2014).
[3] Art. 5º. [...]
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
[4] Art. 291. A toda causa será atribuído valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediatamente aferível.
[5] Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
(...)
§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I - o grau de zelo do profissional;
II - o lugar de prestação do serviço;
III - a natureza e a importância da causa;
IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.