As micro e pequenas empresas e as licitações

01/10/2018 às 15:53
Leia nesta página:

Este artigo tem por intuito analisar a previsão legal introduzida pela LC 123/2006 na contratação de MEs e EPPs em certames licitatórios junto à Administração Pública; suas particularidades, críticas e alguns resultados desde sua implementação.

INTRODUÇÃO

As micro e pequenas empresas vêm representando através dos anos uma grande porção não só da força produtiva do país, mas também de empregabilidade.  

Em estimativa feita pelo SEBRAE no ano de 2018, as Microempresas (MEs) e Empresas de Pequeno Porte (EPPs) são hoje responsáveis por 98,5% dos empreendimentos brasileiros, com uma participação de 27% no Produto Interno Bruto (PIB), empregando 54% da mão de obra formal do país.

No ano de 2006 foi promulgada a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas (lei complementar 123/2006), trazendo grandes avanços para os empreendedores enquadrados nestas categorias.

1. DA DEFINIÇÃO DE MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE

Consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte, segundo o caput do art. 3º da LC 123/2006, “a sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil Brasileiro), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que dentro dos limites de receita bruta especificados pela legislação do Simples”.

Mas não há apenas uma forma de classificação. Há pelo menos três critérios utilizados para definição destas categorias de empresa.

 1.1. Faturamento

Utiliza o critério da Lei 123/2006. Nos incisos de seu art. 3º é considerado:

“I - no caso da microempresa, (...) em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e

II - no caso da empresa de pequeno porte, (...) em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais).”  

1.2. Empregabilidade

O SEBRAE adota a classificação por empregabilidade, onde Microempresas empregam até 9 pessoas no setor de serviços e até 19 no setor de construção ou industrial. As Pequenas Empresas empregam entre 10 até 49 pessoas para comércio e serviços e 20 a 99 para construção e indústria.

1.3. Receita

O padrão adotado pelo BNDES para concessão de crédito considera que uma microempresa deve ter faturamento bruto anual até de R$ 2,4 milhões (dois milhões e quatrocentos mil reais) e pequenas empresas acima deste valor inicial e R$ 16 milhões (dezesseis milhões).

A alteração do status da empresa como ME ou EPP dependerá, portanto, da alteração do status da empresa frente aos critérios acima apresentados.

 também fatores adjacentes que podem desclassificar empresas com estes critérios da categoria das micro e pequenas empresas, que se encontram no art. 3º § 4º e incisos seguintes da LC 123/2006. Cite-se como exemplo, pessoas jurídicas com sede no estrangeiro ou com participação de outras pessoas jurídicas, empresa surgida de cisão nos 5 anos anteriores ou cujo objeto de trabalho seja produto financeiro, como casas de câmbio ou seguradoras.

2. DO TRATAMENTO DIFERENCIADO A MEs E EPPs

A Lei 123/2006 surgiu trazendo diversas vantagens aos empreendedores de micro e pequenas empresas (MPEs). Dentre os principais:

2.1 A desburocratização para abertura, manutenção e fechamento de uma MPE.

O tratamento facilitado tanto na abertura quanto no encerramento garante agilidade aos pequenos empreendedores, que podem dar baixa nos registros em órgãos públicos de empresas que estejam há mais de 3 anos sem movimento, independente de quitação de débitos tributários, taxas ou multas referentes a estes períodos.

2.2.O Super Simples, em vigor desde 1º de julho de 2007.

Em um instrumento de arrecadação única se pode recolher mensalmente IRPJ, IPI, CSLL, PIS, Cofins, ICMS, ISS. Estima-se que há vantagem tributária em mais de 90% dos casos de optantes do Simples Nacional, sendo este número maior no caso de comércio e indústria.

2.3. Facilidades na esfera trabalhista.

As microempresas e as empresas de pequeno porte são dispensadas da afixação de Quadro de Trabalho em suas dependências; de empregar e matricular seus aprendizes nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem; da posse do livro intitulado “Inspeção do Trabalho”; da anotação das férias dos empregados nos respectivos livros ou fichas de registro e de comunicar ao Ministério do Trabalho e Emprego a concessão de férias coletivas.

2.4. Tratamento diferenciado em licitações públicas.

Complementarmente, dentro dos muitos fatores aqui não nomeados, entre facilidades de negócios e vantagens tributárias, regulamentou-se pelo Decreto 6.204/2007, depois substituído pelo Decreto 8538/2015, o tratamento favorecido das MPEs nas contratações públicas de bens, serviços e obras, com abrangência nacional e aplicado a contratações públicas da Administração direta e indireta, autárquica e fundacional, federal, estadual e municipal. Este assunto será abordado mais extensamente a partir do tópico seguinte.

3. DO TRATAMENTO DIFERENCIADO DAS MPEs NAS LICITAÇÕES PÚBLICAS

Muito se discute quanto ao tratamento diferenciado imposto pela Lei na participação das MPEs em licitações públicas. Considerando-se que na questão da licitação a igualdade é primordial na garantia dos direitos das partes, como ficaria este tratamento desigual?

Aqueles que defendem o tratamento desigual, como a Dra. Irene Nohara (2007), argumentam que aos desiguais deve-se tratar desigualmente, para dirimir as diferenças que levariam ao prejuízo dos menos capacitados. Assim sendo, as MPEs deveriam ter alguns benefícios para que pudessem igualar-se a empresas de maior porte e poderio econômico.

A própria Constituição Federal reforça este entendimento nos artigos 170, inciso IX e 179, respectivamente:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

Os juristas que se opõem, atestam que qualquer favorecimento deveria acontecer até o ponto de garantia da isonomia, a partir do qual, o tratamento diferenciado geraria um favorecimento desigual. Marçal Justen (2007, p.21) defende que “somente serão válidos os benefícios instituídos em prol das MEs e EPPs que sejam aptos a assegurar a neutralização das diferenças por elas apresentadas em face das grandes empresas".

Há ainda argumentos além, do próprio Justen (2007, p.34) e de Brazuna (2009, p. 22), que atestam pela inconstitucionalidade da lei, defendendo que “não existe razoabilidade nem proporcionalidade, sequer abstratamente, entre o favorecimento às MEs e EPPs e a realização daqueles objetivos, o que torna, de plano, inválida a maior parte das regras da LC 123/2006 ora examinadas”.

Isto posto, é possível verificar na própria Lei a limitação ao tratamento diferenciado em seu art. 49, com redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014:

Art. 49. Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando:

II - não houver um mínimo de 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório;

III - o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado;

IV - a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, excetuando-se as dispensas tratadas pelos incisos I e II do art. 24 da mesma Lei, nas quais a compra deverá ser feita preferencialmente de microempresas e empresas de pequeno porte, aplicando-se o disposto no inciso I do art. 48.”                   

Assim, se não houver vantagem para o Poder Público, ou mesmo representar prejuízo a este, não houver um mínimo de 3 empresas habilitadas na categoria, não há obrigatoriedade na aplicação do tratamento diferenciado.

4. DA PARTICIPAÇÃO DE MPEs EM LICITAÇÕES PÚBLICAS

Segundo informações constantes do relatório do Ministério do Planejamento, as MPEs foram responsáveis por 21% de todas as licitações públicas feitas no ano de 2012. No ano de 2008 chegaram a responder por 32% do total de licitações.

As regras de participação das MPEs nas licitações públicas estão previstas no capítulo V, intitulado “Do acesso aos Mercados”, na sua seção única, “Das Aquisições Públicas”.

Dentre as particularidades, pode-se destacar que:

- Havendo alguma restrição na comprovação da regularidade fiscal e trabalhista, será assegurado o prazo de cinco dias úteis, cujo termo inicial corresponderá ao momento em que o proponente for declarado vencedor do certame, prorrogável por igual período, a critério da administração pública, para regularização da documentação, para pagamento ou parcelamento do débito e para emissão de eventuais certidões negativas ou positivas com efeito de certidão negativa;

- Há vantagem de preço para as MPEs, quando os valores forem iguais ou até 10% superiores à proposta mais bem classificada, considerando-se empate neste caso, quando a licitação tiver por critério menor preço;

- No caso de pregão, a proporção adotada foi de 5%. Neste caso, quando encerrados os lances, o pregoeiro deve também oferecer à MPE melhor classificada a possibilidade de refazer sua proposta num tempo máximo de cinco minutos.

A Lei também prioriza a participação de MPEs em algumas circunstâncias específicas relacionadas às licitações, enumeradas nos três incisos do art. 48:

- Participação exclusiva em itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);

- Em relação aos processos licitatórios destinados à aquisição de obras e serviços acima deste valor, a possibilidade de exigir dos licitantes a subcontratação de microempresa ou empresa de pequeno porte.

- Em licitações de natureza divisível, ou seja, quando a compra pode ser dividida em várias partes, a obrigatoriedade dos órgãos públicos de estabelecer cotas de 25% para contratação de MPEs.

Obviamente que, quando não há exigibilidade de licitação, as MPEs também podem participar da contratação, desde que os valores sejam compatíveis com a estrutura financeira dessas empresas.

O art. 11 do Decreto 8.538/15, por sua vez, deixa bem claro que “os critérios de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte deverão estar expressamente previstos no instrumento convocatório”, para que não seja alegada a inconstitucionalidade deste tratamento.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

CONCLUSÃO

Nem todas as MPEs consideram vantajoso trabalhar com o poder público, devido aos conhecidos atrasos nos pagamentos dos valores contratados e a falta de capital de giro para suportar tais atrasos. Aqueles que consideram trabalhar com o poder público um bom negócio mencionam os valores e a quantidade de trabalho como fatores positivos.

Segundo o Ministério do Planejamento, de 2006 a 2012 a participação das MPEs nas compras governamentais variou entre R$ 9,7 bilhões e R$ 15,4 bilhões do valor global de R$72,6 bilhões na aquisição de bens e serviços. Proporcionalmente, essa participação oscilou entre 19% e 44% nesse mesmo período. Ressalta-se que, na comparação entre os anos de 2012 e 2007, o crescimento desse segmento empresarial nas contratações públicas alcançou 45%.

Em matéria de jurisprudência, o TCU vem se manifestando favoravelmente à questão da exclusividade prevista na Lei. É claro que se faz necessária uma análise criteriosa para que fraudes sejam evitadas, bem como nas demais categorias licitatórias.

A licitação pública tem como objetivo selecionar as propostas com maior vantagem para a Administração Pública com o uso de recursos públicos e a Lei 123/2006 não parece objetar em seus artigos este intuito.

Até o momento conclui-se, portanto, que a lei tem boa intenção, tratando desiguais de maneira desigual e desta maneira promovendo a isonomia, e fomentando o desenvolvimento econômico e tecnológico no país.

REFERÊNCIAS

BOMFIN, Ana Paula Rocha do. Comentários ao Estatuto Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – LC 123/2006. 1. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

BRASIL, Decreto 8.538 (2015). Regulamenta o tratamento favorecido, diferenciado e simplificado para as microempresas, empresas de pequeno porte, agricultores familiares, produtores rurais pessoa física, microempreendedores individuais e sociedades cooperativas de consumo nas contratações públicas de bens, serviços e obras no âmbito da administração pública federal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8538.htm.

BRASIL, Lei Complementar 123 (2006). Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Disponível em http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/LCP/Lcp123.htm.

BRASIL, Ministério do Planejamento. Informações Gerenciais de Compras e Contratações Públicas: Micro e Pequenas Empresas. Brasília, 2012. Disponível em http://www.comprasnet.gov.br/ajuda/manuais/02-01_a_12_informativo%20comprasnet_mpe.pdf

BRAZUNA, José Luis Ribeiro. Lei complementar nº 123/2006: inconstitucionalidade dos benefícios para microempresas e empresas de pequeno porte em licitações públicas. Fórum de Contratação e Gestão Pública, Belo Horizonte, v. 8, n. 94, out. 2009.

LIMA, Jonas. Lei Complementar 123/06 Aplicações. 1. Ed. Curitiba: Negócios Públicos, 2008

JUSTEN FILHO, Marçal. O estatuto da microempresa e as licitações públicas. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2007, p. 122

LIMA, Jonas. Implicações da nova Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas nas licitações. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1241, 24 nov. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9211>.

NOHARA, Irene Patrícia. Direito Administrativo. 4ª ed.; vol. 2, São Paulo: Atlas, 2007.

SEBRAE. Perfil das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. Brasília, 2018. Disponível em http://www.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/UFs/RO/Anexos/Perfil%20das%20ME%20e%20EPP%20-%2004%202018.pdf

VIVAS, Rodrigo Cesar Aguiar. Contrapontos à Jurisprudência do TCU no que tange ao limite para adoção de licitação exclusiva para as microempresas, cooperativas e empresas de pequeno porte. Brasília: Conteúdo Jurídico, 2013.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Ana Carolina Paes de Mello

Advogada especialista na área de Direito Empresarial

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos