1. INTRODUÇÃO
Seja na modernidade, seja na antiguidade, a repressão do assédio sexual é de extrema importância social não apenas para mulher, que era tida como o “sexo frágil”, a mão de obra mais barata (dada pela sociedade machista), mas sim para qualquer pessoa que esteja em um vínculo empregatício e esteja situado em uma situação estamental inferior em face de ultrajes cometidos por pessoas hierarquicamente superiores no meio laboral.
Inúmeras propostas de incriminação do assédio sexual foram discutidas no Brasil, sendo a primeira em 1997, proposta pela senadora Benedita da Silva. Todas visavam o bom desenvolvimento das relações de trabalho, e finalmente, em 15 de maio de 2001, a lei 10.224 inseriu no Código Penal Brasileiro o artigo 216-A, introduzindo o crime de Assédio Sexual no Brasil.
Posteriormente, poderá perceber-se que o tipo penal não apenas tutela a liberdade sexual, mas também a honra da pessoa humana, que fica sujeita a condições constrangedoras a fim de proteger a fonte de renda, ou seja, a renda que alimenta a família da vítima, pois se a mesma não cumprir o que seu superior determinou, ela será punida de alguma forma.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 ASSÉDIO SEXUAL
O assédio sexual, muitas vezes, é usado por pessoas leigas para se referir a qualquer importunação de cunho sexual. Entretanto, para o Direito, tem um significado bastante específico, presente no Código Penal Brasileiro de 1940:
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena – detenção, de 1(um) a 2 (dois) anos.
Assim, fica claro que para ser caracterizado como o crime de Assédio Sexual, é necessário que haja um vínculo de subordinação hierárquica em um vínculo laboral, para constranger a vítima a ter com ele algum tipo de contato sexual. Mas para isso, é necessário que haja uma ameaça, seja feita de forma explícita ou implícita, através da relação de poder entre o chefe e o subordinado, em casos como, se a vítima não aceitar o convite de ter um contato sexual com seu superior, ela vai acabar sofrendo algum tipo de ação prejudicial produzida como vingança, como ser demitida, rebaixada de cargo, transferência, etc.
2.2 VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Como visto, para caracterizar o crime de assédio sexual é preciso que o assediador seja superior hierárquico baseado numa relação de trabalho, emprego ou função. Assim, em uma relação professor e aluno, por exemplo, não haverá nunca a ascendência hierárquica laboral, resultante de vínculo de trabalho, não há a tipificação do crime.
Apesar de o mencionado crime poder ser cometido tanto por homens quanto por mulheres, e de existirem casos de assédio de mulheres assediadoras para com seus subordinados, é um fato que os cargos de chefia são exercidos na sua maioria por homens, assim as maiores vítimas de assédio continua sendo as mulheres.
A violência de gênero caracteriza-se como um fenômeno amplo que atinge mulheres, crianças e homens, independente de idade, grau de instrução, classe social, raça/etnia e orientação sexual. Este fenômeno está relacionado ao poder, por onde de um lado impera o poder legitimado socialmente dos homens sobre as mulheres e de outro, está amparado por uma ideologia dominante que lhe dá sustentação. Portanto, se faz relevante demonstrar como a relação entre gênero e patriarcado é fundamental para manutenção da violência de gênero.
Na lição da autora Victoria Barreda acerca da construção do gênero na sociedade:
[...] o gênero pode ser definido como uma construção social e histórica de caráter relacional, configurada a partir das significações e da simbolização cultural de diferenças anatômicas entre homens e mulheres. [...] Implica o estabelecimento de relações, papeis e identidades ativamente construídas por sujeitos ao longo de suas vidas, em nossas sociedades, historicamente produzindo e reproduzindo relações de desigualdade social e de dominação/subordinação (1992, p. 20).
Portanto, a gênese da violência de gênero, desenvolve-se a partir desta definição social do papel do homem e da mulher. Há uma atribuição de papéis diferentes para o homem e para a mulher em toda sociedade. No entanto, essa distinção passa a ter uma natureza discriminatória quando passa a valorizar uma atribuição em detrimento de outra. Na sociedade ocidental há uma incontestável elevação do papel masculino em relação ao feminino. Com isso, os papéis historicamente impostos tanto para mulheres e homens e estimulados pelo patriarcado e suas ideias, impulsionam cada vez mais essa relação violenta dentre os sexos.
Todavia, a conceituação da violência de gênero tem por finalidade abranger a universalidade do seu termo de forma abstrata, sendo construída no âmago das densas relações de poder e demonstra a impotência de quem a executa para praticar a dominação-exploração.
Por fim, fica claro que a violência de gênero não pode ser reduzida como a violência contra a mulher. Há uma distinção da violência de gênero em relação as demais formas de violência, pois possui uma maior dimensão e não indica o vetor dominação-exploração a um único alvo. Isto posto, pode-se dizer que o poder é exercido sobre a categoria que detém menor poder, objetivando o seu controle.
2.3 RELAÇÕES DE PODER
No contexto do presente trabalho é importante salientar o significado de “poder”, sendo este o domínio ou controle sobre algo ou alguém, aquele possuidor de força física ou moral, entre outros.
A relação de poder é uma das questões mais importantes, já que é ela que qualifica o assédio sexual. Diante disso, nessa relação a pessoa com nível hierárquico superior constrange a vítima e muitas vezes por temer perder o emprego, está se submete ao assédio. É importante destacar que a maioria dos casos documentados tem como o sujeito ativo o homem e o sujeito passivo a mulher, apesar disso relata-se muitos casos em que os sujeitos são do mesmo sexo ou até mesmo o sujeito ativo seja mulher e o passivo homem.
Como dito anteriormente, a maioria dos casos relatados de assédio sexual tem as mulheres como vítimas e o motivo disso é que a sociedade é estruturada em um modelo patriarcal onde este inferioriza a mulher, mas só as mulheres serem as pessoas assediadas não passa nem de longe em ser uma regra. Qualquer pessoa pode sofrer assédio sexual em uma relação de trabalho e a porcentagem de casos tem crescido drasticamente no Brasil. Claro que, há poucas décadas atrás as pessoas não relatavam o que acontecia com elas e com o incentivo da denúncia, estas começaram a denunciar, botando os assediadores em cheque.
É importante salientar que em uma relação de trabalho é natural que o chefe tenha “poder” conferido ao empregado. entretanto, nestes casos em específicos, o poder excede a esfera do trabalho e a pessoa que tem o cargo superior em relação a outra, aproveita dessa condição e força a vítima a fazer o que deseja. Isso pode se dar por meio de chantagem, intimidação, entre outros.
De certa forma, essa questão é mais comum do que muito se imagina. Levando em consideração a dificuldade que a população brasileira tem de conseguir um emprego que supra suas necessidades, muitos se submetem a esse tipo de assédio a fim de manter o cargo no âmbito do trabalho.
3. COMO A SOCIEDADE SE COMPORTA?
O assédio sexual já acontece há bastante tempo, pode-se dizer que o mesmo surgiu assim que surgiram as relações de poder, onde via-se aquele que detinha certo poder sobre o outro, se aproveitando de seu nível hierárquico para assediá-lo sexualmente. Em seu surgimento, as vítimas de assédio eram apenas mulheres, pois, por conta da cultura patriarcal e a desvalorização da mulher, apenas os homens exerciam funções de chefia, sendo as mulheres, sempre subordinadas a estes. Nessa época as mulheres não tinham muita credibilidade, dessa forma, a sociedade não a levaria a sério caso esta se manifestasse para denunciar, além que acabaria perdendo sua fonte de renda, e por conta desses fatores ficavam vulneráveis aos seus chefes.
Pelo fato de acontecer apenas com mulheres, o assédio era relacionado diretamente ao gênero, do autor e da vítima, pois na época em que surgiu as mulheres não ocupavam cargos de liderança pelos motivos que já foram citados anteriormente. Então, era pensado que só acontecia assédio de homens em mulheres.
Os casos de assédio continuaram crescendo com o passar dos tempos, e a sociedade ainda via como algo normal, porém, as mulheres lutaram por seus direitos e já tinham mais respeito. Por conta disso não sentiam mais medo de expor a situação que estavam passando, mas ainda assim não acontecia nada com os autores do assédio.
Com o passar dos tempos, as mulheres conquistaram bastante destaque na sociedade, mostrando que elas não são inferiores aos homens, ocupando cargos de maior patente, surgindo então casos de assédio onde a parte autora era do sexo feminino. A ocorrência desses fatos quebrou a teoria de que o assédio sexual acontecia por causa do gênero, reforçando a teoria de que acontecia por conta das relações de poder, de quem estava no comando.
A sociedade também evoluiu, por conta de movimentos que tratam desse tema e das diversas manifestações que já ocorreram por causa dele. Dessa forma a sociedade em sua maioria repugna esse tipo de atitude.
Mesmo com o avanço da sociedade, são corriqueiros os casos de assédio sexual, pelo fato de quase sempre não haver uma punição devida ao autor. A sensação de impotência da vítima é um dos motivos de quase nunca esta denunciar o assédio e por conta disso os números continuam aumentando.
4. EXEMPLOS
Dia a dia, mais e mais casos que envolvem situações de assédio sexual vêm adquirindo destaque na mídia brasileira e internacional, fazendo romper com o silêncio dos homens e mulheres vítimas deste crime tão constrangedor, que viola a intimidade, a dignidade da pessoa humana, a liberdade.
Casos como o de um encarregado de uma empresa de ônibus que assediava as funcionárias subordinada a ele, até que uma delas resolveu denunciar. A vítima contou que o superior, além de encarregado, assumia a função de motorista, dizia que só assinaria sua carteira de trabalho se aceitasse dormir com ele, além de ligar diversas vezes por dia, e que quando ela não atendia ao celular o seu chefe lhe dava advertência por escrito e ameaçava “sujar” sua carteira, e ainda, como a vítima não aceitava ficar com ele, recebeu o apelido de “nó cego”.
Situações de assédio sexual não são fáceis de comprovar, nos autos em questão a testemunha apresentada pela vítima confirmou que o chefe dava em cima das mulheres da turma que trabalhava com ele e que o mesmo ligava para ela “atrás de outras coisas” (palavras da testemunha que denotavam favores sexuais), o que também foi relatado pela vítima em depoimento pessoal. Assim, foi comprovado o assédio sexual e reputado indenização a ser paga para vitima no valor de R$40.000,00 (quarenta mil reais) por danos morais, cujo valor arbitrado seria para atender a dupla função, quais foram: de reparar danos buscando minimizar a dor da vítima e de punir o ofensor para que não reincidisse.
Outra situação foi da condenação do Unibanco pela 9ª Turma do TRT -4, que atendeu a reclamação da vítima, funcionaria que atuava como assistente administrativo em vinculo claro de subordinação, que sofrera assédio moral e sexual do Gerente da agencia, Sr. Denilson, que usava expressões que a constrangiam diante dos colegas. Em outras ocasiões, passava a mão na coxa da vítima, entrava em site pornô na frente da mesma e ficava comparando com ela. Contou uma testemunha que os fatos aconteciam com outras empregadas também. Contudo no juízo de 1º grau a conduta do gerente não foi tipificada como assédio sexual, o que fez com que a vítima recorresse ao 2º grau, que reformou a sentença e condenou em indenização por assédio moral no valor R$20.000,00 em razão da conduta desrespeitosa do gerente para com a funcionaria e assédio sexual por ter encostado no corpo da reclamante, lhe causando constrangimento e situação vexatória, reputando indenização de R$40.000,00. Ainda pendem de julgamento embargos de declaração. (Proc. nº 0074600-25.2007.5.04.0029).
5. CONCLUSÃO
Ao longo de tudo o que foi dissecado nestas poucas linhas, não restou dúvidas de que o crime de assédio sexual está intrinsicamente relacionado com as relações de poder. Apesar de a figura do homem como parte ativa e a mulher como parte passiva neste tipo de crime ter se mantido ao longo das décadas, esta situação não se manteve por muito tempo. Hoje, as mulheres conquistaram a muito custo seu espaço na sociedade, passando a ocupar cargos de liderança, o que as colocou na mesma condição do homem na prática do crime de assédio sexual.
A inserção do Art. 216-A no nosso ultrapassado Código Penal de 1940, por meio da lei 10224/2001, já pode ser considerado um avanço a esse entendimento da questão do gênero nas relações de poder, não se podendo mais dizer que só o homem é o único apto a prática desse tipo penal.
Entretanto, muito ainda precisa ser feito, para se garantir que os autores, desse tipo de crime, sejam devidamente punidos. É certo que a quantidade de casos denunciados está muito abaixo do que é verdadeiramente praticado. Como se trata de um crime praticado em sua maior parte no ambiente de trabalho, o funcionário que encontra-se em uma posição hierarquicamente inferior, sofrendo represálias por medo de perder o emprego, na maior parte dos casos, prefere se omitir e não denunciar. Além do mais, na maioria das vezes, é um crime que ocorre fora da visão dos expectadores, dificultando a sua comprovação.
Assim, por tratar-se de crime condicionado a representação, se faz necessário que as vítimas não se intimidem e denunciem tais abusos praticados por seus superiores hierárquicos. Também é de suma importância que os órgãos responsáveis em atender tais vítimas estejam capacitadas para dar todo suporte necessário para que as mesmas se sintam seguras e não mais vitimizadas, que é o que geralmente acontece. A sociedade tem que abraçar essa bandeira e jamais aceitar passivamente esse tipo de crime como algo normal. Independente do gênero, todos devem ser respeitados e ter seus direitos garantidos, pois qualquer crime cometido contra um cidadão é lesivo para a sociedade como um todo.
REFERÊNCIAS
ASSÉDIO SEXUAL DÁ ORIGEM À VÁRIOS TIPOS DE PROCESSOS TRABALHISTAS. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI25841,11049-Assedio%20sexual%20da%20origem%20a%20varios%20tipos%20de%20processos%20trabalhistas>. Acesso em: 01 de setembro de 2018
BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Vade mecum. São Paulo: Saraiva, 2018.
Rearticulando gênero e classe social. In: COSTA, A.O.; BRUSCHINI, C. (Orgs.) Uma Questão de gênero. São Paulo; Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992.
TRT. 29ª VARA DO TRABALHO DE PORTO ALEGRE. Processo Nº 0074600-25.2007.5.04.0029, Cristiane Litera Azevedo x UNIBANCO.