A hediondez do crime de extorsão mediante sequestro

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As consequências da hediondez

Sabendo isso, devemos então entender quais são as consequências, penais e processuais penais, da hediondez.

Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

I - anistia, graça e indulto;

II – fiança

A primeira consequência que logo de cara nos surge está prevista no artigo 2º da Lei 8.072/90: é a proibição da anistia, graça e indulto.

Sabemos que estas são causas extintivas de punibilidade, previstas no inciso II do artigo 107 do Código Penal. A anistia é forma que o Estado tem de renunciar ao seu direito de punir; como visto com o fim da ditadura, já que foi concedida a vários membros do Governo que se envolveram em diversos crimes, ela costuma perdoar crimes políticos, mas também pode ser dada para crimes comuns. É a União quem possui competência para conceder a anistia, de acordo com o art. 21, XVII, da Constituição Federal.

A graça e o indulto, por sua vez, também são formas do Estado, através do Presidente da República, de recusar ao seu ius puniendi, perdoando a prática de crimes. Diferentemente da anistia, porém, os crimes não costumam ter cunho político. Por sua vez, o que diferencia a graça do indulto é que a primeira é concedida individualmente, a alguém específico, enquanto o indulto é concedido de maneira coletivo a fatos determinados pelo Presidente, normalmente por meio de decreto.

A Constituição Federal não prevê que os crimes hediondos e equiparados a hediondos sejam insuscetíveis de indulto, como se denota de seu art. 5º, inc. XLIII. Porém, a Lei 8.072/90 propôs uma vedação além da prevista, proibindo, além da graça e da anistia, o indulto. Assim, surgiu uma discussão na doutrina, com duas correntes: a primeira defende a inconstitucionalidade do inciso I da Lei 8.072/90, por propor vedação e limitação não prevista pela nossa Carta Magna, indo flagrantemente contra essa. Já a segunda defende que a expressão graça da Constituição deve ser interpretada latu sensu, abrangendo também o instituto do indulto. Ocorre que a Lei nº. 9.455/97, que definiu os crimes de tortura, não proibiu a concessão de indulto para tais infrações. De tal maneira, a omissão do legislador levou a uma discussão doutrinária se o indulto poderia ser concedido ou não em casos de crimes de tortura.

A segunda consequência da hediondez é a proibição da concessão da fiança, como prevê o inc. II do art. 2º da Lei 8.072/90. Anteriormente, também era proibida a concessão de liberdade provisória, mas tal decorrência foi afastada pela Lei nº. 11.464/2007. Já em 1996, João José Leal criticava:

Aqui, mais uma vez, a norma ordinária afrontou os princípios constitucionais que tratam da matéria. O primeiro deles é o que estabelece, como garantia fundamental, o direito inalienável de ninguém ser mantido na prisão, “quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança” (artigo 5º, inc. XLVI). A liberdade provisória, portanto, é um direito fundamental.[16]

A consequência que restou depois de tal mudança legislativa foi a manutenção da possibilidade de concessão de liberdade provisória para as infrações penais da Lei de Crimes Hediondos. O que ocorre é que a lei proíbe que tal instituto ocorra com a fiança. Como a própria Constituição prevê a concessão de liberdade provisória sem fiança, em seu art. 5º, LXVI, esse regime ainda existe.

O § 1º do art. 2º da Lei nº. 8.072/90 sofreu uma importante alteração em razão da Lei nº. 11.464/07.

§ 1o  A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.

Antes, determinava que as penas pelos crimes previstos no art. 2º seriam cumpridas integralmente em regime fechado; com a alteração, passou-se a exigir que as penas fossem cumpridas inicialmente em regime fechado, permitindo a progressão de regime, sob a égide do § 3º, após o cumprimento de ⅖ (dois quintos) da pena para o condenado primário e ⅗ (três quintos) para o reincidente. Porém, uma mudança ocorrida em 27 de junho de 2012 passa, muitas vezes, despercebida. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão extraordinária, concedeu o Habeas Corpus 111.870 e declarou a inconstitucionalidade de §1º do art. 2º da Lei de Crimes Hediondos, já alterado pela Lei nº. 11.464/07.

De tal maneira, essa decisão permitiu que aos casos futuros o julgador, se possível, fixe um regime inicial de pena diverso do fechado a todas as infrações previstas na Lei nº. 8.072/90. Além disso, como beneficia o réu e em respeito ao princípio da retroatividade, ela atinge todas as condenações transitadas em julgado ou pendentes de recurso, para que seja aplicada.

O § 2º do art. 2º da Lei nº. 8.072/90 também teve sua redação modificada pela Lei nº. 11.464/07.

§ 2o  A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.

Ele estabelece, portanto, uma regra específica para a progressão do regime de pena nos casos de crimes hediondos. A regra geral da progressão está prevista no § 2º do artigo 33 do Código Penal. Outros elementos que devemos lembrar sobre a progressão é que ela não pode ocorrer “por salto”, isto é, passar do regime fechado ao aberto, sem antes cumprir pena no regime semi-aberto e que não é mais obrigatório o exame criminológico para fins de progressão de pena.

Isto posto, suponhamos que certo agente tenha sido condenado à pena máxima do crime de extorsão mediante sequestro com resultado morte, trinta anos de reclusão em regime fechado. Com isso, se o condenado for e cumprir com bom comportamento o lapso de tempo exigido pela lei, ele passará ao regime semi-aberto. Como são necessários 2/5 (dois quintos) de tempo de cumprimento de pena para esta situação apresentada, a progressão ocorrerá após 12 (doze) anos de prisão. Lembremos também que “pena cumprida é pena extinta”, motivo pelo qual o segundo cálculo de progressão será feito em base ao tempo restante de cumprimento, ou seja, 18 anos.

Determina o § 3º do art. 2º da Lei nº. 8.072/90, com redação dada pela Lei nº 11.464/2007, que:

“§ 3o  Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. ”

Esse parágrafo dá a incorreta ideia de que a regra geral é que o condenado será mantido preso e só poderá recorrer em liberdade se o juiz assim consentir. Porém, o sentenciado que interpor o recurso, em regra, apelará em liberdade. Só é admitida a prisão se estão presentes os requisitos da prisão preventiva, caso em que o condenado já respondeu o processo preso. Nessa situação, deverá o juiz fundamentar o porquê de não conceder a apelação em liberdade. O que ordena a fundamentação da decisão judicial é a exigência de nossa Carta Magna, no inciso IX do art. 93.

Caso o condenado respondeu o processo em liberdade, ele apelará em liberdade, salvo se presentes os requisitos da prisão preventiva. De qualquer maneira deverá o juiz fundamentar a decisão que concedeu ou não o direito ao réu de apelar em liberdade.

A prisão temporária, de natureza cautelar, é prevista no § 4º da Lei nº. 8.072/90 e deve ser interpretada com base no que dispõe a Lei nº. 7.960/89, que trata de tal instituto.

§ 4o  A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei no 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

Esse parágrafo também teve a redação dada pela Lei 11.464/2007. A prisão temporária deve ocorrer quando fundamental para o bom andamento das investigações do inquérito policial; ou quando o indiciado não tiver moradia fixa ou não a indicar; ou se houver fundadas razões de que o indiciado é autor ou partícipe do crime. Apesar de poder ser prorrogada por 30 (trinta) dias no caso do cometimento de crimes hediondos, decorrido seu prazo deve o preso ser imediatamente colocado em liberdade.

O art. 3º da Lei nº. 8.072/90, sanciona:

Art. 3º A União manterá estabelecimentos penais, de segurança máxima, destinados ao cumprimento de penas impostas a condenados de alta periculosidade, cuja permanência em presídios estaduais ponha em risco a ordem ou incolumidade pública.

Observe-se que ele deve ser interpretado à luz da Lei nº. 11.671/2008, que dispõe sobre a transferência e a inclusão de presos em estabelecimentos federais de segurança máxima. Rogério Greco, mais uma vez claríssimo, lembra:

A inclusão do preso em estabelecimento penal federal de segurança máxima é de natureza excepcional, devendo, ainda, ser determinado o prazo de sua duração, que não poderá ser superior a 360 (trezentos e sessenta) dias, podendo ser renovado, também excepcionalmente, quando o solicitado motivadamente pelo juízo de origem, observados os requisitos de transferência.[17]

O art. 5º da Lei de Crimes Hediondos adiciona um inciso ao artigo 83 do Código Penal, que prevê os requisitos necessários à concessão do livramento condicional:

Art. 5º Ao art. 83 do Código Penal é acrescido o seguinte inciso:

"Art. 83.

(...)

V - Cumprido mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza. ”

O legislador achou apropriado aumentar o prazo necessário para a concessão de livramento condicional nos casos em que são cometidos crimes hediondos, sem, porém, excluir os outros requisitos. Logo, o agente que cometer uma infração no rol da Lei nº. 8.072/90 deverá se submeter às condições cabíveis e não reiteradas, previstas nos incisos do artigo 83 do Código Penal, quais sejam:

  1. O tempo mínimo de pena aplicado ao condenado deve ser igual ou superior a dois anos, mesmo que somadas, nos termos do art. 84 do Código Penal;
  2. Comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto;
  3. Ter reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração;
  4. Ter cumprido mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza
  5. Crimes cometidos com violência ou grave ameaça a pessoa.

O requisito específico para esse agente é, portanto, o do inciso V do art. 83 do Código Penal. Não pode se submeter ao regime dos incisos I e II desse artigo, que determinam que o condenado deve cumprir mais de um terço da pena se não for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes e mais da metade se reincidente em crime doloso, respectivamente. O que particularmente salta aos olhos, além do aumento do cumprimento de pena, é o regime da reincidência específica. Isso é entendido por parte da doutrina como se referindo à crimes da mesma natureza, ou seja, crime hediondos, terrorismo, tráfico de drogas ou tortura. Logo, para essa visão, seria reincidente específico sujeito que cometa um dos crimes previstos na Lei n. º 8.072/90 e, depois de transitada em julgado a condenação, cometa outro crime do rol da mesma Lei, ainda que diverso. Por exemplo, quem foi condenado por terrorismo e depois cometeu estupro.

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Outra visão defende que a reincidência específica trata somente de crimes que se referem a bens jurídicos iguais. Logo, num caso em que o agente é condenado por terrorismo e depois comete estupro não incide tal requisito para a concessão do livramento condicional.

O art. 6º da Lei nº. 8072/90 aumentou as penas para diversos crimes considerados hediondos, a destacar: do crime de roubo (art. 157, §3º CP) se resulta lesão corporal grave, reclusão de cinco a quinze anos além da multa, se resulta morte, reclusão de vinte a trinta anos; da extorsão mediante sequestro (art. 159 e seus §§ 1º, 2º e 3º do CP), respectivamente, pena de reclusão de oito a quinze anos, reclusão de doze a vinte anos, reclusão de dezesseis a vinte e quatro anos e reclusão de vinte e quatro a trinta anos; do estupro (art. 213 do CP), pena de reclusão de seis a dez anos; da epidemia (art. 267 do CP) reclusão de dez a quinze anos e, por fim, do envenenamento de água potável, alimento ou substância medicinal (art. 270 do CP), pena de reclusão de dez a quinze anos. Os artigos 214 e 223 foram revogados do Código Penal pela Lei nº. 12.015/2009.

O artigo 7º da Lei de Crimes Hediondos trouxe a delação premiada na hipótese de crime de extorsão mediante sequestro, inserindo o § 4º ao artigo 159 do CP, anteriormente estudado.

O artigo 8º elaborou qualificou o delito de associação criminosa para casos em que forem praticados crimes hediondos e previu um novo tipo de delação premiada:

Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.

Parágrafo único. “O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.

Para que ocorra tal situação e considerando o artigo 288 do Código Penal, devemos ter alguns elementos, qual a conduta de se associarem (sendo associar o equivalente a uma reunião não eventual de pessoas e com caráter duradouro) três ou mais pessoas com o fim específico de cometer um número indeterminado e constante de crimes. Como é crime formal, já a formação da associação criminosa configurará a infração penal, não sendo necessária a prática de um crime para que se consuma o crime do artigo 288 do CP.

E o participante dessa associação, como bem determina o parágrafo único acima citado, que possibilita o desmantelamento, isto é, a interrupção das atividades ilícitas da associação criminosa, será beneficiado pelo instituto da delação, tendo a pena reduzida de um a dois terços.

4.1. Avaliação sobre a mudança legislativa desde 1990.

A Lei nº. 8.072/90 sofreu diversas modificações com o passar dos anos. Como notamos, foram várias mudanças, seja no rol de crimes previstos como hediondos, seja nas consequências que a hediondez traz. Afinal, como dito anteriormente, a lei foi promulgada em caráter excepcional, perante os clamores da aterrorizada sociedade brasileira dos anos 90 e do sensacionalismo da mídia.

Uma das mudanças que merece ser destacada foi a atualização do rol de crimes hediondos ocorrida em 1994. A origem de tal mudança foi o homicídio da atriz Daniela Perez, filha de Glória Perez. A jovem fora assassinada pelo então ator Guilherme de Pádua e sua esposa, Paula Thomáz. O ocorrido gerou comoção nacional. Somado às chacinas da Candelária e de Vigário Geral, ambas no Rio de Janeiro, tais fatos se tornaram justificativa para uma mudança legislativa, como clamavam a mídia e as diversas campanhas promovidas pela sociedade daquela época. De fato, o abaixo-assinado requerendo a inclusão do homicídio no rol da hediondez, promovida por Glória Perez após o assassinato de sua filha, reuniu mais de 1,3 milhões de assinaturas. Veio, então, a Lei nº. 8.930/94, que modificou a redação do art. 1º, adicionando incisos e considerando como hediondo o crime de homicídio quando praticado por grupo de extermínio, em reflexo às já citadas chacinas, o homicídio qualificado do art. 121 e seus §§ e o crime de genocídio previsto nos artigos 1º, 2º e 3º da Lei nº. 2.889/56, tentado ou consumado.

Percebe-se então que a sociedade e suas súplicas frente às infrações penais que, somadas ao sensacionalismo da mídia, a assustavam, vinham pedir socorro ao Direito Penal para que enfrentasse a criminalização e resolvesse os problemas de segurança pública. Tanto é que foi nesse mesmo ritmo que, no final do ano de 1998, frente à falsificação de medicamentos, como pílulas anticoncepcionais ou remédios para o câncer de próstata, ações promovidas por quadrilhas que se aproveitavam da fraca fiscalização. O resultado já é sabido: mulheres engravidaram, pois, ingeriram a “pílula da farinha” e idosos morreram porque seus remédios eram ineficazes. Frente a isso, mais uma vez a sociedade clamou que as autoridades tomassem alguma atitude. E, de novo, o legislador aumentou o rol das condutas previstas como hediondas, acrescendo o inciso VII – B, pela Lei nº. 9.695/98, com a seguinte redação:

VII-B - Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998)

Vieram também outras modificações relativas ao rol de crimes hediondos, como a Lei 13.142/2015, que incluiu o crime de lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição; e a nova redação dos Crimes contra a Liberdade Sexual, advinda pela Lei nº. 12.015/2009, que modificou os meios de cometimento do crime de estupro, previsto no art. 213 do Código Penal e também adicionou o artigo 217-A, crime de estupro de vulnerável, inserindo o Capítulo II, “Dos Crimes Sexuais contra Vulnerável”, ao Código Penal. Tal mudança legislativa modificou também a Lei de Crimes Hediondos, pois ambos os crimes, ainda que com diversas ações nucleares, já estavam previstos na Lei nº. 8.072/90. Vale destacar, sobre os crimes de estupro e estupro de vulnerável, que a mudança social ocorrida nos últimos anos sobre o que era estupro, graças ao aumento do papel da mulher na sociedade, além da demonstração de que o culpado nesse tipo de crime é, exclusivamente, o agente e não a vítima; foram a raiz para a alteração legislativa.

E, como já destacamos anteriormente, o inciso II e os §§ 1º, 2º e 3º foram alvos de mudança legislativa, por meio da Lei nº. 11.464/2007. Isto ocorreu pois as consequências da hediondez previstas pelo inciso II e pelo §1º feriam princípios do direito penal e do processo penal: a proibição da liberdade provisória no inciso II não observou os incisos LXVI e LXI do artigo 5º da Constituição que, respectivamente, determinam que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança” e “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”; enquanto o § 1º, que obrigava que a pena seria cumprida integralmente em regime fechado, era uma violação clara ao princípio da individualização da pena, consequência do agora citado inciso LXVI do art. 5º da CF e do art. 34 do CP.

Com esta análise, percebe-se que o legislador agiu precipitadamente ao promulgar a Lei nº. 8.072/90, sem antes estudar de maneira profunda quais seriam as consequências da hediondez, se estas estavam de acordo com direitos e garantias fundamentais; quais os crimes mais repugnantes de nosso sistema normativo e se eles merecem o status de hediondo, para evitar exageros, como no caso do inciso VII-B da Lei de Crimes Hediondos, ou proteção hipossuficiente, já que certos crimes são abomináveis, mas nem por isso possuem o status de hediondo, vide a análise sobre extorsão.

Em sua pressa para satisfazer os anseios da população nos anos 90, o legislador abriu espaços para discussões jurisprudenciais e doutrinárias que duram até hoje. A conclusão que podemos fazer sobre a Lei de Crimes Hediondos é que, apesar de ter produzido diversos efeitos e muitas vezes positivos, combatendo o crime, ela não atinge a raiz do problema da segurança pública: a concretização da norma penal. Não é somente a letra da lei que há de resolver a sistemática criminalização no país e a certeza que o criminoso tem de sair impune. A execução penal também deve ser eficaz, punindo de maneira justa o meliante e servindo de exemplo positivo para a população, que deve agir corretamente e cooperar com as entidades públicas e de segurança do país. Caso contrário, teremos uma lei severa, mas instituições enfraquecidas, sem recursos e desmoralizadas, gerando, por exemplo, presídios lotados, com presos que aguardam julgamento e entram para a “escola do crime”, e a sociedade continuará a ver o Direito Penal não como a ultima ratio, mas sim como a primeira forma de combater seus problemas.

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Sobre os autores
Thiago Pereira Gomes Lima

Estagiário do Ministério Público Federal desde Agosto de 2017, atuando na área criminal. Estagiário do Ministério Público de São Paulo entre Março de 2016 e Janeiro de 2017, atuando na área criminal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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