A hediondez do crime de extorsão mediante sequestro

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Conclusão

Verificamos que tanto o Código Penal de 1940 quanto a Constituição, em sua maioria absoluta, pregam as penas relativas à prevenção geral e especial positivas, quando criados. Todavia, o Código Penal, a legislação penal extravagante, com o decorrer do tempo sofreram fortíssima influência dos mandados de criminalização oriundos da política criminal do Movimento Lei e Ordem. Isso muito se deve à banalização dos crimes feita pela mídia, cada vez mais presente nas casas dos indivíduos que compõem a sociedade. Se antes, para sofrerem o mal da violência social, normalmente, era necessário que estivessem fora de suas casas, hoje, basta ligarem algum aparelho de comunicação que receberão uma enxurrada de informações, até mesmo alteradas, visando a surpresa e atenção de seus expectadores. Verdadeiramente, busca-se a expectativa, que cada vez é mais crescente nas sociedades modernas, mas uma expectativa de violência, que grita aos representantes para que tomem as devidas atitudes.

Os representantes do povo, o Congresso Nacional, com um verdadeiro analfabetismo funcional quanto ao ordenamento jurídico, propõem leis totalmente incoerentes com o ordenamento democrático brasileiro, almejando alegações de que buscaram satisfazer as vontades do povo que clamava socorro enquanto estavam amedrontados. Ora, um cão amedrontado morde irracionalmente até mesmo o dono que lhe estende a mão para ajudá-lo. O cão é o povo; os dentes, o Congresso Nacional e o dono bem-intencionado, a Constituição. É notório as agressões ao ordenamento jurídico com a criação de tantas leis inválidas em relação a coerência que o Constituinte Originário vislumbrou. 

Uma das mordidas mais ferozes sofridas é a lei de crimes hediondos. Por mais que o próprio Constituinte Originário tenha estipulado tais crimes na Lei Maior, é importante observar que um dos principais fundamentos que regem toda a República Federativa do Brasil é a Dignidade da Pessoa Humana. Também o Pluralismo Político, mas não o Movimento Lei e Ordem.

Ora, deveria ser ponderado pelo Legislativo, ao elaborarem as leis, que por mais que haja pluralidade de posicionamentos quanto ao tratamento a criminalidade, é valor preponderante a dignidade da pessoa humana, direcionada ao garantismo penal. Esse é o direcionamento que o Constituinte dá nos incisos e parágrafos do artigo 5º, se preocupando em estabelecer diversificados direitos e garantias que assegurem a Dignidade da Pessoa Humana. Daí surgiram muitos princípios que deveriam reger absolutamente todo o ordenamento. Princípios, direitos e garantias que, na criação da lei de crimes hediondos, foram esquecidos, sendo exaltado tão somente uma vertente do Pluralismo Político, qual seja, o Movimento Lei e Ordem.

A Lei de crimes Hediondos é mais uma deformidade, uma ferida que ainda sangra, oriunda de um cão amedrontado. Tanto a mídia, quanto o Legislativo, juristas e aplicadores do direito têm suas parcelas de responsabilidade com os reflexos que virão em tempos futuros. De hemorragia morrerá o dono e o que o substituirá, ao invés de tentar acariciar, especará novamente aquele que um dia foi espancado e, aparentemente, não sabe viver de outro modo. Eis a síndrome do povo brasileiro: ordem e progresso mediante lei e ordem.


Bibliografia

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Notas

[1]LYRA, Roberto. Direito Penal Científico (Criminologia). Rio de Janeiro: José Konfino, 1974, p.37.

[2] LYRA, Roberto. Direito Penal Científico..., p.35.

[3]LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal, Vol. II, Arts. 28 a 74, Companhia Editora Forense, Rio de Janeiro, 1958. p. 11.

[4]ROXIN, Claus. Introdução ao direito penal e ao direito processual penal/ Claus Roxin, Gunther Arzt, Klaus Tiedemann; tradução de Gercélia Batista de Oliveira Mendes; Coord. E Supervisor Luiz Moreira. – Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p.9

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[5]LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal, Vol. II, Arts. 28 a 74, Companhia Editora Forense, Rio de Janeiro, 1958.p. 71 e 72.

[6] LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal, Vol. II, Arts. 28 a 74, Companhia Editora Forense, Rio de Janeiro, 1958.p. 55.

[7]FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 5ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005.Pág 84 e 85.

[8]DAHRENDORF, Ralf. A Lei e a Ordem; Tradução de Tamara D. Barile. -  São Paulo: Instituto Tancredo Neves; Fundação Friedrich Naumann, 1987. Pág. 33

[9] Idem. Pág. 34

[10].Idem. Pág. 111.

[11] GRECO, Rogério. Leis penais especiais comentadas: Crimes hediondos e tortura – Doutrina e jurisprudência, Volume I. Editora Impetus, 1ª edição, 2016, pág. 30

[12] MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes Hediondos: textos, comentários e aspectos polêmicos; Editora Saraiva, 7ª edição, 2002, pág. 40

[13] LEAL, José João. Crimes Hediondos – Aspectos Políticos e Jurídicos da Lei 8.072/90, Atlas, 1ª Edição, 1996, pág. 69.

[14] GRECO, Rogério. Leis penais especiais comentadas: Crimes hediondos e tortura – Doutrina e jurisprudência, Volume I. Editora Impetus, 1ª edição, 2016, pág. 41

[15] GRECO, Rogério. Leis penais especiais comentadas: Crimes hediondos e tortura – Doutrina e jurisprudência, Volume I. Editora Impetus, 1ª edição, 2016, pág. 45

[16] LEAL, José João. Crimes Hediondos – Aspectos Políticos e Jurídicos da Lei 8.072/90, Atlas, 1ª Edição, 1996, pág. 104.

[17]GRECO, Rogério. Leis penais especiais comentadas: Crimes hediondos e tortura – Doutrina e jurisprudência, Volume I. Editora Impetus, 1ª edição, 2016, pág. 127-128

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Sobre os autores
Thiago Pereira Gomes Lima

Estagiário do Ministério Público Federal desde Agosto de 2017, atuando na área criminal. Estagiário do Ministério Público de São Paulo entre Março de 2016 e Janeiro de 2017, atuando na área criminal.

Informações sobre o texto

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