Artigo Destaque dos editores

Dos efeitos retrospectivos da sentença declaratória da falência na Lei nº 11.101/2005.

Estudo comparativo com o Decreto-Lei nº 7.661/1945

02/07/2005 às 00:00
Leia nesta página:

A sentença declaratória da falência acarreta efeitos retrospectivos e prospectivos. Somente os primeiros serão alvo deste estudo. A nova lei, no art. 129, enumera as mesmas hipóteses de ineficácia previstas no art. 52 da lei anterior.

Sumário: 1. DOS EFEITOS DA SENTENÇA DECLARATÓRIA DA FALÊNCIA. 2. DA INEFICÁCIA DO ATO JURÍDICO. 3. DAS HIPÓTESES MAIS COMUNS DE INEFICÁCIA PREVISTAS NO ELENCO NUMERADO NO ARTIGO 129 DA LEI Nº 11.101/2005 E ART. 52, DO DECRETO-LEI Nº. 7.661/1945. 4. TERMO LEGAL DA FALÊNCIA. 5. DA AÇÃO REVOCATÓRIA E REVOGATÓRIA. 6. ENCERRAMENTO.


1. DOS EFEITOS DA SENTENÇA DECLARATÓRIA DA FALÊNCIA

A sentença declaratória da falência acarreta ao falido e à universalidade dos credores efeitos retrospectivos e prospectivos.

Dentre os efeitos prospectivos, alinham-se os reflexos que atingirão a pessoa do falido, seus bens, bem como, os contratos celebrados com terceiros, a suspensão da cobrança dos créditos, a "vis attractiva" do juízo falimentar e outros que não serão objeto de exame neste simples escorço.

Apenas os efeitos retrospectivos serão cuidados no presente artigo, que abrangem os artigos 129 a 138 da atual lei e os artigos 52 a 58 da lei anterior (Decreto-lei 7.661/45).

A nova lei, no pertinente, no art. 129 – exceção ao seu parágrafo único –, enumera as mesmas hipóteses de ineficácia previstas no art. 52, da lei anterior, que serão examinadas no decorrer do presente trabalho.


2. DA INEFICÁCIA DO ATO JURÍDICO

Antes de se analisar os casos enumerados nos artigos acima citados, devemos definir em que consiste a ineficácia. Não se pode confundir ineficácia com nulidade e anulabilidade dos atos jurídicos. Ineficácia é a inexistência de efeitos do ato jurídico em relação a terceiros. Ela não desfaz ou convele o ato jurídico, que permanece íntegro entre o falido e o terceiro. (teoria da inoponibilidade).

Assim, o conceito de nulidade e anulabilidade dos atos jurídicos foi substituído pelo de ineficácia. Qualquer ato praticado pelo falido dentro do termo legal da quebra, é válido entre as partes, mas ineficaz em relação à massa falida, quer subjetiva, quer objetiva.

Impende esclarecer que a massa falida se não confunde com a falida, cujos interesses podem coincidir ou discrepar. A falida é pessoa jurídica até a sua liquidação, representada por seus sócios e a massa consiste em uma "universitas rerum", presentada por seu síndico, na lei atual pelo administrador.

Trajano de Miranda Valverde, citando Windscheid, entende que:

"O conceito de nulidade e anulabilidade dos atos jurídicos foi substituído pelo de ineficácia, que não tem no próprio ato a sua causa, mas em um fato estranho, concernente aos seus efeitos, pelo que não toca no ato jurídico, que permanece válido em relação aos contratantes." [1]

A ineficácia do ato jurídico em relação à massa falida decorre de disposição expressa de lei (art. 129), em casos taxativamente enumerados. Tem seu fundamento no fato da falência ou é conseqüência da existência de fraude praticada por ambos os contratantes, dentro ou fora do termo legal (art. 130).

Assim, a ineficácia pode ser absoluta ou relativa, vale dizer, os atos praticados pelo falido com terceiros podem se constituir em fraude objetiva ou subjetiva.

Todas as hipóteses alinhadas no art. 129 da atual lei são de fraude objetiva. Incidem na hipótese legal, isto é, "in re ipsa", sem a necessidade de se provar a prática de fraude.

Note-se que o dispositivo legal, suso apontado, deve ser interpretado "stricto sensu" não comportando recurso à analogia ou à interpretação extensiva, por se cuidar de "numerus clausus", tratando-se de casos, portanto, altamente penalizadores; quanto à sua exegese se assemelha às leis penais.

A fraude subjetiva, concertada pelo falido e terceiros, deve ser provada, abrangendo o "conluium fraudis", praticado por ambas as partes. É o que se colhe do art. 130, da atual lei e art. 53, da antiga.

Na atual lei, para a declaração da ineficácia do ato jurídico, quando se cuida de fraude subjetiva, impõe-se a propositura da ação revogatória. Na objetiva, inovando para pior, o § único do art. 129, além da revocatória, permite que o juiz decrete, "ex oficio", a ineficácia do ato, matéria que será melhor examinada quando abordarmos a ação revocatória.

Impende esclarecer que, na fraude objetiva, não há necessidade de se provar, como já afirmado, a fraude ou o "conluium fraudis", basta que o ato realizado se situe dentre as hipóteses enumeradas no art. 129, da lei atual. A fraude, repita-se, no caso é objetiva por incidir na hipótese legal.

Trajano de Miranda Valverde, ao comentar o art. 52, da lei falimentar anterior, pontifica:

"A ineficácia do ato, porém, resulta exclusivamente da sua incidência na hipótese prevista em lei. Não há que se indagar da intenção das partes". [2]

Trata-se da mesma ineficácia prevista na fraude à execução, embora cuide esta de matéria processual de ordem pública.


3. DAS HIPÓTESES MAIS COMUNS DE INEFICÁCIA PREVISTAS NO ELENCO ALINEADO NO ARTIGO 129 DA LEI

As hipóteses mais comuns de ineficácia são o pagamento antecipado de dívida vincenda dentro do termo legal da quebra, ainda que pelo desconto do título; pagamento de dívida vencida dentro do termo legal, por qualquer forma que não seja a prevista no contrato.

A "mens legis" procura evitar a quebra da igualdade entre os credores, estampada no brocardo "par condicio omnium creditorum", tendo em vista se tratar a falência de processo de ordem pública.

O pagamento de dívida vencida efetuado pela forma prevista no contrato (item II), é eficaz em relação à massa falida e à universalidade dos credores. Não se trata de meio anormal de extinção de obrigação, dar-se "aliquid" por "aliud", muito comum nos atos de dação em pagamento, totalmente ineficaz em relação à massa subjetiva. Tanto que tal fato não tipifica o delito previsto no art. 172 da lei atual.

Rubens Requião, no respeitante, aduz:

"A lei impede que durante o termo legal, que antecede a falência e é fixado na sentença declaratória, o credor receba seu crédito, ainda que vencido, por meio anormal. Meio anormal é, na linguagem do preceito", qualquer forma que não seja prevista pelo contrato. O meio de pagamento comumente previsto no contrato é o efetuado em dinheiro, mas, a autonomia da vontade, princípio que preside à elaboração dos contratos, pode ser ajustado o pagamento por qualquer outro meio." [3]

Outro não é o entendimento de Elias Bedran, ao afirmar:

"Não são, portanto, todos os pagamentos dessas atividades que ficam estigmatizados pela nulidade (rectius: ineficácia) que o artigo 52 impõe. Aliás, raramente teria aplicação esse inciso II, se as partes forem previdentes, pois, bastará que ajustem a contabilização do pagamento à norma contratual respectiva." [4]

No mesmo diapasão José da Silva Pacheco:

"Se a forma de pagamento é a prevista no contrato, não se há de invocar o art. 52, II". [5]

Outros casos comuns de ineficácia estão previstos nos itens III, VI e VII, do art. 129, da lei em vigor. A constituição de direito real de garantia dentro do termo legal, quando a dívida foi contraída anteriormente, venda de estabelecimento comercial sem o consentimento expresso ou pagamento dos credores após, ainda, a manifestação do membro do "Parquet" e os registros de transferência de direitos reais após a quebra.

O item VII gerou certa polêmica no Judiciário, no que tange aos registros reais e de transferência de propriedade de bens imóveis realizados após a decretação da quebra, salvo se houve prenotação anterior.

Com o advento da Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015, de 31/12/973), o seu art. 215 tachou de nulos os registros efetuados após a abertura da falência, ou do termo legal nele fixado, salvo se a apresentação tiver sido feita anteriormente (sic). Entendeu certa corrente que este dispositivo da lei registral havia derrogado o art. 52, VII, da lei anterior. A lei atual, no essencial, repete a mesma disposição em seu item VII, do art. 129. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que não se aplicam as normas da lei de registros públicos, matéria de caráter especifico, à lei falimentar, lei especial, continuando a viger a disposição prevista nesta. [6]

Os casos previstos nos itens IV e V são raros. Durante meus 10 (dez) lustros de militância no campo falimentar, ora como advogado do falido, ora como do síndico, ora como do credor, nunca chegou ao meu conhecimento a existência de qualquer tutela a envolver estas duas hipóteses, a saber, a prática de atos gratuitos, desde dois anos antes da decretação da quebra e a renúncia de herança ou a legado, até dois anos antes declaração da falência.


4. TERMO LEGAL DA FALÊNCIA

Para se aferir da declaração da ineficácia do ato jurídico praticado pelo falido, precisamos entender o que significa "termo legal da falência".

O termo legal é o prazo fixado pelo juiz ou por lei, contado de determinada data prevista em lei, em que os atos praticados pelo falido ficam sujeitos à declaração de ineficácia em relação à massa falida e aos seus credores. Era conhecido como "período suspeito"; discutia-se a diferença entre "período suspeito" e o "termo legal", sendo certo que o primeiro compreendia fatos que demonstravam o abalo na saúde econômica- financeira do comerciante próximo a falir e o segundo foi criado pela lei. Dizia-se que essa diferença entre a iminência da falência (próximo a falir) e o falido trazia o inconveniente da sujeição de atos acontecidos no período suspeito ao mesmo tratamento da falência. "Inter decoctum et esse proximum decoctioni in jure nulla adest dufferentia".

Pela a lei anterior, o juiz podia fixar o termo em dez, vinte, quarenta ou, no máximo, em 60 dias (art. 14, § III, LF); normalmente fixava-o em sessenta dias, e este prazo era insuscetível de mudança. O que podia ser modificado era o ponto de partida para a retroação, isto é, da contagem do início do termo. Em caso de concordata, o termo retrotrai à data da distribuição do elastério legal; no requerimento de autofalência retroage ao despacho no requerimento inicial da falência (artigos 8º e 12) e, finalmente, em caso de impontualidade, retrotrai ao primeiro protesto por falta de pagamento. O dies a quo, caso não fosse possível fixá-lo antes, poderia ser retificado até o oferecimento da exposição a que se referia o art. 103, da Lei de Falências. Era a regra que se colhia do art. 22, do diploma legal anterior.

Pela nova lei, a matéria vem capitulada no art. 99, II, que fixa o prazo de 90 (noventa) dias, a contar do pedido de falência, do pedido de recuperação judicial ou do 1º (primeiro) protesto por falta de pagamento. Lamentável a dilação do termo legal da quebra para 90 (noventa) dias. A nova lei não prevê disposição contida na lei anterior (art. 22), no sentido de retificação do início do prazo do termo legal. Parece, destarte, que o "dies a quo" do início da contagem do prazo poderá ser imutável, uma vez que nada dispôs no respeitante a lei, aplicando-se o brocardo "ubi voluit dixit, ubi noluit tacuit". Fixado o termo a contar de protesto constante dos autos, caso surja um protesto anterior, só poderá ocorrer a mudança do termo, se a decisão que o fixou não houver transitado em julgado.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Aqui, a lei não prevê qualquer recurso, como previa a anterior, entretanto, tratando-se de interlocutória com forte carga decisória, evidente que desafia ela agravo de instrumento.

Ao que parece, a fixação do prazo em 20, 40 ou 60 dias, na lei anterior, ficava ao alvedrio judicial, contudo, na atual, o prazo é uno e fixado por determinação legal. Pena que a lei não tivesse enquadrado o primeiro protesto tirado nos últimos 5 (cinco) anos; ao repetir a lei anterior, e, ainda, com a dilação do prazo para 90 (noventa) dias, alcançará situações pretéritas de mais de dez (10) anos, como comumente ocorria. Com a falência surgem os delitos falimentares que, obviamente, atingirão ex-sócios. Por incrível que pareça, com tal retrotração, os delitos se tornarão praticamente imprescritíveis.

Outra inovação elogiável da lei consiste na parte final do referido art. 99, que exclui do termo suspeito os protestos que tenham sido cancelados. Na lei anterior, grassava discussão pretoriana, no sentido de que os protestos cancelados não tinham o condão de convelir o início da contagem do "dies a quo" do termo legal. Realmente não se justificava tal entendimento, eis que protesto cancelado, é protesto inexistente.


5. DA AÇÃO REVOCATÓRIA E REVOGATÓRIA

Revocar ou revogar deriva do latim, "revocare", que significa trazer de volta, mandar voltar.

A revocatória prevista na atual lei se assemelha à ação pauliana do direito civil, ambas visam a ineficácia do ato jurídico.

Entendíamos que, na revocatória civil, o ato deveria ser anulado e neste sentido promovemos várias paulianas. Entretanto, acompanhando a doutrina, a jurisprudência e estabelecendo um paralelo entre a revocatória prevista na lei falimentar e aquela prevista na legislação civil, entendemos que ambas visam a declarar a ineficácia do ato jurídico. [7] O art. 106, do Código Civil anterior e o art. 158, do atual falam em anulabilidade. Discordamos, data vênia, de tal conceito, haja vista que pago o débito, o ato se convalidará.

Pela lei anterior, a ação revocatória somente poderia ser proposta até um ano após a publicação do aviso a que se referia o art. 114. Nossa longa experiência no campo falitário demonstra que este aviso demandava anos para sua publicação, o que prorrogava indefinidamente o prazo ânuo decadencial para seu aforamento.

A matéria foi alvo de ingentes debates pretorianos. Entendia determinada corrente vencida, que os prazos da lei falimentar haveriam de ser considerados em relação à data em que, pela lei e de acordo com ela deveriam ter acontecido, e não na data em que efetivamente aconteceu, aplicando, por analogia, a Súmula 147, do EE. Supremo Tribunal Federal.

A corrente vencedora, na qual nos filiamos, entende que esta súmula deve ser interpretada, "stricto sensu", por se referir, tão somente, à matéria penal, para fins prescricionais, nunca ao caso em tela.

Não se pode olvidar que "legem habemus" e o prazo decadencial só ocorre após um ano da publicação a que se refere o art. 114, da lei falencial. Restou vencedor na jurisprudência este entendimento.

Nesse sentido ensina Yussef Said Cahali:

"Marcando a LF a publicação do aviso como termo inicial do prazo ânuo para o exercício da ação, parece manifesto que o prazo decadencial previsto no art. 55 da LF, não se inicia, se não publicado o aviso pelo síndico de que iniciaria a realização do ativo e o pagamento do passivo (art. 114)".

"Como também se afirma que a Súmula 147 do STF é restrita aos crimes falimentares, não tendo nenhuma pertinência com a decadência da ação revocatória."[8] .

Do mesmo sentir a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. [9] .

A atual lei inovou para melhor, estipulando o prazo de 3 (três) anos para a propositura da revocatória, contado da data da decretação da falência, a teor do art. 132. A ação deverá ser proposta na seguinte ordem: pelo administrador judicial, por qualquer credor ou pelo Ministério Público, segundo o mesmo art. 132. A propositura da ação comete primeiramente ao administrador, na qualidade de representante legal da massa, (sob pena de destituição por descumprimento de dever legal (art. 131)), como ocorria com a lei anterior (sindico) até três anos após a declaração falência. Após, qualquer credor poderá intentar a ação. Inovou a lei ao conferir ao Ministério Público o direito de, também, promover a revocatória, passando a ser parte no feito. Discordamos, haja vista que o membro do "Parquet" deveria se restringir à função de "custos legis", já que deverá, de qualquer maneira, integrar toda e qualquer ação do interesse da massa falida. Como poderá ser fiscal de si próprio?

Esta ação - prevista no art. 130 - pode ser proposta contra todos que figuraram no ato, ou que por efeito dele se beneficiaram, contra terceiros adquirentes, se tiveram conhecimento, ao criar o direito, da intenção do falido de prejudicar credores e, também, contra os herdeiros ou os legatários dessas pessoas acima referidas. É o que se colhe do art. 133. A mesma disposição constava da lei anterior.

Parece que a lei laborou em gritante equívoco, ao determinar que a revogatória do art. 130, (aqui por se cuidar de fraude subjetiva, diz-se revogatória), deverá ser proposta pelas pessoas acima indicadas, deixando de incluir as hipóteses tratadas no art. 129.

Não haverá revocatória nos casos apontados no art. 129 (fraude objetiva)? O próprio § único deste dispositivo responde que a ineficácia poderá ser declarada de ofício pelo juiz, alegada em defesa ou pleiteada mediante ação própria ou incidentalmente no curso do processo (sic). Que ação própria é esta, senão a revocatória?

A lei repete, em parte, a anterior, inovando para pior ao permitir que o juiz declare a ineficácia de ofício. Esta disposição, além ferir o princípio de que "nec procedat judex ex officio", quebranta o primado do "due process of low" e o direito ao contraditório. Parece que se plasmou tal entendimento no art. 40, da lei anterior, que permitia ao juiz decretar, "ex officio", a nulidade dos atos praticados pelo falido após a declaração falência. Embora falasse em nulidade, na verdade, o art. 40 da antiga lei se quadra, também, nas hipóteses de ineficácia. Tanto isso é jurídico, que se o falido extinguisse suas obrigações pelo pagamento total do passivo, o ato por ele celebrado após o decreto da quebra se tornaria eficaz e válido em relação ao outro contratante. Se se tratasse de nulidade, por certo o ato não se convalidaria, porque "quod nullum est nullum efectum producit".

Patrocinamos tutela em que se pleiteava a ineficácia de ato praticado após a quebra, inquinado de nulo erroneamente, a nosso ver, pela lei.

Confira-se no respeitante julgado proferido pelo TJSP.

"...o que quadra, pois, ao fenômeno jurídico disciplinado pelo art. 40, §. 1º. e 52, VII, da Lei de Falências e 215 da Lei de Registros Públicos, é a noção dogmática de ineficácia, a qual, manifestando-se apenas em relação ao interesse público da função estatal executiva, para tutela jurídica de todos os credores, se diz relativa." [10]

Preservando a universalidade do juízo falimentar, mesmo figurando a massa no pólo ativo da tutela, a competência é a do juízo da falência, nos termos do art. 144, como previa a lei anterior em seu art. 56. Presume-se que o juízo falimentar está bem a par dos atos praticados pelo falido e outros e bem mais apto para conhecer e julgar a ação.

O art. 135 determina que procedente a ação, a sentença determinará o retorno dos bens à massa falida, com seus acessórios, ou o valor do mercado, acrescidos das perdas e danos.

A lei anterior previa que a apelação seria recebida no efeito devolutivo em caso de fraude objetiva e em ambos os efeitos em caso de fraude subjetiva (artigo 54, § 2º). A lei atual prevê que da sentença cabe recurso de apelação, que será recebido, à evidência, no efeito meramente devolutivo, tanto na fraude objetiva, quanto na subjetiva (§ único art. 135). Pensamos que a suspensividade recursal ficará ao alvedrio do juiz, como prevê reforma processual em estudo.

Ao determinar que o falido perde a livre administração de seus bens desde a decretação da quebra ou do seqüestro (art. 103), nada diz sobre eventuais atos por ele praticados posteriormente. Entendemos que tais atos serão ineficazes, como acima explanado.

Mas, voltemos ao parágrafo único do art. 129, no que diz respeito à ineficácia declarada, de ofício, pelo juiz.

Não se concebe que possa o juiz declarar, de ofício, ineficácia do ato jurídico, pois tal determinação ofende o art 5º, LIV e LV, da Constituição da República. Imprescindível, portanto, a propositura da revocatória para a declaração da ineficácia dos atos jurídicos celebrados pelo falido com terceiros, mesmo para os atos praticados após a quebra ou o seqüestro.

Para a declaração de ineficácia destes se impõe, antes, a citação de terceiros interessados, que poderão ser prejudicados, para apresentar defesa, em incidente processual, sob pena de nulidade. Trata-se, à evidência, da "querela nulitatis insanabilis", a ensejar, a qualquer tempo, a nulidade do julgado, por petição ou por ação declaratória.

É o que ocorre em caso da desconsideração da personalidade jurídica; jurisprudência iterativa dos tribunais entende prescindível propositura de ação para alcançá-la, exigindo, contudo, que terceiros envolvidos devam ser citados para apresentar defesa, sob pena de nulidade do feito.

Em dois casos recentes patrocinados por nós, em que o juiz, de ofício, – pasmem - declarou, em incidente processual, a desconsideração da personalidade jurídica, com a conseqüente decretação da quebra de duas empresas, restaram anuladas, eis que não houve citação dos representantes legais destas. [11]

O art. 131 prevê que nenhum dos atos celebrados no plano de recuperação poderá ser objeto de revogação prevista nos itens I, III e VI do art. 129, que trata da fraude objetiva.

Tal determinação legal deve ser entendida em termos, "modus in rebus", eis que todos atos de alienação do ativo previstos no art.141 a 145 da lei, procuram preservar a igualdade dos credores, obedecidos a ordem e os privilégios dentro da vocação creditícia, haja vista o prescrito no art. 141, I.

Não se pode admitir a quebra de igualdade entre os credores, cujo meio mais comum de fraude consiste no pagamento anormal da obrigação pela "datio in solutum", muito praticada por alguns estabelecimentos de crédito. Tal transação ficará indene à revocatória, se o valor do ramo, dado em pagamento, for depositado em juízo; outro não é o entendimento do art. 147 da lei em comento.

Tivemos um caso de repercussão, em que determinado banco celebrara acordo com a concordatária, nos autos da execução que aforara contra esta, no sentido de quitar seu crédito e receber, em pagamento, imóvel de grande valor. Carreadas as peças com a minuta do acordo, celebrado na execução, para o juízo falimentar, a avença foi homologada, determinando o juiz, após o beneplácito do membro do Ministério Público, a expedição de alvará para que o comissário outorgasse ao credor a escritura pública.

Declarada a falência posteriormente, fomos contratados pela massa para aferir da possibilidade de se obter a declaração da ineficácia do ato celebrado. Propusemos a ação e obtivemos ganho de causa ao argumento de que tal dação em pagamento se constituía em meio anormal de extinção de obrigação, a causar ingentes prejuízos aos credores, retirando da massa bem de elevadíssimo valor. Aduzimos que o alvará deferido não aproveitava ao credor, eis que nulo, por permitir pagamento antecipado a um único credor, com a quebra da paridade entre credores, alguns com privilégio superior.

Na defesa, alegou o banco que seu crédito era privilegiado, protegido por direito real de garantia, qual a hipoteca, razão por que não estava sujeito à revogação, medida cabente contra credores quirografários. Alegou, "quid inde", que houve sentença homologatória do acordo, com parecer ministerial favorável, já transitada em julgado.

Em réplica, sustentamos que o art. 58, da lei anterior, repetido pelo art. 138, da atual lei, determinava que o ato podia ser declarado ineficaz, ainda que praticado com base em decisão judicial. Quanto ao privilegio do crédito, sustentamos que a lei não fazia qualquer distinção entre crédito privilegiado ou quirografário, sendo certo que o valor do imóvel deveria ter sido depositado em juízo para se evitar a revocatória.

O acórdão "a quo", endossado pelo Supremo Tribunal Federal, traz a seguinte ementa:

"O fato de o magistrado ter concedido alvará com parecer favorável de Curador Fiscal para dação, não significa que a transação atendesse às necessidades dos credores. Ao revés, tudo indica que diminuiu sobremaneira a garantia de seus créditos. E, de qualquer maneira, para escapar aos efeitos da revocatória, o credor hipotecário deveria depositar o valor da avaliação do imóvel, e não recebê-lo em pagamento, mesmo por preço inferior". [12]

Quanto ao crédito privilegiado, ensina o grande e saudoso advogado JAYME LEONEL:

"41 – São susceptíveis de revogação, tanto as dívidas quirografárias, como as privilegiadas, uma vez que a lei não faz, a respeito, nenhuma distinção". [13]

No mesmo diapasão, acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em ação revocatória patrocinada por nós. [14]


6. ENCERRAMENTO

Finalmente, a ineficácia relativa (art. 129) pode ser alegada em ação própria, em defesa, ou incidentalmente no curso do processo. Neste caso quando o ato é declarado ineficaz, de ofício, pelo juiz da falência, impõe-se antes a "in jus vocatio" dos terceiros interessados para integrar o incidente processual, sob pena de nulidade insanável do feito.

A revogatória prevista no art. 130 da lei será proposta quando não ocorrer quaisquer das hipóteses previstas no art. 129, ou quando o ato foi praticado antes ou depois do termo legal, devendo, em qualquer caso, restar comprovada a prática de fraude entre o falido e terceiros.

Spencer Vampré, citado por Trajano de Miranda Valverde entende que:

"por fraude, neste caso, se deve entender, relativamente ao devedor, a intenção de prejudicar credores, e relativamente à parte contratante com o devedor, o conhecimento de insolvabilidade." [15]

A matéria é apaixonante e merece a edição de brochura, pois há outras peculiaridades a serem examinadas e que refogem aos estreitos semideiros do presente trabalho.


NOTAS

  1. ("Comentários à Lei deFalência – Forense, 2ª ed. 1955 – vol.II, pág.11/12
  2. (op. Cit., pág. 16)
  3. ("Curso de Direito Falimentar", 8ª ed., nº 172, pág. 194).
  4. ("Falências e Concordatas no Direito Brasileiro" - Editora Alba 1962, Vol. IV, n.º 1.256, p. 1008).
  5. (Apud "Processo de Falência e Concordata", Ed. Borsoi, 1970, p. 537).
  6. (STJ. 3ª t. RMS 701-GO, rel. Min. Waldemar Zvwiter, j. 8.10.1991. DJU 11.11.1991, p. 16144)
  7. RJTJESP - LEX 96/34-5):
  8. (in "Fraudes contra Credores", 1ª Ed., 2ª. Tiragem, págs. 674/5).
  9. REsps n.ºs. 121511/SP e 28895/SP encontrados no Sítio do STJ
  10. (Rev..Trib. .629/114)
  11. A.I. 335.531/4 e 333944/4 – 6ª Câm. Dir. Priv. TJSP)
  12. (Ap. Cív. 25.030-1, Rel. Gonçalves Santana).
  13. (Apud "Ação Revocatória No Direito Da Falência" – Ed. Saraiva, 1951, pág. 56, n.º 41).
  14. (Apelação Civil n.º 252.212 – TJ/SP. Rel. Des. Lothario Octaviano).
  15. (In "Comentários à Lei de Falência, vol. II, p. 44 – Ed. Forense, 2ª ed. 1955).
Assuntos relacionados
Sobre o autor
Hotans Pedro Sartori

advogado falencista em São Paulo (SP), bacharel em Filosofia pela Faculdade do Seminário Salesiano de Lorena (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SARTORI, Hotans Pedro. Dos efeitos retrospectivos da sentença declaratória da falência na Lei nº 11.101/2005.: Estudo comparativo com o Decreto-Lei nº 7.661/1945. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 727, 2 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6946. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos