O presente artigo visa informar que é possível o cidadão empregado buscar seu direito ao saque de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço de valores depositados em sua conta até 31/12/2015, porém a legislação escrita lhe impede tal acesso extrajudicial ao fundo, haja vista que não teve seu contrato de trabalho extinto até esta data.
Contudo, tal situação é idêntica daqueles trabalhadores que continuam no mercado de trabalho após 31/12/2015, mas tiveram um contrato de trabalho extinto antes de referida data.
Entendendo melhor: a lei nº 13.467/2017 impôs limitação anti-isonômica sem manter justificável a diferença entre todos os trabalhadores, pois não permitiu que o trabalhador ativo continuamente no mercado de trabalho pudesse sacar seu montante que lhe é devido. Porém, essa mesma lei permitiu que outro trabalhador, também ativo no mercado de trabalho, mas sem um contrato de trabalho contínuo, pudesse sacar o montante com apenas o critério de ter tido um contrato de trabalho extinto antes de 31/12/2015, conforme preceitua o art. 20, § 22, da Lei nº 8.036/90, incluído justamente pela lei nº 13.467/2017.
Ora, a política dessa legislação promove o prêmio ao desemprego e não o inverso.
Um exemplo está no fato de que um trabalhador que teve o mesmo contrato ativo de trabalho até 01/01/2016 não conseguiu sacar os seus valores de FGTS, enquanto que outro empregado, na mesma empresa e no mesmo cargo, que tenha tido extinção do contrato de trabalho em 31/12/2015, conseguiu.
A regra anti-isonômica não é razoável.
O país não pode passar essa mensagem e a legislação deve ser coerente com o rumo consciente que quer passar para sua sociedade. Logo, não há como se manter o texto legal como apurado, devendo o trabalhador que, mesmo sem ter conta inativa até 2015, ter direito ao saque dos depósitos realizados em sua conta até 31/12/2015 a fim de se preservar a isonomia.
Assim, por infringir o princípio da isonomia e também da igualdade, o cidadão pode requerer na justiça que seja declarado seu direito ao saque dos depósitos realizados em sua conta do FGTS até 31/12/2015 com base na lei nº 13.446/2017 interpretada conforme a Constituição Federal.
Em um aspecto mais jurídico, analisando a legislação que rege a matéria do FGTS, qual seja, a lei nº 8.063/90, essa estipula, em seu artigo 20, as hipóteses de saque da conta pelo titular da mesma. Desconsiderando as demais hipóteses, para o mérito do presente caso, a atenção deve ser dada ao inciso VIII, que teve alteração substancial com a medida provisória nº 763/2016, convertida na lei nº 13.446/2017.
Isso porque, quando o empregado não preenchia os outros requisitos de saque do FGTS e enquanto não ficasse desvinculado do FGTS por 3 anos ininterruptos, não poderia sacar qualquer valor da conta de sua titularidade antes de fluir esse prazo. Contudo, a alteração dada pela lei nº 13.446/2017 veio desconsiderar tal limite temporal, desde que o contrato de trabalho estivesse extinto até 31/12/2015.
Pois bem, conforme preceitua Celso Antônio Bandeira de Mello, não há um discrímen justo e coerente para que o legislador pudesse cumprir com essa apreciação normativa diversa para dois tipos de trabalhadores: um com contrato de trabalho ativo desde sempre e outro com contrato de trabalho extinto até 31/12/2015, sendo que este último poderia ter uma conta ativa depois de tal data.
Vê-se que a Medida Provisória nº 763/2016, convertida na lei nº 13.446/2017, inverteu o papel do Estado que deve promover o incentivo ao emprego e não ao desemprego. O que ocorreu foi uma justificativa de inserir dinheiro na economia nacional, dando prêmio ao desempregado à época (mesmo que empregado no momento), e ainda promoveu afronta ao princípio da isonomia e igualdade, haja vista que trata desproporcionalmente todos os credores do fundo.
Isso porque o motivo da medida provisória era justamente auxiliar as famílias que se apresentavam em dívidas, porém a norma tratou os empregados com contrato ativo, mesmo antes do limite temporal de 31/12/2015, como se não tivessem dívidas e como se não precisassem de créditos para obterem um alívio financeiro na vida pessoal.
Para compreender melhor essa questão vejamos como exemplo uma família que tenha um casal em que o homem esteja desempregado desde 01/01/2016 e a mulher, empregada continuamente: ambos não poderão ter acesso ao fundo do FGTS. Agora, em uma outra família, em que a mulher e o homem tenham se demitido antes de 31/12/2015 e ambos conseguido outro emprego logo depois, ambos puderam sacar o valor do FGTS, com base na lei nº 13.446/2017.
São somente exemplos para demonstrar a irrazoabilidade da norma e a discrepância que causaram em diversas famílias de mesmo bairro, mesmo trabalho, mesma cidade e até mesma casa, onde uns puderam sacar e outros não, justamente por terem empregos ativos antes de 31/12/2015.
A norma nada mais faz que premiar o desempregado do passado enquanto que o empregado naquela data não poderá ter acesso a uma quantia considerável.
Para salientar tal argumento vejamos o item 11 da exposição de motivos da Medida Provisória nº 763/2016, que assim dispõe:
11.O momento que vivenciamos na economia é de endividamento das empresas e famílias, de restrição ao crédito e de recrudescimento no mercado de trabalho
Ora, o intuito da norma é genérico e não há justificativa plausível para diferenciar os trabalhadores com contrato de trabalho ativo antes de 31/12/2015 para aqueles que tiveram contrato de trabalho extinto antes de 31/12/2015.
Assim, vemos clara afronta ao art. 5º, caput, pois a lei deteve de distinção desigual sem razoabilidade.
Os exemplos trazidos e a clara não razoabilidade de tratamento diferenciado aos trabalhadores atuais, considerando somente quem era empregado ou desempregado à época, é afrontosa à isonomia, até porque o trabalhador empregado até 31/12/2015 pode estar hoje desempregado e necessitando de renda, enquanto o desempregado em 31/12/2015 pode estar hoje empregado e mesmo assim teve acesso à sua conta do FGTS.
Ora, não há coerência em limitar acesso ao saldo do FGTS somente àqueles que possuem contrato de trabalho extinto até 31/12/2015. A razoabilidade e isonomia somente estaria atingida caso se permitisse o saque de depósitos realizados até certa data, pois aí sim estariam sendo tratados todos os trabalhadores de forma igual. Isso porque a finalidade da lei nº 13446/2017 não tem relação com a proteção do desemprego, mas sim com a finalidade de inserir dinheiro na economia, tal qual a própria motivação da lei.
A disparidade é tanta que a autora entra na hipótese de outros empregados, com mesmo salário que o seu e com mesmo empregador atual, poderem ter acesso aos saques do FGTS somente por terem sido desempregados à época. Ora, qual a diferença financeira de ambos para a norma assim tratá-los com desiguais?
A norma ainda traz a hipótese de trabalhadores de má-fé também terem acesso a tal montante, pois os empregados demitidos com justa causa puderam ter acesso ao fundo com esse normativo. Mas então, outro questionamento: a autora, contínua e mantenedora de seu contrato de trabalho, apenas por realizar seu trabalho, não poderá ter acesso ao FGTS, sendo que o trabalhador demitido por justa causa pode?
Não há como negar tal fato, até porque diversas Circulares da própria ré Caixa Econômica Federal trazem a hipótese de saque conforme lei 13446/2017, inclusive para aqueles que tiveram contrato extinto por justa causa. São elas: circular nº 752 de 06/03/2017; circular nº 777 de 27/07/2017, dentre outras.
Assim, o cidadão que não se adentra aos termos da lei pode pedir judicialmente a inconstitucionalidade parcial do art. 20, § 22, da Lei nº 8.036/90 para suprimir a palavra “extinto” a fim de se preservar o princípio da isonomia, ou, acrescer a expressão “extinto ou não” ao normativo indicado e pretender ter acesso aos valores correspondentes a todos os depósitos realizados até 31/12/2015 de sua conta vinculada do FGTS, mesmo que seja oriundo de contrato de trabalho ainda ativo. Tudo a fim de preservar o princípio da isonomia.