NÃO HÁ NECESSARIAMENTE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA SE HOUVER RECONHECIMENTO DE CONEXÃO E CONTINÊNCIA

21/10/2018 às 08:20
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O ARTIGO EXPÕE TEMA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL ENVOLVENDO A CONEXÃO E A CONTINÊNCIA DE AÇÕES E A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA ABSOLUTA.

NÃO HÁ NECESSARIAMENTE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA SE HOUVER RECONHECIMENTO DE CONEXÃO E CONTINÊNCIA

Rogério Tadeu Romano

O reconhecimento de continência ou conexão entre duas demandas que versam sobre posse de bem imóvel não autoriza o deslocamento da competência do foro da situação da coisa, permanecendo inflexível a regra do artigo 95 do Código de Processo Civil de 1973.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a um recurso e determinou o retorno dos autos ao juízo do local do imóvel – no caso, a Vara Cível, da Família e de Órfãos e Sucessões de Santa Maria (DF) –, reconhecendo a competência absoluta desta vara para a demanda.

A ministra Nancy Andrighi, relatora, afirmou que a flexibilização da regra geral só é possível nas hipóteses de competência relativa, já que, nos casos de competência absoluta, o legislador fez a opção expressa de imunizá-los de qualquer modificação.

“Optou o legislador, no artigo 95 do CPC/73, por estabelecer o foro da situação da coisa, nas ações possessórias, como regra de competência absoluta, a qual, portanto, não está sujeita à modificação por conexão ou continência, privilegiando a lei, nessa circunstância, a regra sobre distribuição do exercício da jurisdição e, em última análise, o princípio do juiz natural, ainda que haja risco de decisões conflitantes”, disse a ministra.

Nancy Andrighi lembrou que a jurisprudência sobre o artigo 95 do CPC/73 aponta para a existência de uma regra de competência relativa que permite ao autor da ação fundada em direito real sobre o imóvel optar pelo foro de domicílio ou eleição.

Já para os casos de litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova, o foro competente será necessariamente o da localização do bem, já que nesses casos a regra é a competência absoluta.

O julgamento se deu REsp 1.687.862.

A modificação da competência é exceção à regra geral, admitida apenas quando autorizada em lei, e que, portanto, só encontra terreno fértil no campo da competência relativa, haja vista que nas hipóteses de competência absoluta o legislador fez a opção expressa de imuniza-las de qualquer modificação, sequer por força de conexidade.

A jurisprudência orienta que se extrai do art. 95 do CPC/73 uma regra de competência relativa, que permite ao autor da ação fundada em direito real sobre imóvel optar pelo foro do domicílio ou de eleição; e outra de competência absoluta, por meio da qual, recaindo o litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova, o foro competente será necessariamente o da localização do bem. Nessa linha: CC 111.572/SC, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/04/2014, DJe de 15/04/2014.

Há a lição de Cândido Rangel Dinamarco sobre a questão: Nas causas particularmente indicadas no art. 95 (direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obras novas), a vontade das partes é absolutamente irrelevante. Quer haja eleição de foro, quer não (art. 111), quer o réu alegue ou não alegue a incompetência do foro onde a demanda foi proposta (art. 114) e ainda quando haja alguma conexidade com pedidos de outra natureza (art. 102), em nenhuma dessas hipóteses será subtraída ao forum rei sitae uma demanda que tenha por fundamento algum desses direitos reais e cujo pedido tenha por objeto um bem imóvel. (Instituições de Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 520)

O artigo 103 do Código de Processo Civil de 1973 caracteriza o instituto da conexão, de modo geral, considerando-a existente duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir.

Para Celso Agrícola Barbi(Comentários ao Código de Processo Civil, volume I, tomo II, Rio de Janeiro, Forense, 1977, pág. 465) a conexão existe ainda quando entre as causas há relação de acessório a principal; quando uma das partes denuncia a lide a outrem; quando o réu age em reconvenção, e quando uma das partes propõe a declaratória incidental, na linha dos ensinamentos de CHIOVENDA (Instituições de Direito Processual Civil, tradução brasileira, 1ª edição, São Paulo, 1942, páginas 295 a 302), que foi adotado pelo Código de Processo Civil peninsular, artigos 31 a 36 e 39.

Por sua vez, o artigo 104 do Código de Processo Civil considera haver continência entre duas ou mais ações sempre que houver identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo, abranger o das outras.

É conhecida a passagem de Piero Calamandrei(Instituzioni di diritto processuale civile, in Opere Giuridiche, vol. IV, Nápoles, 1970, pág. 151) quando, estudando a continência, a conceitua como aquela questão que passa por duas causas, uma das quais mais extensa, compreende e se contém dentro de outra, menos extensa.

Data vênia, ao contrário do que pensava Eliezer Rosa(Dicionário do Processo Civil, 1957) a continência não é um diminutivo da litispendência.

Ora, ao contrário da litispendência, onde a causa deve ser encerrada, na conexão e na continência as causas prosseguem.

Tanto na conexão como na continência há uma possibilidade aberta de modificação de competência. É o que se lê do artigo 102 do Código de Processo Civil, que trata de competência relativa, em razão do valor ou em razão do lugar.

Mas a lei não impõe, ao contrário do artigo 148 do Código de Processo Civil de 1939, onde se usava a expressão prorrogar-se-á.

Diversos são os caminhos trilhados no processo penal para a matéria.

Observo as anotações do Professor Ernesto Catharina(Processo Civil):


"O art. 54 do CPC/2015 dispõe que a competência poderá ser modificada pela conexão ou pela continência. O caput não traz nenhuma novidade no que tange às causas legais ou obrigatórias de modificação de competência. No entanto, a novidade foi a incorporação da Súmula 235 do Superior Tribunal de Justiça ao determinar que as ações conexas serão reunidas para julgamento em conjunto, salvo se um deles já houver sido sentenciado, conforme dispõe o art.55, §1º. Nesse particular não houve, na essência, inovação. O parágrafo 2º do dispositivo legal mencionado acima trata da extensão do conceito de conexão nos casos de processamento concomitante entre execução de título extrajudicial e à ação de conhecimento versando sobre o mesmo ato jurídico e nos casos de execuções versando sobre o mesmo título executivo, alinhando, portanto, com entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça. Interessante observar, no entanto, que o código cria uma nova modalidade de conexão diversa do critério da identidade do pedido ou causa de pedir ao possibilitar, nos termos do parágrafo 3º do art. 55, determinando o julgamento conjunto de processos que possam gerar riscos de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias. Nesse caso, mesmo ações que não tenha identidade entre pedido ou causa de pedir, mas cujo tratamento diversificado possa gerar insegurança jurídica serão reunidos para julgamento em conjunto. Não se trata de um critério claro e seguro na prática, mas tem como escopo maior evitar falta de credibilidade das decisões do Poder Judiciário. Em relação à continência, disposta no art. 56 do CPC/2015, não há também inovações impactantes. A principal alteração na temática diz respeito à extinção da ação contida quando a mesma for distribuída posteriormente a ação continente. Explico: imagine que A ingresse com uma ação visando obter declaração de nulidade de determinado contrato em face de B, no mês de janeiro. Sem saber da distribuição da referida ação, B ajuíza ação em face de A pretendendo a declaração de nulidade de uma cláusula do mesmo contrato, em fevereiro. A segunda ação (contida) foi proposta posteriormente a ação com objeto maior, nulidade de todo o contrato (continente), e deverá, nos termos do art. 57, ser extinta sem resolução do mérito. Não há dúvidas que se trata de medida que visa atender ao princípio da economia processual e do julgamento célere dos processos. Ocorrendo a hipótese contrária, caso a ação contida seja ajuizada antes da ação continente, as mesmas deverão ser reunidas no juízo prevento para julgamento conjunto. Uma inovação significativa corresponde à definição de um critério único para prevenção. No CPC/73 o juízo prevento, para as ações conexas ou continentes, era definido a partir de um critério territorial. Se as ações tramitassem na mesma Comarca ou Seção, o juízo prevento era definido a partir da data do despacho positivo (“cite-se”), conforme art.106. Caso as ações tramitassem em Comarcas diferentes o critério definidor era a citação válida, nos termos do art. 219. O CPC/2015 estabeleceu um critério único, definindo o registro ou a distribuição em primeiro lugar como forma de estabelecer a prevenção do juízo. Assim, independente do lugar onde as ações conexas ou contidas foram distribuídas, a prevenção será sempre definida pela data distribuição. Nos casos de processamento eletrônico, a hora da distribuição parece ser critério mais preciso nos casos de distribuição ocorrida no mesmo dia. A organização da matéria recebeu tratamento sistematizado no novo código contribuindo para dirimir inúmeras dúvidas decorrentes da ausência de tratamento no CPC/73."

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Tem-se no CPC de 2015:

Art. 47. Para as ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro de situação da coisa.

§ 1o O autor pode optar pelo foro de domicílio do réu ou pelo foro de eleição se o litígio não recair sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e de nunciação de obra nova.

§ 2o A ação possessória imobiliária será proposta no foro de situação da coisa, cujo juízo tem competência absoluta.

O CPC de 2015 mantém a regra do diploma anterior no tocante ao foro da situação da coisa em ações envolvendo direitos reais sobre imóveis, fixando como competente o foro da situação do imóvel, estabelecida como critério de competência absoluta.

Se o litígio fundado em direito real imobiliário não versar sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova, o novo CPC excepciona a regra para admitir a propositura no foro do domicílio do réu ou no foro eleito pelas partes.

Nas ações possessórias imobiliárias, determina-se a competência pelo foro da situação da coisa, nada importando a controvérsia doutrinaria sobre a natureza da posse: mero fato, direito real ou direito pessoal.

Art. 48. O foro de domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade, a impugnação ou anulação de partilha extrajudicial e para todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro.

Parágrafo único. Se o autor da herança não possuía domicílio certo, é competente:

I – o foro de situação dos bens imóveis;

II – havendo bens imóveis em foros diferentes, qualquer destes;

III – não havendo bens imóveis, o foro do local de qualquer dos bens do espólio.

Art. 50. A ação em que o incapaz for réu será proposta no foro de domicílio de seu representante ou assistente.

Assim no  caso de incapacidade absoluta ou relativa da parte, a ação contra ele proposta deve correr no foro do domicílio do seu representante ou assistente.

Art. 51. É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autora a União.

Parágrafo único. Se a União for a demandada, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou no Distrito Federal.

Aliás, não poderia ser de outra forma, pois a Constituição, no artigo 109, , nos §§ 1o e 2o  dita:: “as causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte”, “as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde for houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.

Por fim, traz o CPC definição de regras de competência relativa:

Art. 53. É competente o foro:

I – para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável:

a) de domicílio do guardião de filho incapaz;

b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz;

c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal;

II – de domicílio ou residência do alimentando, para a ação em que se pedem alimentos;

III – do lugar:

a) onde está a sede, para a ação em que for ré pessoa jurídica;

b) onde se acha agência ou sucursal, quanto às obrigações que a pessoa jurídica contraiu;

c) onde exerce suas atividades, para a ação em que for ré sociedade ou associação sem personalidade jurídica;

d) onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação em que se lhe exigir o cumprimento;

e) de residência do idoso, para a causa que verse sobre direito previsto no respectivo estatuto;

f) da sede da serventia notarial ou de registro, para a ação de reparação de dano por ato praticado em razão do ofício;

IV – do lugar do ato ou fato para a ação:

a) de reparação de dano;

b) em que for réu administrador ou gestor de negócios alheios;

V - de domicílio do autor ou do local do fato, para a ação de reparação de dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, inclusive aeronaves.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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