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Os limites da garantia de fiança

04/12/2018 às 14:58

Resumo:


  • O STJ decidiu que o fiador não é desobrigado da garantia mesmo se o locatário entregar bens móveis para quitar dívidas, a menos que haja aceitação pelo locador.

  • A Quarta Turma reiterou que a utilização e deterioração dos bens móveis pelo locador não isentam o fiador de suas responsabilidades.

  • O recurso especial dos fiadores foi negado, mantendo-se a obrigação de garantir o cumprimento da dívida assumida pelo locatário, conforme a natureza subsidiária e acessória da fiança.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Analisa-se um caso em que dois fiadores foram executados por dívida constante de título executivo extrajudicial baseado em contrato de locação comercial.

Consoante informou o site do STJ, em sua edição de 22 de outubro do corrente ano, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que não é possível desobrigar o fiador de sua garantia nas hipóteses em que o locatário entregar bens móveis para honrar débitos referentes a obrigações previstas no contrato de locação, a menos que sejam aceitos pelo locador.

Para o colegiado, mesmo que o locador não devolva os móveis deixados pelo locatário, utilizando-os e deteriorando-os, e ainda que tais bens tenham valor suficiente para cobrir o débito, isso não desobriga o fiador de sua garantia.

Colho especificamente do REsp 1.353.865 o que segue.

No caso analisado pela turma, dois fiadores executados por dívida constante de título executivo extrajudicial baseado em contrato de locação comercial ajuizaram embargos à execução alegando não serem responsáveis por diversas contas de água, luz e condomínio atrasadas. Alegaram ainda que o valor da dívida não seria líquido e certo e que houve excesso de penhora.

Na primeira instância, foram rejeitadas as alegações de ilegitimidade passiva, a preliminar de suspensão por prejudicialidade externa por haver ação possessória e a arguição de excesso de penhora. O Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou o entendimento do juiz.

Perante o STJ, os fiadores afirmaram que o acórdão foi omisso e que houve erro do julgado no que se refere à necessidade de suspensão da execução. Afirmaram ainda que qualquer pretensão na qual poderia se sub-rogar o credor também deveria ser preservada em favor do fiador, sendo que os bens móveis deixados como pagamento pelo locatário poderiam ser sub-rogados tanto pelo credor quanto pelos fiadores.

Ao negar provimento ao recurso especial, o relator explicou que a fiança é o contrato pelo qual o fiador garante, perante o credor, uma obrigação assumida pelo devedor em caso de descumprimento, colocando à disposição todo o seu patrimônio em prol da dívida.

No caso em análise, tanto a sentença quanto o acórdão recorrido afastaram a possibilidade de desoneração do fiador, sob o argumento de que a existência dos móveis em poder do locador do imóvel não lhe concedeu nenhum privilégio ou garantia em relação ao devedor que pudesse ser transferido aos fiadores.

Segundo Salomão, os bens móveis dados em pagamento “sequer faziam parte do contrato à época do estabelecimento da garantia”, o que não implicou “agravamento da situação do fiador porque jamais se pautou neles para a concessão da fiança”.

“Penso que, na espécie, não há falar que o fato do credor tornou impossível a sub-rogação dos fiadores, ora recorrentes, nos seus direitos e preferências, simplesmente porque o recorrido não assumiu nenhum direito ou preferência nos bens ofertados pelo locatário que pudessem vir a ser sub-rogados pelos recorrentes. Ao revés, se o credor tivesse aceito objeto diverso do que constituía a obrigação, aí, sim, poderia ver a sua garantia fidejussória, de alguma forma, afastada”, apontou.

A fiança ou caução fidejussória, como ensinou Maria Helena Diniz(Curso de direito civil brasileiro, volume III, 24ª edição, pág. 590) é a promessa feita por uma ou mais pessoas, de satisfazer a obrigação de um devedor, se este não a cumprir, assegurando ao credor o seu efetivo cumprimento, como se lê do artigo 818 do Código Civil.

Suas características principais são: acessoriedade, unilateralidade, gratuidade, subsidiariedade.

Para tanto, haverá de existir o consentimento do credor e do fiador(CC, artigos 820, 825 e 826).

A fiança poderá assegurar a obrigação atual ou futura(artigo 821 do Código Civil).

Para tanto, a fiança reclama forma escrita podendo constar de instrumento público ou particular(artigo 819 do Código Civil).

A fiança não poderá ultrapassar o valor do débito principal, nem ser mais onerosa do que esta(artigo 823 do Código Civil).

Há de se falar no benefício de ordem.

O diploma civil vigente salvaguarda ao fiador um inestimável direito que a doutrina denomina benefício de ordem. A regulamentação legal do referido instituto jurídico está insculpida no art. 827 do Código Civil, nos termos seguintes:

Art. 827 O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.

Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito.

O benefício de ordem repousa no fato de que a obrigação do fiador reveste-se de um caráter eminentemente subsidiário, tendo em vista que uma das pessoas da relação contratual é responsável pelo débito originário, ao passo que a outra deve garantir que esse mesmo débito seja satisfeito caso a primeira não exerça a sua incumbência avençada.

Deve ser ressaltado, contudo, que a indicação dos bens deve se pautar nos termos do parágrafo único do acima colacionado artigo 827 do Código Civil. Destarte, é forçoso que os bens do devedor principal sejam livres de ônus ou quaisquer garantias reais, além de se localizarem no mesmo município, devendo ser demandados quantos bastarem para a completa extinção da dívida.

Assim o credor tem o direito de exigir do fiador o pagamento da dívida garantida. Demandado, tem o fiador o benefício de ordem, em virtude do qual lhe cabe exigir, até a contestação da lide, que seja primeiramente executado o devedor, e, para que se efetive, deverá ele nomear bens a este pertencentes, sitos no mesmo município, livres e desembaraçados, suficientes para suportar a solução do débito, como já se via no artigo 1.491 do Código Civil de 1916. Esse benefício que era desconhecido no Direito Romano antigo e no período clássico, em que vigia o princípio da solidariedade, independentemente da convenção, somente veio a integrar-se no sistema ao tempo de Justiniano, que o introduziu no Corpus Iuris. Irradiou-se depois, sobrevindo nos Códigos da atualidade. Mas a prática dos negócios, generalizando a estipulação da fiança solidária, acabou por obter a restauração convencional da primitiva concepção romana de fiança sem o beneficium excussionis.

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O benefício de ordem é recusado: a) se não forem observados os requisitos de sua concessão relativos à oportunidade da indicação, à situação dos bens e à sua liberação; b) se a ele houver o fiador renunciado expressamente, seja no instrumento mesmo da fiança, seja em documento apartado; c) se houver declarado solidário ou principal pagador: as duas expressões costumar figurar geminadas, porém desnecessariamente, porque a lei as equipara na concepção de traduzirem uma renúncia ao benefício; é da essência da solidariedade que o devedor possa ser demandado pela totalidade da dívida e sem benefício de ordem, e se for estipulado que o fiador é principal pagador, assumirá a posição de devedor em primeiro plano; d) se for aberta a falência do devedor ou contra ele instaurado concurso de credores, porque em ambos os casos fica afastada a possibilidade de ser feita indicação de bens livres de desembaraçados, como requisito do favor; e) se for comercial, será a fiança ex vi legis solidária, como determina o artigo 258 do Código Comercial.

O outro benefício instituído para o fiador demandado é o da divisão, que remonta ao tempo do Imperador Adriano, e somente pode ocorrer na pluralidade de fiadores ou cofiança. É de princípios que os cofiadores se presumem solidários, admitido, porém, que se ilida a presunção pela estipulação contrária, admitido, porém, que se ilida a presunção pela estipulação contrária, e neste caso cada um responderá pro rata. Poderá a convenção desde logo determinar a parte da dívida que toma cada fiador sob a sua responsabilidade, e então ao credor não é lícito exigir senão de cada qual a sua quota viril. Mas, nas relações entre os cofiadores entre si, a regra é a divisão, cabendo ao fidejussor solvente da dívida inteira demandar dos demais cofiadores pro parte. E se algum deles for insolvente, partilha-se entre os demais a sua cota.

Nota-se a importância de repisar que os bens devem se situar no mesmo município, haja vista que, em caso contrário, não haverá amparo legal para ser invocado o benefício de ordem em prol do fiador.

Dispõe o fiador do instrumento jurídico do benefício de ordem para consubstanciar a natureza subsidiária de sua responsabilidade.

Art. 828. Não aproveita este benefício ao fiador:

I - se ele o renunciou expressamente;

II - se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário;

III - se o devedor for insolvente, ou falido.

Se houver, na cláusula de garantia do contrato, uma expressa declaração de renúncia do benefício de ordem manifestada pelo fiador, este afastará de si mesmo a possibilidade de alegar o referido instrumento jurídico em seu favor, ainda que seja demandado antes do devedor principal.

Na hipótese, ademais, de o fiador obrigar-se como pagador principal ou devedor solidário, perderá ele o direito de invocar o benefício de ordem. Averbe-se que se caracteriza a solidariedade passiva quando dois ou mais devedores, em virtude de previsão legal ou de convenção entre as partes (artigo 265 do Código Civil), são responsáveis pelo pagamento total do débito, podendo qualquer um deles ser demandado pela dívida inteira. No caso sub judice, contudo, após efetuar o pagamento pela dívida, poderá o fiador reclamar judicialmente, em face do devedor principal, todas as despesas que desembolsou para quitar o débito que originalmente não foi contraído pelo primeiro.

Destaco nas relações entre o credor e o fiador:

  1. O credor não poderá escolher entre devedor e fiador para exigir o pagamento(forma norma de extinção das obrigações) porque a fiança só produzirá efeitos se o devedor afiançado deixar de realizar a prestação;
  2. O credor só poderá exigir a fiança no termo fixado para a obrigação principal;
  3. O fiador poderá oferecer exceções à ação do credor(artigo 824, parágrafo único, 827, parágrafo único, 828, I e III do Código Civil);
  4. A pluralidade de fiadores reger-se-á pelo Código Civil, segundo os artigos 829, parágrafo único, e 830;
  5. A insolvência de um dos cofiadores, na solidariedade ou no benefício de ordem, fará com que a parte de sua responsabilidade na dívida seja distribuída entre os demais, segundo o artigo 831, parágrafo único do Código Civil.

Ainda fala-se dos efeitos nas relações entre devedor afiançado e fiador:

  1. O fiador, que paga integralmente a dívida, ficará sub-rogado nos direitos do credor(CC, artigos 831, 832 e 833);
  2. O fiador terá certos direitos antes do pagamento do débito afiançado, como os decorrentes do artigo 834 do Código Civil;
  3. A obrigação do fiador passará aos seus herdeiros, mas a responsabilidade da fiança se limitará ao tempo decorrido até a morte do fiador e não poderá ultrapassar as forças da herança(CC, artigo 836);
  4. O fiador poderá exonerar-se da obrigação a todo tempo, se a fiança tiver duração ilimitada, mas ficará obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias, após a notificação do credor(CC, artigo 835);
  5. A interrupção da prescrição produzida contra o devedor prejudicará o fiador(CC, artigo 204, § 3º).

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Os limites da garantia de fiança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5634, 4 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69833. Acesso em: 25 dez. 2024.

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