O mandado de injunção e as alterações da Lei 13.300/2016

29/10/2018 às 14:21

Resumo:


  • A Lei 13.300/2016 regulamentou o mandado de injunção após 28 anos, trazendo alterações como a adoção da posição concretista, ampliação dos legitimados para a ação coletiva e a possibilidade de efeitos inter partes e erga omnes.

  • As mudanças permitiram maior resguardo no exercício dos direitos constitucionais, abrindo possibilidades diante de omissões parciais e ação revisional, além de marcar a transitoriedade do instituto.

  • A lei também possibilitou a revisão de decisões do mandado de injunção diante de modificações fáticas ou de direito, estendeu a eficácia das decisões e ampliou o rol de legitimados para a ação coletiva, beneficiando os cidadãos na efetivação de seus direitos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A lei regulamentadora do mandado de injunção trouxe várias inovações, dentre elas, as soluções para os casos de omissões normativas, parciais ou totais.

RESUMO: A principal função desse estudo é analisar as alterações que foram trazidas pela Lei 13.300/2016 sob a ótica da efetivação dos direitos dos cidadãos. Em detrimento da função do mandado de injunção de evitar a ineficácia das normas constitucionais se tornou imprescindível a regulamentação de tal instituto após um vácuo de 28 anos sendo, portanto, um marco importante no Direito Brasileiro. Dentre as alterações trazidas pela lei são evidenciadas: a adoção da posição concretista que já estava sendo adotada pelo STF em suas decisões, o alargamento dos legitimados para a impetração da espécie coletiva, a abertura de possibilidade de efeitos inter partes e erga omnes, a marca de transitoriedade do instituto, as possibilidades diante de omissão parcial e da ação revisional. Essas alterações permitiram um maior resguardo no exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Palavras-chave: Remédio Constitucional. Regulamentação. Efetivação dos direitos.


Introdução

O presente trabalho tem como tema análise das alterações trazidas pela lei 13.300/2016 ao processo e julgamento do mandado de injunção individual e coletivo.

Nesta perspectiva, construiu-se questões que nortearam este trabalho:

  • Quais as alterações foram trazidas pela Lei 13.300/2016 ao instituto do mandado de injunção?
  • Quais os benefícios que essas alterações trouxeram aos cidadãos na efetivação e fruição dos seus direitos.

A Constituição Federal previu um rol de direitos e garantias fundamentais. No entanto, para o exercício pleno de alguns desses direitos, é indispensável a edição de lei ou outro ato normativo regulamentador (art.37, da CF/88). O constituinte preocupado com a demora na regulamentação de tais direitos, criou a figura do mandado de injunção.

Conforme BERNARDES,

“O mandado de injunção (MI) é instrumento processual instituído especialmente para fiscalizar e corrigir, concretamente, as omissões do Poder Público em editar as normas necessárias para tornar efetivos direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (art. 5°, LXXI, da Constituição).”

A lei 13.300/2016 encerrou um vácuo legislativo de 28 anos no que tange à regulamentação do mandado de injunção desde sua criação pela Constituição Federal de 1988. Todavia, desde os primeiros grandes debates realizados pelo Supremo Tribunal Federal ficou esclarecido que a necessidade de regulamentação não poderia ser confundida com a (auto)aplicabilidade da norma do artigo 5°, inciso LXXI, da Constituição. Ficou decidido que tal norma teria aplicabilidade imediata, aplicando-se, no que cabível, as normas do mandado de segurança. A solução adotada pelo STF tornou possível a utilização do remédio, no entanto, não atestou a desnecessidade de regulamentação através de uma futura lei ordinária.

O recente desenrolar dos debates jurisprudenciais do Mandado de Injunção no STF – destacadamente os casos de omissão constitucional a respeito da omissão quanto ao dever legislativo de regulamentar os direitos de greve dos servidores públicos e da aposentadoria especial dos servidores públicos – acabou tornando indispensável a edição de tal lei regulamentadora.

Neste contexto, o objetivo primordial deste estudo é, pois, analisar as alterações que a lei regulamentadora trouxe ao instituto constitucional e o ganho na efetividade dos direitos trazido aos cidadãos brasileiros.

Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso metodológico, a pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise pormenorizada de materiais já publicados na literatura e artigos científicos divulgados no meio eletrônico.

O texto final foi fundamentado nas ideias e concepções de autores como:  Barroso (2012), Bastos (1999), Boldrini (2012), Canotilho (1993), Cavalcante (2017), Hesse (1991), Ferrajoli (2010) e Moraes (2017).


Desenvolvimento

A lei regulamentadora adotou a posição corrente concretista individual, sendo esta majoritária e já adotada pela Suprema Corte em seus julgado, vindo a sedimentar tal entendimento. Essa posição se baseia na premissa de que, o juiz ao reconhecer o estado de mora, deferirá uma ordem para que o impetrado edite a norma regulamentadora dentro de um prazo razoável estipulado pelo legislador. Não ocorrendo tal edição, caberá ao Judiciário exercer os atos necessários para permitir que o impetrante exerça o seu direito constitucional subjetivo não fruído pela inexistência de regulamentação.  Tal posição se materializou no artigo 8° da lei:

Art. 8º  Reconhecido o estado de mora legislativa, será deferida a injunção para:

I - determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora;

II - estabelecer as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas reclamados ou, se for o caso, as condições em que poderá o interessado promover ação própria visando a exercê-los, caso não seja suprida a mora legislativa no prazo determinado.

Tal providência permite uma garantia maior ao cidadão de ver garantido a fruição de seus direitos visto abrir a possibilidade de adoção de providências diretas por parte do judiciário em caso de omissão diante da determinação de prazo para que haja a edição de norma regulamentadora.  Além disso, diante de situações emergenciais pode o magistrado adotar a segunda hipótese imediatamente, para que o jurisdicionado goze do seu direito subjetivo.

A adoção de diferentes modalidades de eficácia subjetiva é outra mudança trazida pela lei regulamentadora. O artigo 9° disciplina que até o advento da norma regulamentadora, terá a decisão efeito inter parte, ou seja limitada as partes. No entanto, em seu parágrafo primeiro não elimina a possibilidade de ser conferida eficácia ultra partes ou erga omnes à decisão, quando isso for indispensável ao exercício do direito.

Conforme BARROSO,

A atribuição de eficácia geral à disciplina temporária assim instituída confere racionalidade ao sistema e tutela a isonomia, evitando que situações semelhantes recebam tratamentos distintos por motivos diversos. Em segundo lugar, veja-se que os poderes constituídos em geral, incluindo o legislador, estão submetidos à Constituição. No caso, o principal fator de legitimação da atuação do Judiciário é a omissão de outro Poder, que tinha como efeito a paralisação da eficácia de normas constitucionais.

Fica evidente a necessidade do efeito erga omnes em determinadas situações para tutelar os direitos difusos e coletivos, permitindo igualdade nas decisões e portanto albergado pelo principio da máxima efetividade dos direitos e garantias fundamentais.

Outra alteração trazida é a possibilidade do magistrado estender as decisões transitadas e julgadas a novos casos concretos por decisão monocrática do relator. Tal mudança traz maior celeridade nos julgamentos, devendo todavia o órgão julgador verificar a representatividade adequada a fim de garantir os interesses daqueles que não estão participando do processo, mas que são afetados por ele.

A lei regulamentadora também delineou a natureza transitória do mandado de injunção, pois a medida em que as omissões são supridas, tal instituto perde sua razão de ser. Fica também evidenciado a natureza subsidiária, atuando somente em casos de omissão total ou parcial de norma. Essas características atuam em consonância com a perfeita harmonia dos poderes, visto não ser atividade típica do judiciário a atividade legislativa e regulamentadora (executiva). Esse caráter é de extrema valia para o cidadão visto a proteção deste contra qualquer atuação ativista do judiciário na produção legiferante, tendo em conta ser um direito deste a escolha de representantes, através de um processo democrático de eleição.

A incorporação da possibilidade de writ em casos de omissão parcial foi uma inovação que ampliou o seu raio de atuação, visto a necessidade da norma editada pelo legislador ser suficiente para garantir o exercício do direito. O artigo 2°, em seu parágrafo único estabelece que “Considera se parcial a regulamentação quando forem insuficientes as normas editadas pelo órgão legislador competente.”.  Essa mudança permitiu ao cidadão a garantia de ver o seu direito ser plenamente incorporado ao seu patrimônio, não sendo suficiente a mera existência de uma norma reguladora, mas a plenitude de tal norma.

Outra alteração importante foi o aumento do rol de legitimados para a impetração do mandado de segurança coletivo, sendo pela lei tais:

Art. 12.  O mandado de injunção coletivo pode ser promovido:

I - pelo Ministério Público, quando a tutela requerida for especialmente relevante para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático ou dos interesses sociais ou individuais indisponíveis;

II - por partido político com representação no Congresso Nacional, para assegurar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas de seus integrantes ou relacionados com a finalidade partidária;

III - por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 (um) ano, para assegurar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas em favor da totalidade ou de parte de seus membros ou associados, na forma de seus estatutos e desde que pertinentes a suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial;

IV - pela Defensoria Pública, quando a tutela requerida for especialmente relevante para a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5o da Constituição Federal.

Parágrafo único. Os direitos, as liberdades e as prerrogativas protegidos por mandado de injunção coletivo são os pertencentes, indistintamente, a uma coletividade indeterminada de pessoas ou determinada por grupo, classe ou categoria.

Houve o acréscimo de tal competência ao Ministério Público e a Defensoria Pública, sendo portanto um ganho aos cidadãos visto ser tais instituições auxiliares a função jurisdicional do Estado e portanto presentes e atuantes nos direitos da coletividade.  No que tange ao Ministério Publico o mesmo será legitimo quando a tutela for requerida for especialmente relevante a defesa da ordem jurídica, do regime democrático ou dos interesses sociais ou individuais indisponíveis. A Defensoria Pública caberá atuar quando a tutela requerida for especialmente relevante para a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, na forma do inciso LXXIV do artigo 5° da CF/88.

A última novidade a ser destacada nesse estudo é a possibilidade de ação revisional em sede de decisão de MI, quando da superveniência de modificações fáticas ou de direito. Segundo o artigo da lei:

Art. 10. Sem prejuízo dos efeitos já produzidos, a decisão poderá ser revista, a pedido de qualquer interessado, quando sobrevierem relevantes modificações das circunstâncias de fato ou de direito. Parágrafo único. A ação de revisão observará, no que couber, o procedimento estabelecido nesta Lei.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Tal ação não tem o condão de desconstituir a coisa julgada, tal como uma ação rescisória. Apenas rediscutir a aplicabilidade da decisão oferecida pelo Poder Judiciário diante de modificações nas circunstancias de fato e de direito.  É portanto necessário que haja uma decisão anterior e que tenha sido outorgada para que haja a implementação de tal ação, que possui natureza autônoma. Tal novidade é de extrema valia para que se oportunize uma nova apreciação diante de mudanças drásticas, sem ter-se a necessidade de desconstituir a já existente.


Conclusão

A Constituição Federal de 1988 criou uma figura singular para atender as especificidades do país, com contornos próprios e, portanto, garantir a plena efetivação dos direitos pelos cidadãos: o mandado de injunção, não havendo assim similitude no direito estrangeiro. A ausência de regulamentação de tal instituto por mais de 28 anos aliada a uma posição não concretista que vigorou por muitos anos no STF, permitiu que esse mecanismo fosse ignorado e tratado com superficialidade pela Doutrina Brasileira. No entanto, após a edição da lei 13.300/2016 e do overruling que fez a posição concretista tomar posição central na corte maior pode se conjecturar que boas mudanças virão e trarão consigo maior efetividade ao direito. Acredita-se que com o aumento da efetividade do Writ, haverá aumento da quantidade de ações nos tribunais, que atualmente são irrisórias.

Dessa forma, a lei regulamentadora trouxe várias inovações tais como soluções para os casos de omissões normativas, tanto parciais ou totais. Foram estabelecidos os procedimentos que disciplinarão as situações concretas, aumentado o rol de legitimados ativos para o mandado coletivo, a possibilidade de ação revisional, a extensão da eficácia em erga omnes, a definição da natureza transitória e subsidiária e adoção da posição concretista individual intermediária.

Todas essas mudanças trouxeram benefícios diretos para os cidadãos, pois permitiram o tratamento isonômico, maior celeridade, garantia da fruição de direitos e o ataque frontal e direto à síndrome da inefetividade das normas constitucionais através de um instrumento agora regulamentado e aperfeiçoado. Portanto, tal lei foi de extrema importância para a consolidação desse remédio constitucional e irá se refletir em maior efetivação de direitos pelos cidadãos.


REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

BOLDRINI, Rodrigo Pires da Cunha. Garantia de direitos e separação dos poderes. Dissertação de Mestrado. USP. 2012. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-27082013-141654/en.php>. Acesso em: 04 dez. 2017.

CANOTILHO, J. J. Gomes (coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira). As garantias do cidadão na justiça. São Paulo: Editora Saraiva, 1993.

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Primeiros comentários à Lei 13.300/2016 (Lei do Mandado de Injunção). Disponível em: <http://www.dizerodireito.com.br/2016/06/primeiros-comentarios-lei-133002016-lei.html>. Acesso em: 29 nov. 2017.

CUNHA JUNIOR, Dirley da. Controle de constitucionalidade: teoria e prática. 4. ed. rev, ampliada e atualizada. Salvador: Juspodvm, 2010.

FERRAJOLI, Luigi. Democracia y garantismo: edición de Miguel Carbonell. 2. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2010.

FONSECA, João Francisco N. da. O Processo do Mandado de Injunção. São Paulo: Saraiva, 2016.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.

MARQUES, Igor Emanuel de Souza; NETO, Dilson Cavalcanti Batista. As inovações da nova lei do mandado de injunção e o esvaziamento da adi por omissão. Constituição e democracia III. Organização CONPEDI/UNICURITIBA; Coordenadores: André Parmo Folloni, Julia Maurmann Ximenes, Ricardo Dos Reis Silveira – Florianópolis: CONPEDI, 2016. Disponível em: <https://www.conpedi.org.br/publicacoes/02q8agmu/u24ek09c/Cvrm1iybXvSzF2zS.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2017.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. – 33. ed. rev. e atual. até a EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016 – São Paulo: Atlas, 2017. Versão epub.

OLIVEIRA, Ana Carolina Ribeiro de. Mandado de injunção à luz da separação dos Poderes. Disponível em: <http://www.osconstitucionalistas.com.br/mandado-de-injuncao-a-luz-da-separacao-dos-poderes>. Acesso em: 22 nov. 2017.

PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra Omissões Legislativas: ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
José Luiz de Sousa Neto

Empreendedor. Atual TRF2 - Contador Concursado. Advogado e membro da comissão corporativa da OAB-ES. Pós Graduado USP. Administrador e especialista em Controladoria e Finanças na FUCAPE. Graduado em Direito e pós graduado em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes. Formado em Comércio Exterior e Contabilidade pela UVV. Foi Advogado concursado do Banco do Estado do Espírito Santo, exercendo Gestão e Advocacia Pública.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos