Acepções a respeito da responsabilidade civil

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06/11/2018 às 09:31
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4 Pressupostos da Responsabilidade Civil

É possível verificar os seguintes pressupostos ou elementos gerais da responsabilidade civil: ato ilícito praticado por uma conduta humana, que pode ser positiva ou negativa, dano e nexo de causalidade. A responsabilidade subjetiva considera ainda o elemento culpa e a responsabilidade objetiva o elemento risco.

4.1 Ato ilícito e conduta do agente

O ato ilícito pode ser praticado mediante ação ou omissão do responsável pela reparação. Isto é, o ilícito pressupõe uma conduta do agente, violadora da lei ou de ato negocial e causadora de lesão ao direito alheio. Como o ato ilícito é modalidade de ato jurídico, deve ser manifestação da vontade. Este, está previsto no artigo 186 do Código Civil, que estabelece que todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Cabe-se ressaltar que o ilícito pode ser civil, administrativo ou penal.

Ou seja, conduta é uma ação (conduta comissiva) ou omissão (conduta omissiva) que gera um dano a outrem.

4.2 Dano

O dano é uma circunstância elementar da responsabilidade civil. “Por esse preceito fica estabelecido que a conduta antijurídica, imputável a uma pessoa, tem como consequência a obrigação de sujeitar o ofensor a reparar o mal causado”[27]. Logo, existe uma obrigação de reparar o dano, imposta a quem quer que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, causar prejuízo a outrem. Portanto, o dano é o resultado da conduta e sem dano, não tem indenização.

4.3 Nexo de causalidade

De acordo com Silvio de Salvo Venosa[28] o conceito de nexo causal, nexo etiológico ou relação de causalidade não é jurídico e deriva das leis naturais, sendo o liame que une a conduta praticada pelo agente ao dano. É por meio da análise da relação causal que se conclui quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. Ou seja, sem essa relação causal não há responsabilidade civil.

A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida. Nem sempre é fácil, no caso concreto, estabelecer a relação de causa e efeito.

Assim, na responsabilidade subjetiva o nexo de causalidade é formado pela culpa genérica ou lato sensu, que inclui o dolo e a culpa estrita (artigo 186 do CC). Já na responsabilidade objetiva o nexo de causalidade é formado pela conduta, cumulada com a previsão legal de responsabilização sem culpa ou pela atividade de risco (art. 927, parágrafo único, do CC).

4.4 Nexo de imputação

Como já indicado anteriormente, a maioria dos autores acreditam em três pressupostos para imputar a responsabilidade civil, sendo eles, conduta/ato ilícito; dano, pois sem dano, não há indenização e nexo de causalidade. Porém, é necessário considerar um quarto elemento, chamado de nexo de imputação ou fator de atribuição. “Consiste ele na razão pela qual se atribui a alguém a obrigação de indenizar, ou seja, o motivo da ligação dos danos patrimoniais ou morais a um responsável”.[29] Portanto, é o fundamento utilizado pelo ordenamento jurídico para permitir que se atribua responsabilidade a alguém. O nexo de imputação é gênero, do qual culpa e risco são espécies.

Desta forma, na clássica teoria subjetiva da responsabilidade civil, o nexo de imputação reside na culpa. Primeiramente, culpa é o que qualifica ou valora a conduta. O atual código civil adota, como regra, o princípio da responsabilidade subjetiva fundada na culpa como fundamento para responsabilizar o causador de dano, afirmando ainda, que se não for provada a culpa do agente, nenhuma indenização obterá a vítima. Logo a culpa é a principal justificativa da teoria subjetiva.

Dispõe nesse sentido o artigo 186 do Código Civil “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. [30]

  Deve-se levar em conta a culpa em sentido amplo, que engloba o dolo e a culpa estrita (stricto sensu). A expressão ação ou omissão voluntária do já referido artigo 186 está ligada à vontade consciente de agir ou de não agir do agente, caracterizando assim o dolo; enquanto que à negligência ou imprudência está diretamente ligada a culpa. A culpa estrita, relaciona-se a três modelos jurídicos, sendo eles: a imprudência, que é a falta de cuidado junto à ação, a negligencia, que é a falta de cuidado e a omissão e a imperícia, que é a falta de qualificação ou treinamento de um profissional para desempenhar uma determinada função (própria dos profissionais liberais). Deste modo, é essencial que o agente tenha agido com culpa (por ação ou omissão voluntária, por negligência ou imprudência).

Assim, se a atuação do agente é deliberadamente procurada e voluntariamente alcançada, há a culpa lato sensu (dolo). Porém, se o prejuízo da vítima é decorrência de comportamento negligente e imprudente do autor do dano, há a culpa stricto sensu.

É necessário ficar claro, que não importa se o autor agiu com dolo ou culpa, sendo a consequência inicial a mesma, qual seja a imputação do dever de reparação do dano ou indenização dos prejuízos. 

Porém, o nexo de imputação no direito brasileiro não se resume apenas a culpa; há casos em que a responsabilidade independe de culpa. Dispõe o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Assim, de acordo com o mencionado artigo surgem dois outros nexos de imputação da obrigação de indenizar, sendo eles a lei e o risco da atividade (ou seja, mesmo na ausência de lei específica, o agente deverá suportar o dano se ficar evidenciado o risco de sua atividade). Estes são os fundamentos utilizados pela teoria objetiva. Nesse caso, atribui-se centralidade à ação desenvolvida pelo agente e não à ilicitude de seu comportamento.

Entende-se deste modo, que geralmente o fator de atribuição é a culpa, porém existem casos que independem de culpa, quando a lei determinar ou o agente exercer atividade de risco. “O ideal, como vimos, é a convivência entre vários fatores de imputação de danos, cada qual com os seus próprios fundamentos”[31] Logo, deve ficar claro, que nexo de imputação é diferente de nexo de causalidade.


5 Tipologias da Responsabilidade

5.1. Responsabilidade Civil, Responsabilidade Penal e Responsabilidade Administrativa

Na teoria da responsabilidade jurídica, existem três tipos de responsabilidade: civil, penal e administrativa.  Quanto a civil e penal, apesar de serem diferentes, no direito antigo, havia confusão entre estas responsabilidades, uma vez que ambas se configuram com a violação de um dever jurídico.

A responsabilidade civil, a princípio, não tem função punitiva, apesar de existiram muitas discussões a respeito. Ocorre na relação entre indivíduos e serve como critério de resolução de litígios ou de questões indenizatórias. O interesse afetado, é restrito a pessoa lesada.

Já na responsabilidade penal, o ato do indivíduo confronta-se com normas de toda a sociedade, ou seja, não é restrita a pessoa lesada como na responsabilidade civil, mas sim constrange a sociedade como um todo.

Enquanto uma serve para desfazer o dano, a outra serve para punir quem cometeu um crime, sofrendo uma sanção penal. Ou seja, as sanções criminais incidem principalmente sobre o bem da liberdade pessoal, enquanto sanções civis observam a transferência de um quantum do ofensor ao ofendido.

Assim sendo, é possível a ocorrência de uma sem a outra.

A responsabilidade, civil ou penal, decorre sempre de um fato jurídico lato sensu. A penal origina-se da prática de crime ou contravenção, formando-se o vínculo entre o Estado e o infrator. Enquanto a responsabilidade civil pressupõe um dano moral ou material, a penal independe de dano, como a prática do crime de formação de quadrilha ou bando [...] [32]

Porém, é também possível que um fato possa gerar ao mesmo tempo, responsabilidade civil e penal, devendo ainda, ser considerado a independência, uma vez que pode ocorrer a absolvição na instância criminal e a condenação na civil.

Nas palavras de Rosenvald, Farias e Braga Netto “o direito penal direciona as suas lentes para a pessoa do ofensor; já́ o direito civil desvia o olhar para a vítima”.[33]

Cabe-se ressaltar, que a legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de direito, atendidos certos pressupostos, constituem excludentes tanto da responsabilidade civil quanto da penal.

Há ainda, uma terceira modalidade de responsabilidade, qual seja, a administrativa. Segundo Hely Lopes, “Responsabilidade civil da Administração é, pois a que impõe a Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las”. [34]

Deste modo, verifica-se três principais modalidades de responsabilidades e que a responsabilidade civil, não depende da criminal e nem da administrativa, mas pode com estas coexistir, apesar de não se confundirem. 

5.2 Responsabilidade Contratual; Responsabilidade Extracontratual; Responsabilidade Pré Contratual e Pós Contratual

O Código Civil de 2002 apresentou a divisão de responsabilidade civil em contratual e extracontratual, ou seja, um modelo duplo de responsabilização.

“A responsabilidade civil surge em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida”. [35] É neste sentido, que se estabelece, a responsabilidade civil contratual ou negocial e a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana.

Em ambas o contraventor fica sujeito a responder civilmente pelos prejuízos causados e embora se confundam ontologicamente, uma das principais diferenças, se refere as exigências probatórias. Enquanto que na culpa extracontratual, incumbe ao queixoso demonstrar todos os elementos da responsabilidade (dano, infração da norma e nexo de causalidade), na culpa contratual inverte-se o ônus probatório, o que torna a posição do lesado mais vantajosa.

O artigo 391 do Código Civil, quando analisado em conjunto com os artigos 389 e 390, consagra a responsabilidade civil contratual ou negocial. Em paralelo com a responsabilidade extracontratual ou aquiliana, está sujeita aos mesmos extremos desta: a contrariedade à norma, o dano, a relação de causalidade entre uma e outra.  Porém, como o nome mesmo já sugere, ocorre pela presença de um contrato existente entre as partes envolvidas e consequentemente no não cumprimento da obrigação assumida neste. O artigo 389 deve ser aplicado para os casos de obrigação positiva de dar e fazer, enquanto o artigo 390 para aqueles envolvendo obrigação negativa de não fazer. Ou seja, a força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda) traz a previsão pela qual as cláusulas contratuais devem ser respeitadas, sob pena de responsabilidade daquele que as descumprir.

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Paralela à responsabilidade contratual, há a responsabilidade civil extracontratual, também chamada “aquiliana” por se remontar à Lex Aquilia, que fixou os parâmetros desta responsabilidade. Oriunda do desrespeito ao direito alheio e às normas que regram a conduta e que decorre de uma lesão de direitos que ocorre alheia à esfera contratual, conforme os artigos 186 e 927, caput, da atual codificação. Assim, se a transgressão pertine a um dever jurídico imposto pela lei, sem que entre o ofensor e a vítima preexista qualquer relação jurídica, o ilícito é extracontratual.

Esta divisão, é muito criticada por diversos autores, pois as bases da responsabilidade são as mesmas, independentemente se o dano decorre do não cumprimento do contrato estabelecido entre as partes; ou de ato ilícito, quando não existe contrato entre as partes. Nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho

Os adeptos da teoria unitária, ou monista, criticam essa dicotomia, por entenderem que pouco importam os aspectos sobre os quais se apresente a responsabilidade civil no cenário jurídico, já́ que os seus efeitos são uniformes. Contudo, nos códigos dos países em geral, inclusive no Brasil, tem sido acolhida a tese dualista ou clássica. [36]

Adverte-se, contudo, que a tendência é a unificação do tema, como ocorreu com o Código de Defesa do Consumidor, que não consagrou essa divisão.

Cabe-se salientar ainda, que a culpa contratual, além de estar presente nos casos de desrespeito a uma norma contratual, está também relacionada a um dever anexo, ligado a boa-fé objetiva, que exige uma conduta leal dos contratantes em todas as fases negociais. O desrespeito a esta, pode gerar a responsabilidade pré- contratual, contratual ou pós-contratual da parte que a violou, conforme interpretação dos Enunciados de números 25 e 170 CJF/STJ, aprovados nas Jornadas de Direito Civil. Conforme Flávio Tartuce, é por isso que é possível falar na culpa ao contratar ou culpa in contrahendo, conforme tese desenvolvida originalmente por Ihering.

A responsabilidade pré-contratual, é aquela que desperta a confiança da pessoa e decorre de momento anterior à formação do contrato, no momento das negociações para a efetivação deste, capaz de gerar direitos e obrigações provenientes do princípio da boa-fé objetiva, que determina uma postura leal e sincera no momento das tratativas. Caso haja o descumprimento, seja intencional ou seja por uma atitude imprudente nesta fase contratual, ferindo a confiabilidade e gerando danos à parte contrária, estará caracterizada a responsabilidade.

Já a responsabilidade pós-contratual é acarretada pela subsistência do vínculo entre as partes, mesmo após o fim do contrato, em razão do princípio da boa-fé objetiva, uma vez que o real objetivo do negócio realizado não pode ser frustrado sob a desculpa de que a obrigação tenha formalmente se extinguido, haja vista que o negócio jurídico não pode se tornar uma mera operação formal, sob pena de perder a sua essência.

5.3 Responsabilidade Subjetiva e Responsabilidade Objetiva

A responsabilidade subjetiva tem sua base nos artigos 186 e 927, caput do Código Civil. Em face da teoria clássica, a culpa é o fundamento da responsabilidade. Esta, para muitos autores constitui regra geral no ordenamento jurídico, baseada na teoria da culpa. Dessa forma, para que o agente indenize, ou seja, para que responda civilmente, é necessária a comprovação da sua culpa genérica, que inclui o dolo (intenção de prejudicar) e a culpa em sentido restrito (imprudência, negligência ou imperícia).[37] Não havendo culpa, não há responsabilidade. Ou seja, a prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Neste mesmo sentido, de acordo com Caio Mário 

A vítima tem direito à reparação do dano que sofreu, e, portanto, o ofensor tem o dever de repará-lo. Para a teoria subjetiva, entretanto, o ressarcimento do prejuízo não tem como fundamento um fato qualquer do homem; tem cabida quando o agente procede com culpa. [38]

Com relação a responsabilidade objetiva, esta tem sua base nos artigos 927, parágrafo único, 187 e 981 todos do Código Civil. Denomina-se objetiva a responsabilidade que independe de culpa.

O artigo 927, Código Civil, parágrafo único dispõe que

Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. [39]

Ou seja, conforme o supramencionado artigo, a teoria objetiva pode ocorrer em duas situações: quando a lei especifica ou quando a pessoa exerce habitualmente uma atividade por meio da qual obtém lucro e cria riscos para outrem. Nestes casos, o causador do dano deve indenizar o ônus que vier a causar.

A teoria do risco, procura justificar a responsabilidade objetiva. Segundo esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade, cria um risco de dano para terceiros, devendo ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a ideia de risco.

Assim, a teoria objetiva, concentra-se a atenção nos pressupostos do risco da atividade, nexo causal e dano. Salienta-se que é indispensável a relação de causalidade entre a ação e o dano, uma vez que, mesmo no caso de responsabilidade objetiva, não se pode acusar quem não tenha dado causa ao evento.

Porém, insta salientar ainda, que apesar do artigo 927, parágrafo único do Código Civil ser considerado uma cláusula geral, é necessário a análise deste conjugado com o artigo 187 do mesmo diploma legal, que dispõe

Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.[40]

Ora, este artigo 187 está conceituando o abuso de direito, que está definido como um ato ilícito diferente do presente no artigo 186 do mesmo diploma. Trata-se de um ato ilícito objetivo. Quem vier a praticá-lo e causar dano a outrem ficará também obrigado a indenizar pela norma do artigo 927. [41]

O Código Civil brasileiro, regula também situações especiais de responsabilidade objetiva, como por exemplo a responsabilidade civil objetiva do Estado e prestadores de serviços, em alguns casos, responsabilidade civil por dano ambiental, responsabilidade civil causados por outrem, entre outros.

Conclui-se assim, que é admitido em certos casos, a aplicação da teoria objetiva, baseada no risco e não na culpa do agente.

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