6. Funções da Responsabilidade
No direito brasileiro, a responsabilidade civil, possui algumas funções. A função reparatória e a função compensatória, são as tradicionais. Porém, há na doutrina, debates a respeito se existe também, função punitiva e função preventiva, em segundo plano.
6.1 Função Reparatória e Função Compensatória
A função reparatória e a compensatória, são as funções clássicas da responsabilidade civil.
De acordo com Paulo Nader, a responsabilidade civil visa o ressarcimento da lesão sofrida pelo ofendido. Sendo possível, com o retorno ao statu quo ante. Já a indenização pecuniária se justifica quando o tipo de dano causado não comporta aquela reparação, como se verifica nos danos de natureza moral ou quando a coisa é destruída, deste modo, o valor a ser estipulado deve ser o suficiente para compensar a lesão[42], ou seja, juntamente com a função reparatória, está presente a função compensatória
É necessário evidenciar ainda, que o retorno ao statu quo ante, segue o princípio restitutio in integrum, isto é, “tanto quanto possível, repõe-se a vítima à situação anterior à lesão. Isso se faz através de uma indenização fixada em proporção ao dano”. [43]
Assim sendo, a reparação deve abranger todos os danos impostos pelo agente à vítima, sejam estes materiais ou morais, sendo possível a cumulação das modalidades, uma vez que, de acordo com Cavalieri, “o dano causado pelo ato ilícito rompe o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vítima e assim há a necessidade fundamental de se restabelecer esse equilíbrio”.[44]
A grande questão, como explica Rosenvald, é que:
nenhum ressarcimento, por mais que se assuma compensativo, poderá́ eliminar a perda produzida pelo ilícito. A responsabilidade não é capaz, em passe de mágica, de produzir o retorno a um passado ideal e repor ao lesado a situação anterior ao ilícito. A série de eventos desencadeada pelo comportamento ilícito é irreversível e o ressarcimento, quando muito, realizará uma alocação subjetiva de uma parte da riqueza monetária que transitará do ofensor ao ofendido. Nesse sentido, o ressarcimento opera uma parcial compensação de caráter intersubjetivo.[45]
Ou seja, conforme Rosenvald, o ressarcimento não elimina a perda produzida pelo ilícito, mas serve para compensar a lesão.
6.2 Possibilidade de função preventiva
Há discussões doutrinárias se há função preventiva na responsabilidade civil, devendo o direito se antecipar, de forma a impedir que o dano venha a ocorrer, restabelecendo-se o equilíbrio e a segurança desejados pelo Direito. [46]Ou seja, a função precaucional tem como objetivo inibir atividades potencialmente danosas.
A previsão legal ou contratual da reparação reforça nas pessoas a consciência da importância de não lesar outrem. Porém, isso não é o suficiente para desestimular a prática do ilícito civil ou o inadimplemento da obrigação. Conforme Paulo Nader, mais importante do que a reparação é o efeito preventivo da disposição legal, uma vez que ao “impor a obrigação de reparar os danos, as sentenças judiciais desenvolvem uma atividade pedagógica, educativa, evitando, em muitos casos, a prática de atos ilícitos”.[47]
Ou seja, em um primeiro plano, condena-se o autor de danos, para atender a vítima e proporcionar-lhe justiça e em um segundo plano, condena-se para se evitar a reincidência ou para que as pessoas não violem os direitos subjetivos de outrem, ainda de acordo com Paulo Nader.
6.3 Possibilidade de função punitiva
Outra importante discussão doutrinária, é a respeito da função punitiva, uma vez que alguns doutrinadores acreditam em sua aplicação na esfera civil e outros não.
Pode ser considerada uma função secundária em relação à reposição das coisas ao estado em que se encontravam, porém, igualmente relevante. De acordo com o importante pensador Rosenvald, a função punitiva consiste na aplicação de uma pena civil ao ofensor como forma de desestímulo de comportamentos reprováveis.[48]
A função punitiva é muito utilizada no sistema norte-americano, conhecida também como punitive damages, no qual há a condenação por valores elevados. No ordenamento jurídico brasileiro, a finalidade punitiva é própria da esfera criminal, enquanto que no âmbito civil, é questionável sua utilização, em razão de ausência de previsão legal, do fato de que é vedado o enriquecimento sem causa, principalmente.
Apesar disso, na esfera processual civil, admite-se as astreintes, que é uma penalidade estipulada pelo juízo para a hipótese de descumprimento de obrigação, geralmente de fazer ou não fazer, cujo valor é progressivo. Assim, há na prática, a possibilidade da configuração do enriquecimento injusto. [49]
Em relação as punitive damages:
Conceitua-se o punitive damage como sendo um acréscimo econômico na condenação imposta ao sujeito ativo do ato ilícito, em razão da sua gravidade ou reiteração, que vai além do que se estipula como necessário para compensar o ofendido, no intuito de desestimulá-lo, além de mitigar a prática de comportamento semelhantes por parte de potenciais ofensores, no intuito de assegurar a paz social e consequente função social da responsabilidade civil. [50]
Para Paulo Nader, o sistema brasileiro não admite os punitive damages, prática esta que tem sido objeto de questionamento, inclusive nos Estados Unidos, de modo a evitar as exorbitâncias. Porém, considera que o sistema norte-americano atua como antítese do ordenamento pátrio e vice-versa, assim sendo, acredita que o nosso sistema de responsabilidade civil pode assimilar em parte as punitive damages e, de igual modo, aquele ordenamento pode ser revisto de acordo com a nossa experiência, evitando-se as exorbitâncias que a atual orientação permite.[51]
Já Fábio Ulhoa Coelho, admite as indenizações punitivas: “Entendo, portanto, ser cabível no direito brasileiro, mesmo sem lei que a estabeleça em termos gerais ou específicos, a indenização punitiva nos casos em que a conduta do demandado tiver sido particularmente reprovável”.[52]
Rosenvald afirma, que para haver este tipo de punição, a conduta deve revelar extrema reprovação social, como por exemplo, uma malícia, evidenciada pelo dolo ou grave negligência do agente.[53]
Ou seja, ainda há pouco consenso acerca do tema.
7. Responsabilidade de indenizar
7.1 Danos reparáveis
Assim como já exposto anteriormente, a responsabilidade civil impõe ao ofensor a plena reparação dos danos injustamente impostos à vítima, uma vez que não há responsabilidade civil sem dano.
Conforme Paulo Nader,
“o cumprimento desta obrigação se faz ressarcindo a pessoa diretamente atingida ou os seus dependentes. Por maior que sejam os prejuízos, estes devem ser arcados pelo responsável, ressalvada a hipótese de excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o prejuízo [...][54]
Cumpre-se salientar, que nem todo dano implica responsabilidade civil, como por exemplo, quando o agente atua em legítima defesa, no exercício regular do seu direito ou para remover perigo iminente.
Existem diversos tipos de danos, como o material, moral, estético, à imagem, entre outros, porém, neste trabalho, serão analisados apenas o dano material e moral.
7.1.1 Dano Material
O dano material, é também chamado comumente de dano patrimonial e é onde se encontram as perdas e danos, que compreende tanto o dano emergente quanto os lucros cessantes. “Evidentemente que o dano material é aquele que atinge o patrimônio da vítima, possível de ser quantificado e reparável por meio de uma indenização pecuniária, quando não se possa restituir o bem lesado à situação anterior”[55].
O critério para o ressarcimento do dano material encontrase no artigo 402 do Código Civil, que assim dispõe: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.[56]
O dano emergente (damnum emergens), decorre de injusta agressão que atinge o patrimônio da vítima, correspondendo assim, ao prejuízo imediato e mensurável. Ou seja, é o efetivo prejuízo, a diminuição patrimonial sofrida pela vítima.[57]
Na reparação do dano emergente, a meta é a restauração do bem lesionado, retornando-se ao status anterior, por meio de substituição do patrimônio lesionado por outro de igual espécie ou qualidade e não sendo isto possível, deverá ser arbitrada soma em dinheiro que corresponderá ao valor do bem deteriorado ou perdido. [58]
Já o lucro cessante, “é o que se deixou de auferir em razão do evento danoso. É vantagem patrimonial que não chega a ingressar no patrimônio do que sofreu a lesão”.[59] É o que a vítima, seja ela pessoa física ou jurídica, razoavelmente deixou de ganhar. Ou ainda, segundo Carlos Roberto Gonçalves é a frustração da expectativa de lucro ou de um ganho esperado.[60]
A estimativa do dano emergente se processa com mais facilidade, uma vez que é possível estabelecer-se com precisão o desfalque do patrimônio. Porém, se tratando de lucros cessantes, atuais ou potenciais, deve-se levar em conta a razão e o bom senso para verificar o prejuízo. [61]
7.1.2 Dano Moral
O dano moral, é chamado também de dano extrapatrimonial, uma vez que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio.
De acordo com Paulo Nader, no passado, muitos doutrinadores entendiam que apenas os danos materiais seriam passíveis de reparação, uma vez que se considerava a dor moral como insuscetível de avaliação pecuniária. O Código Civil de 1916, foi omisso quanto a disposições sobre dano moral, e assim, foi com a Constituição Federal de 1988 que este passou a ter expresso reconhecimento em nosso país. [62]
O artigo 1º, inciso III, da lei maior, aponta a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa; o artigo 5º, inciso X, assegura à reparação pelo dano moral, dispondo que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”[63]; no mesmo sentido, o inciso V, do supramencionado artigo, dispõe que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”[64]. No Código Civil de 2002, os danos morais foram também previstos, no artigo 186.
Ou seja, o argumento que se utilizava para não conceder indenização por danos morais, de que este era ausente na legislação, desaparece.
De acordo com Sérgio Cavalieri, com base na Constituição Federal, é possível conceituar o dano moral por dois aspectos distintos, em sentido estrito e em sentido amplo. Com relação ao dano moral em sentido estrito, o autor considera que:
[...] é violação do direito à dignidade. E foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que a Constituição inseriu em seu art. 5o, V e X, a plena reparação do dano moral. [...] Qualquer agressão à dignidade pessoal lesiona a honra, constitui dano moral e é por isso indenizável. [...] Ofensa a tais postulados exige compensação indenizatória [65]
O autor também define o dano moral sem sentido amplo:
é violação de algum direito ou atributo da personalidade. Os direitos da personalidade constituem a essência do ser humano, independentemente de raça, cor, fortuna, cultura, credo, sexo, idade, nacionalidade. São inerentes à pessoa humana desde o nascimento até́ a morte. A personalidade é o conjunto de caracteres ou atributos da pessoa humana. [...]. Nessa categoria incluem-se também os chamados novos direitos da personalidade: a imagem, o bom nome, a reputação, sentimentos, relações afetivas, aspirações, hábitos, gostos, convicções políticas, religiosas, filosóficas, direitos autorais. Em suma, os direitos da personalidade podem ser realizados em diferentes dimensões e também podem ser violados em diferentes níveis. [...] ainda que sua dignidade não seja arranhada.[66]
Sérgio Cavalieri, ainda recomenda, para evitar abusos, que só se deve reputar como dano moral “a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angustia e desequilíbrio em seu bem-estar”.[67] Ou ainda de acordo com Carlos Roberto Gonçalves, que “acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação”.[68]
Porém, conforme a autora Maria Celina Bodin de Moraes, ao adotar esta posição (de que o dano moral é o sentimento de dor, vexame ou humilhação) a jurisprudência se mostra vacilante e confusa, tanto na identificação do dano, quanto em consequência, ao que se refere à sua avaliação, demonstrando de maneira evidente, o grau de desorientação em que se encontra a reparação de dano moral no âmbito forense.[69]
Além disso, a autora destaca que um dos grandes problemas nesta área, está em avaliar ou quantificar a reparação em número dos danos morais e que embora este dano não possa ter seu equivalente em dinheiro, há que se buscar reparação, que deverá servir como acalento e conforto para a vítima. [70] O critério para definir o valor da reparação, tem sido basicamente a reprovação da conduta e as condições socioeconômicas da vítima e do ofensor.
Maria Celina Bodin de Moraes, após apresentar algumas problemáticas dos danos morais no Brasil, frisa que os danos morais
Trata-se de um mal evidente, proveniente de sentimentos de vexame, tristeza, de humilhação, e que deve ser reparado pecuniariamente, ao arbítrio do magistrado, cabendo a este, ao determinar o valor da indenização, aplicar uma punição ao causador do dano, sem que necessite, porém, justificar como chegou àquele valor, o quantum indenizatório, bastando que descreva o que entendeu por situação danosa [...]. [71]
Ademais, doutrina e jurisprudência dominantes têm como adquirido que
O dano moral é aquele que, independentemente do prejuízo material, fere direitos personalíssimos, isso é, todo e qualquer atributo que individualiza cada pessoa, tal como a liberdade, a honra, a atividade profissional, a reputação, as manifestações culturais e intelectuais, entre outros. O dano ainda é considerado moral quando os efeitos da ação, embora não repercutam na órbita de seu patrimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, tristeza ou humilhação à vítima, trazendo-lhe sensações e emoções negativas [72]
Porém, não é qualquer dano moral que é indenizável. Para haver a possibilidade de reparação de dano moral, este deve ser razoavelmente grave e intenso para ser indenizado, de modo que possa facilmente ser distinguido dos aborrecimentos da vida cotidiana. Ou seja, deve causar um grande sofrimento ao indivíduo.
Cabe-se ressaltar ainda, que tanto o dano patrimonial como o dano extrapatrimonial exigem a prova do fato lesivo, para que não fique dúvidas quanto à sua ocorrência, uma vez que se não tem dano, não há o que se indenizar.
Outro ponto a ser discutido acerca deste tema, é que quando a pessoa sofre dano moral, deve ter direito a uma satisfação de cunho compensatório. Fala-se em compensação, pois dano moral não é propriamente indenizável. “Indenizar é palavra que provém do latim, in dene, que significa devolver o patrimônio a estado anterior”[73] Ora, isto não é possível em situações em que há danos morais, por isso que é mais adequado utilizar a palavra compensação, apesar de não deixar de usar a palavra indenização, pois o próprio texto constitucional, se refere a indenização do dano moral.
Aspecto importante, é que o dano será injusto ainda que “decorrente de conduta lícita, afetando aspecto fundamental da dignidade humana”. [74]
Importante questão, era em relação à possibilidade de cumular as indenizações por danos materiais e morais. Esta matéria já está pacificada, sendo permitida, uma vez que é necessário assegurar a todos os interesses da vítima. Passou a ser reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça ao formular a Súmula 37, que diz: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral, oriundos do mesmo fato”.
É de se salientar, que além do próprio ofendido, poderão reclamar a reparação do dano moral, dentre outros, seus herdeiros, seu cônjuge ou companheira e os membros de sua família a ele ligados afetivamente.
Conclui-se assim, que a dor moral realmente não tem preço, mas cabe as vítimas uma compensação.